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Execução de alimentos: cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial?

Agenda 18/07/2012 às 11:01

A sentença ou decisão judicial que fixa alimentos deverá ser executada pelo rito do cumprimento de sentença (art. 475-I ss, CPC), cabendo a execução por meio do art. 646 e ss apenas para os casos em que os alimentos tiverem sido fixados e estampados em título executivo extrajudicial.

O presente trabalho visa discutir a (in)constitucionalidade e/ou (i)legalidade do art. 732, CPC, que cuida da execução de alimentos, haja vista que o mencionado dispositivo não foi revogado pelas leis reformadoras do diploma processual civil, pairando, ainda hoje, a controvérsia acerca da forma de execução da obrigação alimentar: cumprimento de sentença ou execução por título extrajudicial?

Inicialmente devemos ressaltar que a obrigação alimentar visa resguardar direitos essenciais da pessoa humana, dentre eles o direito à vida e à dignidade, previstos, respectivamente, no art. 5º, caput e art. 1º, inciso III, ambos da Constituição da República. Diniz ensina que,

[...] alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Compreende o que é imprescindível à vida da pessoa como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, transporte, diversões, e, se a pessoa alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação [...] (DINIZ, 2008, p. 558).

Tanto é assim que os alimentos são revestidos de caracteres que lhe dão conotação de direito essencial. Daí sua irrenunciabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. Trata-se de direito incompensável, intransacionável e irrestituível. Junte-se a isso o fato do inadimplemento da obrigação alimentar ensejar a prisão do devedor (única espécie de prisão civil admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro), nos termos do §1º, do art. 733, CPC. Conclui-se, portanto, sem maiores dificuldades, que os alimentos recebem, da lei pátria, tratamento diferenciado e, de certo modo, preferencial.

Contudo, o art. 732, do CPC (que não sofreu alteração pela Lei n. 11.232/2005), determina que a execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, deverá ser conduzida na forma da execução por quantia certa contra devedor solvente, ou seja, deverá ser conduzida de forma similar à utilizada para a satisfação de direito estampado em título executivo extrajudicial, cuja execução exige ação autônoma.

Inobstante a controvérsia doutrinária e jurisprudencial, não podemos concordar com a literalidade do dispositivo processual mencionado acima, eis que seu comando não se coaduna com os princípios, fundamentos e caracteres que cercam o direito a alimentos.

Dias, comentando sobre o tema, explica:

Os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil. O fato de a lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à idéia de que a falta de modificação dos arts. 732 e 735 do CPC impede o cumprimento da sentença. [...] A sentença que impõe o pagamento de alimentos dispõe de carga eficacial condenatória, ou seja, reconhece a existência de obrigação de pagar quantia certa (CPC, art. 475-J). O inadimplemento não pode desafiar execução por quantia certa contra devedor solvente, uma vez que essa forma de cobrança não mais existe, sendo possível somente ser buscado o cumprimento de sentença nos mesmos autos da ação em que os alimentos foram fixados (CPC, art. 475-J). Portanto, o crédito alimentar está sob a égide da Lei 11.232/05. Houve mero descuido do legislador ao não retificar a parte final dos arts. 732 e 735 do CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: “Do Processo de Conhecimento”. (DIAS, 2007).

Martins (2008) entende que, inobstante o legislador ter silenciado acerca da revogação do art. 732, CPC, a obrigação alimentar fundada em decisão judicial transitada em julgado não poderá ser executada conforme previsto pelo citado artigo, uma vez que não existe, para os títulos judiciais, processo autônomo para a satisfação do direito, sendo este aplicável apenas para a satisfação de direitos estampados em títulos executivos extrajudiciais.

O mesmo autor destaca que há posicionamento doutrinário em contrário, citando Humberto Theodoro Júnior, para quem prevalece, nas ações de alimentos, o sistema dual, em razão da Lei n. 11.232/05 não ter alterado a redação do art. 732, CPC.

