5 - DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA O ALONGAMENTO DE DÉBITO
Uma vez estabelecido o critério da aplicação cogente do normativo do M.C.R. 2.6.9 às instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural, cumpre verificar um a um os requisitos que a própria norma estabelece.
Dispõe assim a referida norma:
9 - Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
Primeiramente, no “caput” do item 9, vê-se a expressão “independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação”, o que determina o caráter cogente desta norma. Ou seja, o espírito da norma é que a consulta já está aprovada. Assim, basta o preenchimento dos requisitos autorizadores para que o direito surja ao requerente, direito este que não dependerá de análise subjetiva das instituições financeiras submissas ao Banco Central do Brasil. Afinal, se dependesse de análise, a consulta ao BACEN seria necessária.
Após, vê-se que a prorrogação é devida “aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito”.
Deste modo, não é permitido às instituições creditórias embutir no alongamento outras taxas de juros, encargos, ou qualquer outra taxa que possa onerar o produtor rural, mesmo que a taxa especial estabelecida naquele ano para aquela determinada operação seja maior.
Vale ressaltar, no entanto, que tal prorrogação não poderá servir como convalidação a atos praticados de maneira irregular. Isto porque se no financiamento originário foi embutido encargos indevidos, a prorrogação via M.C.R. não pode servir como meio de dar uma roupagem legal ao ilegal. A prorrogação deverá ser dada aos mesmos encargos financeiros antes pactuados, desde que tais encargos estejam cobertos pela legalidade. Caso contrário, a prorrogação ficará passível de recálculo desde sua origem, conforme Súmula 286 do STJ[9].
Comumente, os limites da legalidade no Crédito Rural brasileiro nem sempre são respeitados. Os contratos vistos no Brasil comumente são do tipo de adesão, ou seja, de cláusulas fechadas, onde se completa apenas alguns campos de identificação do mutuário, estabelecendo não só encargos legais, mas também criando constantemente novos encargos que acabam sempre em discussões jurídicas, tendo que o Judiciário se manifestar sobre sua legalidade, como o caso da comissão de permanência, taxas de abertura ou análise de crédito, correção monetária pela CDI, etc., encargos estes criados sempre em desfavor do consumidor.
Entretanto, os encargos financeiros alongados devem ser somente aqueles pautados pela estrita legalidade em sua criação, segundo os preceitos próprios e exclusivos do financiamento rural.
Também é necessário que se prove a incapacidade de pagamento (“desde que se comprove a incapacidade de pagamento”). Não basta a solicitação, ela deverá vir acompanhada de fundamentos que demonstrem sua incapacidade, provando quais foram as perdas obtidas (comentadas item por item abaixo) e o cronograma de pagamento a ser estabelecido, ou seja, se o pagamento do financiamento deverá ser feito em 02, 05 ou 10 anos, por exemplo, a forma e a época de pagamento.
Quanto aos requisitos que entendem como incapacidade de pagamento, a norma estabelece os seguintes, alternativamente ou conjuntamente:
a) dificuldade de comercialização dos produtos
A receita do empresário rural é obtida somente na comercialização de seus produtos. Não basta o homem do campo apenas produzir: é na venda que ele obtém seu sustento, a capacidade para investimentos e, obviamente, a capacidade para pagamento de seus financiamentos.
Assim, tendo o produtor dificuldade na comercialização de seus produtos, lhe é devido a prorrogação do financiamento contratado, vez que seria desproporcional pagar primeiramente o sistema financeiro e deixar sua família desamparada.
Esta dificuldade de comercialização pode ser tanto integral quanto parcial, ou seja, tanto da safra completa quanto da parte da safra. E ela é verificada de várias maneiras, podendo ser citada a baixa demanda ou o excesso de oferta no mercado interno ou externo, o que leva ao achatamento dos preços, o preço que o mercado estiver pagando ser inferior ao estipulado na Política Geral de Preços Mínimos[10] estabelecido pelo Governo Federal, políticas públicas que levam o achatamento dos preços, como por exemplo, a importação de produtos ou derivado de outros países, dificultando o comércio do produto nacional etc.
Importante é o que o produtor tenha a prova de que houve a dificuldade de comercialização. Uma região, por exemplo, onde o escoamento da produção e a consequente venda são feitas através de linhas férreas e, em plena época de safra, há um descarrilamento do trem ou uma queda de barreira que impeça a utilização dos maquinários durante dois meses, fazendo com que o produtor rural tenha dificuldade em vender seu produto, seja por falta de armazenamento ou escoamento do produto, onerando-o de forma demasiada a realização da venda por outras vias, seja rodoviária ou fluvial, implica em uma dificuldade de comercialização onde se mostra passível o alongamento do financiamento rural, com base no M.C.R. 2.6.9. Ora, se ele não conseguiu vender no tempo adequado, também não pode lhe ser imputado um pagamento sem a devida receita, haja vista a característica especial dos financiamentos rurais.
Outro exemplo, que também ocorre com certa frequência em determinados tipos de cultura, é a falta de mercado comprador. Por vezes o produtor rural colhe o produto mas não tem quem compra naquela época e naquela região, o que dificulta sua comercialização. Tal fato é visto com certa frequência em culturas de entressafra e ciclo curto, como o feijão, por exemplo. Também nestes casos é permitido, em tese, ao produtor o alongamento de seu financiamento, caso no vencimento da parcela ainda não tenha tido oportunidade de ter comercializado seu produto, por conta de falta de mercado.
b) frustração de safras, por fatores adversos;
Este seja talvez o principal motivo que leva o produtor rural a buscar administrativamente ou judicialmente o alongamento de seu financiamento. A frustração de safra é um mal que atinge o setor produtivo independentemente se o agricultor é experiente ou novato: a sua ocorrência decorre de fatores climáticos, do qual o homem não tem controle, como a chuva, geada ou a seca.
