Resumo: Comparando-se o Supremo Tribunal Federal e a Suprema Corte dos Estados Unidos é possível concluir que pouca semelhança há entre ambos os órgãos jurisdicionais, mormente em razão dos modelos judiciários adotados por Brasil e Estados Unidos, sendo que a maior distinção entre eles está, sem dúvida, na sua competência.
I. O Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal – com previsão no art. 101 usque 103, da Magna Carta – é a mais alta Corte judiciária brasileira, exercendo importante papel no sistema de controle de constitucionalidade, bem como atuando em causas de competência originária, além de ser o foro por prerrogativa de função dos agentes públicos que compõem o mais alto escalão do esquema central do poder.
O Tribunal é composto por onze ministros, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, que exercerão as funções inerentes ao cargo até a sua aposentadoria voluntária (atendidos os requisitos constitucionais e legais) ou compulsória (aos setenta anos de idade) ou, excepcionalmente, se destituídos do cargo no caso de impeachment (art. 52, II, CR). Dentre os ministros há um presidente, eleito, nos termos do regimento interno, diretamente pelos pares para exercer um mandato de dois anos, sendo vedada a reeleição. Por tradição, são eleitos presidente e vice-presidente do Tribunal os ministros mais antigos que ainda não tenham ocupado tais cargos.
Para ser nomeado ministro do Supremo Tribunal é preciso preencher alguns requisitos constitucionais: ser brasileiro nato; contar com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; ter notável saber jurídico e reputação ilibada – cfr. art. 101, caput, CR.
Os integrantes do Supremo Tribunal Federal gozam das mesmas garantias dadas a todos os membros da magistratura – os chamados predicamentos da magistratura – e estão sujeitos às mesmas vedações. Assim, lhes são garantidas a vitaliciedade, adquirida desde que ingressam no Tribunal, a partir de quando a perda do cargo dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de impeachment; a inamovibilidade, predicado que no Supremo não tem a mesma importância quanto no primeiro grau de jurisdição vez que os ministros somente atuam naquela Corte e em nenhum outro lugar; e a irredutibilidade de subsídio.
Com a mesma função de garantir a imparcialidade, lhes é proibido exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; exercer a advocacia no juízo ou Tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou impeachment.
No que se refere à competência, o texto da Lei Fundamental traz extenso rol taxativo de hipóteses de atuação da Corte, que atua tanto como órgão jurisdicional originário quanto como órgão jurisdicional revisor.
Como órgão de controle concentrado de constitucionalidade, compete ao Supremo, originariamente, processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade; a ação de inconstitucionalidade por omissão, a ação de descumprimento de preceito fundamental e a representação interventiva.
Na qualidade de foro por prerrogativa de função, o Tribunal Supremo julga o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República, nas infrações penais comuns, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, salvo se praticarem crime de responsabilidade em concurso com o presidente da República, os membros dos Tribunais Superiores, os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade.
Compete também ao Pretório Excelso o julgamento de remédios constitucionais. Neste sentido, a ele incumbe julgar originariamente o habeas corpus, quando for paciente qualquer das pessoas descritas acima, que tem foro por prerrogativa de função no Supremo; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do procurador-geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; e o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal.
Além dessas hipóteses, incumbe ao Supremo Tribunal, ainda, processar e julgar originariamente: o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; a extradição solicitada por Estado estrangeiro; a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados; a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais; a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do Tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer Tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro Tribunal; e as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público.
Como órgão jurisdicional de cúpula de controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal tem competência recursal para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; ou julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
No mais, enquanto órgão que se encontra no ápice da pirâmide hierárquica do nosso sistema judiciário, o Supremo Tribunal julga, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, além do crime político, cuja competência originária é do juízo federal.
É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal detém competência reservada para a iniciativa de lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura. São de iniciativa compartilhada exclusiva do Supremo, dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de Justiça as leis que versem sobre a alteração do número de membros dos Tribunais Inferiores; a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos Tribunais Inferiores, onde houver; a criação ou extinção dos Tribunais Inferiores; a alteração da organização e da divisão judiciárias.
Além disso, o STF conta, também, com autonomia administrativa para eleger seus órgãos diretivos e elaborar seu regimento interno, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.
Por fim, insta registrar que à Corte Suprema brasileira é assegurada a autonomia financeira pela possibilidade de elaboração de sua proposta orçamentária dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.
II. A Suprema Corte dos Estados Unidos
Nos Estados Unidos a Suprema Corte exerce os papéis de Suprema Corte Federal, que analisa, em grau de recurso, as causas decididas pelos Tribunais de Apelação Federais, bem como de mais alta Corte do país, julgando recursos contra decisões das Supremas Cortes Estaduais.
A Corte é composta por nove juízes, chamados justices. Dentre eles há um presidente, denominado chief justice, sendo os demais chamados de associate justices. O cargo de chief justice é vitalício, de nomeação direta pelo Presidente da República.
Não existem requisitos constitucionalmente estabelecidos para ser um membro da Suprema Corte, do que se extrai que, em regra, qualquer cidadão pode ser um justice. Todavia, é comum que se exija como requisito que o candidato seja portador de conhecimentos jurídicos, já que é algo implícito do cargo.
Ademais, na prática, outros fatores são costumeiramente levados em consideração para a formação do perfil de um juiz da Suprema Corte. Dentre eles, é possível citar a idade na época da nomeação – valendo aqui registrar que tradicionalmente são nomeados cidadãos com mais de cinquenta ou sessenta anos, que contam com experiência de vida e profissional –, a representação social – como raça, sexo etc. –, a significação do serviço judicial desempenhado anteriormente e a atividade político-partidária.
