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Da impossibilidade da capitalização de juros em relações de natureza consumerista

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11. DIREITO À INFORMAÇÃO DO CONSMIDOR – EXPRESSA PACTUAÇÃO

Ademais, há que se destacar, por fim, a relevância do direito a informação, garantido ao consumidor.

O legislador buscando efetivar as disposições do artigo 5º, inciso XXXII5da CF/88, inclui no rol de direitos básicos do consumidor o Direito a Informação, presente no artigo 6º, inciso III, do CDC, que assim dispõe:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

O direito a informação insculpido no artigo 6º, do CDC, tem sua origem no princípio da boa fé. Segundo tal princípio deve haver nos negócios jurídicos a determinação de obrigações para ambas as partes, a fim de se garantir o dever de lealdade, correção probidade e confiança, além disso, busca-se evitar a prática de condutas que sejam lesivas ou prejudiciais.

Nesse sentido, para Antônio Manoel da Rocha e Menezes Cordeiro em sua obra Da Boa Fé no Direito Civil o que interessa é a repercussão do comportamento dos contratantes na confiança que as pessoas normalmente nele depositam.

Porém, há que se destacar que o direito a informação não se traduz somente na realização do princípio da boa fé. Ao se estabelecer no Direito do Consumidor tal direito assumiu forma mais objetiva, possuindo vinculação com a atividade lícita para fornecimento de produtos ou serviços.

Conforme ensina Cláudia Lima Marques, em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor – 3ª edição, a teoria contratual estabeleceu a doutrina dos chamados deveres anexos, acessórios ou ainda deveres secundários ao da prestação principal, para enquadrar o dever de informar.

Nesse sentido, o Direito do Consumidor ao estabelecer o direito a informação foi além, transformando-o em direito fundamental, o elevando a regramento que condiciona e determina o conteúdo da prestação principal do fornecer, não se tratando, portanto, de um simples dever acessório.

A partir de tal sistemática é que se teve a edição dos artigos 46, 47 e 54, parágrafo 4º, do CDC, que assim estabelecem:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Portanto, todas essas disposições legais configuram como condições de eficácia do contrato firmado, o que determina que em caso de ausência de uma dessas condições há que se reconhecer a ineficácia jurídica, ainda que não haja cláusula abusiva (plano de validade). Nessa esteira, o contrato tem validade, porém carece de eficácia jurídica, sendo assim, inaplicável.

A partir de todas essas considerações é que a jurisprudência se firmou no sentido de que para haver capitalização de juros, deve haver a expressa pactuação no contrato celebrado. Nesse sentido, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

PRETENSÃO À REVISÃO DE CONTRATO - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - PESSOA FÍSICA - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - JUROS - LIMITE DE 12% AO ANO - LEI DE USURA - INAPLICÁVEL - SÚMULA 596 DO STF - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - LIMITES PARA COBRANÇA À TAXA MÉDIA DE MERCADO - TARIFA DE CADASTRO E TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC - AFASTAMENTO. (...) Em consonância com a orientação jurisprudencial positivada pelo STJ, é possível a revisão dos juros que superem substancialmente, a taxa média de mercado na praça da contratação. Conforme orientação jurisprudencial, já concretizada na súmula 121 do STF, que dispõe ser: vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, havendo admissão tão somente nos casos previstos em lei, desde que haja a prévia e expressa contratação. (...)

(Apelação Cível 1.0672.08.307947-1/002, Rel. Des.(a) Fernando Caldeira Brant, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/08/2012, publicação da súmula em 28/08/2012).

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Porém, em que pesem os entendimentos contrários, não há que se falar em expressa pactuação, se o consumidor não tiver pleno conhecimento do que será contratado, ou ainda se não for dado a este o devido acesso à informação, conforme determina e legislação.

A Instituição Financeira ao utilizar o método do anatocismo deve informar de forma clara e compreensível, que os juros serão sobrepostos, incidindo de forma composta, o que não ocorre na maioria dos casos.

Os contratos celebrados são típicos contratos de adesão, os quais possuem cláusulas pré-estabelecidas, que não são passíveis de discussão. Ademais, por diversas vezes tais contratos são assinados em branco, sem que o consumidor tenha sequer informação prévia do que será contrato.

Desta forma, é inviável afirmar que o consumidor no momento da contratação tenha o conhecimento do que seja a capitalização de juros, ou de como se procede ao cálculo de tais tarifas.

Sendo assim, não há que se falar em aceitação pelo consumidor da cobrança de juros de forma capitalizada, por constar no acordo que a taxa de juros anual supera 12% (doze por cento). Os cálculos definidores das taxas contratuais são complexos, dependendo de profissionais especializados para sua confecção.