Infelizmente, safra após safra é visto uma ou outra região do país com dificuldade de colheita justamente pelas adversidades climáticas, como a chuva em excesso, a estiagem prolongada ou a geada.
O princípio aplicado a este inciso é justamente o fato de que as forças da natureza não estão no controle humano, e, portanto, a ocorrência de um fator externo não pode prejudicar o agricultor que retirou o financiamento antes do plantio.
Assim como no inciso anterior, a frustração suportada pode ser total ou parcial. Sendo parcial, a renda obtida primeiramente deverá ser destinada à manutenção familiar, para só depois ser destinada ao pagamento do financiamento.
É importante que o produtor tenha laudos que comprovem a frustração, que muitas vezes é de difícil constatação: por vezes a lavoura produz, mas pelas condições climáticas o fruto acaba ficando imprestável e fora de comércio, o que não deixa de ser uma frustração de safra. Ou mesmo é frustrada uma parcela mínima, mas essencial ao pagamento do financiamento. Assim, a prova é essencial também neste quesito.
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
Neste tópico, o legislador sabiamente deixou aberta a possibilidade de que outras circunstâncias possam ser levadas em consideração na hora de pleitear a modificação do cronograma de pagamento.
Volatilidade cambial, fatores externos ou internos, políticas públicas, ou seja, qualquer ocorrência que prejudique o plantio, o desenvolvimento da lavoura, a colheita ou a comercialização, desde que provados, deve levar a uma reprogramação do cronograma de pagamentos do produtor.
Uma queimada acidental pode ser, por exemplo, uma ocorrência prejudicial, assim como uma alta exagerada nos preços dos insumos aplicados durante o desenvolvimento da lavoura. Enfim, qualquer situação adversa, desde que provada, pode ser utilizada para o alongamento.
CONCLUSÃO
Os financiamentos rurais são regidos pela Lei nº 4.829/65, que institucionalizou o Sistema Nacional de Crédito rural no país. Esta norma derrogou poderes ao Conselho Monetário Nacional para estabelecer normas e critérios para a consecução do crédito rural no país, sendo que, em uma de suas normas, estabeleceu a possibilidade da alteração do cronograma de pagamento dos financiamentos sempre que o produtor rural sofrer adversidades quanto à comercialização, colheita ou na exploração da atividade, exigindo para tanto apenas o requerimento e a prova de tais fatos.
Como as instituições financeiras estão obrigadas a seguir os normativos editados pelo Banco Central do Brasil, órgão normatizador do Conselho Monetário Nacional, tem-se a conclusão de que a aplicação do disposto no Manual de Crédito Rural item 2.6.9 é de natureza cogente e compulsória aos integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural, cabendo ao produtor rural, contudo, a prova das adversidades sofridas.
Notas
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.109
[2] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
[3] Dentre outros artigos e incisos, importante salientar o inciso I do art. 187:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
[4] PEREIRA, Lutero de Paiva. Financiamento Rural. Coleção direito bancário - Vol. 04. Curitiba: Juruá, 2006. p. 53
[5] Art. 5º - O cumprimento das deliberações do Conselho Monetário Nacional, aplicáveis ao crédito rural, será dirigido, coordenado e fiscalizado pelo Banco Central da República do Brasil. (Lei 4.829/65).
[6] Art. 21 - As instituições de crédito e entidades referidas no art. 7º desta Lei manterão aplicada em operações típicas de crédito rural, contratadas diretamente com produtores ou suas cooperativas, percentagem, a ser fixada pelo Conselho Monetário Nacional, dos recursos com que operarem.
§ 1º - Os estabelecimentos que não desejarem ou não puderem cumprir as obrigações estabelecidas no presente artigo, recolherão as somas correspondentes em depósito no Banco Central da República do Brasil, para aplicação nos fins previstos nesta Lei.
§ 2º - As quantias recolhidas no Banco Central da República do Brasil, na forma deste artigo, vencerão juros à taxa que o Conselho Monetário Nacional fixar.
§ 3º - A inobservância ao disposto neste artigo sujeitará o infrator à multa variável entre 10% (dez por cento) e 50% (cinqüenta por cento) sobre os valores não aplicados em crédito rural.
§ 4º - O não recolhimento da multa mencionada no parágrafo anterior, no prazo de 15 (quinze) dias, sujeitará o infrator às penalidades previstas no Capítulo V da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
[7] Vide ainda: Art. 28 do Decreto nº 58.380/66, que aprova o Regulamento que institucionaliza o Crédito Rural.
[8] PEREIRA, Lutero de Paiva. Financiamento Rural. Coleção direito bancário - Vol. 04. Curitiba: Juruá, 2006. p. 81-82
[9] Súmula 286 do STJ: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão de dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.
[10] Política Geral de Preços Mínimos, ou PGPM - Lançada em 1966 através da Dec-Lei nº 79/66 contribui para a redução das oscilações de preços, característica do mercado agrícola. Nesta política, o Governo Federal estabelece um preço-piso para a venda de produtos agrícolas, atuando na compra do excedente ou financiando a estocagem sempre que o preço de mercado se situar abaixo do preço mínimo. Não são todos os produtos agrícolas que possuem definição de preço. Entretanto, com a diminuição de recursos para a agricultura, nem sempre a União consegue garantir a compra, criando, com isso, outros mecanismos visando à garantida do preço mínimo, como a equalização de preços ou o contrato de opção de venda. Vale ressaltar que em vista dos vários entraves burocráticos próprios da administração pública, nem sempre o preço mínimo espelha um preço real possível de cobrir custos da produção mais lucro (conforme determina a Lei), e nem sempre é fácil vender a produção para a União no preço estipulado.