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As questões jurídicas da inseminação artificial heteróloga

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O artigo analisa a inseminação artifical heteróloga e as questões jurídicas que a envolve, como dever do doador de prestar alimentos e direito ao conhecimento da herança genética.

RESUMO

Com a presente pesquisa pretende-se conhecer as possibilidades jurídicas dos princípios que regem a relação dos filhos gerados por inseminações artificiais heterólogas e o doador anônimo, discutindo sobre o choque entre eles quanto o direito aos filhos de conhecerem sua origem biológica e do sigilo dos doares ao banco de sêmen, a possibilidade da pensão alimentícia perante o doador, pai biológico, a questão da paternidade sócio-afetiva e a análise sucessória e patrimonial como possível direito dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga e também em relação ao pai sócio-afetivo, a seguinte discussão da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.358/92 frente aos preceitos jurídicos vigentes, dentre a análise das ações de investigação e negatória de paternidade. A pesquisa utiliza o método dedutivo para analisar, de modo geral, se as normas que regulam o instituto do reconhecimento de vínculo biológico são eficientes ao tratarem da filiação advinda da inseminação artificial heteróloga e se existe o direito pertinente à herança e pensão alimentícia.

Palavras-chave: filiação; reprodução humana; inseminação artificial heteróloga; investigação de paternidade;.


1 INTRODUÇÃO

Desde o início da vida, o único meio existente entre os seres humanos de vínculo de paternidade e filiação sempre foi através da reprodução advinda das relações sexuais, também podendo ser chamada de procriação natural.

Com o desenvolvimento da espécie humana ao longo dos anos e, também, do progresso científico, para satisfazer a necessidade daqueles que não podem ter filhos, por alguma razão, sendo ela pelo método natural de procriação, foram desenvolvidas técnicas de reprodução assistida, sendo uma delas a inseminação artificial heteróloga. (SPODE e SILVA, 2007).

A modernidade trouxe às famílias, ou tão somente às mulheres que, sem o desejo de enlace matrimonial, querem realizar o desejo da maternidade, sendo uma alternativa para o problema, a reprodução assistida em questão discutida.

Porém, com o total desenfreio da tecnologia que veio abrangendo de forma avassaladora os métodos que pudessem facilitar a vida das pessoas, estes se esqueceram do afeto entre elas e os problemas futuros que pudessem acarretar.

E estes problemas a cada dia surgem com mais freqüência na vida das famílias que recorrem a este tipo de inseminação, sendo que só lhe restam buscar solução através da nossa Justiça.


2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA

  No âmbito da reprodução assistida, existem várias técnicas diferentes de procedimento, assim como explica Balan (2006):

Dentre as principais técnicas atualmente disponíveis, destacam-se: inseminação artificial (IA), fertilização in vitro seguida de transferência de embriões (FIVETE), transferência intratubária de gametas (GIFT), transferência intratubária de zigotos (ZIFT), gestação por mãe substituta (“mãe de aluguel”).

  A inseminação artificial se divide em dois tipos, sendo uma denominada de homóloga e a outra heteróloga. A primeira se dá com a utilização do próprio material genético do casal e, a segunda, o sêmen utilizado é de um terceiro doador, que diante do anonimato, doa seus gametas a um Banco de Sêmen.

  A fertilização in vitro seguida de transferência de embriões (FIVETE), coloquialmente conhecida por “bebê de proveta”, é quando ocorre a fecundação do óvulo pelo espermatozóide fora do corpo, em laboratório. E logo depois de fertilizados, são transferidos para o útero. (CORLETA e KALIL, 2001).

  A transferência intratubária de gametas (GIFT) é utilizada quando os casos de infertilidade não têm motivo aparente. O procedimento consiste na coleta dos óvulos e espermatozóides que, com a ajuda do laboratório, são colocados dentro das trompas de falópio. (Materbaby).

