7 AÇÃO PENAL
Antes do advento da lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, a ação penal relativa ao crime de estupro, em regra, era de iniciativa privada. Senão vejamos:
Redação dada pelo Decreto-Lei 2.848 de 1940
Art. 225. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores (crimes contra os costumes), somente se procede mediante queixa.
Assim, a mulher de classe média, com possibilidade de pagar para processar seu agressor, não podia contar com a atuação do Ministério Público para dar inicio à ação penal.
Mas como toda regra há uma exceção, de acordo com o §1º do supramencionado artigo, irá ser processada mediante ação penal pública:
Redação dada pelo Decreto-Lei 2.848 de 1940
[…]
I – Se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família.
II – Se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
E ainda o mesmo dispositivo, em seu parágrafo 2º esclarece que, em ocorrendo a situação prevista no art. I, a ação penal será de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido.
Não se pode deixar de mencionar a respeito da Súmula 608 editada pelo nosso Supremo Tribunal Federal: “No Crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Analisando este dispositivo, forçoso se faz fazer uma breve distinção do que seja violência real e violência presumida.
A violência é presumida quando o ato é praticado contra aqueles que não possuem capacidade de discernimento e, portanto, sem condição de manifestar uma vontade livre ou até mesmo qualquer vontade: são os casos onde a vítima é menor de 14 anos; a vítima é alienada mental (e o agente conhecia essa circunstância) e por fim, a vítima não pode oferecer resistência (hipótese de coma). Já a violência real ocorre quando não há o consentimento da vítima, aplicando a força ou grave ameaça.
Sendo assim, analisando a súmula 608 do STF, toda vez que o crime de estupro for praticado mediante violência real, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada, restando, dessa forma, inutilizada a letra do art. 225 do CP. Somente se resta permitida a iniciativa privada, ou mesmo a publica condicionada a representação, nas hipóteses em que o crime for cometido com o emprego de grave ameaça.
Se a violência for presumida, conforme já explanamos anteriormente, nos termos do art. 224 do CP a Ação penal também será de iniciativa pública.
Redação dada pelo Decreto-Lei 2.848 de 1940
Art. 224. Presume-se a violência, se a vitima:
a) Não é maior de 14 (quatorze) anos;
b) É alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstancia;
c) Não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Verifica-se que não há uma regra a respeito da ação penal em se tratando do crime de estupro. O operador do direito deverá analisar, de acordo com o caso concreto, qual o tipo de ação será aplicada em cada caso.
Após o advento da Lei 12.015 de 2009, mudanças aconteceram, mas, segundo doutrinadores e estudiosos do direito, não foi suficiente.
Como visto acima, a ação penal relativa aos antigos “crimes contra os costumes” era, em regra, privada, ou seja, nos casos de estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, rapto e outros delitos desse teor, era de iniciativa exclusiva da vítima, salvo exceções.
Assim, vislumbrando o exemplo acima, uma mulher de classe média, com possibilidade de pagar para processar seu agressor, não podia contar com a atuação do Ministério Público para dar inicio à ação penal, uma vez que essa era de iniciativa da vítima.
Por essa razão, conforme Luiza Nagib Eluf (2009) “afigurava-se urgente modificar esse dispositivo, para que fosse estabelecida a ação penal pública incondicionada no caso de crime sexual”.
A nova lei, não nos trouxe as mudanças que se julgavam necessárias, ficando, dessa forma no “meio-termo”: determina que, conforme nova redação dada ao art. 225, a ação penal será pública, porém condicionada a representação. Senão vejamos:
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
À este artigo, ainda fora acrescido o seu parágrafo único, o qual esclarece que “se procede mediante ação penal publica incondicionada se a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.”
Conforme se percebe, esse artigo sofreu uma importante alteração, uma vez que, seja qual for o crime contra a dignidade sexual, a ação será pública, seja ela de forma condicionada, seja de forma incondicionada à representação, diferentemente do que ocorria nos casos previstos com a redação anterior.
Luiza Nagib Eluf (2009) sustenta que:
Tal alteração não satisfaz, porque cria dificuldades na apuração dos fatos e supõe que, para a vítima de crime sexual, denunciar seu agressor possa ser um constrangimento pelo qual talvez não queira passar. Assim, deixa a seu critério pedir a propositura da ação.
Com a devida vênia, discordamos da Promotora de Justiça. Pensamos que a ideia de se “preservar” uma vitima de crime sexual já está ultrapassada. Necessário seria que se deixasse ao livre arbítrio da vitima processar ou não o seu agressor, sendo este, com toda a certeza assunto de relevante interesse publico, qual seja, a apuração dos fatos, devendo ser buscada a aplicação do jus puniendi estatal.
