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A aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil objetiva do empregador aos casos de doenças do trabalho

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Agenda 14/03/2012 às 14:07

2. DOENÇA OCUPACIONAL

No capítulo anterior vimos que o ordenamento jurídico brasileiro tutela a proteção ao meio ambiente do trabalho.

No entanto, no que concerne aos efeitos práticos dos referidos preceitos normativos, nem sempre estes realizam inteiramente no plano da concretude, pois o que se verifica é que “[...] uma coisa é a intenção do legislador, outra é a realidade existente.” 54

O que se assevera é que muitas atividades laborais são exercidas de maneira a lesionar a saúde física e mental dos trabalhadores impossibilitando a realização do seu bem-estar e violando o seu direito constitucional à vida digna e de qualidade.

No presente capítulo, será abordada a questão das doenças ocupacionais, suas causas, consequências e peculiaridades, bem como os fatores organizacionais que potencializam os riscos de danos à saúde dos trabalhadores.

2.1 Histórico das leis acidentárias

O avanço da industrialização, a partir do século XIX, implicou no aumento do número de vítimas decorrentes das precárias condições de trabalho. As consequências sócias do problema acabaram influenciando no surgimento de normas jurídicas para proteger os trabalhadores.55

Surgiram diversos projetos, no início do século XX, na tentativa de se instituir uma lei específica para regulamentar os acidentes do trabalho. Esse esforço resultou no advento do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de Janeiro de 1919, considerado a primeira norma jurídica brasileira a tratar do acidente do trabalho, com uma definição bem restritiva do que ele seria.56

Segundo esse diploma legal, a caracterização do acidente do trabalho dependia da constatação de quatro requisitos: evento súbito, violento, involuntário e externo57. A doença ocupacional, por sua vez, era aquela “contraída exclusivamente pelo exercício do trabalho”.58

Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934 – segunda lei acidentária - estendeu o conceito de acidente para abranger as doenças profissionais atípicas, ao defini-lo como “toda lesão corporal, perturbação funcional, ou doença produzida pelo exercício do trabalho ou em consequência dele”.59

A terceira lei acidentária, o Decreto-Lei n. 7.036, foi aprovado 10 anos após, em 10 de novembro de 1944, e promoveu outra ampliação do conceito de acidente do trabalho ao adotar a teoria das concausas60 e instituir a obrigação, para o empregador, de proporcionar a seus empregados a máxima segurança e higiene no trabalho, prevendo, também, a obrigação dos empregados de cumprir as normas de segurança determinadas pelo empregador61. Outro marco importante, previsto no art. 95, foi a obrigação atribuída ao empregador de formalizar o seguro contra os riscos de acidente perante a instituição previdenciária de filiação do empregado.62

A quarta lei acidentária foi o Decreto-Lei n. 293, de 28 de fevereiro de 1967 – que teve duração de apenas seis meses. Ainda no mesmo ano, em 14 de setembro, que restabeleceu dispositivos do Decreto-lei n. 7.036. Essa lei englobou no conceito legal os acidentes in itinere e criou plano específico de benefícios previdenciários acidentários.63

Em 19 de outubro de 1976, foi promulgada a Lei n. 6.367 - sexta lei de acidente do trabalho -, que manteve as noções básicas da lei anterior. A inovação deu-se com a equiparação da doença proveniente da contaminação acidental do pessoal da área médica ao acidente do trabalho. Permitiu, ainda, em casos excepcionais, a equiparação de doenças não indicadas pela Previdência Social, quando estas estivessem relacionadas com as condições especiais em que o serviço fosse prestado.64

Atualmente, vigora a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 – sétima lei acidentária – promulgada em consonância com os ditames da Constituição da República de 1988. Nos artigos 19 a 23 estão delineados os aspectos centrais do acidente do trabalho, com regulamentação dada pelo Decreto n. 3.048, de 06 de Maio de 1999.65

2.2 Conceito de Doença Ocupacional

Ressalte-se, inicialmente, que o legislador não conseguiu formular um conceito de acidente do trabalho que abrangesse todas as hipóteses em que o exercício da atividade profissional pelo empregado gerasse incapacidade.

