Questão prática que rotineiramente se insurge é o concurso de crimes com diferentes prazos para a conclusão do inquérito policial.
A priori, pode-se pensar que a questão é de fácil solução, uma vez que a gravidade abstrata do crime de maior pena eleva automaticamente o prazo final de toda investigação. É, de fato é isso que se observa.
Mas uma análise detida revela que o caso não é tão simples como parece.
Primeiramente, não há dispositivo legal que subsidie a praxe acima citada.
E, contrariamente a tese dominante, ainda que os princípios da ampla defesa e do contraditório estejam situados à margem do procedimento inquisitivo, administrativo, preliminar, escrito, sigiloso, oficial, indisponível e dispensável que é o inquérito policial, resta claro que, desde 1988, vivemos sob a égide de um Estado cujas fundações constitucionais remontam o respeito ao direito à dignidade da pessoa humana. Pelo mesmo motivo (a Constituição Federal), encontramo-nos submetidos aos princípios da eficiência, da razoável duração do processo e, por óbvio, da presunção da inocência.
A Lei 12.403/11 revigorou a excepcionalidade da prisão cautelar (princípio da liberdade), há muito com sede constitucional. Prender só em último caso.
Lembremo-nos, por fim, da opção político-criminal brasileira: “in omnia” pro reo e de nossa Lei do Abuso de Autoridade.
Ora, imagine-se o caso de uma pessoa que é presa por tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06) e porte ilegal de arma de uso restrito (art. 16 da Lei 10.826/03).
Tendo-se sempre por norte a data da prisão, a julgar pelo crime de tráfico de entorpecentes, teria a autoridade policial 30 dias para concluir a investigação do indiciado (art.51, Lei 11.343/06) .
Entretanto, sob o prisma do crime de porte ilegal de arma, o prazo para emitir o relatório seria bem menor, expirando em 10 dias (art. 10, CPP).
O que fazer?
Pensamos que existem três alternativas:
a) Respeitar, para todo o concurso, o menor prazo: a saída mais correta, em nosso sentir;
b) Respeitar, para todo o concurso, o maior prazo: pode acarretar a extinção da prisão, por excesso de formação da culpa e malversação da segregação (utilizada como forma de antecipação da pena), invalidando as provas e a prisão;
c) Instaurar um procedimento para cada crime: é uma saída técnica, uma vez que cada procedimento respeitaria seu próprio prazo de conclusão. Entretanto, isso acarretaria uma sobrecarga de serviço;
Acreditamos que a melhor alternativa é instaurar um único procedimento e concluí-lo no menor prazo. Após isto, informar ao juiz, de forma fundamentada, a necessidade de continuar as investigações e complementar posteriormente o relatório.
Dirão alguns que os vícios do inquérito não contaminam a ação penal, e que é desimportante a eleição do prazo para conclusão conforme a hipótese aqui tratada.
Não podemos com isso concordar.
Ora, cabe ao Estado a colheita de provas que incriminem alguém. E esse arcabouço probatório é, no mais das vezes, trabalho cometido à polícia civil dos estados ou da União.
Não é possível que uma pessoa permaneça encarcerada até o deslinde das investigações, segundo o prazo mais longínquo, se já se encontra extinto o prazo mais favorável ao preso para a conclusão do procedimento.
Há ainda uma quarta solução: d) Instaurar um inquérito para todos os crimes e encartar, conforme o término de cada prazo, o respectivo relatório. Esta alternativa, por mais espantosa que pareça, não encontra óbices na legislação, que não exige que todo inquérito tenha um único relatório.
Mesmo assim, somos mesmo favoráveis à conclusão do inquérito no menor tempo possível, tudo a fim de evitar futuros questionamentos acerca da legalidade das provas colhidas ou do excesso da prisão.