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A execução dos efeitos anexos da sentença constitutiva: uma abordagem à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

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Agenda 27/11/2012 às 08:49

4. O DIREITO POTESTATIVO E A SUA DIMENSÃO CONSTITUTIVA: O DIREITO A UMA PRESTAÇÃO COMO EFEITO POSSÍVEL DA EFETIVAÇÃO DE UM DIREITO POTESTATIVO

O direito potestativo consiste no poder jurídico de, “por um acto livre de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte”.[25]  

Nas palavras de MANUEL DE ANDRADE, são direitos “a uma modificação jurídica, modificação que, já se entende, tem lugar no campo das relações jurídicas e não no do direito objectivo”.[26]

Do lado passivo deste vínculo jurídico, continua o saudoso civilista português, corresponde à contraparte a “necessidade de suportar o exercício de tais direitos, bem como a produção das respectivas consequências jurídicas, e tem o nome de estado de sujeição ou simplesmente sujeição”.[27]-[28]

Desta forma, o direito potestativo é vínculo jurídico que, para ser efetivado, não necessita da colaboração do sujeito passivo, como sucede nos direitos a uma prestação, ao contrário, nos direito potestativos “o sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que precise ser prestada para que o direito potestativo seja efetivado”.[29] É, portanto, insusceptível de ser violado, esgotando-se simplesmente com o seu exercício, ou seja, com a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, não restando nada para ser efetivado.

Como fácil se torna de ver, a ausência de conduta material a ser prestada pelo sujeito passivo se deve à realização do direito potestativo no mundo das normas, e não no mundo dos fatos, como acontece com os direitos a uma prestação.[30]

São exemplos deste tipo de direitos: a) a resolução de contrato por inadimplemento da contraparte (art. 475 do CC); b) o direito de rescindir a locação por falta de pagamento do aluguel (art. 9º, III, da Lei nº 8.245/91); c) o poder de um dos cônjuges pedir a separação judicial (art. 1572 do CC).

Os direitos potestativos podem ser constitutivos, modificativos ou extintivos, conforme sejam susceptíveis de produzir uma relação jurídica nova, alterar uma relação jurídica já existente ou fazer cessar uma relação jurídica existente.[31] A realização e efetivação destes direitos, portanto, implica sempre a criação, alteração ou extinção de uma situação jurídica.

Nesta medida, o direito potestativo é composto por uma dimensão constitutiva (eficácia constitutiva), que faz perdurar a sua eficácia, por assim dizer, para além do seu exercício. Esta dimensão constitutiva do direito potestativo se verifica quando a efetivação do direito potestativo gera, com a criação da situação jurídica nova, um novo direito, desta feita, um direito a uma prestação. Este, como facilmente se concluirá, já é susceptível de ser violado e, nessa medida, carecer da prática de atos materiais de realização da prestação devida.[32]

Esta dimensão constitutiva do direito potestativo era já apontada por CHIOVENDA, que afirmava:

Este aparece ou como meio de remover um direito existente ou como o tentáculo de um direito possível que aspira a surgir. Esse direito existente ou possível impõe ao direito potestativo seu caráter patrimonial ou não e seu valor. Dessa natureza de direitos-meios, que os aproxima das obrigações (enquanto outras características os aproximam dos direitos reais), deriva que os direitos potestativos se esgotem com o seu exercício.[33]

Nesta perspectiva, o direito potestativo surge, portanto, como um verdadeiro direito-meio, um direito apto, desta forma, através dos seus efeitos, a gerar outros direitos, que, desta feita, se situam já no domínio dos direitos subjetivos.

Neste sentido, esclarece MANUEL DE ANDRADE, a propósito da impossibilidade do sujeito passivo do direito potestativo infringir o estado de sujeição a que está adstrito, que o mesmo “poderá infringir depois os efeitos produzidos, mas então estaremos já no domínio dos direitos subjetivos stricto sensu.”[34]

Perceba-se.

