Em 2 de março de 2012 foi editado o Decreto nº 7.689, o qual estabeleceu, no âmbito do Poder Executivo federal, limites e instâncias de governança para a contratação de bens e serviços e para a realização de gastos com diárias e passagens, tudo isso em substituição ao Decreto nº 7.446/2011.
Referido normativo, baseado numa política governamental de redução de gastos, possui a clara função limitadora das despesas públicas a partir da necessidade de autorização de sua realização pelas mais altas autoridades do Poder Executivo federal.
Nessa linha, estabeleceu-se limites para firmatura de contratos administrativos – ou prorrogação daqueles em vigor – com valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), prevendo uma série de competências a autoridades de menor escalão quando esse valor for inferior. No mesmo prisma, variadas restrições foram feitas para a concessão de diárias e passagens no âmbito federal.
Acontece que, no que tange à citada concessão de diárias e passagens, o Decreto nº 7.689/2012 previu, a partir do seu art. 6º, uma intrincada rede de competências delegáveis e subdelegáveis para a autorização das diárias e passagens.
Antes de ingressar no seio da discussão objeto do presente trabalho, importa tecer algumas considerações sobre o Sistema de Concessão de Diárias e Passagens – SCDP. Previsto pelo Decreto nº 5.992/1996[1], o SCDP constitui-se num sistema informatizado, via Internet, que integra as atividades de concessão, registro, acompanhamento, gestão e controle das diárias e passagens decorrentes de viagens realizadas no interesse da Administração, em território nacional ou estrangeiro.
Tendo em vista concretizar a tramitação eletrônica dos documentos e estar integrado com os sistemas estruturadores do Governo Federal SIAPE, SIAFI e SIORG, exigindo, ainda, a utilização de certificado digital, é visto como um meio que promove segurança jurídica, transparência e celeridade na emissão das diárias e passagens. Efetivado este breve adendo, passemos ao escopo do estudo em tela.
Já se disse que o Decreto nº 7.689/2012 prevê variadas possibilidades de delegação e subdelegação previstas. Em suma, as disposições do mencionado encarte normativo que geram questionamentos atinem aos artigos 6º e 7º, os quais se transcrevem integralmente com o objetivo de facilitar a presente análise:
Art. 6º A concessão de diárias e passagens aos servidores deverá ser autorizada pelo respectivo ministro de Estado.
§ 1º A concessão referida no caput poderá ser delegada ao secretário-executivo, ou autoridade equivalente.
§ 2º Poderá haver subdelegação, unicamente:
I - aos dirigentes máximos:
a) das unidades diretamente subordinadas aos ministros de Estado;
b) das entidades vinculadas; e
c) das unidades regionais dos ministérios e das entidades vinculadas; e
II - ao Secretário de Administração da Secretaria-Geral da Presidência da República.
§ 3º As subdelegações de que trata o § 2º somente poderão ser realizadas caso haja a fixação de limites para as despesas referidas no art. 5º por ato do respectivo ministro de Estado.
§ 4º Quando o deslocamento exigir a manutenção de sigilo, as autoridades de que tratam o caput, o § 1º e o § 2º poderão delegar a competência para a concessão de diárias e passagens aos chefes de unidades responsáveis pelo deslocamento.
Art. 7º Somente os ministros de Estado poderão autorizar despesas com diárias e passagens referentes a:
I - deslocamentos de servidores ou militares por prazo superior a dez dias contínuos;
II - mais de quarenta diárias intercaladas por servidor no ano;
III - deslocamentos de mais de dez pessoas para o mesmo evento; e
IV - deslocamentos para o exterior, com ônus.
§ 1º Nos casos dos incisos I, II e III do caput, a competência poderá ser delegada ao secretário-executivo, a autoridade equivalente, ou aos dirigentes máximos das entidades vinculadas, vedada a subdelegação, salvo na hipótese do § 8º.
§ 2º Não se aplica o disposto nos incisos I e III do caput à concessão de diárias e passagens necessárias à participação em curso de formação ou de aperfeiçoamento ministrados por escolas de governo.
§ 3º Na hipótese do inciso III do caput, a autorização poderá ser realizada por meio da indicação do quantitativo de servidores e empregados públicos e da identificação do evento, programa, projeto ou ação.
§ 4º No caso do inciso IV do caput, a competência poderá ser delegada ao secretário-executivo, ou autoridade equivalente, vedada a subdelegação.
§ 5º A autorização eletrônica exigida pelo Sistema de Concessão de Diárias e Passagens - SCDP poderá ser feita por servidor formalmente designado pela autoridade competente.
§ 6º Cabe ao servidor responsável pela autorização eletrônica o controle sobre a inserção de dados no SCDP, de modo que o processo virtual reflita fielmente a autorização por escrito, inclusive no que concerne ao limite para o número de participantes do evento, programa, projeto ou ação.
§ 7º O disposto no § 6º não exime de responsabilidade os demais agentes envolvidos nos processos físicos e virtuais de concessão de diárias e passagens.
§ 8º Quando o deslocamento exigir a manutenção de sigilo, as autorizações de que tratam os incisos I, II e III do caput poderão ser delegadas ou subdelegadas às autoridades previstas nas alíneas “a” e “c” do inciso I do § 2º do art. 6º e aos chefes de unidade a que se refere o § 4º do art. 6º.
§ 9º As autorizações para despesas com diárias e passagens poderão ser realizadas de forma confidencial, quando envolverem operações policiais, de fiscalização ou atividades de caráter sigiloso, garantido levantamento do sigilo após o encerramento da operação.
Portanto, exsurge dúvida jurídica no que tange às balizas da delegação de competência. Tal questionamento ganha força no seio da Administração Federal Indireta, ou seja, nas autarquias e fundações públicas, com a seguinte pergunta: até onde o Gestor poderá delegar (ou subdelegar) a competência de autorização para emissão de diárias e passagens?