  A transferência intratubária de zigotos (ZIFT) utiliza a mesma técnica da transferência intratubária de gametas (GIFT), porém a diferença entre elas é que a ZIFT é utilizada quando o material genético da mulher e do homem não são suficientemente bons para a fecundação e boa formação do embrião. Os óvulos são colhidos por ultra-sonografia trans-vaginal e colocados em contato com os espermatozóides dentro de uma trompa artificial e após confirmada a fecundação, é transferida para as trompas naturais. (Materbaby).

  A gestação por mãe substituta, ou mais conhecida como “mãe de aluguel”, consiste na substituição da gestação transferida a uma terceira pessoa. Existem dois tipos, sendo mãe portadora ou mãe de substituição. A primeira se refere no empréstimo do útero, e a segunda além de emprestar o útero também doa seus óvulos. (NERY, 2005).

  É através destas variadas técnicas, que as pessoas realizam o desejo da criação da família, quando estas se tornam impossibilitadas pelo método natural. E é quanto às inseminações artificiais, em especial a heteróloga, que o presente tema se desenvolve.   


3 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA: SUA ORIGEM E ASPECTOS HISTÓRICOS

Conceituar a inseminação artificial de maneira mais simples seria dizer que é a introdução, no organismo feminino, de espermatozóides, através de técnicas artificiais. (LOPES, 2000, p. 585).

Sobre a origem de tal procedimento, explica ainda Lopes (2000, p. 585):

A literatura registra que a primeira inseminação artificial humana ocorreu na Idade Média. Diz-se que Arnaud de Villeneuve, médico da família real, teria realizado com sucesso uma inseminação artificial com o esperma de Henrique IV de Castela em sua esposa. Todavia, os históricos a respeito do tema na literatura médica habitualmente atribuem o feito da primeira inseminação artificial homóloga ao inglês John Hunter no final do século XVIII. Por outro lado, a primeira inseminação heteróloga aconteceu na Filadélfia, Pensilvânia, em 1884, conduzida por Pancoast, um ginecologista americano.

Ainda sobre a origem do procedimento da inseminação artificial heteróloga, para Lagrasta Neto (2002, apud GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008):

[...] os primeiros relatos apontados na história de casos de concepção de filhos sem o ato sexual, por inseminação heteróloga, ou seja, doação de esperma por terceiro, [...] realizada por Pancoast, ginecologista americano, utilizando a técnica de conduta daí azoosopermia.

  Continua, portanto:

As técnicas de reprodução assistida tiveram seu ápice de destaque na Inglaterra, em 25 de julho de 1978, quando nasceu Louise Brown, o primeiro “bebê de proveta”, cuja mãe submeteu-se à fecundação in vitro (FIVET) com extração e seleção de seus óvulos, e posterior contato com espermatozóides em estufas para formar embriões que, depois de analisados, foram transferidos para o útero da mãe de Louise.

Diante de tantos avanços significativos para a ciência, que com início na década de 60 trouxe as pílulas anticoncepcionais, a contrariedade surgiu anos depois já na década de 70 com os primórdios da reprodução assistida, em conseguinte uma delas, a inseminação artificial heteróloga. (SILVA e LOPES, 2008).

Tais avanços, com as influências culturais e religiosas na vida da sociedade, contribuíram para o surgimento de alternativas que pudessem satisfazer as necessidades do ser humano em relação à constituição da família, por conseguinte, a procriação. E foi através de tal fato que a medicina acrescentou a isso, um dos tipos de reprodução assistida, sendo duas delas, a inseminação artificial: homóloga e heteróloga. (LOPES, 2000, p. 585).

Concluem Gasparotto e Ribeiro (2008, p. 357), que a inseminação artificial “é um procedimento de procriação utilizado na medicina veterinária desde meados do século XVI, em que já havia experiências em peixes, com a finalidade de melhorar a produção, a purificação das raças, a criação de híbridos, para fins médicos, dentre outros”.

Não se pode excluir do ramo do Direito, como origem, os fatores culturais que contribuíram para seu surgimento e influenciaram no nascimento das primeiras letras de lei. A religião, como ramo da cultura, também foi fator importante e bastante significativo para nosso ordenamento jurídico desde seus primórdios.