Portanto, não pode se exigir que o consumidor, parte hipossuficiente na relação, que é leigo em metodologia de cálculos tarifários e políticas tarifárias, tenha conhecimento pleno e claro do que está contratando, o que afasta a expressa pactuação.


12. CONCLUSÃO

A Medida Provisória n. 1963-17, de 30/03/2000, reeditada pela MP n. 2170-36, de 23/08/2001 regulamenta a possibilidade da capitalização de juros em contratos de financiamento, com periodicidade inferior a um ano.

Porém, tal possiblidade é alvo de discussões, em face ao regramento legal vigente.

O Superior Tribunal de Justiça ao analisar a questão decidiu pela possibilidade de capitalização de juros em contratos de natureza consumerista, desde que esteja expressamente pactuado. Além disso, firmou o entendimento de que o simples fato de constar no acordo celebrado a incidência de juros anuais em valor superior ao duodécuplo mensal é suficiente para caracterizar a expressa pactuação, ante a ciência do consumidor acerca da cobrança de juros compostos.

Nada obstante, tal posicionamento firmado é equivocado, tendo sido construído a partir de um estudo superficial das relações de consumo e da legislação vigente.

O artigo 5º da Medida Provisória que prevê a possibilidade de cobrança de juros compostos pelas Instituições Financeiras, foi incluído em legislação que trata de matéria diversa, o que é repelido pelo ordenamento jurídico. Ademais, a competência para tratar de assuntos referentes à instituição financeira e suas operações é concedida pela Constituição Federal ao Congresso Nacional. Desta forma, não pode o Poder Executivo invadir sua esfera de atuação, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes.

Porém, se não bastasse isso, há que se verificar que a Constituição Federal determina de forma expressa que para a edição de Medida Provisória é indispensável a existência de relevância e urgência da matéria. Deste modo, considerando que a presente MP está em vigor a mais de 10 (dez) anos, não há que se falar em relevância ou urgência da matéria, faltando, portanto, requisito essencial de validade de tal regramento. Importante destacar que tal questão, encontra-se pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal que já se manifestou em sua maioria pela impossibilidade de capitalização de juros, tendo inclusive, suspendido os efeitos do artigo 5º, que regulamenta a questão.

Por fim, há que se destacar que o contrato de financiamento é um típico contrato de adesão, sendo assim, configura como relação de consumo, o que determina a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Nos termos do referido diploma legal, qualquer cláusula tida como manifestamente abusiva deve ser considerada nula. Sendo assim, a possibilidade de capitalização de juros se mostra abusiva, uma vez que onera de maneira excessiva a obrigação firmada pelo consumidor, o que lhe traz prejuízos.

Não há que se falar em expressa pactuação por parte do consumidor tão-somente por constar no termo celebrado a estipulação de juros anuais em valor superior ao duodécuplo mensal, uma vez o cálculo de juros compostos depende de uma metodologia complexa, que só pode ser compreendida por profissionais especializados que possuem prévio conhecimento de cálculos e política tarifária, o que obviamente, não pode ser exigido do consumidor.

Desta forma, manifestamente desarrazoado o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, não havendo que se falar em capitalização de juros nos contratos de natureza consumerista.


BIBLIOGRAFIA

CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007.

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BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.07.598043-3/002. Relator Desembargador TIBÚRCIO MARQUES, 15ª Câmara Cível.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0439.04.035781-6/001. Relator Desembargador Tiago Pinto, 15ª Câmara Cível.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0672.08.307947-1/002. Relator Desembargador Fernando Caldeira Brant, 11ª Câmara Cível.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0027.09.206137-6/001. Relator Desembargador Marcelo Rodrigues, 11ª Câmara Cível.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0707.11.012625-7/001. Relator Desembargador Antônio de Pádua, 14ª Câmara Cível.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0702.08.426976-1/001. Relator Desembargador Marcelo Rodrigues, 11ª Câmara Cível.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Notas

1 MATTOS E SILVA, Bruno. Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. Disponível em: <www.direitobancario.com.br>. Acesso em 12.09.2012.

2 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

3 Instituições de Direito Civil, vol. III, Forense, 8.ª edição, 1990, p. 50/51.

4 Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover (...).

5 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Sobre os autores
Maíra Helena Micheletti Gomide

Especialista em Direito Previdenciário pelo Centro de Estudos Jurídicos – CEAJUFE. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Advogada – Sócia do Escritório Antunes Micheletti Advogados Associados.

Rodrigo Avelar Antunes da Luz

Pós Graduando em Direito Imobiliário e Direito Civil pela Universidade Gama Filho. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Advogado – Sócio do Escritório Antunes Micheletti Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMIDE, Maíra Helena Micheletti; LUZ, Rodrigo Avelar Antunes. Da impossibilidade da capitalização de juros em relações de natureza consumerista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3395, 17 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22821. Acesso em: 23 dez. 2024.

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