Inicialmente, convém ressaltar que a edição do Decreto em tela se insere num contexto político de arrocho dos gastos feitos pelos Gestores, marca que vem pautando o mandato da Exma. Sra. Presidente da República. Assim é que, conforme dito em linhas precedentes, o Decreto nº 7.689/2012 firmou, no âmbito do Poder Executivo Federal, limites e instâncias de governança para a contratação de bens e serviços e para a realização de gastos com diárias e passagens.
É de se firmar também que qualquer poder atribuído pelo ordenamento jurídico aos agentes públicos somente é feito na medida exata para que estes mesmos agentes consigam atingir as finalidades impostas pela norma. Nessa linha, a interpretação restritiva é a mais consentânea com a realidade posta, que não permite (ao menos, não deve permitir) uma extensão dos poderes de subdelegação conferidos pela norma.
Penso, dessa forma, que a mens legis tem por escopo limitar o número de servidores detentores de poderes para autorizar diárias e passagens, permitindo, assim, diminuição dos gastos públicos, o que já vinha sendo conseguido com a edição do Decreto nº 7.446/2011, revogado pelo multicitado Decreto nº 7.689/2012. A notícia abaixo veiculada[2] somente ratifica a explanação ora esposada:
Governo federal economiza R$ 1 bi em diárias e passagens
Publicado em 24/01/2012
Brasília, 24/01/12 – O governo federal registrou uma redução de R$ 1 bilhão em suas despesas com diárias e passagens em 2011. Na comparação entre os últimos dois anos, houve uma economia de 43% nos gastos com esses serviços, que passaram de R$ 2,3 bilhões em 2010 para cerca de R$ 1,3 bi no ano passado.
De acordo com a ministra Miriam Belchior, os resultados obtidos são consequência do esforço da administração federal em prezar pela qualidade do gasto público. “Estamos determinados em dar continuidade à melhoria do gasto, otimizando os recursos para que sejam cada vez mais revertidos à melhoria dos serviços à população e ao aprimoramento da gestão. Tudo isso foi feito sem prejuízo aos serviços estratégicos e sem penalizar os resultados. Estamos tirando excessos e adotando tecnologias alternativas. Trata-se de uma mudança de cultura no governo federal”, afirmou.
Frise-se que a delegação de competência é regulamentada pela Lei nº 9.784/99 em seus artigos 11 a 15. Em linhas gerais, uma delegação de competência possui as seguintes características[3]:
· Tem-se como regra geral a possibilidade de delegar;
· É possível independentemente de subordinação hierárquica;
· Deve sempre ser parcial e por prazo determinado;
· Pode ou não conter ressalva de atribuição;
· Por ser discricionário, é revogável a qualquer tempo;
· O ato de delegação deve ser amplamente publicado.
Nesse contexto, almeja-se facilitar o entendimento da Administração concernente aos dispositivos do Decreto nº 7.689/2012, pontuando a interpretação a ser dada à norma. Para tanto, estabelece-se como premissa a organização de uma autarquia federal com um Presidente, diretorias e coordenações (estas últimas, unidades regionais).
Passemos, então, às conclusões efetuadas a partir da leitura acurada do Decreto, com foco para utilização por uma autarquia federal:
a)A concessão de diárias e passagens, de forma geral, deverá ser autorizado pelo Ministro de Estado da pasta correspondente (art. 6º, caput), podendo haver subdelegação – ou mesmo delegação, se feita diretamente pelo Ministro – ao Presidente da Autarquia (art. 6º, §2º, I, ´b`) ou aos Coordenadores Regionais (art. 6º, §2º, I, ´c`);
b)Quando o deslocamento exigir manutenção de sigilo (art. 6º, §4º), o Presidente ou os Coordenadores Regionais poderão delegar competência aos chefes de unidades responsáveis pelo deslocamento (aqui, unidades menores em competência do que uma Coordenação, hipótese pontual e somente aferível no caso concreto);
c)Somente o Ministro poderá autorizar passagens e diárias nas hipóteses dos incisos I, II, III e IV do art. 7º, podendo haver delegação para os casos dos incisos I, II, III tão-somente ao Presidente da Autarquia, que não poderá subdelegar, salvo quando o deslocamento exigir a manutenção de sigilo (art. 7º, §8º), conjectura em que poderá haver subdelegação ao Coordenador Regional ou aos chefes de unidades responsáveis pelo deslocamento.
Perceba que, no que tange ao entendimento aqui sedimentado, os Diretores, malgrado o fato de serem superiores hierárquicos em relação às unidades regionais, não poderão ter competência delegada para aprovação no SCDP por falta de previsão legal, aliada ao contexto político que leva à interpretão restritiva dada ao Decreto nº 7.689/2012. O impedimento decorre da interpretação da norma.
A incoerência – pelo fato de um agente hierarquicamente inferior poder receber a delegação e ao outro, superior, ser-lhe vedado – é apenas aparente. Isso porque, justamente diante da proximidade das diretorias com a Presidência de uma autarquia, não se vislumbra necessidade para ampliação do poder de concessão das diárias e passagens, algo plenamente justificável sob o ponto de vista das unidades regionais, máxime quando se tratar de entidades capilarizadas e com organização interiorana.
Notas
[1] O art. 12-A do Decreto nº 5.992/1996 foi incluído pelo Decreto nº 6.258/2007.
[2] Notícia extraída do site http://www.governoeletronico.gov.br/noticias-e-eventos/noticias/governo-federal-economiza-r-1-bi-em-diarias-e-passagens-1/, acesso em 22/10/2012.
[3] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 564-565.