Portanto, não dá para falar do surgimento das técnicas de reprodução assistida sem abordar a influência que a religião tem no cotidiano das pessoas e por conseguinte, na nossa jurisdição. Logo, a visão ética deve ser analisada sob os diversos segmentos religiosos em relação às reproduções assistidas.

A Igreja Católica, que sempre influenciou o surgimento do Direito desde a época inquisitória, sempre foi contra os avanços tecnológicos relacionados à reprodução humana que não fosse pelos métodos naturais. É evidente e claro sua oposição contra as pílulas anticoncepcionais e o uso do preservativo e não poderia ser diferente em sua posição contra a inseminação artificial heteróloga, a classificando até como ato de adultério, mesmo que a doação seja consentida pelo outro cônjuge. (LOPES, 2000, p. 586).

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Já a Igreja Islâmica, não somente recrimina a inseminação artificial heteróloga como também a homóloga, que é a doação do sêmen do próprio marido. A Igreja Anglicana tem influências de duas correntes, onde a majoritária e mais conservadora é contra a inseminação artificial heteróloga e a outra corrente mais progressista admite a doação de terceiros. A Igreja Judia também não aceita que seja utilizado sêmen que seja diferente do originado pelo casal. (LOPES, 2000, p. 586).

Quem vem se posicionando com mais liberalismo sobre o assunto é a Igreja Protestante, que não vêem barreiras em aceitar as técnicas de reprodução assistida, se os cônjuges concordarem com tal procedimento. (LOPES, 2000, p. 586).

A doutrina Espírita também encara as técnicas de reprodução com naturalidade, pois Allan Kardec, pai do espiritismo, já havia esclarecido que a doutrina e a ciência caminham lado a lado rumo à evolução sem se oporem ao desenvolvimento. Somente é ressaltado que tais procedimentos devem ser utilizados para o bem da humanidade. (LOPES, ed. 34, Revista Cristã do Espiritismo).

Para Luna (2001, p. 403, apud SILVA e LOPES, 2008):

Na Inglaterra, o caso de mulheres sem experiência sexual nem intenção de tê-la que procuravam clínicas de fertilidade com o intuito de receberem o tratamento de inseminação artificial por doador e engravidarem foi designado pelos meios de comunicação de “síndrome do nascimento virgem”. A atitude dessas mulheres foi encarada com reservas por alguns médicos, colocando-se em pauto que tipo de pessoa seria apta ao tratamento. O tratamento visava a substituir a relação sexual vez de simplesmente contornar um estado estéril, superando dificuldades da natureza. (...) Tal postura contraria os papéis de gênero estabelecidos, segundo os quais as mulheres seriam as guardiãs do ideal de que filhos nascem de relações de parceria, relações essas constituindo o alicerce da vida familiar.

  Portanto, os fatores históricos são imprescindíveis e influenciadores no tocante à reprodução assistida e cada evolução e desenvolvimento da ciência tem sua parcela ligada aos costumes da sociedade com o intuito de, a cada dia, solucionarem as dificuldades e desejos de cada ser humano.


4 DIFERENÇAS ENTRE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA E HETERÓLOGA

  Dentre as técnicas de reprodução assistida, merecem destacar as diferenças entre a inseminação artificial homóloga da inseminação artificial heteróloga.

  Conceitua Venosa (2006, p. 240), que “denomina-se homóloga a inseminação proveniente do sêmen do marido ou do companheiro; heteróloga, quando proveniente de um estranho”.

 Na visão de Lopes (2000, p. 585), o mesmo denomina a inseminação artificial homóloga como sendo a que:

[...] consiste na introdução de espermatozóides do esposo de qualquer segmento do aparelho genital feminino. Tal procedimento é feito após preparo laboratorial do sêmen. Pode ter lugar em um ciclo espontâneo ou após estimulação da função ovatoriana com indutores da ovulação.