Diante dessa dificuldade conceitual, a lei definiu o acidente do trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico ou acidente tipo e acrescentou um sentido mais amplo, contemplando outras hipóteses que se equiparam ao acidente típico para os efeitos legais. Isto porque a incapacidade também pode surgir por fatores causais que não se encaixam diretamente no conceito estrito de acidente do trabalho, tais como as doenças ocupacionais.

As doenças ocupacionais ocupam um grande papel dentro do instituto do acidente do trabalho. Desde a primeira lei acidentária, de 1.919, as doenças provocadas pelo trabalho do empregado são consideradas como acidente do trabalho. O art. 1º do Decreto Legislativo n. 3.724 de 1.919 mencionava a “moléstia contraída exclusivamente pelo exercício do trabalho”. No correr do tempo a legislação incorporou as doenças profissionais atípicas, que passaram a ser denominadas de “doenças do trabalho”, o que se deu a partir da quarta lei acidentária, de 1967.66

Em decorrência das importantes repercussões jurídicas do acidente do trabalho, o seu conceito e abrangência estão fixados em lei. Além do acidente típico, o legislador vem ampliando a proteção, incluindo outras situações equiparáveis, como as doenças ocupacionais, cujas consequências para o empregado são semelhantes.

O conceito atual de acidente típico pode ser extraído do art. 19 da lei n. 8.213/1991:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei [segurado especial], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

As doenças ocupacionais, por sua vez, estão previstas no artigo 20 da mesma lei, sendo que seus efeitos jurídicos equiparam-se aos do acidente típico:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Segundo Russomano, citado por Sebastião Geraldo de Oliveira, o acidente e a enfermidade apresentam conceitos distintos. A equiparação entre ambos os institutos ocorre apenas no plano jurídico, com reflexos nas reparações e nos direitos que resultam ao trabalhador. “Enquanto o acidente é um fato súbito que ocasiona lesão, a enfermidade é um estado patológico ou mórbido, ou seja, perturbação da saúde do trabalhador”.67

Assim sendo, imprescindível se faz distinguir o conceito das três denominações empregadas: doença profissional, doença do trabalho e doença ocupacional.

As doenças ocupacionais compreendem tanto as doenças profissionais quanto as doenças do trabalho, preconizadas nos incisos I e II, do art. 20, da lei de benefícios.

Os autores Castro e Lazzari destacam que:

As doenças ocupacionais são aquelas deflagradas em virtude da atividade laborativa desempenhada pelo indivíduo. Valendo-nos do conceito oferecido por Stephanes, são as que resultam de constante exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, ou mesmo de uso inadequado de novos recursos tecnológicos, como os da informática. Dividem-se em doenças profissionais e do trabalho.68

As doenças profissionais, conhecidas, ainda, com o nome de “idiopatias”, “ergopatias”, “tecnopatias” ou “doenças profissionais típicas”, são as produzidas ou desencadeadas pelo exercício profissional peculiar de determinada atividade, ou seja, são doenças que decorrem necessariamente do exercício de uma profissão. Por isso, prescindem de comprovação de nexo de causalidade com o trabalho, porquanto há uma relação de sua tipicidade, presumindo-se, por lei, que decorrem de determinado trabalho. Tais doenças são ocasionadas por microtraumas que cotidianamente agridem e vulneram as defesas orgânicas, e que, por efeito cumulativo, terminam por vencê-las, deflagrando o processo mórbido69.

A doença profissional é aquela causada pela própria atividade prestada pelo trabalhador, visto que, no exercício de tal atividade, dá-se a atuação do fator patogênico que vai intoxicar ou infectar o obreiro. Em outras palavras, o trabalhador executa a sua função, envolvido pelo fator patogênico, que é peculiar ou próprio da atividade exercida70.

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Como exemplos de doença profissional têm-se a silicose – pois se sabe que há muito tempo os trabalhadores de mineração estão sujeitos à exposição do pó de sílica, que vai se alojando em seus pulmões, de forma paulatina e progressiva, desencadeando a pneumoconiose -, o saturnismo (doença causada pelo chumbo), o hidragismo (doença causada pela exposição ao mercúrio) e a asbestose (doença causada pelo abesto ou amianto).

