Na Ação Penal 470, em julgamento no STF, estão se verificando algumas questões novas (ou muito velhas) em torno da aplicação da justiça. Entre elas, como nunca antes na história de nossa recente democracia, a supressão de regras e os princípios constitucionais que já considerávamos consolidados.
A não cisão dos processos entre aqueles que têm e os que não têm “foro privilegiado”; as condenações sem provas concretas, ou seja, por presunções de culpabilidade; a “repristinação” e a reaplicação da chamada Teoria do Domínio do Fato, um instituto jurídico alienígena que, simplesmente, está sendo aplicado (equivocadamente) para permitir a condenação sem provas; entre outros. Além disso, são ditas algumas ‘pérolas’ que, conforme aqueles doutos, são de causar espécie.
Conforme alguns jornalistas que fazem a cobertura daquele julgamento junto ao STF, o Ministro Joaquim Barbosa, quando questionado se acreditava na prisão em regime fechado para a maioria dos condenados, respondeu que sim, “do contrário não estaria sacrificando a saúde num julgamento tão cansativo como este ...”. Outro dia, em discussão com o Ministro Lewandowski, o Ministro Barbosa disse: “Moro no país e lutarei que ele mude”.
Ora, um juiz, no desempenho de sua função, não luta por isso ou por aquilo; juiz deve aplicar a lei e a Constituição, nem mais, nem menos. Na função de juiz, não deveria haver espaços para voluntarismos, discricionariedades, subjetivismos e arbitrariedades.
Um processo judicial, que respeita os princípios constitucionais, tem que ser pautado por um Ministério Público responsável, que acusa quando tem elementos para isso, com a perseguição de provas cabíveis; uma defesa que tenha paridade de meios para proporcionar uma atuação plena e legítima e um juiz (ou colegiado de juízes) que tenha independência e imparcialidade para limitar a sua decisão fundamentada em provas produzidas no processo, com amplo contraditório em igualdade de condições entre as partes.
Qualquer decisão que não respeita esses critérios básicos não tem compromisso com o Direito Constitucional, muito menos com um Estado Democrático e de Direito.
Com essa premissa, também deve ficar claro que a Justiça não pode substituir a política, assim como a política não pode substituir a Justiça. É por isso que nas democracias existe a chamada divisão de poderes, com Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um fazendo o seu papel e servindo de freio e contra-peso em relação aos outros poderes.
O Brasil e o mundo estão cheio de histórias tenebrosas que aconteceram com esse processo de “criminalizar” a política. Exemplo mais recente e próximo foi o neogolpe do impeachment do Presidente Lugo no Paraguai, legalmente legitimado pela Corte soberana daquele país. Sempre que o Poder Judiciário toma decisões políticas, ao invés de cumprir com a sua função de simplesmente aplicar a lei e a Constituição, o resultado não é positivo (embora momentaneamente possa parecer). Resultados forjados no voluntarismo e subjetivismo de quem decide não passa de um canto de sereia que, amanhã, pode (e certamente acontecerá) voltar-se contra àqueles que hoje vibram com os heróicos atos de seus ídolos.
Por isso, máxima vênia Sr. Ministro, mas os verbos julgar e vingar têm significados muito distintos que precisam ser claramente respeitados e mantidos, sob pena de que quem não os distingue passar a ser visto (ou pretender tornar-se) como voluntários justiceiros, o que, fatalmente, levaria a uma tremenda catástrofe ao Direito e à jovem democracia brasileira.