Na sua dimensão constitutiva, o direito potestativo, ao ser exercido, cria uma nova situação jurídica, e é esta situação jurídica nova que vai fazer (fato gerador) nascer um novo direito, agora, um direito a uma prestação.

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Ilustremos com um exemplo: o direito potestativo à anulação do negócio jurídico.

Estabelece o art. 182 do Código Civil que “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.” Neste sentido, resta claro que a efetivação do direito potestativo de anular o negócio jurídico, exercido através de uma sentença constitutiva, vai fazer nascer um direito a uma prestação, a saber: a restituição ao estado anterior ou, na sua impossibilidade, a indenização pelo equivalente. Os efeitos jurídicos produzidos pelo exercício do direito potestativo (a anulação do negócio jurídico) geram, assim, direitos a uma prestação. Os efeitos jurídicos produzidos pela efetivação do direito potestativo são, para este efeito, simples fatos jurídicos, os quais, assim considerados, preenchem o suporte fático da norma jurídica.

Destarte, a efetivação de um direito potestativo pode estar na base no surgimento de um novo direito, agora um direito a uma prestação.

Esta dimensão constitutiva do direito potestativo guarda, como se verá de seguida, uma estreita relação com a sentença constitutiva, nomeadamente, com os seus efeitos anexos, pois esta tem como conteúdo a certificação e efetivação de um direito potestativo e, desta forma, pode certificar, através dos seus efeitos anexos, um direito a uma prestação.


5. A RELAÇÃO ENTRE OS EFEITOS ANEXOS DA SENTENÇA CONSTITUTIVA E A DIMENSÃO CONSTITUTIVA DO DIREITO POTESTATIVO

Como já visto acima, a sentença constitutiva é o meio processual pelo qual se certifica e efetiva um direito potestativo. Nisto consiste o seu conteúdo. O seu efeito principal, por sua vez, é a situação jurídica nova que emerge do reconhecimento do direito potestativo.[35]

Na medida em que o direito potestativo, como já afirmado acima, consiste no poder de produzir, independentemente da vontade do sujeito passivo, “uma modificação jurídica, modificação que, já se entende, tem lugar no campo das relações jurídicas e não no do direito objectivo”[36], este se extingue automaticamente com o seu exercício.

À primeira vista, portanto, o pronunciamento judicial proferido através da sentença constitutiva teria o condão de prestar de forma plena a tutela jurisdicional requerida, dispensando, desde modo, qualquer atividade jurisdicional posterior.

Contudo, não é bem assim que se passam as coisas.

Na verdade, a efetivação de um direito potestativo, através da sentença constitutiva, pode ter como conseqüência o surgimento de um novo direito (dimensão constitutiva do direito potestativo), agora, um direito a uma prestação. Este novo direito corresponde, precisamente, ao efeito anexo da sentença constitutiva.[37]

Como se observa, a relação existente entre a dimensão constitutiva do direito potestativo e os efeitos anexos da sentença constitutiva é uma relação de identidade, pois o efeito anexo consiste, precisamente, no direito novo gerado a partir dos efeitos principais da sentença (dimensão constitutiva do direito potestativo), ou seja, o direito a uma prestação. Portanto, o efeito anexo da sentença constitutiva representa, bem vistas as coisas, a dimensão constitutiva do direito potestativo.

Relembremos, como se afirmou no ponto 3.2., a propósito dos efeitos anexos da sentença, que estes decorrem da sentença encarada como fato jurídico, na medida em que esta, só pelo fato de existir, preenche o suporte fático de uma norma jurídica e, consequentemente, produz outro efeito jurídico, qual seja, in casu, o surgimento de um direito a uma prestação.[38] Nesta medida, o efeito principal da sentença constitutiva (a criação de uma nova situação jurídica) é o fato gerador de um outro efeito jurídico, o efeito anexo.[39]