Quanto às doenças do trabalho, também denominadas de “mesopatias” ou “doenças profissionais atípicas”, são aquelas desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacionam diretamente. Da mesma forma que as doenças profissionais, decorrem de microtraumas acumulados. No entanto, por serem doenças atípicas, exigem a comprovação do nexo de causalidade entre elas e o trabalho, em regra, mediante vistoria no ambiente em que atua ou se atuava o trabalhador. São várias as doenças do trabalho atípicas, sendo que as doenças comuns podem não derivar do trabalho ou dele decorrerem diretamente. Por exemplo, uma bronquite asmática pode acometer qualquer pessoa, trabalhadora ou não, porque normalmente provém de um risco genérico. Mas, dependendo das condições em que o trabalho é prestado, o trabalhador pode adquirir tal doença, ocasião em que o risco genérico transforma-se em risco específico indireto71.

No que tange às condições especiais, trata-se de circunstâncias extrínsecas à atividade laboral, não-inerente ao exercício do trabalho, mas que, na hipótese determinada, envolvem o seu exercício. Exemplifica-se com varizes nas pernas, que podem ser adquiridas por condições especiais em que o trabalho é prestado, como a do balconista que precisa permanecer em pé durante toda a jornada de trabalho, em boa parte do tempo sem se movimentar.72 Não se trata de condições específicas da atividade do balconista, mas de condições especiais relacionadas a determinado empregado e que, portanto, precisam ser demonstradas.

Infere-se, pois, que a doença do trabalho diferencia-se da doença profissional por não ser exclusiva do trabalho, ou seja, são enfermidades comuns, que podem ou não advir do trabalho. Já a doença profissional caracteriza-se pela afetação específica de determinado ofício diante de condições peculiares a que são submetidos os trabalhadores, culminando, assim, em enfermidades típicas de determinadas atividades laborais.73

Atendendo a determinação legal, o regulamento constante do Decreto n. 3.048, de 1.999, traz anexos para estabelecer a tipicidade das doenças profissionais, causadas pelos agentes patogênicos ali relacionados, bem como as doenças do trabalho. No entanto, é pacífico o entendimento segundo o qual a relação de doenças ali contidas é meramente exemplificativa. Tanto é assim que o § 2º, do art. 20, da Lei de Benefícios prevê que, em casos excepcionais:

constando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. 74

Com efeito, verificando-se que o obreiro sofre de enfermidade listada pelo Ministério do Trabalho e Emprego como doença profissional, há presunção iuris tantum de que a doença decorreu das condições de trabalho. Por outro lado, no caso de doença do trabalho, caberá ao empregado comprovar que a patologia desenvolveu-se em razão do desequilíbrio no meio ambiente do trabalho.

Dentre as doenças do trabalho, destaque merece a tenossinovite, que normalmente acomete os digitadores. A preocupação com a saúde dos trabalhadores relacionados às atividades de teleatendimento/telemarketing é tão grande, que, recentemente, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, editou a Portaria n. 9, de 30 de março de 2007 – publicada no DOU de 2 de abril de 2007 – aprovando o Anexo II da NR-17, estipulando normas regulamentares específicas para o setor, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança, saúde e desempenho eficiente aos trabalhadores que se ativam nesse serviço. O referido anexo contém normas quanto ao mobiliário do posto de trabalho, aos equipamentos utilizados, às condições ambientais e à organização do trabalho, além de outras diretrizes, de modo a proporcionar boas condições ergonômicas para a prestação laboral.

2.3 Nexo Técnico Epidemiológico

O Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), criado pela Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que alterou a Lei n. 8.213/91, consiste em um meio de se identificar a correlação existente entre a atividade profissional desempenhada em determinado segmento econômico a partir da utilização da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) e a doença do empregado identificada na Classificação Nacional de Doenças (CID-10). O NTEP possibilita o reconhecimento automático da presunção de existência das enfermidades próprias da categoria específica do trabalhador.75

Wladimir Novaes Martinez, citado por Francisco Milton Araújo Junior, a respeito do nexo epidemiológico, esclarece que:

Do ponto de vista jurídico ele é uma relação legal presumida entre uma série continuada e insidiosa de ocorrências laborais contidas no contrato de trabalho e um agravo alegado pelo segurado e comprovado pela perícia médica do INSS, que possa efetivamente ser atribuído ao exercício da atividade laboral, inferido estatisticamente e epidemiologicamente.76

A partir da criação deste instituto, os trabalhadores acometidos de patologia incapacitante para o trabalho, cuja causa relacione-se epidemiologicamente à atividade econômica da empresa, poderão buscar diretamente o benefício previdenciário, sem a necessidade de emissão de Comunicação Acidente do Trabalho, em razão do enquadramento automático realizado pela perícia médica do INSS como doença decorrente do contrato de trabalho.

