3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR
Neste capítulo serão analisados os pressupostos básicos da responsabilidade civil, bem como suas classificações. Abordar-se-á, ainda, a possibilidade de adoção da teoria do risco e, consequentemente, da responsabilidade objetiva aos casos de doença do trabalho, espécie do gênero doenças ocupacionais.
3.1 Noções básicas
O direito do empregado à indenização por acidente de trabalho, ou situação equiparada, encontra respaldo constitucional. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, dispõe que:
Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
[...]
O Código Civil também disciplina a matéria, especialmente em seus artigos 186 e 927.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Percebe-se, pois, que, na hipótese apresentada pelo caput do art. 927, a responsabilidade civil advém do cometimento de um ato ilícito, enquanto no parágrafo único do mesmo artigo, a reparação decorre do exercício de uma atividade de risco, tendo ambos os institutos a finalidade a reparação dos prejuízos ocasionados à vítima.
3.2 Evolução da responsabilidade civil
A responsabilidade civil do empregador foi alvo de muita discussão, em razão da existência de legislação especial acerca de acidente do trabalho. Entendia-se que o pagamento do seguro acidentário seria o suficiente a cobrir todos os riscos relacionados aos infortúnios laborais e que o pagamento de uma indenização complementar implicaria em bis in idem.112
O artigo 12 do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, previa, expressamente, a exclusão da responsabilidade civil, in verbis:
Art.12 – A indenização estatuída pela presente lei exonera o empregador de pagar à vítima, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum.
A Lei acidentária tinha limites estabelecidos que não atingiam o ressarcimento integral do dano, o que implicava um profundo paradoxo, uma vez que a lei especial que veio para proteger o acidentado, era menos benéfica que a norma geral, prevista no Código Civil.113
A correção desse problema teve início com o Decreto-Lei 7.036, de 10 de novembro de 1944, que, em seu artigo 31, previu a responsabilidade civil quando o acidente resultasse de dolo do empregador ou de seus prepostos.114
Artigo 31 – O pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus prepostos.
A jurisprudência, por sua vez, avançou na interpretação deste artigo, ao equiparar a culpa grave ao dolo do empregador, o que culminou com a edição da Súmula 229 pelo STF, a qual dispunha que “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.115
Mesmo com a revogação do Decreto-Lei n. 7.036/44, a referida súmula foi mantida, pois acabou prevalecendo a corrente defensora do concurso das duas indenizações, ou seja, a vítima receberia o benefício acidentário e as indenizações correspondentes ao mesmo tempo.116
Em 1987, quando da elaboração da Constituição Cidadã, a questão foi amplamente debatida, o que culminou com a inserção, por meio de emenda aditiva, do artigo 7º, XXVIII, já transcrito.117
Esse artigo ampliou sobremaneira o campo da responsabilidade civil ao não qualificar o grau de culpa do empregador, lembrando que anteriormente somente a culpa grave ensejava a responsabilidade civil. Assim, consolidou-se o entendimento de que todas as espécies de culpa são suscetíveis de gerar o direito à indenização.118
A Lei 8.213/91, em sintonia com a Constituição Federal, dispôs em seu artigo 121 que “o pagamento pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.
Sebastião Geraldo de Oliveira destaca que:
Quando o empregador descuidado dos seus deveres concorrer para o evento do acidente com dolo ou culpa, por ação ou omissão, fica caracterizado o ato ilícito patronal, gerando o direito à reparação de natureza civil, independente da cobertura acidentária. Pode-se concluir, portanto, que a causa verdadeira do acidente, nessa hipótese, não decorre do exercício do trabalho, mas do descumprimento dos deveres legais de segurança, higiene e prevenção atribuídos ao empregador.119
Dessa forma, tem-se que pacificado o entendimento segundo o qual é possível a cumulação dos benefícios previdenciários com as reparações decorrentes da responsabilidade civil do empregador. Enquanto o primeiro é concedido pela Previdência Social e independente de prova de culpa, pois se fundamenta na teoria da responsabilidade objetiva, o outro decorre do dever do empregador de garantir um ambiente de trabalho saudável e livre de riscos.120
3.3 Espécies de Responsabilidade Civil
A indenização por doença ocupacional enquadra-se como responsabilidade extracontratrual ou aquiliana, isso porque não há cláusula contratual de trabalho prevendo a garantia de integridade física e psicológica do empregado.
O trabalhador pode vir a adoecer, mesmo quando o empregador adote todas das medidas de segurança e proteção do trabalhador.
O dever de reparar, portanto, não decorre, necessariamente, de uma conduta humana ilícita, basta que as condições laborais, a que são submetidos os trabalhadores, favoreçam o surgimento, ou mesmo agravamento, das doenças do trabalho.
Destarte, a classificação de maior relevância para o presente trabalho é aquela formulada quanto à natureza da responsabilidade, se subjetiva ou objetiva.
3.3.1 Responsabilidade Civil Subjetiva
Pela concepção clássica da responsabilidade civil, só haverá obrigação de indenizar se restar comprovado que o empregador agiu com culpa no evento. A ocorrência do acidente ou doença proveniente do risco normal da atividade patronal não gera automaticamente o dever de indenizar, restando à vítima, nessa hipótese, apenas a cobertura do seguro acidente do trabalho, conforme as normas da Previdência Social.121
Na responsabilidade subjetiva a indenização só será cabível quando comprovada a culpa da empresa, bem como o dano e o nexo de causalidade entre as atividades desempenhadas e a doença do empregado. Esses pressupostos estão elencados no art. 186 do Código Civil e a indenização correspondente no art. 927 do mesmo diploma legal, com apoio maior no art. 7º, XXVIII, da CRFB/88. A não comprovação dos três requisitos acima expostos resultará em indeferimento da pretensão indenizatória.122
Assim sendo, nota-se que, para se obter a indenização por acidente do trabalho, é fundamental a prova da culpa do empregador, pois tratar-se de um pressuposto indispensável ao dever de indenizar.
