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A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas

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Agenda 28/07/2012 às 14:28

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

As algemas fazem parte da história da civilização, por mais que sua imagem remeta a uma época de barbárie e opressão. Modernamente, simbolizam o poder do Estado sobre os seus “súditos”, servindo como meio de restringir sua liberdade de locomoção, impedindo a liberdade dos movimentos dos braços.

De início, os grilhões (antecessores das algemas) serviam como pena. Mas com a evolução do conceito de direitos humanos e o estabelecimento da função ressocializadora dapena, tal finalidade das algemas desapareceu. A partir daí, as algemas serviriam como instrumento de contenção do preso em flagrante e quando de seu transporte fora da cela.

No Brasil, não existe uma lei reguladora do uso das algemas. A Lei de Execuções Penais estabeleceu que o uso de algemas seria regulamentado por Decreto Federal, que pode ser entendido também como Lei Federal. Mas outros diplomas legais em vigência no Brasil balizam o uso de tal instrumento.

O Código de Processo Penal prevê o emprego de força quando houver tentativa de fuga e resistência à prisão (em flagrante ou decorrente de ordem judicial).Determina também que as algemas serão utilizadas no Plenário do Tribunal do Júri quando indispensável para manter a ordem dos trabalhos e garantir a segurança dos presentes.

O Código de Processo Penal Militar excepciona o uso de algemas em caso de perigo de fuga ou de agressão por parte do preso, permitindo o uso da força nos casos de desobediência, resistência e tentativa de fuga.

As Leis de segurança dos transportes aquaviário e aéreo preveem que o comandante, no uso de suas atribuições, poderá deter pessoas que ponham em risco a embarcação ou a aeronave, as pessoas que nela estejam e a própria carga, utilizando-se dos meios necessários, incluindo as algemas.

Apesar de o balizamento ser possível com a legislação existente, defende-se que a tal Lei deve ser editada, a fim de regulamentar de vez o uso das algemas.

Tema recorrente quando se fala de uso de algemas é a sua espetacularização. A mídia tem acompanhado operações policiais e registrado o emprego das algemas em indivíduos engravatados e que, a priori, não representavam risco à equipe policial.

A mídia não pode tratar como culpada uma pessoa pelo simples fato de ela ter sido algemada. A algema deve ser entendida como uma medida cautelar, inibidora de reações inesperadas por parte do preso. Deve-se respeitar a presunção de inocência e a dignidade do preso, não podendo tais direitos ser suplantados em nome das liberdades de informação e de imprensa.

Inegável que a divulgação de imagens de uma pessoa repercuta na sociedade de uma maneira assombrosa, tendo em vista o rápido fluxo com que as notícias circulam na atualidade. A imprensa, formadora da opinião de boa parte da população brasileira, lida constantemente com o tema da criminalidade, que toma boa parte dos noticiários.

Com relação ao ato de prender, que cabe às forças policias (civil ou militar), a mídia constantemente acompanha a ação policial, buscando dar ao telespectador informações completas. Mas, ao exibir a imagem de uma pessoa algemada, dando-lhe o veredicto de culpada, a mídia ultrapassa os limites da liberdade de imprensa, ao suplantar direitos fundamentais de toda pessoa (presunção de inocência e dignidade humana).

O Direito Penal do Inimigo, presente no discurso da mídia, determina que o criminoso deve ser punido com todo o rigor da lei, podendo inclusive ter seus direitos constitucionais cerceados, bem como suas garantias processuais. Essa teoria divide o Direito Penal em dois: um para o cidadão, que delinque uma vez; outro para o criminoso habitual, “incorrigível”, o “inimigo”.

O Direito Penal do Inimigodefende o algemamento indiscriminado, em nome do princípio da igualdade. Se o sujeito desobedeceu à norma jurídica, deve ser algemado, pois é um inimigo do Estado e da sociedade. Aqueles criminosos definidos como irrecuperáveis, em razão da habitualidade criminosa e de sua periculosidade, devem ter o mínimo de garantias, pois não são vistos como pessoas.

A teoria do Criminoso do Colarinho Branco demonstrou que o aprendizado do crime não decorre de fatores unicamente financeiros (o crime não nasce unicamente na pobreza ou no seio das classes sociais economicamente desfavorecidas). O criminoso de colarinho branco aprende um tipo de criminalidade de efeitos devastadores que são sentidos indiretamente, ao contrário do criminoso comum, cuja atuação é sentida de imediato, diretamente.

O uso da algema nesses criminosos é, a priori, cabível, desde que demonstrado que haja risco de fuga ou de reação à prisão, bem como quando houver perigo à integridade tanto do próprio preso quanto de terceiros (policiais ou cidadãos comuns).

Em operações recentes, a Polícia Federal tem realizado prisões de pessoas de status social elevado. Tais operações fizeram a polícia ganhar o prestígio e o respeito da população, que aplaude as prisões e, inclusive, o algemamento. Acompanhando tais operações, a imprensa divulga imagens das pessoas envolvidas com algemas nos pulsos.

