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As questões jurídicas da inseminação artificial heteróloga

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6 ASPECTOS JURÍDICOS

  Os aspectos jurídicos da inseminação artificial consistem na abordagem sobre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana como prioridade no direito da personalidade presente na Constituição Federal de 1988, dentre outras fundamentações além do texto constitucional, incluindo também as inovações que o Código Civil de 2002 trouxe à reprodução assistida.

  Trata também, do choque do direito da personalidade, que protegido pelo princípio da dignidade da pessoa humana e dando à criança o direito de conhecer sua origem biológica, enfrenta opostamente o direito à intimidade e privacidade do doador de sêmen ao ter sua identidade mantida em anonimato e sigilo.

  Outro aspecto relata sobre a paternidade sócio-afetiva que o marido ou companheiro, que autorizou a inseminação artificial heteróloga, tem com a criança gerada, além dos direitos que o pai biológico e o sócio-afetivo têm perante os instituídos da investigação de paternidade, dos alimentos e da sucessão hereditária.

6.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

  A sociedade, assim como todo o meio em que vivemos, sempre está em processo de evolução e mudanças. Avanços tecnológicos e científicos a cada vez mais se aperfeiçoam para que a vida do ser humano possa ser facilitada, suprindo suas necessidades, onde de modo natural não seria possível ocorrer.

  O Direito como ciência humana e reguladora da sociedade, através de seus princípios e normas, também deve sempre caminhar lado a lado com estes avanços, adequando suas leis para proteger e limitar as ações daqueles que, da evolução, a utilizam.

  O progresso para a vida das pessoas deve atuar sempre de forma positiva e nunca em discordância com o nosso ordenamento jurídico, sendo ele um Estado Democrático de Direito. E como a ciência e a tecnologia lida com a vida do ser humano é imprescindível o respeito à dignidade da pessoa humana.

  A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, trás em seu artigo I que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

  E também é na nossa Constituição Federal de 1988 que tal princípio encontra-se elencado no artigo 1º, III, assim interligado com o direito à vida, à liberdade e igualdade, sendo uma das principais garantias fundamentais a qualquer ser humano, assim como já expressa também o artigo 5º, caput, da referida Carta Magna.

  Quanto às técnicas de reprodução assistida e a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, assim relata Cândido (2006):

O ordenamento jurídico brasileiro acolhe diversos direitos humanos constitucionalmente garantidos como direitos fundamentais como forma de proteção ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inclusive direitos de quarta geração, que protegem as pessoas envolvidas em procedimentos biotecnológicos como o de aplicação de técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga.

  A inseminação artificial heteróloga, além de utilizar-se de material genético de um doador, terceiro a um casal, lida principalmente com a vida de uma criança que está para ser gerada e que posteriormente irá se relacionar com sua família e a ela criar vínculos afetivos.

  É exatamente por estes vínculos, que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre protegida e respeitada, pois futuros questionamentos quanto sua origem genética e biológica são hipóteses naturais de todo ser humano.

  Frente a essas dificuldades que a legislação Civil vem enfrentando, principalmente no Direito de Família, para adequar a Bioética e, decorrente dela, a reprodução assistida, expõe Balan (2006):

Diante do exposto, conclui-se que a exploração dos temas referentes à reprodução medicamente assistida, em especial à reprodução heteróloga, é relevante pela sua atualidade, uma vez que atinge diretamente a vida da sociedade, onde se busca substituir as dificuldades dos legisladores e aplicadores da lei, diante da inexistência de previsão legal ou inadequação desta, pela busca de um sistema de normas que assegure a realização total das potencialidades humanas e da manutenção de sua dignidade.

  O princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre se sobrepor como forma de solucionar os conflitos quando a lei for omissa ou não for capaz de resolvê-los por si só, assim como explica Cândido (2007):

Por ser o valor da pessoa humana o motivo da existência de um ordenamento é que se deduz que as normas existam em benefício da pessoa, ou seja, a serviço de sua dignidade. É o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana a tradução jurídica do valor da pessoa humana.

Portanto, a atuação do Direito de Família em conjunto com o princípio da dignidade humana é de extrema importância frente às inseminações artificiais heterólogas, pois é baseando em princípios reguladores das relações familiares, concernentes sobre a filiação, que trará a finalidade ao indivíduo do conhecimento da sua origem biológica.

Quanto aos direitos fundamentais, está incluído também o planejamento familiar, que além de estar previsto na Constituição Federal vigente, vem também expresso através da Lei 9263/06, que o regulamenta. A Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, criado pelo Ministério da Saúde, visam também a garantia dos direitos de reprodução entre homens e mulheres. (CÂNDIDO, 2007)

A Lei 9263/06 também trouxe o conceito da família monoparental, onde o planejamento familiar deixou de ser direcionado ao casal e passou a considerar o homem e a mulher, individualmente, inclusive com liberdade para adotar as técnicas de reprodução assistida, mas sem ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. (RIBAS, 2008).