Para a teoria da responsabilidade subjetiva, culpa e responsabilidade são sinônimos no dever de indenizar. A culpa ou dolo estão ligados ao empregador. Conforme ensina o professor Mauro de Souza:
Assim, para que o trabalhador tenha êxito na pretensão de indenização dos prejuízos decorrentes de acidente do trabalho pelo direito comum, tem que comprovar a presença dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: a) ação ou omissão do agente; b) culpa (ou dolo) do agente; c) dano experimentado pela vítima; d) nexo causal entre o prejuízo da vítima e a conduta culposa do agente”123
Diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores para a comprovação da culpa do empregador, eclodiu-se a teoria da responsabilidade objetiva, baseada no risco da atividade, para a qual o trabalhador, parte hipossuficiente da relação empregatícia, estaria dispensado de comprovar a culpa.
3.3.2 Responsabilidade Civil Objetiva
Muito embora a responsabilidade subjetiva seja a regra no ordenamento jurídico brasileiro, a legislação, com finalidade protetiva, adotou a teoria da responsabilidade objetiva respaldada no fato de que, se ocorreu o dano, este deve ser indenizado, bastando para tanto a comprovação do nexo causal e do prejuízo suportado pela vítima.
A teoria objetiva revelou-se mais adequada a solucionar os casos em que a aplicação da teoria tradicional mostrava-se insuficiente.
Para Sérgio Cavalieri Filho, os juristas logo perceberam a insuficiência da teoria da culpa para atender as transformações das relações sócio-laborais, o que poderia acarretar a impossibilidade de reparação do dano suportado pela vítima, se a ela fosse mantida a incumbência quanto ao ônus da prova124.
A exigência da prova da culpa, geralmente de difícil constatação, acabava criando óbices à vítima. Por esta razão, a doutrina objetiva abstrai o elemento culpa e se concentra na teoria do risco, que será analisada no item 3.6.1.
Esclarece Maria Helena Diniz:
A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes [...]. Essa responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de dano para terceiros.125
Desenvolveu-se o entendimento de que dificilmente o acidente de trabalho ocorre por culpa exclusiva do empregado, pois estando capacitado para a função, sem sobrecarga, com todos os equipamentos de proteção (EPI's) e a empresa tendo cumprindo todas as Normas Regulamentadoras, o acidente torna-se praticamente impossível de acontecer.
Como se sabe, na prática, não é bem assim que acontece, a pessoa, recém-contratada, via de regra, é obrigada, sob pena de perder o emprego, a lidar com máquinas e a percorrer locais relativamente aos quais não tem qualquer habilidade, sem que tenha recebido treinamento específico e, o pior, sem a utilização dos devidos EPI's, acarretando, assim, milhares de acidentes do trabalho.
O embasamento doutrinário que proporcionou o desenvolvimento da responsabilidade objetiva promoveu reflexos visíveis na jurisprudência e também em leis especiais. Ao lado da responsabilidade subjetiva de previsão genérica, o ordenamento jurídico brasileiro já contempla várias hipóteses de aplicação da teoria objetiva, sem falar na marcante inovação do Código Civil de 2002.
Sebastião Geraldo de Oliveira ressalta que:
É importante registrar, também, a tendência na doutrina e leis mais recentes de avançar para a culpa objetiva, mesmo no caso de responsabilidade civil. Por essa teoria, basta a ocorrência do dano para gerar o direito à reparação civil, em benefício da vítima. A responsabilidade sem culpa já ocorre, por exemplo, nos danos nucleares, conforme disposição do art. 21, XXIII, c, da Constituição da República de 1988. Também o art. 225, §3, estabelece a obrigação de reparar os danos causados pelas atividades lesivas ao meio ambiente, sem cogitar a existência de dolo ou culpa. Este último dispositivo constitucional merece leitura atenta porque permite a interpretação de que os danos causados pelo empregador ao meio ambiente do trabalho, logicamente abrangendo os empregados, devem ser ressarcidos independentemente da existência de culpa, ainda mais que o art. 200, VIII, expressamente inclui o local de trabalho no conceito de meio ambiente. Além disso, cabe ressaltar que a ordem econômica, como previsto no art. 170 da Constituição de 1988, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo adotar como princípio a defesa do meio ambiente.126
Pela manifestação acima descrita, observa-se uma paulatina evolução no tocante à aplicação da responsabilidade do empregador nos casos de acidente do trabalho..
Como se vê, a teoria da responsabilidade objetiva, nas ações decorrentes de acidente do trabalho contra o empregador, deixa de ser uma ficção e começa a ganhar reconhecimento nacional.
É exatamente este o tema central do presente trabalho. Mais a frente, será analisado o possível cabimento da aplicação da teoria objetiva nos casos de doença do trabalho.
3.4 Danos decorrentes da Doença Ocupacional
Nos dizeres de Caio Mário “o dano é o elemento ou requisito essencial na etiologia da responsabilidade civil”.127 Na verdade, o que se quer dizer é que sem dano não há que se falar em reparação civil, uma vez que tal instituto tem por objetivo a recomposição das perdas sofridas pelo acidentado, sejam elas patrimoniais, morais ou estéticas.
