RESUMO
O art. 37, inciso XI, da Constituição determina a sujeição ao limite remuneratório do serviço público de todas as verbas remuneratórias percebidas por agentes públicos, assim como os proventos de aposentadoria e as pensões. A norma constitucional também estabelece, de forma expressa, que, mesmo quando recebidas de forma cumulativa, as verbas sujeitas ao teto remuneratório não podem exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Com a morte do instituidor, a pensão passa a integrar o patrimônio jurídico do beneficiário. Por conseguinte, para efeito de aplicação do chamado “abate-teto”, a pensão deve ser somada às verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria eventualmente percebidos pelo beneficiário, caso se trate de verba que também esteja sujeita ao limite remuneratório fixado pelo inciso XI do art. 37 da Constituição. É inconstitucional o percebimento de pensão cumulada com remuneração ou proventos de aposenadoria quando o total superar o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federa. Nesse caso, deve haver a incidência do “abate-teto”.
Palavras-chave: Pensão por morte. Acumulação. Teto remuneratório.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 37, inciso XI[1], regra limitadora da remuneração percebida por agentes públicos e dos benefícios devidos a aposentados e pensionistas. Contudo, a referida norma constitucional ainda gera discussão quanto à sua aplicabilidade a determinadas verbas em certas situações.
Uma das situações que tem gerado controvérsia no que tange à aplicação do limite remuneratório de que trata o inciso XI do art. 37 da Constituição consiste na acumulação de pensão por morte com outras verbas sujeitas ao referido limite, como a remuneração decorrente do exercício de cargo, função ou emprego público e os proventos de aposentadoria.
Pelo que se observa do referido comando constitucional, estão incluídas no chamado teto remuneratório as seguintes verbas: a remuneração ou subsídio ou quaisquer outras verbas remuneratórias devidas aos agentes públicos, os proventos de aposentadoria e as pensões, percebidos cumulativamente ou não.
Porém, no caso da pensão por morte, tendo em vista que instituidor é pessoa diversa do beneficiário, há entendimento de que esse benefício não deveria ser cumulado com verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria, para efeito de incidência do chamado “abate-teto”.
Por meio do Acórdão nº 2079/2005 – Plenário, embora com uma divergência, o Tribunal de Contas da União concluiu que o servidor que recebe simultaneamente remuneração ou proventos de aposentadoria e pensão por morte instituída por outro servidor público não se submete ao teto, embora cada verba, individualmente, se submeta à limitação prevista no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.
Diante da divergência quanto à aplicação do teto remuneratório à soma de pensão com eventuais verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria percebidos cumulativamente pelo beneficiário, passamos a analisar a questão.
DA INCIDÊNCIA DO TETO REMUNERATÓRIO SOBRE PENSÕES
Ao definir o limite remuneratório dos agentes públicos, assim estabelece o inciso XI do art. 37 da Constituição:
Art. 37. (...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o sub-sídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
Conforme expressamente dispõe o inciso XI do art. 37 da Constituição, sujeitam-se ao teto remuneratório: (i) a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da Administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos; (ii) outras espécies remuneratórias, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza; (iii) os proventos de aposentadoria; e (iv) as pensões. Além disso, o referido comando constitucional é expresso ao afirmar que essas verbas sujeitam-se ao teto remuneratório ainda que percebidas de forma cumulativa. Por fim, cabe citar que as verbas remuneratórias oriundas de empresas estatais dependentes também estão sujeitas ao teto, nos termos do § 9º do art. 37 da Constituição[2].
Por conseguinte, o limite remuneratório de que trata o art. 37, inciso XI, da Constituição se aplica ainda que haja acumulação de verbas decorrentes de fontes diversas, desde que sobre as verbas percebidas deva incidir o citado limite. O referido dispositivo constitucional é claro ao afirmar que a remuneração e o subsídio dos agentes públicos e os proventos, pensões ou outras espécies remuneratórias, percebidos cumulativamente ou não, se submetem ao teto remuneratório.
No que se refere aos servidores públicos federais, o direito à percepção de pensão por morte se encontra previsto no art. 215 da Lei nº 8.112, de 1990, in verbis:
Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art. 42.
Obviamente, o benefício de pensão por morte sempre tem como instituidor pessoa diferente daquela que recebe o benefício. Por essa razão, ao prever que as remunerações, subsídios, proventos e pensões, percebidos em conjunto ou não, devem respeitar o limite remuneratório, a Constituição Federal passou ao largo de fazer qualquer ressalva quanto à origem da vantagem para efeito de incidência do teto remuneratório dos servidores públicos.