E é por estes fatores que o princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre prevalecer para que dê a garantia a esta criança, que será gerada com a ajuda das técnicas da inseminação artificial, de que ela tem o direito de saber sua origem biológica, do mesmo modo de que seus pais também tiveram como garantia o direito e a liberdade de fazerem o planejamento familiar, conforme já exposto, no artigo 226, §7º, da Magna Carta.

 Entretanto, o legislador não pode se olvidar em defender a dignidade da pessoa humana com prioridade, pois se trata primeiramente de valores permanentes na sociedade, como a ética coletiva, que advém de valores naturais que fazem parte do Direito Natural. (SOEIRO, internet).

6.1.1 Outras fundamentações

  Não tão somente fundamenta as questões jurídicas da inseminação artificial heteróloga e as demais técnicas de reprodução assistida, com o princípio da dignidade da pessoa humana. Primordial ele se torna, porém outros princípios basilares também podem ser usados na defesa dos direitos daqueles que recorrem à tecnologia e à ciência.

  Ainda na nossa Constituição Federal, encontramos no artigo 227, §6º, assim como no artigo 1596, caput, do Código Civil de 2002, a qualificação de igualdade entre os filhos, sendo eles havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção. E por equiparação, os filhos havidos da inseminação artificial heteróloga em relação à paternidade não-biológica, são identificados do mesmo modo do que os adotivos, estabelecendo, portanto, um vínculo sócio-afetivo.

  Expressa ainda no artigo 226, §4º, da Constituição Federal, a questão da entidade familiar, que pode ser formada também por qualquer descendente e qualquer dos pais, podendo ser exemplificada no modo mais simplista, a mãe solteira. Portanto, para ser considerada família para efeitos jurídicos, não é necessário haver pai, mãe e filhos, sendo admitido quaisquer um deles, conforme já explicou o artigo em questão.

  A Constituição Federal ainda trás a questão da convivência familiar sem se privar somente à questão da origem genética, estipulando ainda os deveres da família, da sociedade e do Estado e os direitos da criança e do adolescente, conforme o artigo 227, caput.

  Dispõe ainda, quanto à proteção destes direitos, a Lei 8069 de 13 de Julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde em seu artigo 3º também descreve que a criança e o adolescente são detentores dos direitos fundamentais para a dignidade da pessoa humana. O ECA, em seu artigo 20, também estabeleceu a igualdade entre os filhos.

  Assim relata Lôbo, (2004), quanto à relação dos princípios e da doutrina:

O princípio é um reflexo do caráter integral da doutrina dos direitos da criança e da estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral. Assim, segundo a natureza dos princípios, não há supremacia de um sobre outro ou outros, devendo a eventual colisão resolver-se pelo balanceamento dos interesses, no caso concreto.

  Conclui, portanto, que frente aos conflitos geradores das técnicas da reprodução assistida, não se pode priorizar um princípio sob o outro, pois ambos são necessários, em conjunto com o ordenamento, para a solução dos interesses da criança e de sua família.

  Não obstante, expõem Gasparotto e Ribeiro, (2008):

Quando a verdade biológica se contrapuser à filiação socioafetiva, deve-se levar em conta dois critérios basicamente: o princípio da razoabilidade / proporcionalidade, porquanto se deve analisar sobre o sacrifício de qual das hipóteses acima gerará menor prejuízo à criança ou ao adolescente, pautando-se na eqüidade e no sendo de justiça, e, com efeito, o princípio do melhor interesse da criança.

6.2  INOVAÇÕES DO NOVO CÓDIGO CIVIL

  O surgimento do Código Civil de 1916 foi em uma época em que as atividades eram basicamente no campo, onde as famílias trabalhavam em suas propriedades rurais e de lá tiravam seu próprio sustento. E em decorrência disso o homem era considerado o “chefe da família”, enquanto a mulher, subordinada a suas ordens, era responsável pela casa e pelos filhos. E por este fator, o casamento era o único caminho para a constituição da família para assim, fazer gozo dos direitos do ordenamento. (COSTA, 2006).

  E deste modo, o artigo 338, do Código Civil de 1916, considerava somente parte da filiação legítima àqueles concebidos na constância do casamento, em 180 dias após a convivência conjugal ou 300 dias após o fim dela, que se desfez por morte, desquite ou anulação, onde claramente é possível notar que nem se cogitava na possibilidade do reconhecimento dos filhos havidos pela reprodução assistida (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008).

  Além disto, era notável a discriminação entre os filhos, pois também só eram considerados e aceitos pela sociedade àqueles advindos da consangüinidade, de onde detinham todos os direitos inerentes à filiação. (COSTA, 2006).

  Destarte observar esta discriminação, no capítulo IV, do Código Civil de 1916, nos artigos 355 à 367, que abordavam sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, trazendo, portanto, uma separação entre os filhos advindos do casamento (legítimos) e os extraconjugais (ilegítimos).