O ato ilícito, por si só, não produz efeitos no âmbito da responsabilidade civil, tendo em vista ser imprescindível a existência da lesão de algum direito da vítima para a concessão da indenização. O artigo 186 do Código Civil128 exige a constatação destes dois requisitos: violar direito e causar dano a outrem.
3.4.1 Danos Materiais
Extrai-se dos ensinamentos de Sebastião Geraldo de Oliveira que “o dano material corresponde ao prejuízo financeiro efetivo sofrido pela vítima, causando por consequência uma diminuição do seu patrimônio” 129.
Maria Helena Diniz enfatiza que o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.130
O artigo 402 do Código Civil dispõe que o ressarcimento dos danos abrange parcelas de duas naturezas: o que efetivamente o lesado perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar. Na apuração do que a vítima efetivamente perdeu temos os chamados danos emergentes ou danos positivos; na avaliação do que deixou de ganhar estaremos diante dos lucros cessantes ou danos negativos.131
O dano emergente, nos dizeres de Sebastião Geraldo132, é aquele prejuízo imediato e mensurável que surge em razão do acidente do trabalho, causando uma diminuição no patrimônio do acidentado. Exemplos de danos emergentes são as despesas hospitalares, fisioterapia, gastos com remédios e funeral, em caso de óbito. Cabe à vítima ou a seus dependentes relacionarem, para fins de ressarcimento, os gastos despendidos pela doença ocupacional, a fim de que seu patrimônio seja integralmente recomposto.
Além das perdas efetivas, o empregado pode ainda ficar privado de ganhos futuros, ainda que temporariamente. Assim, o artigo 402 do Código Civil determina o pagamento dos lucros cessantes, com a clara finalidade de reparação completa dos prejuízos sofridos pelo obreiro. Ressalte-se, pois, que não se pode considerar a mera probabilidade de alguma renda, nem se exige, por outro lado, a certeza absoluta dos ganhos. Aqui, mister se faz a aplicação da razoabilidade, de modo que a apuração do quantum devido deve se pautar pelo bom senso e pela expectativa daquilo que o acidentado realmente auferiria.
Como bem destaca Agostinho Alvim133, deve ser admitido que “o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Há aí uma presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os antecedentes”.
3.4.2 Dano Moral
O reconhecimento da indenização por danos morais ocorreu com o advento da Constituição Federal, que em seu artigo 5º, V e X, assegurou a reparação por danos de natureza extrapatrimonial, considerados direitos de personalidade.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O Professor Caio Mário, discorrendo a respeito do dano moral, concluiu que:
Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em o nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz.134
O Código Civil prevê expressamente o dano moral em seu artigo 186, retro transcrito. Esse dispositivo genérico consolida de vez a positivação do dano moral no nosso ordenamento jurídico135.
Para Roberto Ferreira, os bens morais consistem no equilíbrio psicológico, no bem-estar, na normalidade da vida, na reputação, na liberdade, no relacionamento social, e a sua danificação resulta em desequilíbrio psicológico, desânimo, dor, medo, angústia, abatimento, baixa autoestima da pessoa, dificuldade de relacionamento social136.
Yussef Said Cahali, por sua vez, entende que:
Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-la exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento.137
A Constituição Federal deixou claro que a sanção do dano moral ocorre pela indenização. Não se trata, contudo, de estipular um preço para a dor sofrida pela vítima, mas de criar possibilidades para que esta desenvolva novas atividades ou entretenimentos, para vencer as recordações dolorosas e superar a dor. Na expressão de Cunha Gonçalves “não é remédio, que produza a cura do mal, mas sim um calmante. Não se trata de suprimir o passado, mas sim de melhorar o futuro”.138
A fixação da indenização por danos morais decorrentes de acidente do trabalho deve ser orientada tanto pela gravidade da lesão como pela condição das partes envolvidas, pautando-se o julgador pelo princípio da razoabilidade. O valor arbitrado não pode servir para o enriquecimento do trabalhador, nem ser causa de ruína ao empregador.
O arbitramento do valor da indenização propicia ao magistrado com mais liberdade a justa reparação, sem as amarras normativas padronizadas, de modo que possa dosar, após a análise equitativa, o valor da indenização adequada ao caso concreto.
O professor Fernando de Noronha ressalta que:
A reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física.139
Nesse sentido, pacífico o entendimento do Egrégio Tribunal da 18ª Região:
DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A fixação da indenização por danos morais decorrentes de acidente do trabalho deve ser orientada tanto pela gravidade da lesão como pela condição das partes envolvidas, pautando-se o julgador pelo princípio da razoabilidade. O valor não pode servir para o enriquecimento do autor e, de outro lado, não pode ser causa de ruína para o reclamado.140
A indenização por dano moral não tem caráter unicamente indenizatório, mas também pedagógico, por servir de freio aos atos lesivo praticados pelo empregador. Essa dupla finalidade vem sendo muito destacada nos julgamentos, pois além de compensar a vítima, a indenização auxilia, ainda, na prevenção de novas ocorrências.
O juiz Artur da Silva Filho, assevera que “a doutrina e a jurisprudência vêm indicando que sempre deve ser considerado: o grau de culpa, o dano em si, as condições econômicas e sociais da vítima e do ofensor” 141.
Para Caio Mário:
a vítima deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.142
O arbitramento dos danos morais dá-se de forma diversa dos danos materiais. Enquanto estes geralmente ocorrem na forma de pensionamento, aqueles são fixados em parcela única, com o objetivo de amenizar de forma rápida o sofrimento da vítima.