Com a morte do servidor, seus dependentes passam à condição de beneficiários da pensão por ele deixada, ou seja, a verba passa a integrar o patrimônio jurídico dos pensionistas, da mesma forma que a eventual remuneração ou proventos de aposentadoria que venham a receber.
A regra é a submissão de qualquer verba remuneratória ao teto, inclusive quando recebida simultaneamente com outras, ainda que sejam oriundas de fontes diversas. Tanto é, que até mesmo o somatório de remunerações provenientes de cargos diferentes se submete ao limite máximo previsto no art. 37, inciso XI, da Lei Maior, conforme estabelece o inciso XVI do mesmo art. 37[3].
Uma vez que a regra determina que as quantias recebidas por um mesmo servidor ou pensionista, globalmente consideradas, não podem ultrapassar o teto, não cabe ao intérprete criar exceções que não estejam expressamente previstas no texto constitucional.
A Constituição Federal apenas excepciona as verbas de natureza indenizatória, nos termos do § 11 do seu art. 37, in verbis:
Art. 37. (...)
§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.
Caso o constituinte pretendesse que o somatório de pensão com proventos de aposentadoria ou remuneração não se submetesse ao limite previsto no inciso XI do art. 37 da Carta de 1988, deveria existir expressa previsão normativa nesse sentido, tal qual a do § 11 do art. 37.
Neste ponto, cabe transcrever trecho de acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
Segundo o princípio de hermenêutica jurídica, não pode o intérprete criar ressalvas onde a lei não o faz, uma vez que as exceções devem ser interpretadas restritivamente.[4]
Diante disso, é possível concluir que o constituinte determinou que, para efeito de aplicação do teto remuneratório do serviço público, fossem somadas todas as verbas percebidas por agentes públicos, aposentados e pensionistas, excetuadas apenas aquelas que tenham caráter indenizatório.
Portanto, embora o instituidor da pensão por morte obviamente seja pessoa distinta do beneficiário, esse fato não autoriza que o pensionista perceba valor superior ao teto remuneratório, computando-se, para esse efeito, cumulativamente, eventual remuneração ou proventos de aposentadoria a que faça jus, caso tais verbas também se sujeitem ao limite remuneratório de que trata o inciso XI do art. 37 da Constituição.
Conforme exposto pelo Ministro Benjamim Zymler, em seu Voto Revisor[5], as limitações do art. 37, inciso XI, da Constituição são destinadas ao recebedor, sem qualquer ressalva à origem dos benefícios que vier a acumular. Transcrevo abaixo o seguinte trecho do mencionado Voto:
As disposições do art. 37 sobre limite de remuneração são destinadas ao recebedor (aquele que percebe, na forma do texto constitucional) de remuneração e ‘benefícios’, inclusive considerados de forma cumulativa. Creio que se o objetivo da norma fosse restringir a aplicação do teto constitucional em razão da origem do benefício – ou seja, conforme o instituidor -, a redação conferida deveria ser outra. Se houvesse um limite específico para pensões, que não se comunicasse com os demais tipos de renda oriundas do Tesouro, essa circunstância deveria ter sido expressamente prevista, pois não pode ser extraída da redação aprovada.
Pelo exposto, conclui-se que não existe nenhum motivo para que, em caso de recebimento cumulado de pensão com proventos de aposentadoria ou remuneração, essas verbas sejam consideradas apenas isoladamente para efeito de aplicação do teto, já que o inciso XI do art. 37 da Constituição expressamente incluiu todas essas verbas entre as que se encontram limitadas pelo subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal e, mais ainda, determina que o limitador incida sobre tais verbas mesmo quando percebidas cumulativamente.
Um dos fundamentos que o Ministro Relator Ubiratan Aguiar, do Tribunal de Contas da União, utilizou para lastrear seu Voto[6], foi que o instituidor da pensão já havia pago as contribuições necessárias para garantir o direito de sua esposa a receber o benefício de pensão por morte, quando assim afirmou:
19.Concordo com o Ministro Benjamim Zymler quando afirma que o caráter contributivo é relativo, tanto é que o servidor que acumula remunerações, e proventos, tem sua renda limitada pelo teto. Mas, extrapolar esse entendimento é desvirtuar totalmente o caráter contributivo da contribuição.
20.Ademais, em se tratando de regime acima de tudo contributivo, interpretação distinta, mais que proteger os cofres públicos estaria, de fato, ocasionando enriquecimento sem causa da União, uma vez que as contribuições de toda uma vida laboral, cujo objetivo do instituidor foi amparar a si ou a seus dependentes na hora devida, passará a ser apropriada pelo Estado. Defendo, sim, o estado de direito, mas não o abuso do poder estatal.