  Como a lei deve sempre estar atenta e caminhar junto com os avanços da humanidade, a atualização da lei civilista trouxe grandes benefícios à sociedade em relação às evoluções tecnológicas e científicas, mas ainda não suficientes. E como se trata de um tema que está em constante discussão é fácil encontrar omissões na lei.

A nossa lei pátria deixou uma lacuna em seu ordenamento civilista se esquecendo de que o avanço biológico e tecnológico hoje é meio essencial de vida para as famílias, que por alguma razão, buscam destes meios para solucionar seus problemas.

  O instituto da reprodução assistida, como já abordado anteriormente, além de ser regulamentado pela Resolução nº 1.358 do Conselho Federal de Medicina, também está prevista no Código Civil de 2002, em vigência.

  Assim, expõe Ribas, (2008):

As únicas normas existentes estão contidas na Resolução 1.358 do Conselho Federal de Medicina, de 1992, que traça os caminhos éticos a serem seguidos pelos médicos, porém, não possui caráter impositivo ou sancionador em caso de descumprimento de seus preceitos. O atual Código Civil apenas mencionou algumas técnicas de reprodução assistida, constatando sua existência, todavia, deixou de regulamentá-las, motivo pelo qual a matéria precisa ser objeto de regulamentação por lei específica [...] Existem alguns projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional sobre a reprodução assistida, consistindo em pequenas variações da Resolução 1.358/92 e que devem ser aperfeiçoados. Um dos projetos mais completos é o elaborado pelo Senador Lúcio Alcântara (nº 90/99), que se encontra em fase mais adiantada de tramitação, embora alguns de seus dispositivos sejam considerados inconstitucionais.

  Esta inovação trazida pelo Código Civil de 2002, está no artigo 1597, V, onde estabelece a presunção da filiação àqueles “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”, veio com o intuito de modernizar o Direito de Família.

  Contudo, esclarece Cândido, (2007):

 O novo Código Civil realiza, aquilo que chamamos de “a passagem do modelo clássico para o modelo contemporâneo de filiação”. O que o novo Código Civil resgata, sem vacilações, é que a filiação pode decorrer de fontes plúrimas e não mais, exclusivamente biológica, como preconizava a proposta codificada de 1916. Agora, a filiação pode decorrer dos meros laços sanguíneos (parentesco natural), da mera adoção, ou eleição (parentesco civil), como da pura afeição (parentesco resultante das procriações artificiais).

  O inciso V, do artigo 1597, do Código Civil de 2002, trás a expressão “desde que tenha prévia autorização do marido”, o que se faz crer que, mesmo que seja utilizado sêmen de um terceiro doador, é necessário que o casal seja casado, ou presume-se que vivam em união estável.

  Porém, com a chegada da modernidade e as mudanças nos hábitos culturais, morais e éticos das pessoas em sociedade, sobretudo pela independência financeira, é notável a vontade de algumas mulheres que, sem a vontade de enlace matrimonial ou a união estável, querem constituir família.

  E cabe a elas recorrer a um banco de sêmen para que possam usufruir das técnicas da reprodução assistida, e assim, através da inseminação artificial heteróloga, conseguirem gerar o tão desejado filho. A mulher solteira pode utilizar das técnicas da inseminação artificial heteróloga?

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  Quanto ao questionamento, diz Lopes (2000, p. 587):

Parece-nos extremamente algoz um código de ética que sacrifique o desejo de uma mulher vir a ser mãe somente porque a mesma não conseguiu lograr um matrimônio. (...) A resolução do CFM que normatiza os procedimentos em reprodução assistida menciona que “toda mulher capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente, em documento de consentimento informado”. Mais ainda, “estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou companheiro”. Assim sendo, fica patente que entende o colegiado elaborador das citadas normas, que pode a mulher solteira fazer uso de uma técnica de inseminação artificial para satisfazer o seu desejo de ser mãe.

  Entretanto, de maneira oposta, expõe Venosa, (2006, p. 247):

Caio Mário da Silva Pereira (1996:117) observa, com propriedade, que, se a mulher solteira, separada, divorciada ou viúva praticar livremente a inseminação artificial, não pode pretender identificar o doador anônimo do sêmen. A questão, porém, não é de deslinde tão simples com relação ao filho assim concebido, pois há profundas conseqüências éticas, morais e psicológicas a serem consideradas. Essa situação de geração independente do filho pela mulher solteira não pode ser incentivada. (...) Desse modo, o ordenamento e a ética médica devem repelir a possibilidade de procriação artificial à mulher não casada ou não ligada à união estável. Essa proibição, aliás, já consta de projeto de lei sobre reprodução assistida, em trâmite no Congresso.

