A recentíssima Lei nº 12.607, sancionada no dia 04/04/2012, ao alterar o § 1º do Art. 1.331 do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002), determina que "...os abrigos para veículos (...) não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio."
Não é preciso fazer-se grandes exercícios mentais de investigação para se concluir que é clara, é cristalina a preocupação maior que motivou esse meritório aperfeiçoamento da legislação condominial: a segurança.
Todos quantos vivemos, ou viveram em grandes cidades, sabemos das peculiaridades desse problema específico da nossa sociedade, e que tem evoluído no mesmo compasso que a realidade econômica do nosso país e do nosso povo:
• Muitos edifícios, bem mais antigos, não dispunham sequer de garagem para veículos - outros o tinham até em número reduzido: já que os automóveis eram caros, e raros, e a destinação de um espaço só para sua guarda inviabilizava, talvez, a construção de mais um apartamento térreo - encarecendo, assim, o todo;
• Ora, com o gradual enchimento das nossas cidades - fruto do êxodo rural, no século passado -, mais e mais edifícios foram tomando o lugar das casas - porém o número médio de automóveis por apartamento já há bastante tempo tem crescido a uma progressão bem maior;
• Acresça-se a isso que os bons ventos que têm soprado ultimamente sobre a nossa economia aceleraram ainda mais dramaticamente essa carência por vagas, por conta da realização do antigo sonho de consumo do nosso povo: o automóvel próprio, certamente mais ao rápido alcance da mão do que a também tão sonhada casa própria.
• Consequências direta: as ruas das cidades médias e grandes viraram imensos estacionamentos, mormente à noite.
• Esse fato, notório, trouxe a tiracolo um subproduto já esperado mas sempre indesejado: o aumento do número de roubos de veículos.
• Daí, então, veio o refluxo: valorizou-se enormemente o mercado de venda e/ou aluguel de vagas, por quem não tem automóvel, ou tem mais de uma vaga.
E aí, então, a roda voltou a girar, e eis-nos de volta ao tema crucial segurança: não mais pelos carros deixados nas ruas, mas trazidos para dentro dos nossos prédios por pessoas estranhas!
A reação não tardou, e muitos conflitos têm se arrastado, principalmente nos nossos tribunais, em cima do tema do direito de propriedade, que - acham alguns - conferia um poder absoluto ao dono da vaga, de fazer dela o que bem entendesse.
Neste ponto, então, o Legislador resolveu fazer uma pausa para a meditação: de onde vem o perigo, essa insegurança?
- Se um automóvel estranho, de uma pessoa estranha (ao edifício), entra na nossa garagem - por conta de a sua vaga ter sido vendida ou alugada para alguém estranho ao edifício -, toda a nossa preocupação, e as normas de segurança do nosso condomínio, ficariam fragilizadas!
Daí, então, o texto da Lei ora surgida - mas...
...mas nossos afoitos legisladores, não dando a atenção devida ao tema, se “esqueceram” de que, muitas vezes, tais vagas são emprestadas, cedidas gratuitamente a alguém igualmente estranho ao nosso edifício.
Ora, ora, dir-se-á que o usuário dessa vaga emprestada, ou cedida, não é estranho a quem a empresta ou cede.
Esta porém, e infelizmente, não é uma certeza - nem pode ser oposta à comunidade dos condôminos! O que se passa nos mais recônditos desígnios da mente humana escapa à lógica linear da boa fé. O Direito não se aplica em tese - o STF, por exemplo, a toda hora repete que não se julga Direito em tese.
Quem poderá saber se, por trás do bonito gesto de se emprestar, ou ceder uma vaga a um terceiro estranho (ao edifício), não estará mascarado um simples aluguel dessa vaga, num gesto malandro de simplesmente contornar a lei transcrita no início?
Em suma: a presença, permanente, de uma pessoa estranha (ao condomínio) - por conta de guardar seu veículo no prédio - não se dá apenas nas hipóteses de aluguel ou de venda da vaga.
• O bem maior, a ser protegido pela técnica jurídica que esta lei deveria expressar, é o seu objetivo, seu fim: a segurança — e não, o seu meio: que tanto poderia ser frustrado pela venda ou pelo aluguel dessa vaga (muito bem colocados nesse diploma legal), mas também pela sua cessão a qualquer título a terceiro, estranho (ao edifício).
Não me refiro a nivelar por baixo, mas as leis têm obrigação de impor a todos os mesmos procedimentos mínimos de segurança em benefício de toda a comunidade (o condomínio, no caso).
O flanco, enfim, está aberto, à espera dos... de sempre. Cabe aos nossos doutrinadores influenciarem nossos julgadores a fecharem essa vulnerabilidade. Com o apoio, certamente, dos nossos condôminos, que não quererão viver mais este pesadelo!