Entretanto, o regime de previdência dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, apesar de possuir caráter contributivo[7], segue o princípio da solidariedade, nos termos do art. 40, caput, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
De acordo com o princípio da solidariedade, os regimes próprios de previdência dos servidores públicos, tal como o RGPS, são financiados pelo sistema de repartição simples, decorrente do chamado “pacto de gerações”.
Pela sistemática da repartição simples, as contribuições arrecadadas são utilizadas para o pagamento dos aposentados e pensionistas atuais, não havendo a constituição de fundo para cobrir os benefícios a serem pagos no futuro. Assim, os filiados atuais arcam com os benefícios que já estão sendo pagos e, no futuro, terão os seus proventos e pensões custeados pelas gerações futuras.
Neste ponto, cabe transcrever trecho da obra de Marcelo Leonardo Tavares:
A nova redação do caput do art. 40, da Constituição da República, inclui a característica da solidariedade no regime próprio de previdência dos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo e esclarece que os entes públicos e os servidores, ativos, inativos e seus pensionistas serão responsáveis pelas contribuições vertidas.
A solidariedade já era um princípio implícito nesse sistema previdenciário, pela adoção do modelo de repartição simples.
Explico. Existem duas formas básicas de organização previdenciária: o sistema de capitalização, consistente na cobrança de contribuição que possibilite o pagamento dos próprios benefícios e das demais despesas de administração,com formação de um fundo de reserva individualizado ou de capitalização; e o regime de repartição simples, que prevê a fixação anual do valor das contribuições destinadas ao custeio dos benefícios de todos os filiados.
Tanto o Regime Geral de Previdência Social quanto os regimes próprios sempre foram baseados no princípio da solidariedade. Estruturados com apoio em um sistema de repartição simples, o filiado não contribui para a formação de um fundo próprio capaz de custear suas futuras prestações previdenciárias. Suas contribuições são vertidas para todo o sistema e servem para pagar as prestações mantidas para o grupo de filiados. O regime de repartição possibilita uma melhor redistribuição de renda e a proteção social mesmo daqueles que, por algum infortúnio, não teriam ainda contribuído com quantia suficiente para, sozinhos, garantir o benefício (imaginemos um servidor que faleça um mês após a posse: mesmo assim deixará pensão para seus dependentes, o que não ocorreria se o sistema fosse da capitalização). A solidariedade do regime de repartição é uma característica dos regimes de previdência brasileiros desde o início de sua organização.[8]
Sobre o regime de repartição simples, é pertinente citar o seguinte excerto da obra de Maria Sylvia Zanella de Pietro:
O regime de repartição simples ‘é regime solidário onde os ativos (geração atual) pagam os benefícios dos inativos (geração passada) na esperança de que a geração futura (novos trabalhadores a ingressarem no mercado de trabalho) pague os seus quando se aposentarem. Esta é a razão pela qual este sistema de financiamento previdenciário também é conhecido como sistema de pacto de gerações.’ É o sistema usado no Regime Geral de Previdência Social, ‘que tenta dividir entre os segurados contribuintes do sistema, isto é, os ativos,o custo dos compromissos assumidos com os inativos’. Nesse sistema, as alterações do índice de natalidade, de longevidade, de emprego formal modificam a relação aposentados/contribuintes. Não há constituição de reserva para o futuro. Não há qualquer espécie de pré-pagamento. É um regime de caixa, em que as entradas são exatamente iguais às saídas. Não há excedentes de recursos, nem insuficiências.[9]
No sistema de repartição simples, não há correlação exata entre as contribuições de determinado servidor e os benefícios que ele ou seus dependentes irão auferir futuramente, motivo pelo qual entendemos que não seria possível afastar a incidência do teto do serviço público em relação a proventos ou pensões sob o argumento de que decorrem diretamente das contribuições pagas pelo instituidor do benefício.
Além disso, também é importante realçar que o caráter contributivo do regime de previdência dos servidores só foi previsto a partir da Emenda Constitucional nº 3, de 1993. Antes disso, os benefícios pagos pelo sistema eram custeados integralmente pelo Poder Público, com os recursos provenientes de toda a sociedade.