  Ainda, discorre a respeito, Moreira Filho (2002, p. 02, apud ALDROVANDI e FRANÇA, 2002):

Sendo admitida a inseminação de mulheres solteiras, separadas ou viúvas, como fica a situação da criança gerada, quanto à filiação? Nesses casos não é possível, segundo Moreira Filho, atribuir-se ao doador qualquer vínculo de filiação. Sustenta ainda, o referido autor, que deve ser usada analogia ao instituto da adoção, devendo a criança ser registrada somente em nome da mãe, mas podendo no futuro requerer o reconhecimento de seu vínculo genético de filiação biológica. Ressalta, ao final que: "Isto, porém, não acarretará ao doador quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez que, ao doar seu sêmen ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz quem entrega uma criança para adoção ou quem perde o poder-familiar." (apud MOREIRA FILHO, José Roberto. Op. cit. p.3)

  Ademais, em entrevista à Revista Época online, na coluna Mulher 7x7, em 15/07/2009, a paulistana Lílian Braga, à época com 53 anos, estava grávida através de um sêmen doado, feita por uma reprodução independente. Como consta na entrevista, Lílian era separada do ex-marido, há seis anos e utilizou da técnica da inseminação artificial heteróloga para engravidar:

[...] Quando você decidiu fazer inseminação, procurou seu ex? Nós continuamos amigos – e sócios, porque ainda não vendemos a Locanda (hotel-restaurante). Para mim, era o mais natural. Pedi algumas vezes que ele fosse o pai, mas a resposta foi não. Não conheço os motivos dele. Fiquei triste mas não se pode obrigar ninguém a querer ser pai ou mãe. Aí, no ano passado, conheci um médico fabuloso, Marcio Coslovsky, especialista em reprodução. Perguntei a ele se daria para engravidar na minha idade, já que não entrei na menopausa. Ele disse “sim, mas não garanto”. Em que hospital você buscou o sêmen? No Albert Einstein, em São Paulo. Sei que eles são rigorosos, examinam os antecedentes médicos do doador. Fui lá em novembro e engravidei de primeira, acho que se foi tão fácil é porque era para ser. Tenho consciência de que não é comum. Algumas mulheres tentam de tudo e passam por processos dolorosos. Cada caso é um caso.

Que tipo de “pai” você escolheu? Era um banco grande de dados. Escolhi um engenheiro de 37 anos, claro, de olhos claros, cabelos castanhos, alto. Queria alguém que não fosse gordo porque os genes a gente herda. O Einstein tem o histórico de doenças da família do doador. Ele se submete a mil exames para ser aprovado e poder doar seu sêmen. Nós sabemos apenas as características – não sabemos quem é. [...]

Foi com seu óvulo mesmo? Exatamente. Meu óvulo foi retirado, fecundado, e depois recolocado. [...]  

  É considerável que casos como o citado à cima podem ser comuns entre as mulheres que desejam engravidar e não têm um marido ou companheiro. Porém, é notável a omissão da lei quanto à questão da inseminação artificial heteróloga em mulheres solteiras, pois há somente permissão legal para utilizar as técnicas da reprodução assistida àquelas que forem casadas ou que viverem em união estável, com a autorização do marido ou companheiro.

  Esta autorização pode ser revogada até o momento da inseminação artificial, ou seja, antes que o sêmen de um terceiro doador seja implantado dentro do útero da receptora. Porém, após a inseminação artificial acontecer, ela é irretratável mesmo quando a sociedade conjugal for desfeita, pois ela é relacionada durante a sua constância e não tem efeitos se ela acabar (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008).  

  Contudo, dispõe Venosa (2006, p. 245), que “o rigor da lei é importante nesse sentido para que a sociedade não venha enfrentar problemas de difícil solução ética e jurídica no futuro”, pois as conseqüências da inseminação artificial heteróloga envolvem crianças, que posteriormente irão questionar sua origem, com o desejo de descobrir de onde vieram suas características físicas e pessoais.

  E se a lei deixar brechas, a dificuldade só tem a aumentar para a solução deste problema, pois se trata de vida humana, onde a dignidade deve ser preservada, em primeiro lugar.

6.3  CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA X ANONIMATO DO DOADOR

O princípio da dignidade da pessoa humana, como já tratado em tópico anterior, garante também ao indivíduo o direito de conhecer sua origem biológica e genética, como parte integrante dos direitos da personalidade.

Deste modo, discorrem à respeito sobre a vedação do acesso às origens biológicas sob pena de violar a dignidade humana e integridade, como direitos da personalidade, Costa e Falavigna (2002, p. 210, apud BALAN, 2006):

[...] a situação é semelhante à da adoção, ou seja, se há possibilidade de o filho adotado ver reconhecida sua origem biológica, o mesmo ocorre para os que nasceram de fecundação artificial heteróloga. Nesse caso a legislação é clara de negar qualquer relação jurídica entre o filho dado em adoção e os pais biológicos, sendo omissa em relação às inseminações heterólogas; porém, visto que mesmo em se tratando de adoção há possibilidade de se conhecer a origem biológica, não se negará o direito do filho concebido por reprodução assistida heteróloga.