Como bem destaca Francisco Milton Araújo Júnior:

o nexo epidemiológico constituiu em grande avanço do ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que instituiu a inversão do ônus da prova na caracterização da doença ocupacional, ou seja, passou-se a considerar a presunção relativa da ocorrência da doença ocupacional mediante o enquadramento epidemiológico do CNAE da empresa, cabendo ao empregador o ônus de desconstituir o NTEP mediante a produção de prova, consoante estabelece o art. 21-A, da Lei n. 8.213. Trata-se, pois, de presunção relativa, pois poderá a empresa comprovar a ausência da natureza ocupacional da doença77.

A principal consequência dessa nova sistemática é a inversão do ônus da prova, já que competirá ao empregador demonstrar a ausência do caráter ocupacional da doença.

Com efeito, a questão da inversão do ônus da prova na caracterização da doença ocupacional será melhor abordada no capítulo seguinte, que trata da responsabilidade civil do empregador.

2.4 Enfermidades excluídas do conceito de doenças ocupacionais

O legislador além de conceituar as doenças decorrentes do acidente do trabalho, preocupou-se ainda em excluir aquelas que não advêm do exercício da atividade laboral. O artigo 20, §1º, da Lei nº 8.213/1.991, preceitua que:

Art. 20 [...]

§1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Sobre este rol taxativo Sebastião Geraldo de Oliveira ensina que “nas hipóteses mencionadas nesse parágrafo, pode-se perceber que a doença não tem nexo causal com o trabalho: apareceu no trabalho, mas não pelo trabalho”.78

Algumas doenças degenerativas são oriundas do exercício da atividade laboral. Isto significa que, à primeira vista, alguns sintomas não são ligados a certas doenças laborais, porém, pelo exercício cotidiano de determinada atividade, a doença anteriormente diagnosticada acaba se tornando uma doença ocupacional, tendo o trabalho não como sua causa direta, mas como concausa, diante do agravamento da doença ocasionado pela função exercida.

Todavia, o que a alínea “a” procurou ressalvar foi aquela categoria de doenças que ocorreriam independentemente da atividade profissional por ele exercida. Nestes casos cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social ou ao médico do trabalho realizar o diagnóstico corretamente, para que não haja dúvidas quanto à possibilidade da doença ser ocupacional.

A doença inerente a grupo etário é aquela ligada de modo inseparável à idade como fator determinante de sua ocorrência. Sua causa não decorre das atividades exercidas, e, sim, da própria idade. Como exemplo dessa doença, tem-se a presbiacusia, que é a perda da acuidade auditiva iniciada a partir dos 30 anos, resultante da degenerescência das células sensoriais.79

Também não são consideradas doenças do trabalho, aquelas que não ensejam a perda da capacidade laboral, como simples queda, ou mesmo um pequeno corte.

Será considerada acidentária somente a doença do trabalho que resultar na incapacidade laborativa, temporária ou permanente, pois, caso contrário, será apenas conceituada como doença comum. Para tanto, deve-se ter como parâmetro o rendimento do próprio examinado e não a média da população operária.

Para a melhor verificação da incapacidade ou não do trabalhador, o que deve ser considerado é a média de produtividade antes do infortúnio e depois deste. O rendimento médio da população brasileira não deve ser utilizado como parâmetro fixo, pois o ambiente de trabalho de cada um é diferente, além da singularidade do metabolismo de cada indivíduo.

A quarta hipótese é a enfermidade própria de determinadas regiões do país, peculiar a um povo, por força das condições locais. Contempla o dispositivo expressa ressalva ao fato de poder ser a doença adquirida pela exposição ou contato direto determinado pelo trabalho. Nesse caso, se as condições de trabalho forem determinantes no surgimento da doença, esta será considerada ocupacional.80

Cumpre ressaltar, ainda, que as formas de adoecimento pelo trabalho vêm sendo modificadas, “[...] devido às transformações nos processos de produção e de organização do trabalho, decorrentes da incorporação de tecnologias e estratégias gerenciais [...]81”, culminando no surgimento de novas moléstias, como a depressão, Burn-out, Síndrome da fadiga crônica etc. Por esta razão, o legislador buscou flexibilizar o rol de doenças ocupacionais, no intuito de se evitar o engessamento das possíveis enfermidades oriundas das relações laborais.82

Ver-se-á, mais adiante, que um dos elementos da responsabilidade civil é o nexo causal, isto é, a lesão ou o dano deve decorrer da conduta (ação ou omissão) do agente. Logo, em analogia com este elemento, podemos concluir que somente haverá acidente do trabalho [em seu sentido amplo] se a lesão ou incapacidade for decorrente do exercício da atividade laboral.