Aqui, cabe fazer mais uma citação da obra de Marcelo Leonardo Tavares:
“O sistema dos servidores públicos nasceu com a proteção assistemática e gratuita de determinadas categorias funcionais pela legislação do Império. Durante a República, o sistema previdenciário próprio foi aprimorado, mas manteve, em linha geral, o financiamento exclusivo do seguro pelo Estado, sem participação do servidor. Somente com a entrada em vigor da EC nº 3/93, houve previsão constitucional de cobrança de contribuição dos funcionários para custeio do regime.”[10]
Com essas considerações pode-se concluir que o simples fato de ter o instituidor da pensão contribuído para o sistema previdenciário não autoriza o entendimento de que o seu valor não poderia ser somado ao de outras verbas de natureza remuneratória, percebidas pelo mesmo beneficiário, para efeito de aplicação do limite de vencimentos do setor público.
A submissão de proventos de aposentadoria e pensões ao teto remuneratório se compatibiliza com o sistema de repartição simples, que decorre do princípio da solidariedade, através do qual a geração atual paga os benefícios devidos à geração precedente, exatamente porque não há correlação exata entre o que o beneficiário ou o instituidor de pensão pagou anteriormente e a quantia que ele ou seu dependente perceberá no futuro.
Na sistemática da repartição simples, o valor dos benefícios depende da capacidade contributiva dos atuais servidores e do Poder Público, cujos recursos têm origem nos tributos pagos pela sociedade em geral. Assim, a aplicação do teto remuneratório ao somatório de proventos e pensões significa um limitador para amenizar o peso que vem constantemente aumentando sobre os ombros dos contribuintes em razão dos erros do passado, quando sequer havia previsão de pagamento de contribuição ao sistema por parte de seus filiados.
Neste ponto, é pertinente citar a lição de Gleison Pereira de Souza:
2.1.1. Repartição simples
Esse regime está fundamentado na lógica do pacto entre gerações; isto é, as contribuições dos segurados atuais são utilizadas para financiar as aposentadorias em curso, sendo que caberá às futuras gerações de trabalhadores financiar as aposentadorias dos atuais segurados. Nesse regime não há formação de reserva, já que todo recurso é imediatamente utilizado para pagamento dos benefícios atuais.
Para que o regime de repartição simples seja equilibrado, é necessário que seja sempre observada a adequada relação entre a quantidade de contribuintes e o valor de sua contribuição e a quantidade de aposentados e o valor dos benefícios. Nesse sentido, à medida que um sistema de previdência amadurece, isto é, que a população envelhece e é reduzida a relação de contribuintes x beneficiários, devem-se tomar medidas de ajuste em pelo menos uma dessas variáveis.[11]
Uma das medidas tomadas pelo constituinte para ajustar o valor das contribuições ao dos benefícios pagos pelo sistema previdenciário foi exatamente a fixação de um valor máximo que pode ser recebido por cada pessoa. Assim, pela exegese do art. 37, inciso XI, da Constituição, ainda que o servidor, aposentado ou pensionista tenha direito de acumular vários benefícios, a soma de todos eles não pode ultrapassar o chamado teto remuneratório, independentemente das respectivas origens.
Daí porque, dadas as atuais características do sistema previdenciário brasileiro, com mais razão deve ser aplicado o teto remuneratório sobre a soma de proventos e pensões do que sobre o conjunto de duas remunerações recebidas por servidor da ativa, no caso acumulação legal de cargos ou empregos.
Se o “abate-teto” incide inclusive sobre o conjunto de remunerações em caso de acumulação lícita de cargos ou empregos públicos, ou seja, quando o servidor efetivamente trabalhou para receber as duas remunerações integralmente, não há motivo para que também não seja aplicado sobre o somatório de pensão por morte com proventos de aposentadoria ou outras verbas remuneratórias, quando recebidos pelo mesmo beneficiário, já que não existe qualquer norma que excepcione essas situações do limite remuneratório do funcionalismo público.
Em relação à abrangência do comando constitucional que determina a aplicação do teto remuneratório, cito a seguinte decisão no Superior Tribunal do Justiça no RMS 33171 / DF[12]:
1. A Constituição Federal, em seu artigo 37, XVI, veda a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto para dois cargos de professor, um de professor com outro técnico ou científico e dois cargos privativos de profissionais de saúde, desde que haja compatibilidade de horários, observado em qualquer caso, o teto de vencimentos e subsídios previstos no inciso XI do mesmo dispositivo.
2. Diante dessa exigência constitucional, constata-se que são destinatários da referida norma todos os titulares de cargos, empregos e funções da Administração Direta, autárquica e fundacional, os membros de qualquer dos Poderes das entidades federativas, os detentores de mandato eletivo e os demais agentes políticos. E ainda: sujeita-se ao teto remuneratório todo e qualquer tipo de remuneração dos servidores, além de proventos e pensões, percebidos cumulativamente ou não.