Como afirma LOURIVAL VILANOVA: “[...] a própria relação jurídica, que num ponto da série é efeito, pode figurar, num outro ponto da série, como antecedente ou causa, aqui compondo o suporte fático, passando, pois, à categoria de fato jurídico.”[40]

Ora, podendo a sentença constitutiva, através do seu efeito principal, produzir um efeito anexo que se consubstancia num direito a uma prestação, a questão que se coloca é a seguinte: o direito a uma prestação consubstanciado no efeito anexo da sentença constitutiva pode ser considerado certificado por este? Ou melhor, de forma clara e direta, os efeitos anexos da sentença constitutiva certificam o direito a uma prestação e, deste modo, a sentença constitutiva pode servir de título executivo para a instauração de fase executiva objetivando a execução destes efeitos anexos?


6. A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DOS EFEITOS ANEXOS DA SENTENÇA CONSTITUTIVA À LUZ DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA

Encerramos o ponto anterior com um questionamento: os efeitos anexos da sentença constitutiva certificam o direito a uma prestação e, deste modo, a sentença constitutiva pode servir de título executivo para a instauração de fase executiva objetivando a execução destes efeitos anexos?

A resposta a esta questão é essencial para o deslinde do problema central do presente trabalho, a possibilidade jurídica da execução dos efeitos anexos da sentença constitutiva, e tem que ser buscada à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, analisado em 2.

Como visto acima, o direito à tutela jurisdicional efetiva traz atrelado a si um direito a uma decisão em prazo razoável, entendida esta como a decisão que efetiva o direito pleiteado e, deste modo, confere a tutela jurisdicional requerida, devendo, portanto, evitar-se a todo o custo a prática de atos processuais desnecessários.

Nesta medida, se a sentença constitutiva, ou melhor, os seus efeitos principais, constituem o fato gerador da eficácia anexa, ou seja, a hipótese de incidência da norma jurídica e, deste modo, o simples pronunciamento judicial preenche o suporte fático da norma jurídica, consequentemente, os efeitos nela previstos devem se produzir. Destarte, transitada em julgado, torna-se a mesma indiscutível (coisa julgada material) e, desta forma, indiscutível se torna o preenchimento da hipótese de incidência normativa, cristalizando-se, através da sentença constitutiva, a norma jurídica individualizada relativa ao direito a uma prestação que surgiu da efetivação do direito potestativo, podendo assim servir de título hábil à execução forçada.

A este respeito, a brilhante lição de FREDIE DIDIER Jr.:

Direitos a uma prestação, que surjam da efetivação de um direito potestativo, são, portanto, reconhecidos por uma sentença constitutiva: ao certificar e efetivar um direito potestativo, o órgão jurisdicional certifica, por tabela, o direito a uma prestação que daquele é conseqüência.[41]

 Na verdade, negar a certificação de um direito a uma prestação pelos efeitos anexos da sentença constitutiva representaria não só negar efetividade aos direitos neles contidos, como também negar eficácia imediata à própria norma jurídica que tem como suporte fático o efeito principal da sentença constitutiva.

Desta forma, não reconhecer aos efeitos anexos da sentença constitutiva a capacidade para certificar o direito a uma prestação, que se encontra cristalizado na sentença constitutiva, abrangido, portanto, pela coisa julgada material, é negar eficácia imediata à norma jurídica e, deste modo, obstar, desnecessariamente, à máxima efetividade do direito, entendimento que, como facilmente se concluirá, se mostra em absoluto descompasso com o que ficou exposto em 2, quando se analisou a concepção atual do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Exigir novo processo de conhecimento para reconhecer e certificar direito a uma prestação já reconhecido e certificado pelos efeitos anexos da sentença constitutiva se mostra ato processual desnecessário e inútil, só justificado à luz de um rigor formal totalmente em desconformidade com o nosso tempo e, consequentemente, em desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efetiva.

Percebeu o ponto, TEORI ALBINO ZAVASCKI, que, a propósito do reconhecimento de força executiva às sentenças meramente declaratórias, afirma:

E, se a norma jurídica individualizada está definida de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualitativo, menos o de jurisdicional.[42]

Exemplifiquemos, voltando ao exemplo da sentença que anula um negócio jurídico.