Em linhas finais, Sebastião Geraldo de Oliveira manifesta-se pelo acerto da decisão do legislador ao não adotar parâmetros ou limites para a indenização por dano moral, deixando sua fixação ao arbítrio do juiz e conclui que:
[...] alguns pressupostos assentados na doutrina e jurisprudência devem nortear a dosimetria dessa indenização: a) a fixação do valor obedece a duas finalidades básicas que devem ser ponderadas: compensar a dor, o constrangimento ou o sofrimento da vítima e combater a impunidade b) é imprescindível aferir o grau de culpa do empregador e a gravidade dos efeitos do acidente; c) o valor não deve servir para enriquecimento da vítima nem de ruína para o empregador; d) a indenização deve ser arbitrada com prudência temperada com a necessária coragem, fugindo dos extremos dos valores irrisórios ou dos montantes exagerados, que podem colocar em descrédito o Poder Judiciário e esse avançado instituto da ciência jurídica; e) a situação econômica das partes deve ser considerada, especialmente para que a penalidade tenha efeito prático e repercussão na política administrativa patronal; f)ainda que a vítima tenha suportado bem a ofensa, permanece a necessidade da condenação, pois a indenização pelo dano moral tem por objetivo também uma finalidade pedagógica, já que demonstra para o infrator e a sociedade a punição exemplar para aquele que desrespeitou as regras básicas da convivência humana.143
Em matéria de dano moral, o valor da indenização deve ser suficiente tanto para facilitar a que o ofendido obtenha lenitivos para sua dor, como, também, para cumprir seu caráter pedagógico, no intuito de desestimular a prática de condutas lesivas à saúde do trabalhador.
3.4.3 Dano estético
Além das indenizações por danos morais e materiais, pode ainda ser cabível a indenização por danos estéticos, quando a lesão decorrente do acidente do trabalho ou doença ocupacional comprometa ou, ao menos, altere a harmonia física da vítima.
Maria Helena Diniz conceitua o dano estético como:
Toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.144
Complementado o conceito acima transcrito, pode-se dizer que o dano estético corresponde a qualquer alteração morfológica do acidentado como, por exemplo, a perda de algum membro, uma cicatriz ou qualquer mudança corporal que cause repulsa, afeiamento ou apenas desperte a atenção por ser diferente.
Com o definitivo reconhecimento do dano moral pela CRFB/88, surgiram controvérsias a respeito da possibilidade de cumulação dos danos morais com os estéticos. Por algum tempo, predominou o entendimento de que a indenização dos danos morais, por ser mais ampla, já abrangeria o dano estético.
Mesmo estando o dano estético compreendido no gênero de dano moral, a doutrina e jurisprudência evoluíram para deferir indenizações distintas quando esses danos forem passíveis de apuração em separado145. Isso porque, enquanto o dano estético está vinculado ao sofrimento pela deformação com sequelas permanentes, o dano moral diz respeito ao constrangimento, dor, humilhação e todas as demais consequências provocadas pela doença.
A jurisprudência tem-se firmado no sentido da possibilidade de cumulação do dano moral com o dano estético, conforme se observa em recentes julgados do TRT da 18ª Região:
DANOS MORAIS E DANOS ESTÉTICOS. CUMULAÇÃO. É plenamente possível a cumulação da indenização por danos morais e por danos estéticos, decorrentes do mesmo acidente, quando as pretensões são formuladas com finalidades distintas e inconfundíveis, vale dizer, quando a relativa aos danos estéticos se funda no comprometimento da anatomia da vítima, ao passo que a concernente aos danos morais assenta-se nas dores físicas suportadas pelo autor, assim como no sofrimento, na angústia e na tristeza experimentados com o infortúnio.146
INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E POR DANOS ESTÉTICOS. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO. É certo que os danos estéticos representam uma espécie de dano moral, qual seja, aquele que resulta das alterações morfológicas capazes de trazer desconforto psicológico à vítima. Todavia, se o pedido de indenização por dano estético baseia-se nas consequências negativas das alterações morfológicas e o pedido de indenização por danos morais está ancorado em todos os demais dissabores causados pelo acidente, como a diminuição da capacidade laboral do trabalhador, ambos tornam-se cumuláveis, porque são formulados com base em fatos e causas de pedir diversos, sendo absolutamente separáveis.147
DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. NECESSIDADE DE CAUSAS INCONFUNDÍVEIS. Motiva o dano estético o resultado de qualquer deformação corporal que cause repulsa, fira a vista ou que possa despertar atenção, criando prejuízo ou constrangimento à vítima. Por sua vez, o dano moral tem origem tanto na dor física, quanto na dor psíquica, causadas pelo evento e suas consequências. Portanto, ainda que doutrina e jurisprudência tenham evoluído para deferir indenizações distintas, devem as causas mencionadas ser plenamente identificáveis, de modo a proporcionar a apuração em separado, sob pena de se imputar ao condenado a dupla indenização.148
3.5 Nexo Causal
O desembargador Sérgio Cavalieri Filho assevera que “o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado” 149.
A necessidade de estabelecer um nexo de causalidade como pressuposto para a indenização fundamenta-se na conclusão lógica de que ninguém deve responder por dano a que não tenha dado causa.150
Nem toda doença que acomete o empregado tem relação direta com o trabalho, fazendo-se necessário a constatação da relação de causa e efeito ou liame de causalidade entre o evento e a execução do contrato de trabalho.151
A identificação do nexo causal nas doenças ocupacionais nem sempre é trabalho simples. Existem muitas variáveis relacionadas com estas doenças. Em determinados casos o trabalho é o único fator que a desencadeia; em outros, o trabalho é apenas um fator contributivo, pode ser ainda que o trabalho apenas agrave uma patologia preexistente. Essa variedade de possibilidades dificulta a constatação do tipo de relação existente entre a doença e o trabalho.