Se toda e qualquer enfermidade que aparecesse no trabalho fosse considerada como doença do trabalho, qualquer gripe ou enxaqueca seria reputada como ocupacional, o que não é correto afirmar, por se tratar de doença comum a qualquer indivíduo.

2.5 Acidentes Típicos

Também denominados de acidente-tipo, macrotrauma ou acidente do trabalho strictu sensu, os acidentes típicos encontram-se previstos no art. 19 da Lei n. 8.213/9183.

Para melhor compreensão do tema, são trazidos à baila alguns conceitos extraídos da doutrina:

Segundo Maria Helena Diniz

Acidente do Trabalho é aquele que resulta no exercício do trabalho, provocando, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional, ou doença que determine morte, perda total ou parcial, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.84

De acordo com José de Oliveira

Acidente do trabalho significa um acontecimento relacionado com o trabalho, capaz de determinar a morte, perda ou redução da capacidade laborativa, sendo integrantes do conceito de acidente o fato lesivo à saúde física ou mental, o nexo causal entre este e a redução da capacidade laborativa.85

Na ótica deste último autor86, são considerados acidentes do trabalho aqueles que têm “a subtaneidade da causa e o resultado imediato”. Assim, está inserido neste conceito aquele acidente em que o empregado é lesado instantaneamente e o resultado do dano lhe é inerente desde o momento que o sofreu. Antônio Lopes Monteiro também o chama de “macrotrauma” e conceitua como “um evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente imediatas”.87

Assim, com o objetivo de ilustrar o referido conceito com uma situação corriqueira, usa-se como exemplo o trabalhador que perde os dedos da mão manejando uma serra elétrica.

Também estão inseridos no conceito de acidentes do trabalho os infortúnios in itinere, isto é, de trajeto, eis que ao dirigir-se para o trabalho, já se encontra à disposição do empregador, e o ir e vir do operário é exigência da própria atividade laborativa, ficando, por isso mesmo, coberto pela tutela infortunística.88 Já se decidiu que o simples desvio de trajeto não desconstitui o acidente do trabalho. Porém, se o trabalhador mudar totalmente de rumo, não haverá o acidente. Nesse sentido, a Jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região:

ACIDENTE DE PERCURSO. RESPONSABILIDADE CIVIL. A regra geral de que o simples acidente de trajeto ou in itinere não enseja a indenização por parte do empregador, mas apenas a incidência da cobertura do seguro previdenciário, não é absoluta. Uma vez demonstrados os elementos ensejadores da responsabilidade subjetiva, ou seja, nexo causal entre o evento e a conduta da empresa, a culpa e os danos alegados, o empregador fica obrigado a reparar os danos decorrentes do infortúnio89.

2.6 Estatísticas acerca das doenças ocupacionais

Sebastião Geraldo de Oliveira, em sua obra Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional, relata-nos as lamentáveis estatísticas decorrentes de acidente do trabalho.90

Em 1985, segundo levantamento da OIT, a cada segundo, pelo menos, quatro trabalhadores no mundo sofriam algum tipo de lesão e a cada três minutos um perdia a vida em decorrência de acidente do trabalho ou doença ocupacional.91

A situação piorou consideravelmente em menos de duas décadas. De acordo com estatísticas divulgadas pela OIT em 2003, ocorriam por ano, no mundo, 270 milhões de acidentes, o que representa uma média aproximada de 740 mil por dia ou nove por segundo.92

Para Sebastião Geraldo de Oliveira:

além das perdas humanas e todos os efeitos colaterais dolorosos, há um custo econômico extraordinário que ultrapassa anualmente um trilhão de dólares americanos, por volta de 4% do produto interno bruto global, o que demonstra a necessidade urgente de adoção de políticas efetivas voltadas para o enfrentamento do problema93.