Este princípio, quando utilizado para a finalidade da descoberta da origem, encontra barreiras frente às normas contidas na Resolução do Conselho Federal de Medicina no 1.358/92, quanto ao anonimato do doador, e seu direito à intimidade e à privacidade perante à criança que vai ser gerada, que tem o direito de buscar sua origem genética

No ponto de vista de Lôbo (2004), este explica:

Por fim, o direito ao conhecimento da origem genética não significa necessariamente direito à filiação. Sua natureza é de direito da personalidade, de que é titular cada ser humano. A origem genética apenas poderá interferir nas relações de família como meio de prova para reconhecer judicialmente a paternidade ou maternidade, ou para contestá-la, se não houver estado de filiação constituído, nunca para negá-lo.

Este sigilo tão importante e frisado à todo momento tem como causa a relação que a criança terá com sua família bem como sua integração no meio de modo que possa a evitar a intervenção de pessoas estranhas aos laços e assim impedir que haja uma má formação criando uma visão discriminatória da sociedade perante à criança. (MARQUES, 2003)

Essa identidade do doador, só pode ser revelada em casos excepcionais, que sejam indispensáveis à sua saúde, ou quando o material genético do doador conter cargas defeituosas, problemas estes que envolvam critérios médicos de emergência evitando enfermidades hereditárias. O conhecimento da identidade do doador somente serviria para que a criança tomasse conhecimento de sua origem biológica, e nada mais. (BRAUNER, 2003, p. 88, apud BALAN, 2006)

Destarte observar, a questão do conhecimento deste vínculo biológico perante os requisitos dos impedimentos matrimoniais. Além de prevenir doenças que são transmitidas pela herança genética, seria um motivo a mais a liberação dos dados do doador e sua identidade para que evite, por exemplo, uma união incestuosa.

Para Welter, (2003. p. 231, apud BALAN, 2006):

[...] não importa se a reprodução é natural ou medicamente assistida. Em qualquer caso, os filhos e os pais possuem o direito de investigar e, até mesmo, negar a paternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Em caso de interesse do filho o anonimato deveria ser desocultado, uma vez que não participou do acordo entre os doadores e os receptores.

  Ainda no ponto de vista de Welter, (2003. p. 231, apud BALAN, 2006), a investigação da paternidade serviria para que o incesto pudesse ser impedido, além de chegar ao conhecimento de sua ancestralidade, onde também caberia ao doador o direito de investigar.

 Diante o exposto em questão, para Lôbo (2004):

[...] o estado de filiação de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode haver conflito com outro que ainda não se constituiu.

  A necessidade do anonimato é essencial ao doador do material genético, pois no momento em que assina o termo e faz a doação, ele está abrindo mão da paternidade, inclusive, os direitos e deveres que dela são decorrentes. Porém, no Estatuto da Criança e Adolescente, prevê a investigação da paternidade a qualquer tempo. (RIBAS, 2008).

  Entretanto, este sigilo não deve ser absoluto, pois como já dito anteriormente, o anonimato da identidade do doador pode gerar uniões incestuosas, sem que os parentes saibam deste vínculo entre si. (RIBAS, 2008).

  Na visão de Gama, (2003, p. 803, apud BALAN, 2006):

[...] o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens.

  O doador, mesmo com sua identidade sigilosa, não perde a classificação de pai biológico, só não faz jus ao cargo familiar e nem goza dos direitos e deveres decorrentes à paternidade. Os filhos advindos da técnica da inseminação artificial heteróloga, no Direito de Família, podem ser comparados aos filhos adotivos.

  Mesmo depois de já formado o vínculo civil entre a criança gerada pelas técnicas da reprodução assistida e seus pais, receptores, diante dos fatores genéticos, não é impedimento para que, no futuro, esta criança diante de real necessidade, venha a conhecer a paternidade biológica. (BALAN, 2006).

  Há também entendimento de que o direito ao conhecimento da verdade genética pode ser fundamentado através do artigo 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, que expressa a igualdade de direitos e qualificações dos filhos, devendo, portanto, dar à criança que foi gerada pela inseminação artificial heteróloga, o direito de saber sua origem biológica, assim como um que nasceu das relações sexuais, também tem. (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008).

6.4  PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA

  Com o surgimento das técnicas de reprodução assistida, em especial, a inseminação artificial heteróloga, e com o anonimato do pai biológico, que doou o sêmen para a fertilização, o marido que autoriza sua esposa a realizar tal técnica, passa a ter a paternidade sócio-afetiva em relação à criança que vai nascer.

  A expressão pater ist est, quem nuptiae demonstrat, ou seja, o pai da criança é o marido da mãe, foi banida pelo Código Civil de 2002, pois atualmente a relação sexual não é mais a única forma de se constituir família, e com o advento da inseminação artificial heteróloga, hoje é considerada também a paternidade como sócio-afetiva. (RIBAS, 2008).