 Ainda, discorre Lopes (2000, p. 586), sobre o conceito da inseminação artificial heteróloga:

[...] obedece os critérios técnicos semelhantes àqueles levados a efeito na inseminação artificial homóloga. Exceção, faz-se, quanto a origem da amostra seminal no caso oriunda de um doador.

A inseminação artificial será heteróloga, quando o material genético, espermatozóide ou óvulo, tiverem como origem um doador estranho à pessoa a ser fecundada, podendo ser denominado também de doação. Geralmente, indivíduos que procuram optar pela inseminação artificial heteróloga são aqueles que sofrem de esterilidade ou incompatibilidade sanguínea. (MARQUES, 2003).

Conceitua também, Savin (1990, p. 237, apud GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008):

A inseminação artificial consiste na técnica de fecundação intracorpórea, na qual o espermatozóide é retirado de seu doador (o próprio marido ou de um terceiro) e posteriormente introduzido na cavidade uterina da mulher, de maneira artificial. A fecundação in vitro consiste na técnica de fecundação extracorpórea na qual o óvulo e o espermatozóide são previamente retirados de seus doadores e são unidos em um meio de cultura artificial localizado em vidro especial.

  Em um breve conceito, somente para que haja a identificação das expressões, a inseminação artificial homóloga é aquela feita com o material genético do próprio casal (cônjuges) e a heteróloga é a fecundação realizada com sêmen de terceiro, onde são aproveitados os embriões que excederam ao ser realizada a fertilização in vitro. (RODRIGUES, 2006, p. 314).

  Portanto, o método usado nos dois tipos de reprodução assistida são semelhantes e é com a origem do sêmen que poderá ser capaz de conceituar se a inseminação será homóloga (sêmen do marido ou companheiro) ou se será heteróloga (sêmen de terceiro doador), lembrando que ambas são feitas por métodos não naturais.

 São três as características fundamentais para a realização da doação heteróloga, sendo elas a gratuidade, não podendo ter fins lucrativos, a licitude, que advém da gratuidade e a mais importante delas que é o anonimato dos doadores e receptores. (MARQUES, 2003)


5 ASPECTOS MÉDICOS SOBRE A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

  Os aspectos médicos sobre a inseminação artificial, consistem nas formas procedimentais técnicas da medicina quanto à sua realização, sobre o Banco de Sêmen e suas características e procedimentos e sobre o Conselho Federal de Medicina que tem como norma reguladora da Reprodução Assistida, a Resolução 1358/92.

5.1 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS

  Trata-se dos procedimentos usados pelas clínicas especializadas em Reprodução Assistida, de modo à realizar o tratamento que ajudará àquelas com dificuldade para engravidar. Por isso, assim alerta Rios, (2006):

Convém mencionar que trata-se de procedimento de custo elevado e cobrado por cada tentativa de engravidar. Dessa forma, devem estar perfeitamente esclarecidas ao casal tais circunstâncias, na medida em que não existe garantia da eficácia da inseminação artificial.

  A mulher que deseja utilizar da técnica de reprodução assistida, no caso em tela, tanto a inseminação artificial heteróloga quanto a homóloga, ao procurar um centro especializado, deve passar por alguns procedimentos médicos.

  Segundo o CEMERJ (Centro de Medicina de Reprodução), o tratamento consiste na inserção do espermatozóide que é depositado na vagina, que logo fará o trajeto até o óvulo e captado pela trompa no momento em que haverá a expulsão pelo ovário.

  Ainda de acordo com as técnicas do referido Centro, a mulher deverá ser monitorada para que se possa descobrir qual o melhor momento para tal fecundação, pois algumas possuem ovulação espontânea e outras precisam que ela seja estimulada.

  Em se tratando da ovulação espontânea, esta é monitorada através de ultra-sonografia para devida detecção de hormônios que são liberados pela urina. Nos primeiros dias da ovulação, os ovários são avaliados e se estiverem sem nenhuma restrição, como por exemplo, formação residual, o tratamento é prosseguido. (CEMERJ).

