CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se na presente pesquisa ofertar ao leitor um trabalho de considerável consistência teórica e reflexão crítica acerca da possibilidade de aplicação das astreintes nas obrigações de pagar quantia que possa, ainda que minimamente, secundar o advogado, o magistrado, o promotor, o defensor público, enfim o operador do Direito preocupado com a modernização, a recontextualização e a eficiência da processualística.
As principais conclusões a que se pode chegar, as quais dizem respeito ao cerne da questão analisada, são as seguintes:
a) o processo civil contemporâneo é um instrumento finalístico, onde a legitimação está na realização da justiça, logo o direito processual não pode, em hipótese alguma, empecer a efetivação do direito subjetivo, devendo o procedimento ser, em toda e qualquer situação, adequado ao direito material posto nos autos, isso é, o sistema deve ser racionalizado pela utilização de tutelas jurisdicionais diferenciadas;
b) o processo civil, modernamente concebido como um “processo civil de resultados” não pode ser um freio à realização do direito material, pelo contrário, deve ser efetivo. O Estado, vedando a autotutela, deve ser o garantidor da aplicação da vontade concreta da lei, verificação do direito e prestação do objeto tutelado ao vencedor. De nada adianta o reconhecimento do direito sem a sua realização, seja num sentido negativo (respeito, omissão) ou positivo (ação para a satisfação);
c) da “dogmática fluida” da Constituição decorre o procedimento adequado ao caso concreto, que exige uma minuciosa apreensão das nuanças e necessidades diferenciadas, razão pela qual é inadmissível uma concepção procedimental uniforme na atual etapa de desenvolvimento da processualística, não mais vista como um programa fechado e perfeito de perguntas e respostas, mas como com um instrumento maleável para realização de direitos, capaz de adaptar-se às variantes do percurso e ultrapassar os obstáculos não previstos com combinações teórico-práticas;
d) a multa diária é um mecanismo processual idôneo à proteção e promoção da tutela jurisdicional, principalmente no que refere a garantir a concretude das decisões judiciais;
e) as astreintes são, diante de situações de excepcional necessidade, em que verificável a ineficiência do mecanismo de sub-rogação, meio adequado, necessário e justificável a incidir nas obrigações de pagar quantia certa, protegendo-se e promovendo-se, dessa forma, o direito fundamental à prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva;
f) o uso das astreintes se justifica quando, diante da urgência casuística, revela-se ser meio adequado a prestar a tutela, desde que o devedor, com condições econômicas, não tenha cumprido o título pelo único motivo de postergar a resolução, de adiar o adimplemento o mais possível, numa atitude mesquinha de quem, podendo pagar e sabedor de que realmente deve, queda inerte voluntária e inescusavelmente quanto às suas responsabilidades enquanto devedor e, sobretudo, enquanto cidadão;
g) aplicar as astreintes em situações-limite constatáveis em pontuais execuções de pagar quantia não é medida arbitrária e ampliativa de poderes com caráter antidemocrático, mas legítima adequação procedimental sob os auspícios do direito fundamental à tutela jurisdicional, caso contrário estar-se-á esboroando a efetividade do processo e sua potencialidade de pacificação social e, consequentemente, a legitimidade da atuação estatal;
h) não aplicar astreintes nas obrigações de pagar quantia pelo simples fato de que não positivadas para esse tipo de obrigação é buscar sentido no vazio para justificar a mantença de um status quo procedimental aquém das necessidades práticas, violando frontalmente o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. O ordenamento tomado em sua integralidade, embora lacunoso, é completável. Enquanto unidade, o ordenamento jurídico deve ser capaz de dar uma resposta aos anseios sociais e necessidades individuais, razão pela qual não é sustentável que uma premente situação excepcional fique a descorberto da proteção jurídica pelo simples fato de que não prevista expressamente;
i) sendo a lei uma das fontes do Direito, logo o Direito é mais amplo, completo e complexo que a lei. Assim, a falta de lei não pode ser empecilho à realização do Direito, mais especificamente, a falta de previsão legal das astreintes às obrigações de pagar quantia certa não pode ser obstáculo à utilização dessa técnica processual ainda que em detrimento do direito processual tal como conhecido e em vias de se tornar obsoleto.
O novo modelo constitucional de efetividade do processo, que passou a regular a interpretação do ordenamento, superou a concepção anacrônica do conservadorismo processual e tecnicismo inflexível, eis porque uma releitura sistemática, à luz da Constituição, de um ordenamento processual enodoado por lacunas geradoras de injustiças flagrantes, é algo obrigatório e premente num Direito Processual Civil contemporâneo dinâmico que pretenda deter legitimidade.
OBRAS CONSULTADAS
AMARAL, Guilherme Rizzo. Da multa de 10%. Impossibilidade de ampliação ou de substituição pela multa periódica. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Coord.). A nova execução: comentários à lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
_____. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
_____. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O princípio da eficiência. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 32, out. 2009. Disponível em:<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao032/alexandre_aragao.html>. Acesso em: 30 out. 2009.