  E atualmente, assim como diz Fernandes, (2008), “presume-se pai o marido da mãe que age e se apresenta como pai, independentemente de ter sido ou não o procriador genético”.

  E assim, relata Rodrigues, (2006, p. 316), que “a inseminação artificial é totalmente antagônica a esta idéia, pois nela o marido tem certeza absoluta que não é o pai biológico, e assim mesmo promove a perfilhação, no sentido de consentir no ingresso deste nascituro na sua família”.

  Também conceitua Lôbo (2004), que “o estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade”.

  Entende ainda, que a paternidade sócio-afetiva é o “liame específico, que une duas pessoas em razão do parentesco ou de outra fonte constitutiva da relação de família”. (LÔBO, 2006).

  Assim trazem Negrão e Gouvêa, (2006, p. 345), o Enunciado 104 do Conselho de Justiça Federal:

 No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou, eventualmente, pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento.

  No Brasil, na Constituição Federal de 1988, por analogia, pode-se dizer que àqueles que nasceram pelas técnicas da inseminação artificial possuem os mesmos direitos que àqueles que foram adotados, tendo como embasamento o artigo 227, §5º e §6º do texto constitucional, que trata a adoção como escolha afetiva.

  O parentesco genético é “apagado” da vida da criança assim como todos os vínculos com sua família biológica, para que ela possa interagir com os pais sócio-afetivos e assim fazer parte como um todo da nova família, sem prejuízos psíquicos. E assim, também deve ser com a criança nascida pelas técnicas da inseminação artificial heteróloga.

  A paternidade é um conceito de diversas colocações, pois pode se dar de várias formas, como na adoção, no reconhecimento voluntário e nas inseminações artificiais heterólogas, e em determinadas circunstâncias a paternidade sócio-afetiva deverá prevalecer. (RODRIGUES, 2006, p. 312).  

6.4.1 Investigação e Negatória de Paternidade

 A investigação de paternidade, no antigo Código Civil de 1916, era admitida, porém com algumas restrições, e dava legitimidade somente aos filhos naturais entre os ilegítimos. (RODRIGUES, 2006, p. 324).

  No artigo 363, do referido Código, trazia algumas regras taxativas em seus incisos com os casos em que se permitia investigar a paternidade, e se estivesse fora dessas situações, mesmo sendo o filho natural, era proibido a investigação de paternidade (RODRIGUES, 2006, p. 324).

 Senão vejamos:

Art. 363: I – se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai; II – se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela; III – se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.

  Porém, logo esta regra pôde ser modificada com o advento da Magna Carta em 1988 que trouxe em seu artigo 227, §6º, a igualdade entre os filhos, havidos ou não do matrimônio. Assim, independendo da origem do filho, este passou a poder investigar sem qualquer restrição. (RODRIGUES, 2006, p. 326).

  Assim também, o mesmo dispositivo pode ser encontrado no Estatuto da Criança e do Adolescente nos termos do artigo 27, que trata do direito personalíssimo ao reconhecimento da filiação, sem restrição.

  Com a atualização do Código Civil, em 2002, este manteve o regime adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mantendo livre a propositura para a investigação da paternidade. (RODRIGUES, 2006, p. 327).

 Posiciona-se, contudo, Diniz (2005., p. 438, apud RIBAS, 2008):

[...] a criança gerada através de reprodução heteróloga tem direito apenas a sua identidade genética, sobretudo para se prevenir de moléstias congênitas e evitar o incesto, o que não se confunde com o direito à filiação, nem gera o direito de reivindicar nome de família, pensão alimentícia e herança do pai genético. Assim, não poderá pleitear o estabelecimento de relação de parentesco, nem responsabilidade civil do doador.

  Em vista disso, a criança gerada pela inseminação heteróloga, pode somente investigar a identidade do pai biológico, ou seja, aquele que doou o sêmen, por ter o direito de conhecer sua identidade biológica e também para se prevenir de doenças hereditárias e evitar uniões incestuosas.

  Para efeitos patrimoniais e alimentares, a investigação de paternidade não é admitida em desfavor do doador, até porque se fosse, não haveria ninguém disposto a doar pelo medo de ser sujeito passivo de milhares de ações do tipo.

 Assim já decidiu a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. O direito à apuração do verdadeiro estado de filiação biológico torna imprescritível a investigatória de paternidade, permitindo o conhecimento da real origem da pessoa, sem que isso guarde relação com sua idade. A certeza, porém de filiação socio-afetiva entre o investigante e seu pai registral afasta a possibilidade de alteração do assento de nascimento do apelante, em como qualquer pretensão de cunho patrimonial . A instrução deverá prosseguir unicamente com o fito de esclarecer a questão da origem biológica. Deram provimento à apelação, por maioria. (segredo de justiça) (Apelação Cível Nº 70009550500, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Redator para Acordão: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 23/02/2005).