O manual de procedimentos dos serviços de saúde para as doenças relacionadas ao trabalho, elaborado pelo Ministério da Saúde152, aponta quatro grupos de causas das doenças que acometem os trabalhadores:
a) doenças comuns, aparentemente sem qualquer relação com o trabalho;
b) doenças comuns eventualmente modificadas no aumento da frequência de sua ocorrência ou na precocidade de seu surgimento em trabalhadores, sob determinadas condições de trabalho. Exemplo: hipertensão arterial em motoristas de ônibus urbanos;
c) doenças comuns que têm o espectro de sua etiologia ampliada ou tornado mais complexo pelo trabalho. A perda auditiva induzida pelo ruído, doenças músculo-esqueléticas e alguns transtornos mentais, exemplificam esta possibilidade;
d) agravos à saúde específicos, tipificados pelos acidentes do trabalho e pelas doenças profissionais, como exemplo tem-se a silicose.
O Conselho Federal de Medicina, em razão das inúmeras controvérsias a cerca da causalidade nas doenças relacionadas ao trabalho, baixou a Resolução CFM n. 1.488, de 11 de fevereiro de 1998, recomendando os procedimentos e critérios técnicos mais apropriados para o estabelecimento ou negação do nexo causal nas perícias médicas a respeito das doenças ocupacionais:
Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar:
I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;
II - o estudo do local de trabalho;
III - o estudo da organização do trabalho;
IV - os dados epidemiológicos;
V - a literatura atualizada;
VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas;
VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;
VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores;
IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.
Os procedimentos técnicos recomendados por esta Resolução representam uma diretriz de segurança importante, de significativa contribuição para a melhoria da qualidade dos laudos periciais, e, consequentemente, oferecendo aos julgadores maiores subsídios para análise do caso concreto.153
3.5.1 Concausalidade
Muitas vezes, a doença ocupacional decorre de mais de uma causa, ligadas ou não ao trabalho desenvolvido. Assevera Cavalieri Filho que “a concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal qual um rio meio que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal” 154.
O art. 21, I, da Lei n. 8.213/91 prevê que:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda de sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.
Como se vê, a presença de condições diversas que de alguma maneira contribuam para o infortúnio não impede a caracterização do acidente do trabalho ou doença ocupacional. Todavia, estas concausas influenciarão na fixação do quantum indenizatório.
O nexo de concausalidade é mais frequente nas doenças ocupacionais do que nos acidentes típicos. A doença de origem multicausal ainda assim poderá ser enquadrada como ocupacional, se pelos menos uma de suas causas decorrerem diretamente das condições de trabalho.155
Como todas as condições têm valoração equivalente, não há necessidade de se precisar qual das causas foi aquela que efetivamente gerou a doença. Na lição de Sérgio Cavalieri:
Para saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição é causa, mas, se persistir, não o será. Destarte, condição é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem que venha a ausentar-se o efeito.156
Dessa forma, comprovada a relação de causa e efeito, mesmo que de forma concausal, preenchido estará o pressuposto do nexo causal a ensejar a reparação civil.
3.5.2 Excludentes do nexo causal
Alguns fatores podem ensejar o afastamento da responsabilidade do empregador, são eles a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior e o fato de terceiro. Trata-se de eventos que rompem o liame causal e, consequentemente, o dever de indenizar.
A culpa exclusiva da vítima decorre da prática de conduta que seja a única causa do prejuízo a si mesma, cabendo à própria vítima arcar com todas as perdas sofridas.157
Aduz Silvio Rodrigues que na culpa exclusiva “desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima”158.
Observa-se, pois, que, nestes casos, não há qualquer ligação entre o infortúnio e o descumprimento de normas de proteção ou dever geral de cautela por parte do empregador.
O caso fortuito e a força maior, por sua vez, caracterizam-se por serem acontecimentos inevitáveis e que escapam do controle do empregador.
O art. 501 da CLT dispõe que “entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.
Destarte, a responsabilidade patronal somente será excluída, por caso fortuito ou força maior, quando restar demonstrado que, mesmo o empregador cumprindo as normas de saúde, higiene e segurança, o evento era inevitável.
Assim, é fundamental verificar se, realmente, foram adotadas todas as medidas preventivas, visto que “a imprevidência do empregador exclui a razão da força maior”.159
Por fim, o último fator a romper o nexo de causalidade é fato de terceiro, em que não há participação direta do empregador ou do exercício da atividade laboral para a ocorrência do evento.
O acidente é causado por alguém que não seja nem o acidentado, nem o empregador ou seus prepostos. O simples fato de o acidente ter ocorrido durante o expediente de trabalho não caracteriza o nexo de causalidade, se a atividade não tiver, ao menos, contribuído para o ocorrido.160
3.6.CULPA
Vislumbra-se a culpa do agente quando este viola uma regra de conduta estabelecida, ou mesmo, deixa de observar um dever legal, perpetrando, assim, um ato ilícito161.
Do enunciado do artigo 186 do Código Civil, extraem-se três espécies de culpa: a negligência, a imperícia e a imprudência.
No entendimento de Maria Helena Diniz configura-se a negligência quando não se observam normas que nos ordenam a agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. Já a imperícia, consiste na ausência de habilidade ou na inaptidão para a prática de certo ato. A imprudência, a seu turno, caracteriza-se pela precipitação ou ainda, pela falta de zelo.162
Deste trecho, podemos inferir que a culpa por negligência ocorre quando o sujeito não age com todo o cuidado necessário para o exercício da atividade profissional. A imprudência ocorre quando o sujeito não respeita as regras básicas de cautela e, no ambiente profissional, quando não observa as regras de segurança do trabalho. E a imperícia ocorre quando o agente não tem aptidão necessária para o exercício de determinada atividade profissional.