Transitada em julgado a sentença que anula um negócio jurídico, seria necessário intentar nova ação de conhecimento para que o direito a uma prestação emergente do art. 182 do CC quedasse certificado? Sendo a sentença constitutiva que declarou a anulabilidade do contrato a hipótese de incidência da referida norma esta não se encontra já certificada com o trânsito em julgado da referida sentença? Ou, ainda, pode um novo processo de conhecimento chegar à conclusão que o suporte fático da referida norma não se encontra preenchido?[43]

Não nos parece, de todo, sustentar tal entendimento, nem por razões lógicas nem por razões jurídicas, pois este se mostra em total descompasso com uma leitura atual do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Repare-se, que mesmo a doutrina que nega a existência de efeitos anexos, preferindo ver nestes verdadeiros pedidos condenatórios implícitos, não nega a possibilidade de execução destes e, desta forma, admite, portanto, a sua certificação, ainda que por meio de um pedido condenatório implícito. Neste sentido, na doutrina portuguesa, LEBRE DE FREITAS:

Mas se bem se vir, o efeito constitutivo da sentença produz-se automaticamente, nada restando dele para executar, e o que pode vir a ser objecto de execução é ainda uma decisão condenatória, expressa ou implícita, que com ele se pode cumular (condenação no pagamento dos alimentos fixados, condenação da desocupação e entrega do prédio arrendado: cf. art. 1121-4 e art. 1081-1 CC).

É duvidosa, perante o princípio do dispositivo, a figura da condenação implícita, porém configurável na medida em que se tenha também por deduzido um pedido implícito. Não tendo sido expressamente pedida a condenação do réu no cumprimento das obrigações resultantes da sentença, ainda que futuras (art. 472-2), e não tendo por isso sido proferida uma condenação (a latere) nesse cumprimento, a ideia da condenação implícita é aceitável quando pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não dependa de qualquer outro pressuposto.[44]

Independentemente de se considerar estarmos, nestes casos, perante verdadeiros efeitos anexos da sentença constitutiva ou pedidos condenatórios implícitos, o importante a reter é que estes, seja qual for a conceituação que se adote, ficam certificados através do provimento judicial, que, nestes casos, é uma sentença constitutiva, e deste modo, se constitui esta como título judicial hábil a promover a execução forçada.

Parece ser esse o entendimento que se começa a delinear, desde a Reforma Processual operada pela Lei nº 11.232/2005, no ordenamento jurídico positivo brasileiro. Com a introdução do novo capítulo relativo ao cumprimento da sentença o legislador revogou o antigo preceito constante do inciso I do art, 584, do CPC, que fazia menção expressa à sentença condenatória como título executivo judicial, substituindo-o pelo art. 475-N, inciso I, que prevê como título executivo judicial: “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.”

Abriu-se, assim, através da alteração legislativa supra referida, em definitivo, a possibilidade de se puder executar qualquer sentença (condenatória, constitutiva, declaratória), bastando que para tanto esta certifique algum direito a uma prestação.

Em face de tudo o quanto exposto até aqui, que o direito a uma prestação pode sim ser certificado pela sentença constitutiva, especificamente, pelos seus efeitos anexos. Isto constitui, não só, uma conclusão lógica, mas, acima de tudo, uma exigência à luz do princípio da tutela jurisdicional efetividade, pois um novo processo de conhecimento se mostra ato processual absolutamente desnecessário e inútil.

Sobre o autor
Luís Guilherme Gonçalves Pereira

Jurista. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestrando em Direito, na linha de pesquisa de Teoria do Processo e Tutela dos Direitos, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Luís Guilherme Gonçalves. A execução dos efeitos anexos da sentença constitutiva: uma abordagem à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3436, 27 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23099. Acesso em: 22 dez. 2024.

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