Tais estatísticas reforçam a ideia de que o local de trabalho, que deveria servir para o homem ganhar a vida, tem se transformado em local de degradação humana.

No Brasil, os índices de acidentes do trabalho atingiram números alarmantes a partir de 1975, bem superiores à média mundial. Durante os 20 anos seguintes, ocorreram quedas sucessivas, reduzindo o número de acidentes do trabalho de dois milhões para aproximadamente 400 mil por ano.94

Infelizmente, nessa última década, a quantidade de acidentes manteve-se praticamente no mesmo patamar, o que demonstra que a política atual sobre a questão chegou ao seu limite de resposta, necessitando de técnicas mais aprimoradas para resolver o problema. Em que pese algumas melhorias pontuais nos acidentes fatais e nas doenças ocupacionais, resultantes de medidas específicas, ainda é muito cedo para comemorações.95

Segundo dados extraídos do Ministério da Previdência, em 2009, foram registrados na Previdência Social 723.452 acidentes de trabalho, dos quais em 528.279 (correspondentes a 73% dos casos) houve a emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT; e em 195.173 (27%) a CAT não foi providenciada.96

Vale ressaltar que a estatística é feita com base em informações prestadas geralmente pelo empregador sobre o acidente. E por esse motivo, é grande a quantidade de ocorrências que não são notificadas, por ignorância dos envolvidos, por receio das consequências, por falta de registro formal do trabalhador, para evitar que o empregado goze da estabilidade prevista pelo art. 118 da Lei 8.213/91, ou mesmo para desonerar o empregador dos depósitos fundiários. Estima-se que apenas 50% dos acidentes efetivamente ocorridos são registrados, principalmente após a instituição da estabilidade provisória, pelo artigo 118 da Lei 8.213/91.97

Outro grande fator que compromete as estatísticas é que muitas doenças ocupacionais e, portanto, equiparadas legalmente a acidentes do trabalho, são diagnosticas e tratadas como doenças comuns, gerando no INSS o auxílio-doença previdenciário (B-31) e não o auxílio doença por acidente do trabalho (B-91).98

Contudo, com a instituição do Nexo Técnico Epidemiológico – analisado no item 2.3 – o número de doenças ocupacionais registradas teve um aumento significativo, haja vista que a CAT tornou-se elemento prescindível à sua constatação, sendo necessária apenas a verificação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, definido através da relação entre a enfermidade (CID-10) e a atividade preponderante da empresa (CNAE). 99

Verifica-se, por meio de informações do Ministério da Previdência Social, que em 2007 houve um aumento de 27,5% no número de acidentes do trabalho registrados, comparado com 2006 [ano em que foi instituído o NTEP]. Tais dados refletem as alterações na nova sistemática de reconhecimento de doenças ocupacionais.100

Outro fator responsável pelo aumento no número das doenças ocupacionais, de acordo com as estatísticas do INSS101, deve-se ao aperfeiçoamento na análise dos fatores causais da doença, já que médicos do trabalho estão mais atentos para visualizar o paciente no seu ambiente laboral e a legislação ampliou consideravelmente as hipóteses das doenças consideradas ocupacionais102.

De toda forma, os números dos acidentes do trabalho refletem a marca dolorosa do problema, longe de ser resolvido.

2.7 Fatores contributivos para o desencadeamento de doenças ocupacionais

Hoje, o maior problema enfrentado pelos trabalhadores é a falta de efetividade das normas protetoras. Infelizmente, os avanços na legislação não vêm acompanhados de mudanças no comportamento social.

O trabalhador, do ponto de vista legal, encontra-se fortemente protegido. Há, no ordenamento jurídico pátrio, uma série de normas, começando pela própria Constituição Federal, tutelando a proteção à saúde do trabalhador, ao meio ambiente equilibrado, as condições mínimas de trabalho etc. Contudo, o que se tem visto na prática é o completo descaso patronal em adotar as medidas básicas de proteção e segurança de seus trabalhadores.

Com uma fiscalização ineficiente e pouco intimidadora, com empregados que temem lutar por seus direitos, dificilmente a classe econômica se preocupará em providenciar mudanças nas condições de trabalho, pois mesmo desrespeitando habitualmente as normas de proteção ao trabalho, raramente lhe é aplicada alguma sanção.