As doenças ocupacionais, via de regra, decorrem da negligência das empresas em providenciar um meio ambiente laboral seguro a seus trabalhadores, em completa violação às normas de proteção à saúde do trabalhador.
É dever legal do empregador, cumprir e exigir o cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, instruindo seus empregados acerca dos riscos existentes em seu ambiente de trabalho e quanto às precauções a serem tomadas, de modo a evitar a ocorrência de acidentes e de doenças ocupacionais, conforme preconizam os art. 157 da CLT e art.19, §§ 1º e 3º, da Lei 8213/91:
Art. 157. Cabe às empresas:
I. cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II. instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III. adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
Art. 19 [...]
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
§ 2º [...]
§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.
Sebastião Geraldo de Oliveira elenca alguns comportamentos patronais que podem caracterizar culpa e ensejar a reparação civil: equipamentos e mobiliários em desacordo com as normas ergonômicas; excesso de horas extras; não-concessão dos intervalos corretamente; descansos obrigatórios ou férias regulares; falta de adaptação das condições do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores; condições ambientais e organização do trabalho inadequados etc.163
Contudo, as dificuldades na obtenção dos elementos probatórios para reconhecimento da responsabilidade subjetiva do empregador pelo acidente de trabalho e a complexidade dos meios de produção favoreceram o surgimento da teoria da culpa presumida.
A responsabilidade subjetiva, dessa forma, passou a ser analisada de maneira mais flexível, atribuindo ao empregador o ônus da prova. Em determinadas circunstâncias, presumia-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar.
A adoção da culpa presumida constituiu-se, portanto, no elemento de viabilização da responsabilidade subjetiva, na medida em que se manteve o elemento subjetivo da conduta e se possibilitou a atribuição do ônus probatório ao empregador, que possui as melhores condições de produzir as provas.
O empregador, como detentor do poder diretivo do empreendimento econômico, possui todos os elementos para demonstrar que tomou os cuidados necessários para tornar o meio ambiente laboral seguro, higiênico e saudável.
Desse modo, competia à empresa comprovar que cumpria as normas de proteção, instruía os empregados sobre os cuidados a serem adotados para se evitar doenças ocupacionais, adotava as recomendações e facilitava as fiscalizações dos órgãos competentes, fornecia EPI's adequados à atividade desempenhada, realizava ginásticas laborais, dentre outras condutas que reduzem ou até mesmo eliminam os riscos do meio ambiente do trabalho.
Em que pese a grande contribuição do reconhecimento da ideia da culpa presumida no âmbito da responsabilização, o ordenamento jurídico avançou mais, passando a dispensar o pressuposto da culpa e fortalecendo a teoria da responsabilidade objetiva.
Isso porque, muitos casos ficavam sem solução, na medida em que não encontravam base para o dever de responsabilização de quem causara o dano, com fulcro apenas no conceito tradicional de culpa.164
Esse foi o ponto de partida para a construção da teoria do risco, cujo fundamento consiste na necessidade de proteção da vítima, haja vista que a responsabilização calcada exclusivamente na culpa mostrou-se insuficiente e injusta na grande parte dos infortúnios laborais ocorridos.
3.7 Teoria do Risco
Caio Mário da Silva Pereira, analisando a evolução do processo de responsabilização civil, observou que as diversas etapas que se sucederam não ocorreram de forma abrupta, do ponto de vista cronológico. Assinalou ainda que o acolhimento da presunção da culpa, marcada pela inversão do ônus prova, teve significativa importância para a aceitação da teoria objetiva.165
A teoria do risco baseia-se no dever de indenizar a partir do prejuízo acarretado no desempenho das atividades laborativas, independentemente de comprovação de culpa do empregador.
Acerca do tema, discorre Sérgio Cavalieri Filho:
A responsabilidade fundada na culpa levava, quase sempre, à improcedência da ação acidentária. A desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de produzir provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade, tudo isso acabava por dar lugar a um grande número de acidentes não indenizados, de sorte que a teoria do risco profissional veio para afastar esses inconvenientes.166
A aplicação da teoria do risco profissional na esfera da responsabilidade civil do empregador correspondeu à valorização da solidariedade social, situando o obreiro no centro das preocupações sociais.167
Na verdade, essa teoria correspondeu à ideia de socialização da noção do risco, a ser suportado pela pessoa que dirige a atividade econômica, independentemente da constatação de sua culpa.
Segundo Orlando Gomes o nascimento da ideia de responsabilização desvinculada do elemento subjetivo culpa tem como principais razões: a noção de que certas atividades criam um risco especial para os outros e que o exercício de certos direitos implica a obrigação de ressarcir os danos que dele se origina.168
Sergio Cavalieri Filho, acerca da teoria do risco, sintetiza que “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa.” 169
Deste modo, é o empregador quem deve arcar com todos os insucessos e riscos do empreendimento, por tê-los assumido ao dar início a exploração da atividade econômica.
3.8 Responsabilidade Civil por Danos Ambientais
O legislador pátrio, com a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1881 – criou, em seu artigo 14, § 1º, o regime da responsabilidade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente.
Dessa forma, é suficiente a existência de ação lesiva, dano e nexo causal para ensejar o dever de reparação. Não importando se a atividade degradadora seja, ou não, lícita e licenciada pelos órgãos competentes.