  Com a ultra-sonografia, no primeiro dia do ciclo, é reiniciado o procedimento, onde diariamente deve ser feito, e, a partir da aparição de uma imagem de folículo maior ou igual a 15 mm, é feito o exame com o hormônio LH (na urina), que com a utilização de um Kit, faz-se a reação da urina pela manhã e no início da tarde. Se a cor do Kit se modificar, estará indicando que a ovulação deverá iniciar entre 24 e 30 horas depois, e assim a inseminação artificial é realizada nesse período (CEMERJ).

  Quando a ovulação terá que ser induzida, segundo o CEMERJ, essa indução será feita através de medicamentos que estimularão a produção dos hormônios que irão atuar no ovário, ou nos casos mais complexos, pelo monitoramento com ultra-sonografia e avaliação da produção hormonal. São indicadas a este tratamento, mulheres que não possuem ovulação, que a ovulação tem quantidade hormonal baixa ou até ovulação normal.

  Segundo o Centro de Medicina de Reprodução, no Rio de Janeiro/RJ, o procedimento para o homem é o seguinte:

Após a ejaculação o esperma é misturado a um meio de cultura, e sofre uma separação por centrifugação, o que faz a parte sólida (espermatozóides e células) se separarem do meio líquido. Em seguida colocamos esta parte sólida com uma certa quantidade de meio de cultura, em repouso na estufa. Os espermatozóides, pela sua mobilidade, irão nadar para o meio de cultura. Coletaremos então só o meio de cultura, que deverá conter apenas os espermatozóides mais móveis, e será esta amostra que inseminaremos.

  Em relação aos números, o CEMERJ dá estatísticas de seus resultados com as inseminações artificiais homólogas:

Sabemos hoje que a chance natural de um casal que não apresente dificuldades, se situa em torno de 25% a cada ciclo, de engravidar e levar a sua gestação até o término. Na inseminação apesar de controlar a ovulação realizar a inseminação no melhor momento com um esperma de boa qualidade ou melhorado ao máximo, a nossa chance real deverá se situar no máximo em torno deste número. Os nossos últimos resultados, que incluiam todas as indicações, foram de 33% por ciclo tentado. Os extremos desta análise estatística, foram de 6 a 8% para as alterações espermáticas severas, e de 55% para a inseminação com esperma de doador, em que o lado feminino era normal e o esperma reconhecidamente normal.

  Insta lembrar que, as técnicas para a inseminação artificial homóloga e heteróloga são as mesmas, o que irá distinguir uma da outra é a origem do sêmen, onde da primeira se dá com o do marido ou companheiro, e da segunda através de um doador anônimo.

5.2 BANCOS DE SÊMEN

Segundo a Pro-Seed, em São Paulo/SP, o Banco de Sêmen é um serviço que tem a finalidade de conservar e preservar o material genético masculino congelado que serão utilizados em futuras inseminações artificiais.

 Esclarece ainda, que os espermatozóides são congelados em nitrogênio líquido (196° negativos) e que são colhidos através da masturbação, coleta no epidídimo[1] e testículos ou através de estímulos com vibro ou eletro-ejaculação.

  Em relação aos doadores anônimos, a Pro-Seed, afirma:

O Banco de Sêmen de Doadores Anônimos mantém sêmen de homens que voluntariamente doaram seus gametas para casais cujo marido apresenta infertilidade que não pode ser tratada ou doença hereditária conhecida, como por exemplo, hemofilia.

  Explica a diretora da clínica Pro-Seed, em São Paulo, Vera Beatriz Fehér Brand[2], que o doador deve manter abstinência sexual e de ejaculação de pelo menos 3 dias e agendar a coleta de sêmen para análise seminal de segunda à sexta-feira das 08:00 às 15:00 e após a aprovação do doador, as doações podem ser feitas no sábado pela manhã.

  Esclarece ainda, que o programa de doação de sêmen segue a regulamentação da Sociedade Americana de Reprodução Assistida e Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

  Expõe a diretora que há procedimentos que devem ser seguidos, sendo eles a triagem com um médico urologista com um questionário e exame clínico para posterior assinatura do termo de doação, a coleta de sangue para exames sorológicos, como Aids, Hepatite B e C, Sífilis, HTLV, Tipagem sanguínea e eletroforese de hemoglobina.