Além do problema da efetividade das normas, existem outros fatores, a seguir analisados, que contribuem para a manutenção dessa inadmissível situação.

2.7.1 Dispersão das responsabilidades do Estado

Para Sebastião Geraldo de Oliveira, “falta unidade na atuação do Estado para solucionar os problemas relacionados com a saúde do trabalhador”. De modo que a responsabilidade acaba sendo diluída entre os vários órgãos existentes, “acarretando visões parciais do problema, com esforços desarticulados”.103

O fracionamento dessas atribuições faz com que alguns órgãos atuem na prevenção, outros nas causas, outros nas consequências e outros, ainda, na reparação, sem que nenhum deles tenha, de fato, visão nítida e global da questão, tornando o problema da saúde do trabalhador uma matéria diluída nas atribuições dos órgãos. 104

A falta de coordenação e comunicação entre os diversos organismos reflete na efetividade das normas de proteção, ao dificultar a adoção de um comportamento sintonizado.

Observa-se que o art. 15.2 da Convenção n. 155 da OIT recomenda o estabelecimento de um organismo central e integrado, como possível solução a essa dispersão de responsabilidades, quando a prática e as condições nacionais assim permitirem.105

2.7.2. Instabilidade no emprego

A insegurança no emprego e o medo de ser dispensado acabam por dificultar a luta dos obreiros por melhores condições de trabalho, contribuindo para a falta de efetividade das normas protetoras106.

Ao empregado deve ser assegurado o direito de lutar por um ambiente de trabalho saudável, no intuito de preservar sua integridade física e bem estar, sem que isso o prejudique em sua relação laboral.

2.7.3 Falta de conscientização

A falta de conscientização dos trabalhadores e empresários tem como uma das principais causas a deficiência na formação dos profissionais que atuam na área de saúde do trabalhador.107

Para Sebastião Geraldo de Oliveira, “a ignorância do assunto acarreta a inércia do movimento sindical, dos trabalhadores, que seguem apáticos, indiferentes, até que são surpreendidos por um problema de saúde decorrente das péssimas condições do ambiente do trabalho”108.

A inércia do empregado na luta por melhores condições de trabalho e a falta de conscientização da importância de uma atuação eficiente são condutas que dificultam a implementação das normas de saúde, higiene e segurança.

2.8 Medidas Preventivas

Certamente, o melhor caminho para a prevenção das doenças ocupacionais é resgatar o trabalhador como sujeito, recuperar sua potencialidade e garantir espaço para sua criatividade e liberdade de movimento.

Em razão da gravidade da questão é que se mostra necessário um trabalho efetuado com muita seriedade no sentido de prevenir a doença. Não foi à toa que a CRFB/88 consagrou um dispositivo específico acerca da redução dos riscos inerentes ao trabalho.109

Conforme dispõe a Instrução Normativa n. 98, de 5 de dezembro de 2003, do INSS, a prevenção da doença ocupacional não atingirá seu fim apenas com medidas isoladas, de correções de mobiliários e equipamentos de proteção, ela exige um trabalho a ser executado de modo integrado.

A NR 9, instituída pela Portaria 3.214, de 08 de junho de 1978, com redação determinada pela Portaria 25, de 29 de dezembro de 1994, estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).110

O PPRA visa à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, por meio da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.

Consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador.

Por sua vez, cabe aos trabalhadores: colaborar e participar na implantação e execução do PPRA, seguir as orientações recebidas nos treinamentos, além do dever de informar ao seu superior hierárquico direto ocorrências que, a seu julgamento, possam implicar risco à saúde dos trabalhadores.

Destaque também merece a NR 7, de 08 de junho de 1978, que instituiu o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional – PCMS -, cujos objetivos principais são a prevenção, localização e diagnóstico precoce de qualquer alteração na saúde provocada pelo ambiente de trabalho, bem como a verificação de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde do trabalhador. A principal diferença entre o PCMS e o PPRA é que, enquanto este é mais voltado para o meio ambiente de trabalho, aquele tem como foco principal o trabalhador.111

De toda forma, ambos os programas representam fortes mecanismos na proteção à saúde do trabalhador.

Sobre a autora
Mayara Santos de Sousa

Advogada em Goiânia (GO).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Mayara Santos. A aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil objetiva do empregador aos casos de doenças do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3178, 14 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21282. Acesso em: 19 nov. 2024.

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