Justifica-se que assim seja porque o causador do dano ambiental deve responder em vista do risco provocado por sua atividade.170
Comprovada a lesão ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele advindo. Para tanto, basta que se demonstre a existência do dano para o qual o exercício de uma atividade perigosa exerceu uma influência causal decisiva, não sendo necessária a comprovação do dolo ou da culpa.
Vale ressaltar que, mesmo sendo lícita a conduta do agente, tal fator torna-se irrelevante se dessa atividade resultar algum dano ao meio ambiente. Essa nada mais é do que uma consequência advinda da teoria do risco da atividade ou da empresa, segundo a qual o dever de indenizar cabe àquele que exerce atividade perigosa, consubstanciando ônus de sua atividade o dever de reparar os danos por ela causados. Tal teoria reforça a responsabilidade objetiva, adotada pela Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente.171
Verifica-se, pois, que a legislação ambiental é formulada com ênfase na prevenção, sendo a reparação do dano ambiental medida excepcional.172
3.9 Aplicabilidade da teoria da Responsabilidade Objetiva aos casos de doenças do trabalho
Nos dizeres de Sebastião Geraldo de Oliveira, a complexidade da vida atual, a multidisciplinariedade crescente dos fatores de risco, a estonteante revolução tecnológica, a explosão demográfica e os perigos difusos ou anônimos da modernidade acabaram por deixar vários acidentes ou danos sem reparação, uma vez que a vítima não lograva êxito em demonstrar a culpa do causador do prejuízo.173
De fato, a dificuldade do empregado em se provar a culpa da empresa, acabava impossibilitando a responsabilização patronal, mesmo quando evidente o dano sofrido pela vítima, acarretando tremendas injustiças.
Diante desse quadro social, surge a teoria do risco, cuja finalidade precípua é a correção dessa situação absurda. Seu fundamento consiste na responsabilização objetiva no âmbito das relações de trabalho, atribuindo ao empregador o ônus de todos os riscos advindos do pacto laboral.
Como bem salientado por Sebastião Geraldo de Oliveira, o desenvolvimento da responsabilidade objetiva não significou a extirpação da teoria subjetiva, mas a reparação daquelas situações em que a exigência da culpa representava um demasiado ônus para as vítimas, impossibilitando a indenização dos prejuízos sofridos.174
Acentua ainda o referido autor que o ordenamento jurídico brasileiro contempla algumas hipóteses de responsabilidade objetiva. A Constituição Federal, em seus artigos 21, XXIII, “d”, e 225, §3º, dispõe que:
Art. 21. Compete à União:
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
[...]
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
[...]
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
[...]
Esse último dispositivo constitucional dá margem para a interpretação de que os danos causados pelo empregador ao meio ambiente do trabalho, ai incluídos os empregados, devem ser ressarcidos independentemente de culpa.175
Tal entendimento é reforçado pela Lei n. 6.938/81 que, como já mencionado no subitem anterior, dispõe expressamente ser objetiva a responsabilidade pelos danos ocasionados ao meio ambiente.
A corrente doutrinária que entendia ser a responsabilidade subjetiva a regra no Brasil restou superada ou, ao menos, abalada, desde a vigência do Código do Consumidor, que grandes avanços trouxe nessa área, ao prever a possibilidade de reparação independentemente de culpa nos artigos 12 e 14, in verbis:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
[...]
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
De grande valia são os esclarecimentos de Julio César de Sá Rocha, estudioso de direito ambiental, que sobre a responsabilidade civil objetiva, assim se manifestou:
A Constituição estabelece que, em caso de acidente de trabalho, o empregador pode ser responsabilizado civilmente, em caso de dolo ou culpa. O dispositivo fundamenta-se no acidente de trabalho do tipo individual. Contudo, ocorrendo doença ocupacional decorrente de poluição no ambiente de trabalho, a regra deve ser da responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática ambiental, na medida em que se configura a hipótese de art. 225, § 3º, que não exige qualquer conduta na responsabilização do dano ambiental. Em caso de degradação ambiental no ambiente do trabalho, configura-se violação ao direito ‘ao meio ecologicamente equilibrado’, direito metaindividual. Como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente do trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.176
Corroborando com esse entendimento, Norma Sueli Padilha defende a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva aos casos de doenças ocupacionais. Enfatiza a autora que:
A degradação no meio ambiente do trabalho, resultante de atividades que prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, sem dúvida alguma, caracteriza-se como poluição no meio ambiente do trabalho, de acordo com o tratamento constitucional dado à matéria .177
Desse modo, infere-se que, sendo as doenças ocupacionais decorrentes da poluição do meio ambiente laboral, plenamente aplicável se mostra o disposto no artigo 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, que determina ser o poluidor obrigado a reparar os danos causados ao meio ambiente independentemente da existência de culpa.
Depreende-se, assim, que a responsabilidade objetiva fundamenta-se no direito difuso, coletivo, levando-se em conta um determinado grupo de trabalhadores, submetidos a um meio ambiente laboral inadequado.
A referida autora destaca ainda que não há conflitos de normas entre o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal que prevê a responsabilidade subjetiva do empregador e o art. 225, do mesmo diploma legal, que estabelece a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental. Isso porque, o acidente do trabalho a que se refere o artigo 7º da Magna Carta é o individual, enquanto que às doenças ocupacionais, decorrentes de poluição no meio ambiente de trabalho, aplicar-se-ia a regra do art. 225, § 3º.178
Apesar das inovações trazidas pela Constituição da República, foi no Código Civil que a teoria da responsabilidade objetiva ganhou força.