3. Isso significa dizer que devem ser incluídas no somatório, para a aferição do limite máximo remuneratório, todas as parcelas de caráter remuneratório, de forma a alcançar as percepções cumulativas nos casos de acumulação legal de cargos, funções ou empregos públicos. E isso pela simples razão de que, como expressa o próprio vocábulo, somente estas parcelas remuneratórias se configuram efetivamente como rendimentos.
4. Assim, o somatório de vencimentos do servidor que legalmente acumula cargos públicos, por se tratar de duas verbas remuneratórias, ou seja, duas fontes de rendimento, deve ser incluído no limite remuneratório, não sendo legítima a pretensão de incidência isolada para cada uma das verbas recebidas pelo exercício desses cargos.
Ainda quanto ao rigor do art. 37, inciso XI, da Constituição, é relevante dar destaque à lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
O rigor quanto à determinação do teto, como se vê, é bastante grande, pois sua superação nem mesmo é admitida quando resultante do acúmulo de cargos constitucionalmente permitido. Aliás, no que concerne a isto, a vedação está reiterada no inciso XVI, última parte, do mesmo art. 37, assim como, no que atine a proventos ou proventos cumulados com vencimentos ou subsídio, no § 11 do art. 40.[13]
Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo tratam do tema em seu livro “Nova previdência social do servidor público” e admitem expressamente a incidência do teto sobre o somatório de pensão com aposentadoria, quando assim afirmam:
Caso o servidor perceba pensão da União e aposentadoria do Poder Executivo do Estado-membro, por exemplo, deverá ser respeitado, no tocante à parcela paga pelo Estado-membro, o teto estadual. Quanto ao valor pago pela União, o teto será o valor do subsídio de Ministro do Supremo. A soma das duas parcelas não poderá exceder este último.[14]
Por fim, no que concerne especificamente à acumulação de pensões com outras verbas sujeitas ao teto remuneratório, cito a decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RMS 29224 / CE[15]:
1. Não há direito adquirido ao recebimento de remuneração, proventos ou pensão acima do teto remuneratório estabelecido pela Emenda Constitucional nº 41/2003, nem ato jurídico perfeito que se sobreponha ao referido teto, não preponderando a garantia da irredutibilidade de vencimentos em face da nova ordem constitucional. Precedentes.
2. A pensão previdenciária oficial e a complementação de aposentadoria oriunda de montepio sob o gerenciamento administrativo-financeiro da Secretaria da Fazenda Estadual, ambas suportadas pelo Estado e decorrentes do exercício de uma única e mesma função pública na magistratura estadual devem se sujeitar, somadas, ao teto constitucional, nada importando o fato de serem legalmente acumuláveis.
Portanto, resta evidenciado que o chamado teto remuneratório limita a soma de quaisquer das verbas referidas no inciso XI do art. 37 da Carta de 1988, o que implica a conclusão de que o conjunto das verbas remuneratórias e benefícios percebidos por servidores, aposentados e pensionistas não pode ultrapassar o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, excluídas tão somente aquelas que tenham caráter indenizatório.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, concluímos que as limitações constitucionais relativas ao teto remuneratório do serviço público não permitem o percebimento cumulado de remuneração ou proventos de aposentadoria com pensão por morte em valor que supere o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Por conseguinte, deve ser aplicado o chamado “abate-teto” sobre a soma de pensão por morte com proventos de aposentadoria ou remuneração decorrente do exercício de cargos, funções ou empregos públicos, quando percebidos cumulativamente pelo mesmo beneficiário.
BIBLIOGRAFIA
DIAS, Eduardo Rocha e MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Nova previdência social do servidor público. São Paulo: Método, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
SOUZA, Gleison Pereira de. O regime de previdência dos servidores públicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2006.
Notas
[1] A atual redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003.
[2] Art. 37. (...) § 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.
[3] Art. 37. (...) XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
[4] REsp 643342; DJ 11.09.2006 p. 337
[5] Voto prolatado por ocasião do julgamento do qual resultou o Acórdão nº 2079/2005 – Plenário, do TCU.
[6] Voto prolatado por ocasião do julgamento do qual resultou o Acórdão nº 2079/2005 – Plenário, do TCU.
[7] A partir da EC nº 03/93
[8] TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2006, p. 390
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 493
[10] TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2006, p. 387/388
[11] SOUZA, Gleison Pereira de. O regime de previdência dos servidores públicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 29
[12] Fonte: DJe 14/06/2011.
[13] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 260
[14] DIAS, Eduardo Rocha e MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Nova previdência social do servidor público. São Paulo: Método, 2006, p. 155
[15] Fonte: DJe 19/09/2011.