  A criança, fruto da inseminação artificial heteróloga, para valer-se do direito de conhecer o pai biológico, doador do sêmen, esta pode utilizar, também, do remédio constitucional hábeas data, previsto no artigo 5º, LXXI, “a”, da Constituição Federal de 1988, que assegura “o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. (GAMA, 2003, p. 803, apud BALAN, 2006).

  Quanto às regras de reprodução assistida, no artigo 1597, inciso V, do Código Civil atual, somente legaliza a inseminação artificial heteróloga quando esta tiver prévia autorização do marido, pois prevalece a presunção de paternidade, Pater is est, advinda deste, com a realização do casamento: “Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

 Portanto, se o marido autorizou a inseminação, ele não poderá negar a paternidade alegando que não é o pai biológico e nem poderá ser admitida a investigação de paternidade, com o mesmo fundamento. (LÔBO, 2004). Até porque, ele tem a paternidade sócio-afetiva em relação à criança.

  Trazem, em vista disso, Negrão e Gouvêa, (2006, p. 345), o Enunciado 258 do Conselho de Justiça Federal:

Não cabe a ação prevista no art. 1601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1597, cuja paternidade configura presunção absoluta.  

  E deste modo explica Rodrigues (2006, p. 321), que “o reconhecimento é irrevogável, impedindo o arrependimento”, de acordo com o artigo 1610, do Código Civil de 2002, mesmo quando estiver expresso em testamento.

  Logo, manifesta Silva, (2004):

Uma vez julgada procedente a ação de investigação de paternidade e/ou maternidade socioafetiva, decorrem os mesmos efeitos jurídicos dos arts. 39 a 52 do ECA, que são aplicados à adoção, quais sejam: a) a declaração do estado de filho afetivo; b) a feitura ou a alteração do registro civil de nascimento; c) a adoção do nome (sobrenome) dos pais sociológicos; d) as relações de parentesco com os parentes dos pais afetivos; e) a irrevogabilidade da paternidade e da maternidade sociológica; f)a herança entre pais, filho e parentes sociológicos; g) o poder familiar h) a guarda e o sustento do filho ou pagamento de alimentos; i) o direito de visitas etc.

 Vale ressaltar, o problema que é gerado se, contudo, o pai sócio-afetivo vier a se separar da mãe. Geralmente nestes casos, o pai deseja a desconstituição de seu nome no registro de nascimento do filho como forma de se livrar das obrigações. (FILHA, 2008).

  Contudo, explica ainda Filha (2008):

No entanto, o entendimento que vem prevalecendo em casos como esses é o de ser impossível à desconstituição da paternidade, tendo em vista, principalmente, o fato de que o conhecimento da realidade, ou seja, a falta de descendência, impediria a retirada de eficácia do ato realizado.

  Em virtude disso, seria descabido a retirada do nome do pai sócio-afetivo da certidão de nascimento do filho, pois há época do registro, o mesmo tinha pleno conhecimento sobre a aceitação da paternidade, além do que consentiu para que sua mulher realizasse a inseminação artificial heteróloga.

  Para mais, os efeitos criados também na vida do filho sócio-afetivo com o desligamento da paternidade, geraria transtornos graves, pois além de não se conhecer o pai biológico, estaria sendo abandonado pelo pai que considerava ser.

 Neste sentido, já decidiu a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO. MANIFESTAÇÃO VOLITIVA. ERRO. INEXISTÊNCIA. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. PREPONDERÂNCIA. Àquele que, por ato voluntário, registra alguém como filho, mesmo sabendo não ser o seu pai biológico, não assiste o direito de infirmar a paternidade, após o transcurso de vários anos e o estabelecimento de fortes laços sócio-afetivos entre as partes. Em tal hipótese deve prevalecer a paternidade sócio-afetiva sobre a biológica, em atenção à primazia dos interesses do menor. (TJMG. Apelação Cível n° 1.0481.04.040675-5/001. Rel. Maurício Barros. 06/02/2009).

    Assim, no mesmo sentindo, também já decidiu a Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa: Ação negatóna de paternidade - Improcedência - Inconformismo - Desacolhimento - Inexistência de vício de consentimento - Autor que reconheceu espontaneamente a paternidade, a despeito de saber que não era o pai biológico da criança - Relação entre pai e filho que não se rompe com a separação da genitora e do autor - Prevalência da relação socioafetiva sobre o vínculo biológico - Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJSP. Apelação com Revisão nº 6339894800. Rel. Grava Brazil. 10/06/2009).

  Observa-se, portanto, que o fator da existência da paternidade sócio-afetiva é motivo, mais do que suficiente, para o desprovimento da desvinculação da paternidade entre o pai e o filho, afetivos.

6.4.1.1 Questões alimentícias e sucessórias

  Conforme já exposto anteriormente, o pai biológico, doador do sêmen, mesmo que conhecido, não tem responsabilidades patrimoniais nem alimentares perante a criança que nasceu. As questões sucessórias e alimentícias serão tratadas perante o pai sócio-afetivo, conforme permitido em lei.