  Se o doador for aprovado nos exames e na triagem ele deve agendar as doações de sêmen, sempre mantendo abstinência sexual e de masturbação como já dito anteriormente. É solicitado 6 doações (1 por semana ou uma cada 15 dias), exame de cariótipo e a repetição dos exames de sangue 6 meses após as doações.

  Como as doações são anônimas e o sigilo deve ser mantido para proteção da identidade dos doadores, é assinado um termo para assegurar tal direito:

INSTRUMENTO DE DOAÇÃO VOLUNTÁRIA DE SÊMEN

Eu, ____________________ RG n.º. ________________, CPF n.º._____________, residente à Rua _____________________________________________________ Bairro ___________Cidade _________________ Estado _________ CEP:._______________ Tel.1 ( ) _____________ Tel.2 ( )___________________, DECLARO estar doando, graciosamente, meu sêmen para o Banco de Sêmen da Pro-Seed, de livre e espontânea vontade, sem nenhum tipo de induzimento ou coação.

CLÁUSULA I

Estou CIENTE e CONCORDO na utilização do sêmen, ora doado, para fertilização assistida em mulheres em idade reprodutiva após a seleção do sêmen doado, sua aprovação e liberação à critério exclusivo da Pro-Seed. Estou ciente de que as amostras que não atenderem aos critérios de armazenamento estabelecidos pela Pro-seed serão por esta descartadas. Declaro-me CIENTE, outrossim, que o procedimento de doação é composto das cinco etapas abaixo definidas, as quais comprometo-me e CONCORDO a seguir SEM QUALQUER INTERRUPÇÃO, sujeitando-me, em caso de interrupção, salvo se por motivo de caso fortuito ou força maior, ao disposto na cláusula IX do presente instrumento particular.

1ª Etapa - Coleta de amostra de sêmen para análise inicial

2ª Etapa - Triagem médica

3ª Etapa - Coleta de sangue para exames sorológicos e cariótipo. Cultura seminal. (Se a cultura seminal apresentar resultado positivo, indicaremos o tratamento adequado, o que permitirá o retorno do doador às doações)

4ª Etapa - Coleta de 5 amostras de sêmen, pelo menos, mantendo pelo menos 3 dias de abstinência sexual e de masturbação. Estas amostras de sêmen deverão ser colhidas no prazo de 3 meses, contados a partir da 1ª Etapa.

5ª Etapa - Coleta de sangue para exames sorológicos 6 (seis) meses após a última doação de sêmen.

CLÁUSULA II

CONCORDO e ACEITO ser vedado o meu acesso à identidade do receptor e da criança gerada pelo procedimento de fertilização assistida, da mesma forma que será preservado o sigilo da minha identidade e privacidade, de acordo com os termos da legislação vigente. Tenho total ciência de que os dados pertinentes à amostra de sêmen por mim doada poderão ser transmitidos ao médico-responsável por sua utilização, mantendo-se, entretanto, o sigilo de minha identidade e privacidade.

CLÁUSULA III

A escolha do receptor e do momento da fertilização assistida, será exclusivamente determinado, conjuntamente pela Pro-Seed e o médico-responsável pelo procedimento.

CLÁUSULA IV

Considerando-se a orientação da Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, o doador será excluído desta condição (de doador) após a obtenção de 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, com o mesmo doador, numa área de um milhão de habitantes.

CLÁUSULA V

DECLARO não ser portador de nenhuma enfermidade conhecida e hereditária, não ser usuário de drogas injetáveis e nem ter tido relações sexuais promiscuas nos últimos seis meses.

CLÁUSULA VI

OBRIGO-ME a comunicar à Pro-Seed, sobre alterações significativas em meu estado de saúde, principalmente no que se refere às doenças sexualmente transmissíveis, durante o período em que estiver fazendo as doações. CONCORDO, ainda, em ser contatado periodicamente para obtenção de informações a respeito de minha saúde e a manter a Pro-Seed informada quanto a quaisquer alterações em meus dados cadastrais, inclusive endereço, números de telefone, email, e outros.