Outro problema apontado com maestria pela Promotora de Justiça é o da representação. Pela nova lei, o prazo decadencial é de 06 meses “para que a vítima se recupere o trauma e perceba a importância de punir seu agressor. É de lamentar que a nova lei não tenha ido mais longe para amparar com maior eficiência as vitimas de crimes sexuais, mesmo porque é de interesse social que isso ocorra. A decisão de processar não pode ficar a critério da vontade individual.”.
Interessante que se faça constar nessa pesquisa, a opinião do Procurador Regional da República na 2ª Região, Professor, Doutor em Direito Penal, Artur de Brito Gueiros Souza, no que concerne a Ação Penal com a nova redação dada pela lei 12.015 de 2009.
Desse modo, enquanto que, para a forma básica de estupro, o atual artigo 225 importou emnovatio legis in pejus, para as formas qualificadas pelos resultados lesão corporal de natureza grave e morte, o novo regime legal importou em novatio legis in mellius.
Por se tratar de novatio legis in mellius, a nova regra retroage em benefício daqueles que estão a responder pelo delito de estupro (e atentado violento ao pudor), perpetrados de forma qualificada – artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal – antes da edição da Lei n. 12.015/09. [...]
Tratando-se, no particular, de inovação legislativa favorável ao réu, verifica-se que as ações penais por estupro (e atentando violento ao pudor), qualificadas pelo resultado lesões corporais ou morte (antigo artigo 223, do CP), em tramitação na justiça brasileira, passaram a depender da “anuência” da vítima ou de seu representante legal, situação que anteriormente não existia.
Como já explanado neste tópico, o direito de representação regulado pelo art. 103 deve ser exercitado no prazo de 06 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, sob pena de decadência.
Com essa alteração o referido prazo decadencial passa a fluir não mais da ciência da autoria, mas sim, da entrada em vigência da lei nova, ou seja, do dia 07 (sete) de Agosto de 2009.
Sendo assim, caso não sejam adotadas iniciativas processuais no sentido da localização e da apresentação de representações em tempo hábil, por parte das vítimas ou de seus representantes legais, na hipótese de estupro (e atentado violento ao pudor) de cuja violência resultou lesões corporais de natureza grave ou morte, não importa concluir que os respectivos acusados da prática de tão grave injusto penal serão beneficiados pelos efeitos da decadência. Numa palavra, na data de 07 (sete) deFevereiro de 2010, todos os casos em tramitação no Poder Judiciário restarão atingidos pela causa de extinção de punibilidade prevista no art. 107, inciso IV do CP, senão vejamos:
Extinção da punibilidade
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
[…]
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
[…]
Sábias foram as palavras do Procurador de Justiça. Veremos, com o decorrer dos dias, como a doutrina e a jurisprudência e até mesmo o legislador irá se consolidar a respeito do assunto.
Necessário se faz ressaltar também, que as mesmas lições explanadas para o crime e estupro também são aplicadas ao crime de atentado violento ao pudor.
CONCLUSÃO
Da exposição feita acima, consideramos que a alteração feita no Código Penal pela Lei 12.015/2009 possui seus pontos positivos e negativos.
Acertou ao determinar que tanto o homem quanto a mulher possam ser vítimas do crime - antes só a mulher poderia ser vítima de estupro, mas, em contra partida, cometeu exagero ao considerar igualmente graves a prática de qualquer “outro ato libidinoso”.
Vimos que esse era o grande equívoco do revogado art. 214 do Código, que considerava atentado violento ao pudor, com pena mínima de 06 anos, a prática de quaisquer atos libidinosos diversos da conjunção carnal.
Insta salientar que, a nova lei, não corrigiu esse erro de abrangência. Persistiu no erro repetindo a mesma frase, punindo com 06 anos de reclusão, no mínimo, um beijo lascivo, por exemplo.
É provável que a intenção do legislador tenha sido a de equiparar ao estupro a relação sexual oral e anal, da qual o homem também pode ser vítima, mas teria sido preferível dar às coisas o nome que as coisas têm, em lugar de camuflá-las com uma linguagem imprecisa e demasiado abrangente, geradora de possíveis injustiças.
Na prática, não vislumbramos Magistrados aplicando 06 anos de reclusão, em regime inicial fechado, a um agente que tenha beijado uma mulher a força.
O que esperamos que aconteça no caso concreto é a descaracterização do crime de estupro quando o ato praticado pelo agente não possui uma gravidade equiparável àquele crime.
Insta salientar que, também cabe aos doutrinadores, bem com aos operadores do direito fazer valer novas interpretações com o fulcro de formar entendimentos que façam com que a justiça seja respeitada e proteja realmente as vítimas dos crimes aqui analisados.
REFERÊNCIAS
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ABSTRACT: This article aims to analyze, in detail, but without attempting to exhaust the subject, the issue of equalization of the penalties of indecent assault and rape by Law 12,015 of 2009 and what were its implications, as well as the positives and negatives the new law into our legal system.
KEYWORDS: rape, indecent assault, 12.015/2009 law, Criminal Code, crime, punishment, equiparation.