  Os alimentos, para o Direito, consistem nas prestações em dinheiro ou espécie, que uma pessoa fornece à outra com a finalidade de suprir o necessário ao seu sustento, vestuário, habitação, assistência médica, ou seja, todos os meios para que o alimentado possa viver de acordo com suas necessidades. (RODRIGUES, 2006, p. 374).

   Deste modo, explica Silva, (2004):

No tocante aos filhos menores, é dever dos pais zelar pela sua assistência, criação e educação e, inversamente, os filhos maiores têm o dever de ajudar os pais na velhice. Sendo assim, a família existe enquanto local onde persiste a reciprocidade, visto a família eudemonista recepcionada pela Carta Magna. Nesse sentido, ganha importância a disposição contida no seu art. 229, uma vez que atribui à prole o dever de amparo e assistência aos pais, espelhando o espírito de colaboração que se assenta no interior de qualquer espécie familiar.

  Os requisitos básicos para que se possa determinar a fixação dos alimentos, deve-se observar se há o vínculo de parentesco, a condição financeira do alimentante e a real necessidade do alimentado, conforme art. 1694, caput, do Código Civil vigente. Tal critério deve ser observado pelo binômio da necessidade-possibilidade. (SILVA, 2006).

  Isto posto, após reconhecido o vínculo sócio-afetivo e em decorrência das necessidades e possibilidades de sustento da família, os alimentos é direito essencial para que, àquele que nasceu de uma inseminação artificial heteróloga, possa reivindicar. Também é recíproco ao pai sócio-afetivo, que em sua velhice, depois de ter cumprido com suas obrigações paternas, tem o direito de pedir alimentos ao filho.

  Outra inovação do Código Civil de 2002, em vigência, foi com o artigo 1798, que trata da vocação hereditária, onde dá o direito de suceder aos que já estão concebidos, através da inseminação artificial, no momento da abertura da sucessão.

  Assim trata o Enunciado nº 267, da III Jornada de Direito Civil, CJF (apud GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008):

A regra do art. 1798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança.

  Portanto, se houve a autorização do marido, conforme já explicado anteriormente, e logo houver a inseminação artificial heteróloga e, antes do nascimento da criança, este marido vier a falecer, esta terá os direitos sucessórios garantidos até nascer, de acordo também com o artigo 2º, do Código Civil de 2002, até poder ter a titularidade dos bens herdados. Os embriões excedentes não são incluídos nesta regra por não existir a presunção de paternidade. (GASPAROTTO e RIBEIRO, 2008).

  O fundamento da igualdade dos filhos, presente no texto constitucional, garante ao filho sócio-afetivo que participe da vocação hereditária, tendo, portanto, seus direitos de suceder o pai sócio-afetivo.

  Conclui, portanto, Lôbo, (2006):

A paternidade é muito mais que o provimento de alimentos ou a causa de partilha de bens hereditários. Envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é múnus, direito-dever, construída na relação afetiva e que assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação "à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar" (art. 227 da Constituição). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor.   

  Se aquele que consentiu, a inseminação do material genético de terceiros em sua esposa, e o fez por livre e espontânea vontade, assume automaticamente a responsabilidade paternal pela criança que vai nascer, assim como vai dar seu nome a ela e encarregar de assumir seus deveres perante os direitos fundamentais que ela terá.

  Em matéria de Direito Comparado, na Inglaterra, um bombeiro de 37 anos, chamado Andy Bathie, foi contratado por um casal de mulheres homossexuais para ser doador de esperma, e segundo ele, o casal garantiu que ele não seria responsável por nenhuma prestação financeira ou pessoal com a criança. Porém, a Agência de Proteção à Criança da Grã-Bretanha, entrou em contato com o bombeiro e o obrigou a pagar pensão alimentícia às duas crianças, pois na Inglaterra só exime desta responsabilidade os doadores anônimos que doam para clínicas especializadas. Àqueles que fazem doação de outra forma a não ser anônima, são legalmente considerados pais. (Notícias do site Terra, 04 de dezembro de 2007, 07:34, atualizado às 09:43).

  Por outro lado, na Pennsylvania, a Justiça liberou o doador de esperma, Joel L. McKiernan, a pagar pensão alimentícia aos filhos que nasceram através de sua doação. A mais alta Corte, decidiu que a receptora, Ivonne V. Ferguson, não poderia voltar atrás da decisão que eximia Joel de qualquer responsabilidade perante às crianças geradas através de seus espermatozóides. (Jus Brasil Notícias, 05 de Janeiro de 2008).

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Sobre a autora
Cecília Cardoso Silva Magalhães Resende

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba em 2009. Pós-graduada em Ciências Penais pela Uniderp/Anhanguera em 2012. Advogada militante em Uberaba/MG nas áreas: Criminal, Cível, Família e Previdenciária.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDE, Cecília Cardoso Silva Magalhães. As questões jurídicas da inseminação artificial heteróloga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21725. Acesso em: 22 dez. 2024.

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