A evolução política do homem passou por uma série de transformações ao longo da história. Neste ínterim, engendraram-se experiências políticas, como a teoria aplicada no regime feudal, na monarquia, no parlamentarismo, enfim, em todos os regimes representativos. Entretanto, por mais que houvesse diversidade nas condições sociais e históricas de cada país ou Estado, sempre se considerou a premissa da representatividade como a viga fundamental de qualquer regime político.
O regime representativo, independentemente de sua diversidade, é um pressuposto da deliberação popular, que, por ordem natural de unanimidade política, elege ou depõe um presidente ou, até mesmo, um rei. Nesse sentido, o regime representativo possui a sua base propedêutica no “pacto social”, difundido por Jean-Jacques Rousseau, com a seguinte finalidade:
“Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes”.[1]
O contrato social induz à suprema direção da vontade geral, fazendo com que esta “associação” produza um corpo moral e coletivo. A pessoa pública formava-se pela união da vontade de todas as outras pessoas e o corpo político, o qual era por seus membros chamado de Estado, representava a soberania do povo.
Com o decorrer da história, como alhures explicitado, vários regimes representativos foram se sobrepondo, mas sempre com a ideia basilar da deliberação pública como forma de manutenção do pacto social. Hodiernamente os pilares políticos são os mesmos, com uma roupagem diferente, mas com a mesma ideologia representativa.
Na acepção política, a expressão “regime representativo” designa o sistema constitucional no qual o povo se governa por intermédio de seus eleitos. Esse regime implica, portanto, em certa participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, participação que se exerce na forma e na medida da unanimidade política. O ponto de vista jurídico possui um paradigma semelhante, como ensina o Prof. Darcy Azambuja, verbis:
“Do ponto de vista rigorosamente jurídico, o regime representativo repousa na presunção legal de que as manifestações da vontade de certos indivíduos ou grupo de indivíduos têm a mesma força e produzem os mesmos efeitos como se emanassem diretamente da nação, em que reside a soberania”.[2]
Os substratos gerais da representatividade pública estão na soberania nacional, na vontade geral e no “eu comum”, que seria a unidade da vontade geral, descrita por Rousseau. A nação delega o exercício do poder aos seus representantes, continuando, porém, como a fonte de toda autoridade.
A ideia de eleger representantes incide em um curioso conceito de mandato. Deve-se entender o termo “mandato” em sentido amplo, em que a nação seria o mandante e os indivíduos eleitos seriam os mandatários, englobando, inclusive, os representantes públicos que exercem cargos de confiança, os concursados e os que atuam em nome do “eu comum”. Parafraseando o Professor Azambuja, passa-se para o Direito Público um instituto de Direito Privado, procurando afeiçoar às suas regras gerais os fenômenos de ordem política que integram a organização e o funcionamento do regime representativo.
Neste caso, o mandato seria o dever dos mandatários em suprir as aspirações dos mandantes, ou seja, um mandato representativo. É dever dos mandatários responder aos mandantes pela maneira como cumpre o mandato e pelo modo como exerce as funções legislativas. Tem-se, em tese, por um mandato representativo as características usuais de um mandato-contrato, o qual tem a mesma ideologia do contrato social.
Entretanto, como toda tese tem sua antítese, nas relações que se estabelecem entre a nação e os eleitos, juridicamente, não há vinculação entre mandante e mandatário, outorgante ou procurador. Primeiro, porque o mandato pressupõe uma pessoa que outorga e outra que recebe para executar, assim, um deputado representa toda a nação e não somente aqueles que o elegeu. Segundo, a revogabilidade pelo mandante, em que um representante (deputado ou senador) não pode ser destituído diretamente pelos seus eleitores, embora os eleitores possam encetar providências políticas para tal intento. E terceiro, no regime representativo o representante eleito não fica adstrito à vontade de seus eleitores, o que enseja, por exemplo, casos de improbidade administrativa sem que haja a devida punição.
