7. Considerações Finais
Estudo do Ministério das Cidades (2009), que considerou a soma de famílias de baixa renda vivendo em domicílios irregulares com inadequações de infraestrutura básica, constatou um quadro fundiário caótico que apresenta 5,5 milhões de pessoas que precisam de moradia, delas 83,5% na área urbana, e mais de 13 milhões de domicílios irregulares, equivalentes a 44% dos domicílios do País. Entretanto, a informação não é exata, e o quadro pode ser muito superior se considerarmos que existem vários assentamentos irregulares com a infraestrutura instalada, não computados no estudo. Apesar da expressividade dos números, esses dados, no entanto, dão-nos um panorama geral da irregularidade, sem muita precisão, especificidades, e sem a visibilidade que a questão merece. De qualquer maneira, trata-se de um problema que atinge todo o país e reflete até hoje a falta de políticas públicas de regularização fundiária e habitacionais, principalmente voltadas para a população de baixa renda.
A irregularidade fundiária é uma questão estrutural das cidades brasileiras, caracterizada por um desenvolvimento urbano desordenado. Fala-se, com razão, na dimensão acentuada do “problema” da irregularidade no Brasil, chegando-se a percentuais que variam em torno de 40 a 70% do parque imobiliário existente. Esses números, no entanto, devem ser utilizados de forma cuidadosa, já que se referem a situações e a problemas diferenciados.
O termo irregularidade estabelece uma “definição pela negação” (CARDOSO, 2003), ou seja, a irregularidade se define por tudo que não é regular. Isso dificulta a identificação do objeto a ser estudado, pois este, num primeiro momento, é somente um ‘fato’ que está em desacordo com a legislação ou com os procedimentos de controle urbanísticos. Neste momento, definir a irregularidade pressupõe uma classificação, ou uma tipologia, que permita orientar a análise, considerando-se as diferenças significativas entre as formas de irregularidade encontradas. Essa classificação, no entanto, pode, num primeiro momento, ser meramente descritiva, mas deve, num segundo momento, dialogar com as questões subsequentes (população afetada, causas e processos de produção), de forma a se construir um modelo com capacidade explicativa dos fenômenos e com capacidade de orientar a ação política.
A regularização fundiária poderia contribuir para a inserção plena do cidadão à cidade; viabilizar a sustentabilidade da cidade, porque reduziria os passivos urbanísticos e ambientais, e propiciar a transformação da economia informal em economia legal.
A política urbana deveria focar a regularização fundiária, mas ter mecanismos de controle da irregularidade para cortar o círculo vicioso que gera elevado dispêndio ao erário municipal na posterior correção do problema.
Outro aspecto relevante nas questões fundiárias é a eficácia plena conferida às normas e princípios do Direito Urbanístico, fator que atribui segurança jurídica na aplicação dos instrumentos que possibilitem o controle urbano.
A legislação urbanística da cidade legal desconhece a cidade real que mostra os conflitos desta incompatibilidade posta. Com a flexibilização dessas normas, haveria o reconhecimento da pluralidade e diversidade da produção social.
O caminho para pacificar esses conflitos nasce da relativização da propriedade com a utilização dos meios legais para a garantia da posse, além do domínio. Importante pontuar que a regularização fundiária requer a análise do caso concreto, pois existem diversas possibilidades para a solução do problema.
Embora se detecte avanço no tratamento do tema fundiário, pode-se afirmar que não há muito a se comemorar pelos 10 anos da promulgação do Estatuto da Cidade. Poderíamos citar o exemplo da aplicação da edificação compulsória e IPTU progressivo no tempo, um dos importantes instrumentos para o controle da especulação imobiliária, que tem efeito insignificante devido à elasticidade nos procedimentos burocráticos, que pode chegar, entre a notificação inicial e a desapropriação, a 8 anos, refletindo, durante este período, em penalidade insignificante, estimando-se o valor máximo de 15% sobre o valor venal do imóvel, considerada muita branda em relação à valorização do imóvel ao se comparar com o mercado imobiliário.
Finalmente a medida provisória de nº 547 editada em outubro de 2011, poderá ser um instrumento importante no equilíbrio fundiário das cidades, por um lado evitando a expansão desordenada e por outro disponibilizando recursos da União para os programas habitacionais de interesse social.
Constata-se na prática que os municípios não estão aplicando os instrumentos desse novo arcabouço jurídico em face da forte influência política orquestrada pelo mercado imobiliário, e em virtude do conservadorismo do judiciário, ainda reticente ao relativismo do direito à propriedade.
Referências Bibliográficas
ARRUDA, Inácio. Estatuto da Cidade: E Agora? São Paulo: Paz e Terra, 2001.
BANUNAS, Ioberto Tatsch. Poder de polícia ambiental e o município. Porto Alegre: Sulina, 2003.
BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 1994.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal, 1988.
CARDOSO, Adauto Lucio. Irregularidade urbanística: questionando algumas hipóteses. Belo Horizonte: X Encontro Nacional da ANPUR, 2003.
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos do direito urbanístico. Barueri: Manole, 2004.
DIAS, Maurício Leal. Notas sobre o direito urbanístico: a "cidade sustentável". Jus Navigandi, Teresina. Disponível em:< http://jus.com.br/revista/texto/1692/notas-sobre-o-direito-urbanistico > Acesso em: 25 set 2011.
HARADA, Kiyoshi. Direito Urbanístico: Estatuto da Cidade: Plano Diretor Estratégico. São Paulo: Ndj, 2004.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Primeiros resultados do Censo 2010. Disponível em: < http://www.censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 24 set. 2011.
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
MINISTÉRIO DAS CIDADES. Regularização fundiária urbana no Brasil. Coordenação: Carvalho, Celso Santos; Gouvea, Denise de Campos. Brasília: Editora oficial, 2009.
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade; anotações à Lei. São Paulo: Saraiva, 2001.
PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatórios de Desenvolvimento Humano. Disponível em: < http://www.pnud.org.br/rdh/>. Acesso em 20 set. 2011.
QUINTO JUNIOR, Luiz de Pinedo. Nova legislação urbana e os velhos fantasmas. São Paulo v.17, nº 47, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000100011& lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 05 set. 2011.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997.
[1] Mais valia é a diferença entre o valor da mercadoria produzida e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho, que seria a base do lucro no sistema capitalista.
Karl Marx. O Capital, Volume I, Parte III, Capítulo VII, Processo de Trabalho e Processo de Produção de Mais Valia, Secção 2, O Processo de Produção de Mais Valia.
ABSTRACT
This paper analyzed the present situation of urban land regularization from the Statute of the City and urban legislation in Brazil. The study is justified because the Statute of the City have completed 10 years of application in July 2011 but it still has few applicability particularly and especially in the field of use of their instruments for urban land use regulation. The objective of the study is to propose a debate on the Statute of the City and urban Brazilian legislation from the standpoint of the main problems and obstacles for urban land use regulation. The methodology consisted of literature review, literature analysis and practical experience in the drafting of Sustainable Land Regularization Plan. It was concluded that municipalities are not applying the tools of this new legal framework in the face of strong political influence governed by real state department because and because the conservatism of the judiciary, still reluctant to relativism of the right to property.
Keywords: City Statute. Regularization. Real Estate Market. Urban Right. Director Planning.