Dias e Soares (2011, p. 609) também preferem a interpretação gramatical do art. 732, defendendo que, se houver título executivo judicial dispondo sobre o pagamento de prestação alimentar, não será cabível o procedimento do cumprimento de sentença, mas sim a instauração de processo de execução autônomo, nos termos do art. 646 ss, do CPC.

Parece-nos incontestável, porém, que é majoritário o posicionamento doutrinário de que a execução da obrigação alimentar, fundada em decisão judicial, far-se-á pelo rito do cumprimento de sentença, e não pelo rito da execução de título extrajudicial, conforme prescreve o art. 732, CPC.

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Montenegro Filho salienta:

Com as vênias (sic) devidas, entendemos que a execução de alimentos pode ser instaurada como fase processual, atraindo a técnica dos arts. 475-I ss, significando dizer que o requerimento articulado pelo credor é seguido do aperfeiçoamento da intimação do devedor, instando-o a adimplir a obrigação, sob pena de acréscimo da multa de 10% (dez por cento). Quer nos parecer que essa dinâmica é mais favorável ao credor (pelo menos, em tese), na medida em que permite a solução do conflito de interesses em menor espaço de tempo (MONTENEGRO FILHO, 2010, p. 792-793).

A controvérsia persiste, também, no posicionamento jurisprudencial. Ora entendendo que a obrigação alimentar permite a adoção dos procedimentos próprios do cumprimento de sentença, ora direcionando-se no sentido de que, nos termos do art. 732, CPC, a execução da obrigação alimentar deve obedecer o rito previsto no art. 646 ss, os Tribunais brasileiros têm apontado para soluções das mais diversas. Vejamos:

Família. Processual Civil. Alimentos. Execução. Proposição pelo rito do art. 732 do cpc. Incidência das alterações introduzidas pela lei 11.232/05, aplicável à espécie. Procedimento sob a forma de cumprimento de sentença (art. 475, I), alterações vigentes à época da propositura da execução. Agravo desprovido. (TJRS. AI 70017452103. Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. Julgamento em 23/11/2006).

No mesmo sentido:

Agravo de instrumento. Ação de alimentos. Possibilidade de aplicação da Lei 11.232/2005 ao artigo 732 do Código de Processo Civil, por analogia. (TJSC. AI 2008.072941-0. Rel. Des. Edson Ubaldo. Julgamento em 28/09/2009).

Em sentido contrário:

Embargos à execução. Prestações alimentícias. Rito do artigo 732 do CPC. Alteração pela Lei 11.232/05. Ausência. Prevalência do sistema dual. Artigos 646 a 724 do CPC. Na hipótese do artigo 732 do CPC, que não sofreu qualquer alteração com a edição da Lei 11.232/05, deve processar-se nos moldes do disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do CPC, onde se acha disciplinada a “execução por quantia certa contra devedor solvente” (artigos 646 a 724), cuja instauração se dá por meio de citação do devedor para pagar em 3 (três) dias (artigo 652), sob pena de penhora. (TJMG. Embargos à Execução 1.0713.07.076827-8/001. Rel. Des. Eduardo Andrade. Julgamento em 30/09/2008).

Agravo de Instrumento. Execução. Prestações alimentícias. Rito do artigo 732 do CPC. Inaplicabilidade da Lei 11.232/05. Prevalência do sistema dual. Decisão mantida. Os arts. 732 e 733 do CPC, que versam sobre a execução de alimentos, não foram objeto de alteração pela Lei n. 11.232/05, devendo a execução continuar sendo realizada por meio de processo autônomo (sistema dual), tendo em vista possuir procedimento próprio e específico. (TJMG. AI 1.0433.04.128987-0/001. Rel. Des. Nepomuceno Silva. Julgamento em 30/04/2009)..