CLÁUSULA VII

OBRIGO-ME em submeter-me a coleta de sangue para os testes sorológicos para HIV 1 e 2 (AIDS), HTLV 1 e 2, Hepatite B, Hepatite C e Sífilis, seis meses após a última coleta de sêmen.

CLÁUSULA VIII

A omissão voluntária à Pro-Seed de informações concernentes ao uso de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e hereditárias, pelo doador, caracterizará o crime previsto no art. 132 do Código Penal Brasileiro.

CLÁUSULA IX

Em caso de INTERRUPÇÃO DO PROCEDIMENTO DE DOAÇÃO, salvo se motivada por força maior ou caso fortuito, declaro-me ciente de que estarei obrigado a RESTITUIR à Pro-Seed todos os custos e despesas por este incorridos até o momento, de acordo com a Tabela de Procedimentos vigente à época da interrupção.

CLÁUSULA X

(____) AUTORIZO (____) NÃO AUTORIZO a utilização das amostras criopreservadas em projetos de pesquisa que tenham sido previamente aprovados por Comitê de Ética em Pesquisa, livremente eleitos pela Pro-Seed.

São Paulo, _____ de _____________ de ________.

____________________________________

Assinatura

  Tal contrato, portanto, é o mecanismo indispensável nas doações de sêmen, pois é através dele que o doador terá conhecimento de seus deveres e garantias, sendo a principal delas quanto à sua identidade preservada.

5.3 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

  O Conselho Federal de Medicina (CFM) [3]:

[...] é um órgão que possui atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica. Criado em 1951, sua competência inicial reduzia-se ao registro profissional do médico e à aplicação de sanções do Código de Ética Médica, [..] e hoje, as atribuições e o alcance das ações deste órgão estão mais amplas, extrapolando a aplicação do Código de Ética Médica e a normatização da prática profissional. [...] o CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e humanista, convicto de que a melhor defesa da medicina consiste na garantia de serviços médicos de qualidade para a população.

  Através de sua caracterização como um órgão fiscalizador e normatizador com atribuições constitucionais, através da Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de 1992, estabeleceu normas éticas em relação às técnicas de reprodução assistida.

  Como trata-se de um assunto que lentamente vem sido discutido e aceitado pelas leis brasileiras, o Código Civil vigente pouco trás sobre o tema, restando, portanto, ser regulado pela Resolução nº 1.358 do Conselho Federal de Medicina.

 Tal resolução trás aspectos importantes quanto à utilização do tratamento da reprodução assistida, assegurando primeiramente a saúde do paciente, trazendo também alguns tipos de vedações.

  As técnicas utilizadas devem ter exclusivamente a finalidade de auxiliar casais inférteis somente depois de não existir mais nenhuma outra opção para solucionar a infertilidade.

  Para que as técnicas de reprodução assistida sejam efetuadas, devem haver o consentimento informado obrigatório tanto para o receptor infértil quanto para o doador, anônimo (heteróloga) ou não (homóloga).

 Este consentimento deve ser sob a forma de um contrato, ou seja, um formulário especial, onde, por escrito, o doador e o receptor dão total concordância com o procedimento. Neste formulário, devem conter cláusulas explicativas e claras, informando ao doador e receptor de todas as etapas a serem seguidas, tais como também, exames a serem realizados, dentre outros procedimentos.

  A Resolução nº 1.358 também trás algumas vedações, como dito anteriormente. É proibido utilizar as técnicas de reprodução assistida com o intuito de selecionar o sexo ou quaisquer outras características da futura criança, com a exceção de que tal método possa evitar doenças ligadas ao sexo do futuro filho.

  Outra vedação também expressa na Resolução nº 1.358 se refere sobre a doação temporária do útero, ou também chamada de gestação de substituição, que não deve ter caráter comercial nem lucrativo. A doação de gametas também não.