Já o mandato advocatício tem uma característica bastante peculiar, pois envolve um tipo de mandato-contrato e de um mandato representativo de múnus público, sendo este uma atribuição peculiar inerente ao advogado. O mandato advocatício perpassa a simples barreira de uma relação contratual, incidindo também na responsabilidade adquirida pelo advogado perante a sociedade em virtude de seu múnus público adquirido. Surge, então, a função social do advogado como se derivasse da vontade da sociedade, formando um corpo moral e ético esperado na atuação advocatícia diante do foro.
Fazendo uma analogia ao mandato representativo popular, segundo a teoria de Montesquieu, logo que fossem escolhidos os representantes do povo para assumirem tão privilegiado múnus público, estariam prontos para governarem com inteira independência, tendo os seus atos e resoluções não dependentes de ratificação popular, pois são tidos como a própria expressão da soberania nacional.
O mandato advocatício conota uma certa independência do Advogado em seus atos, tal como o mandato representativo popular, sendo os atos e procedimentos do Advogado uma expressão do seu representado perante os tribunais e demais esferas da justiça. A independência do advogado diante do processo transcende o âmbito forense, incidindo também no papel harmonizador das relações sociais. O art. 133 da Constituição Federal é bastante claro quando preconiza a indispensabilidade do Advogado à administração da Justiça, sendo esta um reflexo da função social do Advogado.
Não há que se negar à procedência dos argumentos de Montesquieu aplicado na sociedade moderna, tendo-se em vista que o regime representativo é a organização da confiança pautada na soberania popular ou individual, sendo que o que reina hoje em dia é o abuso de confiança. Considerando que a atuação do advogado representará a vontade da sociedade na defesa dos mais diversos interesses, incide em abuso de confiança e desrespeito a função social o advogado que faltar com a ética no exercício da advocacia nos diversos âmbitos do judiciário. Portanto, a falta ética passa a ser um desrespeito à função social do advogado e à sociedade.
O que se pode notar é que a vida política e social dos povos, ao longo do tempo, desmentiram as ilusões do regime representativo (mandato) como forma moderna e aperfeiçoada da democracia, mas atualmente esta ganhou um novo ímpeto, com a irresignação popular e individual, incidindo na atuação de órgãos que veem o que os cidadãos leigos não veem, órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB, por meio do Conselho de Ética e Disciplina, assumiu o papel norteador de toda forma de conduta do advogado, fazendo-o entender que ele representa muito mais do que um simples ente de uma relação contratual, mas que também faz parte de um corpo moral e coletivo esperado por toda sociedade.
A OAB, de certa maneira, abraça a teoria de Montesquieu quando pune o advogado que não segue o Código de Ética e Disciplina da OAB, sendo esta atribuição punitiva uma forma potencializada e melhorada que representa os anseios da sociedade. A OAB age no sentido de selecionar os mais capacitados e austeros profissionais diante da falta de ética que paira na advocacia. É uma benesse à sociedade perpetrada por uma instituição que representa os seus anseios, conforme pregava Montesquieu.
“O povo que possui o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode realizar corretamente, e aquilo que não pode realizar corretamente cumpre que o faça por intermédio de seus ministros. (...) O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade” (L. II, Cap. II)[3].
A consciência roedora dos irresignados está representada atualmente na atuação da Ordem dos Advogados do Brasil como forma de coibir virtuais afrontas aos princípios democráticos. A OAB tem uma atribuição muito maior do que uma entidade representativa de classe ou um órgão estritamente jurídico, mas assume o papel de defensora do múnus público atribuído ao advogado, para que este saiba que a sua função social é essencial para a democracia e para a defesa do contrato social.
O conceito de mandato para o político e para o advogado guarda mais semelhança do que se imagina. Desta feita, a presente analogia busca evidenciar que a promoção do bem comum é objetivo indissociável na outorga de qualquer mandato, seja ele representativo popular ou mesmo um mandado advocatício, representando igual nobreza na busca de uma sociedade livre e justa.
Referência Bibliográfica:
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Globo, 1996.
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.
Notas
[1]. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000, pág. 31.
[2]. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Globo, 1996, pág. 266.
[3]. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, págs. 9 e 10.