ASSIS, Araken. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 215, p. 151-179, jan./mar. 1999.
_____. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003.
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
BARROS, Wellington Pacheco; BARROS, Wellington Gabriel Zuchetto. A proporcionalidade como princípio do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
BRAGA, Valeschka; SILVA. Princípios da proporcionalidade & razoabilidade. Curitiba: Juruá, 2004.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 jan. 2010.
_____. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 out. 2009.
_____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 10 jan. 2010.
_____. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <http://ww.trf4.jus.br>. Acesso em: 10 jan. 2010.
BUENO, Cássio Scarpinella. Ensaio sobre o cumprimento das sentenças condenatórias. Revista de Processo, São Paulo, n. 113, ano 29, p. 22-76, jan.-fev. 2004.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da tutela antecipada e sua efetivação. Revista Doutrina da 4ª Região. ed. 30. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao030/athos_carneiro.html>. Acesso em: 30-06-2009.
CARPENA, Márcio Louzada. Da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e o processo contemporâneo. In: PORTO, Sérgio Gilberto (org.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
CUNHA, Rosanne Gay. O princípio da vedação de insuficiência: uma visão garantista positiva do processo civil. Revista de Doutrina da 4ª Região. 21 março 2006. ed. 11 Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao011/rosanne_cunha.htm>. Acesso em: 04-05-2009.
DELFINO, Lúcio. Anotações procedimentais e materiais sobre a “execução” de tutela antecipada para o pagamento de soma em dinheiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, ano 32, p. 11-31, jun. 2007.
DELGADO, José Augusto. A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão. Revista de Processo, São Paulo, ano 17, p. 89-103, jan.-mar. 1992.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
_____. Instituições de direito processual civil. v.1. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
_____. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996.
FELDENS, Luciano. A constituição penal: dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: una discusión sobre derecho y democracia. Madrid: Trotta, 2006.
FISCHER, Douglas. Delinquência econômica e o estado social e democrático de direito: uma teoria à luz da constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.
FREITAS, Juares. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999.
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003.
GRAU, Eros Roberto. Eqüidade, razoabilidade, proporcionabilidade e princípio da moralidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, p. 17-26, 2005.
GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “Fórmula do Peso” de Robert Alexy: significância e algumas implicações. Revista de Processo, São Paulo, ano 31, p. 53-71, nov. 2006.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição [Die normative Kraft der Verfassung]. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença: e outros escritos sobre a coisa julgada. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945.
MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista de Doutrina da 4ª Região. ed. 09. 18-11-2005. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao009/luiz_marinoni.htm>. Acesso em: 30-06-2009.
_____. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 378, 20 jul. 2004, p. 14. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em: 21 jul. 2009.
_____. O direito de ação como direito fundamental (consequências teóricas e práticas). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 97, v. 873, p. 11-30, julho 2008.
_____; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
_____. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
_____. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
_____. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
_____. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
MONTESQUIEU, Charles de Secondatat, Baron de. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1987.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direito material, processo e tutela jurisdicional. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
_____. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista de Processo, São Paulo, n. 113, ano 29, p. 9-21, jan.-fev. 2004.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006.
PACHECO, Denílson Feitoza. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
PINTAÚDE, Gabriel. Proporcionalidade como postulado essencial do Estado de Direito. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 387, p. 95-116, set.-out. 2006.
PISCO, Cláudia de Abreu Lima. Novas técnicas processuais para uma tutela mais adequada e efetiva dos direitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 856, 6 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7540>. Acesso em: 21 jul. 2009.
PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Condicionantes externas da crise do Judiciário e a efetividade da reforma e do “Pacto Republicano por um Sistema Judiciário mais acessível, ágil e efetivo.”. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 31, ago. 2009. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao031/vera_ponciano.html>. Acesso em: 31 ago. 2009.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípio da Proporcionalidade. In: LOPES, Maria Elisabeth de Castro; OLIVEIRA NETO, Olavo (Coords.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
SANTANA, Jair Eduardo. Limites da decisão judicial na colmatação de lacunas: perspectiva social da atividade judicante. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
_____. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, p. 60-122, mar.-abril 2004.
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 23-50, abril 2002.
SILVA, Marcelo Cardozo da. Dos princípios e do preceito da proporcionalidade. Revista da AJURIS, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 106, p. 125-146, jun. 2007.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Justiça da lei e justiça do caso. Revista Forense, Rio de Janeiro, ano 104, v. 400, p. 189-205, nov.-dez. 2008.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
STRECK, Lenio Luiz. Da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 243-284, 2004.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma processual na perspectiva de uma nova justiça. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996.
____________. O aprimoramento do processo civil como pressuposto de uma justiça melhor. Revista de Processo, São Paulo, n. 65, ano 17, p. 162-173, jan.-mar. 1992.
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil. 7. ed. Madrid: Trotta, 2007