 Assim como já expressa o Código Civil, em seu artigo 1597, V, e também vem relatado na referida Resolução em discussão, se a receptora for casada ou viver em união estável, é imprescindível a autorização do marido ou companheiro, além do consentimento informado, citado anteriormente.

  Outro ponto importante trazido pela Resolução nº 1.358 é quanto à responsabilidade civil nestes procedimentos de reprodução assistida, que será, obrigatoriamente, do médico que realizou a inseminação, estando incluídos os procedimentos médicos e laboratoriais.

 Esta responsabilidade deve ser um dos requisitos mínimos apresentados pelas clínicas, centros ou serviços que aplicam as técnicas da reprodução assistida.

 É importante também, ser apresentado um registro permanente onde deve estar relatado todos os procedimentos feitos pelo médico desde a manipulação dos gametas até o nascimento da criança, além de provas diagnósticas que têm a finalidade de evitar a transmissão de doenças.

  Desde então, o ponto mais polêmico trazido pela Resolução nº 1.358 é quanto ao anonimato dos doadores, que diz:

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

  As doações devem ser voluntárias, e como dito já anteriormente, possuem caráter gratuito e não comercial. O limite de idade é de 45 anos e não podem ser doadores os médicos responsáveis pela clínica nem integrantes de equipe que nela prestam serviços.

  Também consta como regra onde o doador não poderá produzir mais de 02 gestações, de sexos diferentes, na região em que se localiza o centro especializado, numa área de um milhão de habitantes. Tal regra evita que haja os incestos e suas possíveis conseqüências. Sendo assim, expõe Júnior (2005, p.96, apud CÂNDIDO, 2007):

[...] os filhos devem ter acesso aos dados biológicos do doador para descoberta de possível impedimento matrimonial, pois em se mantendo esse sigilo de forma absoluta, isso poderia redundar, futuramente, em relações incestuosas. Sendo totalmente anônima a paternidade biológica, mantida sob a égide de um sigilo absoluto, nada impede que irmãos (filhos nascidos de material pertencente ao mesmo doador) ou mesmo o próprio doador e uma filha contraiam casamento por absoluta ignorância com relação as suas verdadeiras origens.

 O Conselho Federal de Medicina também tratou na Resolução ora discutida, a questão da criopreservação, ou seja, o congelamento dos gametas ou pré-embriões, estipulando que as técnicas de reprodução assistida também podem ser realizadas na preservação e tratamento de doenças hereditárias, onde qualquer intervenção tem que ter o consentimento obrigatório do casal, quando se tratar de pré-embriões in vitro, que tem tempo máximo de desenvolvimento de 14 dias.

  Outrossim, tratou a Resolução sobre a doação temporária do útero, ou também chamada de gestação de substituição, que é realizada quando há algum problema médico que impeça a gestação na doadora genética. A doadora temporária deve ter parentesco até o segundo grau com a doadora genética, onde se houver casos excepcionais devem ser analisados e autorizados pelo Conselho Federal de Medicina.

  Deste modo, por falta de amparo legal sobre as questões relacionadas à reprodução assistida, a Resolução nº 1.358 é que vem atualmente regulando tais procedimentos.

  É interessante abordar também, como são reguladas as técnicas de reprodução assistida fora do Brasil, em uma breve comparação. Na Noruega, por exemplo, é permitida a doação de sêmen, mas proibida a doação de óvulos que, se praticada, vem seguida de uma penalidade de três meses de prisão. Já nos Estados Unidos é permitida a remuneração dos doares do material genético. (LOPES, 2000, p. 586).

Sobre a autora
Cecília Cardoso Silva Magalhães Resende

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba em 2009. Pós-graduada em Ciências Penais pela Uniderp/Anhanguera em 2012. Advogada militante em Uberaba/MG nas áreas: Criminal, Cível, Família e Previdenciária.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDE, Cecília Cardoso Silva Magalhães. As questões jurídicas da inseminação artificial heteróloga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21725. Acesso em: 22 nov. 2024.

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