E ainda:

Habeas Corpus. Ação de execução de prestações alimentares. Inexistência de pedido de prisão civil do executado e execução de verbas alimentares, inclusive, pretéritas. Observância do artigo 732, CPC. Necessidade. [...]. (STJ. HC 128229/SP. Rel. Min. Massami Uyeda. Julgamento em 23/04/2009).

Quer-nos parecer que o legislador, ao silenciar-se acerca da revogação do art. 732, CPC, permitiu a instauração de celeuma das mais intrincadas. De um lado, aqueles que se posicionam no sentido de que, em face do dispositivo citado, a execução de sentença ou decisão que condena à obrigação alimentar, deve ser processada observando-se o rito próprio dos títulos executivos extrajudiciais (art. 646 ss, CPC). De outro lado, os que entendem que a Lei n. 11.232/2005 revogou tacitamente o art. 732, CPC, impondo à execução de alimentos o rito do cumprimento de sentença (art. 475-I ss, CPC).

Entendemos, em consonância com boa parte da doutrina, que o art. 732, do diploma processual civil, só poderá ser aplicado em uma situação: quando a obrigação alimentar tiver sido estabelecida extrajudicialmente, seja quando fixada, amigavelmente, por meio de escritura pública (Lei n. 11.441/2007), seja quando decorrer de transação celebrada perante representante do Ministério Público ou Defensor Público (Lei n. 10.741/2003). Em ambos os casos estar-se-á, efetivamente, diante de título executivo extrajudicial.

Todavia, se a obrigação alimentar provém de sentença ou decisão judicial, ou se a transação à qual aludimos é levada à homologação do Poder Judiciário (dando origem a um título executivo judicial), cabível será sua execução pelo rito do cumprimento de sentença, notadamente mais célere e eficaz na satisfação do crédito.

Ao nosso sentir, descabe interpretação diversa. Interpretar literalmente o comando do art. 732, CPC, é mitigar a essencialidade e imprescindibilidade dos alimentos, que, conforme vimos, volta-se à proteção da vida e da dignidade humana; bens jurídicos tutelados pela Constituição da República.

Silva (2006, p. 763) explica que o exercício da interpretação não pode admitir o absurdo, devendo, na verdade, fixar a intenção do que se quer traduzir. Nesse contexto, e a considerar todos os dispositivos do ordenamento jurídico pátrio que cuidam do direito a alimentos, inaceitável imaginar-se que o legislador tenha, intencionalmente, mantido a redação original do art. 732, CPC, impondo ao credor o rito da execução de título extrajudicial na satisfação do crédito alimentar advindo de sentença ou decisão judicial, eis que este é mais gravoso ao alimentado, cuja necessidade, por óbvio, é premente.

Assim, entendemos que, no caso, há que se buscar a interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos que cercam o tema, o que nos levará à inevitável conclusão de que a sentença ou decisão judicial que fixa alimentos deverá ser executada pelo rito do cumprimento de sentença (art. 475-I ss, CPC), cabendo a execução por meio do art. 646 ss apenas para os casos em que os alimentos tiverem sido fixados e estampados em título executivo extrajudicial.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2006.

DIAS, Maria Berenice. Execução dos alimentos e as reformas do CPC. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1290, 12 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9383>. Acesso em: 3 ago. 2011.

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho; SOARES, Carlos Henrique. Manual elementar de processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: 5º volume: direito de família. 23.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

MARTINS, Ronan Medeiros. A execução de alimentos e as alterações do processo de execução do código de processo civil. Jus Vigilantibus, 26 set. 2008. Disponível em: <http://jusvi.com/colunas/36227>. Acesso em: 03 ago. 2011.

MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2011.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

Sobre o autor
Vinicius Diniz e Almeida Ramos

Advogado, inscrito na OAB/MG sob o n.º 130.106. Administrador de Empresas.Pós graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUCMINAS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Vinicius Diniz Almeida. Execução de alimentos: cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3304, 18 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22232. Acesso em: 22 dez. 2024.

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