A grande inovação deste diploma legal foi o acolhimento da teoria do risco, conforme preceituado no parágrafo único do art. 927. O advento de tal norma fez surgir fundadas controvérsias a respeito da aplicação deste dispositivo aos casos de acidente do trabalho e, consequentemente, às doenças ocupacionais.
Para alguns doutrinadores, a hipótese trazida pelo parágrafo único do artigo 927 não se aplica, sob o argumento de que a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXVIII, prevê expressamente a existência de culpa como pressuposto a ensejar a responsabilização do empregador. Assim, não poderia norma inferior contrariar o disposto no texto constitucional. Dentre os adeptos desta corrente, temos Rui Stoco, para quem se a Constituição “estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único, do Código Civil”.179
Por outro lado, há aqueles que asseveram que o referido dispositivo tem inteira aplicação aos casos de doença ocupacional, considerada acidente do trabalho por equiparação.
Fundamentam seu entendimento no caput do próprio artigo 7º, que prevê: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.” Dessa forma, infere-se que o rol de direitos assegurados pelo art. 7º da Constituição, além de exemplificativo, não exclui outros previstos na legislação ordinária.180
O Enunciado n° 38 da I Jornada de Direito e Processo do Trabalho estabelece que às doenças ocupacionais, decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho, aplica-se a responsabilidade objetiva. In verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos artigos 7°, XXVIII, 200, VIII, 225, §3, da Constituição Federal e do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81181.
Como bem concluído por Sebastião Geraldo de Oliveira182, não há dúvida de que a indenização do acidentado, com apoio na teoria da responsabilidade objetiva, visa à melhoria da condição social do trabalhador. Ressalte-se, contudo, que só haverá dever de reparar se houver dano, o simples exercício de atividade de risco não gera o direito de ressarcimento a título de responsabilidade civil. A prova da culpa do empregador é pressuposto dispensável, já a comprovação do dano e do nexo causal é imprescindível à configuração do referido direito.
A preocupação com o meio ambiente deve levar em consideração, acima de tudo, o ser humano, buscando-se assegurar, de forma integrada, um ambiente ecologicamente equilibrado, com condições de trabalho dignas, regimes laborais condizentes com a capacidade dos trabalhadores, respeitando e, principalmente, zelando pelo bem maior do homem, que é a sua vida.
A partir do momento em que o empregador passar a ser responsabilizado objetivamente pelos infortúnios decorrentes da degradação do meio ambiente laboral, acredita-se que a preocupação patronal com a proteção do meio ambiente do trabalho intensificar-se-á, a fim de se evitar maiores riscos e danos à saúde do empregado, reduzindo, consequentemente, o número de doenças ocupacionais.183
A corroborar com este entendimento, colacionam-se acórdãos do Egrégio Tribunal Regional da 18ª Região, nos quais este tribunal vem reconhecendo a responsabilidade objetiva do empregador em casos de doenças do trabalho, conforme se observa a seguir:
DOENÇA OCUPACIONAL. ATIVIDADE DE RISCO GRAVE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA. NEXO DE CONCAUSALIDADE. Estando incontroverso nos autos que a reclamante desempenhava a função de refiladeira do setor de desossa do frigorífico reclamado, entendo que se deve adotar a teoria da responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do CPC), em razão das atividades preponderantes da empresa (abate de bovinos) serem consideradas de riscos ambientais do trabalho graves (anexo V, do Decreto 3.048/91, com a redação dada pelo Decreto n° 6.042/07). In casu, independentemente deste entendimento, restou comprovado, ainda, que a empresa descumpriu normas de medicina e segurança do trabalho, quando não concedeu pausa, não fez rodízio de tarefas, nem providenciou ginástica laboral, deixando com que a empregada trabalhasse intensamente, em pé, junto à esteira, fazendo movimentos repetitivos. Assim, reconhecido o nexo de concausalidade pela prova técnica, aliada à culpabilidade evidenciada pela prova oral, reconhece-se o direito da parte autora ao pensionamento e indenização por danos morais.184
DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO EPIDEMIOLÓGICO. Sempre que a atividade representar risco acentuado aos empregados e o laudo técnico reconhecer o nexo de causalidade, deve-se adotar a teoria da responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do CPC), ou seja, independentemente de prova da culpa deve ser a vítima indenizada pelos danos materiais e morais sofridos em decorrência da atividade desenvolvida. Recurso a que se dá parcial provimento para deferir a indenização por dano moral pleiteada.185
DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO EPIDEMIOLÓGICO. Sempre que a atividade representar risco acentuado aos empregados e o laudo técnico reconhecer o nexo de causalidade, deve-se adotar a teoria da responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do CPC), ou seja, independentemente de prova da culpa deve ser a vítima indenizada pelos danos materiais e morais sofridos em decorrência da atividade desenvolvida. In casu, a atividade da empresa (abate de aves e suínos) está dentre aquelas em que a lei previdenciária já reconheceu o nexo técnico epidemiológico em decorrência dos inúmeros casos de aparecimento da doença na população de empregados que trabalham esse seguimento da economia (art. 21-A, da Lei 8.213/91, anexo II, lista B, do Regulamento da Previdência Social). Recurso a que se dá parcial provimento para deferir a indenização por dano moral pleiteada.186
Nota-se um nítido deslocamento do pensamento jurídico em direção à responsabilidade objetiva, especialmente nas questões que envolvem maior alcance social. A indenização baseada no rigor culpa está cedendo espaço para o objetivo maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição da República. Além disso, os pressupostos da responsabilidade objetiva guardam maior sintonia e coerência com o comando do art. 170 da Carta Magna, ao dispor que a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho.187