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Quando do algemamento e exibição na mídia de pessoas vindas de classes sociais elevadas, levantam-se vozes alegando que tais pessoas, em razão do espetáculo punitivo, tiveram sua imagem aviltada. Ao mesmo tempo, quando algemados e fotografados traficantes, ladrões, etc., poucos clamavam pelo direito desses criminosos comuns.

Quando se decidiu pela edição de uma súmula vinculante tratando do uso de algemas, foi alegado que o interesse do STF deveu-se ao algemamento de pessoas importantes. Mas, ao menos na prática, o STF baseou-seem quatro precedentes, cujos conteúdos foram bastante relevantes para editar a Súmula Vinculante nº 11.

A Súmula Vinculante nº 11 estabeleceu o uso de algemas como medida excepcional, não tendo proibido o emprego desses instrumentos. As algemas deverão ser usadas quando houver fundado receio de fuga, resistência à prisão e perigo à integridade física do preso e de terceiros.

O STF tornou necessária a justificativa, por escrito, da utilização das algemas, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, podendo o Estado ser responsabilizado civilmente. Caso o uso de algemas não ocorra de acordo com as formalidades fixadas pelo Supremo, a prisão ou o ato processual que a originou podem ser anulados.

A existência ou não de justificativa suficiente para legitimar o uso das algemas, na prática, é a principal prova nos processos pesquisados na jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). O provimento ou não dos recursos sobre uso de algemas, nesses tribunais, é decidido pela analise da questão de direito, que é a justificativa escrita da necessidade do emprego de algemas.

O STJ, majoritariamente em sede de habeas corpus, tem indeferido os pleitos de pessoas que alegam terem sido indevidamente algemadas. A alegação é de que, ou foi devidamente justificado o uso das algemas, ou não há provas nos autos da alegação do paciente de que houve uso injustificado das algemas.

Nos TRFs pesquisados (Primeira, Segunda e Quarta Regiões), há arestos tanto no sentido de reconhecer a legitimidade do uso das algemas, quanto outros o considerando abusivo.

O STF, após a Súmula Vinculante nº 11, julgou algumas Reclamações, onde era alegado o descumprimento do referido verbete sumular.Nos arestos pesquisados, o Supremo considerou legítimo o uso das algemas, tendo sido justificada a excepcionalidade da medida, o que não contraria a Súmula.

Da análise da legislação, da doutrina, dos artigos especializados, disponíveis na internet, e dos arestos pesquisados, depreende-se que o uso das algemas, apesar das restrições impostas pela Súmula Vinculante nº 11, é legítimo, devendo a autoridade policial ou judicial seguir o que determina o verbete sumular, a fim de não ter o seu ato contestado, correndo o risco de ser anulado.

Deve-se ter em mente que as algemas, por mais que simbolizem a opressão Estatal, são instrumentos da persecução penal, devendo ser usadas quando necessário.

Seu uso deve ser feito quando configurados os requisitos da Súmula Vinculante nº 11, independente do status social do detido. Ao mesmo tempo, não podem ser tolerados espetáculos midiáticos, onde o preso é exibido como troféu, servindo como objeto de propaganda da eficiência da polícia.

Apesar da drástica hipótese de anulação da prisão realizada indevidamente com algemas, a Súmula Vinculante nº 11 trouxe importante balizamento para o uso de tais instrumentos, prevendo punições ao agente ou à autoridade que algeme ou mande algemar alguém sem a devida justificativa.

Assim, é importante que a Súmula Vinculante nº11 seja obedecida, garantindo-se o preso de que este não seja submetido a situações humilhantes, bem como assegurando o direito de punir do Estado, a fim de preservar o interesse da população em viver numa sociedade segura.

Mas deve-se ter em mente que, em razão do legalismo presente no Brasil, é importante a regulamentação legal do uso de algemas, conforme a previsão do art. 199 da Lei de Execuções Penais. A regulamentação do uso de algemas traria, assim, maior segurança com relação a esta temática.

Enfim, até que seja criada uma lei regulamentando o uso de algemas no Brasil, a Súmula Vinculante nº 11 terá papel fundamental no balizamento do emprego desse instrumento pelos órgãos de segurança pública, bem como as demais leis que dispõe sobre o uso da força.


ABSTRACT

The scope of this paper is to investigate whether the use of handcuffs, despite restrictions imposed by the Binding Precedent No. 11, is legitimate. This study was divided into three parts. The first part analyzes the Brazilian legislation on the subject, both historical and current. In the second part, criminological theories are discussed and general principles of law applicable to the subject in view of the limited doctrine that deals with the use of handcuffs. The third part analyzes the issue of Binding Precedent No. 11, its antecedents and consequences of this entry in the jurisprudence of the Superior Court, some Federal Regional Courts and the Federal Supreme Court itself. Through research in books, articles, academic papers and news available on the Internet, as well as case law, it will seek, through the deductive method, to answer whether the use of handcuffs is indeed legitimate.

Key-wordsUse of handcuffs. Legitimacy.Use of force.Abuse.BindingPrecedent 11.


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Sobre o autor
Vinícius Corrêa de Siqueira Gomes

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Vinícius Corrêa Siqueira. A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22092. Acesso em: 22 nov. 2024.

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