Nos termos do artigo II, seção 2, da Constituição dos Estados Unidos de 1787, a indicação dos justices é feita pelo presidente da República, sendo submetida à aprovação do Senado para, somente então, serem nomeados pelo chefe do Executivo Federal.
As garantias dos juízes norte-americanos são expostas na seção I do art. III da Constituição dos Estados Unidos. De acordo com a Lei Excelsa daquele país, aos juízes da Suprema Corte são garantidas a vitaliciedade e a irredutibilidade de subsídios enquanto exercerem o cargo. Não há exercício de mandato para o cargo de justice, não havendo qualquer limite de idade que imponha a aposentadoria compulsória. A permanência no cargo depende apenas de que o juiz apresente good behavior, que se expressa pelo bom desempenho das funções. Todavia, há possibilidade de destituição do cargo pelo processo de impeachment, nos termos da seção IV do art. II da Constituição norte-americana.
Além das garantias, os juízes da Corte são submetidos ao impedimento da impossibilidade de acumulação do cargo de justice com qualquer outro cargo do Executivo ou do Legislativo.
Questões básicas como a formação e a competência da Suprema Corte não são tratadas pela Constituição, que em seu art. III, seção I, apenas prevê aquele Tribunal, atribuindo ao Congresso a tarefa de tecer-lhe os meandros.
No que diz respeito à competência da Suprema Corte, a ela cabe rever todas as decisões tomadas em grau de recurso pelas Cortes Federais Intermediárias, bem como as decisões das Supremas Cortes Estaduais quando tenham decidido questão de direito federal. Em verdade, em relação às mais altas Cortes Estaduais, a Suprema Corte poderá rever a decisão tomada no Estado quando ela tiver como questão prejudicial a análise de direito federal, assim entendido como norma constitucional ou lei federal, sendo-lhe, então, vedado o conhecimento de questões que digam respeito a direito estadual.
Não existem causas predestinadas à análise pela Suprema Corte. A triagem das questões sobre as quais o Tribunal se manifestará é feita pela apreciação do writ of certiorari, pleito feito pelos litigantes do processo no qual se postula que a Corte decida sobre a questão de mérito. O writ será aceito se pelo menos quatro de seus ministros se manifestarem neste sentido.
O mérito a respeito da aceitação ou rejeição do writ é de integral discricionariedade da Corte, que pode rejeitar a apreciação da causa porque não deseja debater a questão de direito envolvida no caso, porque esteja com sua pauta preenchida, por entender que a questão envolvida não tenha maior significância, ou, ainda, porque a Corte deseja que a questão seja mais discutida em outros Tribunais.
Ademais, a corroborar esta discricionariedade de escolha, a Suprema Corte poderá avocar algumas causas antes que sejam julgadas pela Corte de Apelação quando se verificar especial urgência na apreciação de questão de grande importância política.
III. Considerações Finais
Da análise comparativa do Supremo Tribunal Federal em face da Suprema Corte dos Estados Unidos é possível concluir que pouca semelhança há entre ambos os órgãos jurisdicionais, mormente em razão dos modelos judiciários adotados por Brasil e Estados Unidos.
A primeira grande diferença entre os Tribunais em análise está no delineamento de sua organização e competência. Enquanto o Supremo Tribunal Federal tem sua organização definida de forma clara e sua competência atribuída de maneira taxativa na Constituição, a Suprema Corte dos Estados Unidos é apenas mencionada no Texto Fundamental, cabendo ao Congresso dar-lhe os contornos.
Quanto à composição, verifica-se que, embora sejam constituídas por quantitativos diferentes de juízes, este número é ímpar em ambos os Tribunais, o que possibilita a tomada de decisões por maioria.
Nos EUA não há qualquer limite de idade estabelecido para aposentadoria compulsória dos membros de sua Suprema Corte como ocorre no Brasil.
Há certa semelhança no que diz respeito ao ingresso, já que tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos os juízes são indicados pelo presidente da República e por ele nomeados após aprovação do Senado. Todavia, os requisitos para integrar uma e outra Corte são bastante distintos. Enquanto para ser ministro do Supremo Tribunal Federal há que se preencher requisitos objetivos expressamente dispostos na Lei Magna brasileira, os requisitos observados para ser justice da Suprema Corte tem clara conotação política.
Outra ululante dissimilitude entre os Tribunais em análise diz respeito ao presidente da Corte. Enquanto a figura do chief justice da Suprema Corte norte-americana é marcada pela vitaliciedade e pela nomeação direta feita pelo presidente da República, o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal é assinalado pelo espírito republicano, já que evidenciado pela transitoriedade, reforçada pela impossibilidade de reeleição, além do que o Tribunal conta com autonomia neste sentido, pois o seu presidente é escolhido pelos próprios ministros, sem a interferência de qualquer outro Poder da República.
As garantias de que gozam e os impedimentos a que são submetidos os justices da Suprema Corte e os ministros do Supremo Tribunal se aproximam em certa medida. A comparação destes pontos permite verificar que a garantia da vitaliciedade é observada com muito mais profundidade no modelo norte-americano, pois no Brasil se tem uma vitaliciedade limitada – uma vez que os ministros do Supremo são aposentados compulsoriamente ao completarem setenta anos de idade, como ocorreu há pouco tempo com o ex-ministro Cezar Peluso, que deixou a Corte em meio ao julgamento da Ação Penal (AP) 470 de maior repercussão da história recente do Tribunal –, por outro lado, é possível asseverar, também, que o sistema ou modelo brasileiro proporciona uma blindagem mais reforçada à imparcialidade dos magistrados.
É de se concluir, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal goza de uma série de prerrogativas que blindam a separação dos Poderes, as quais não são dadas à Suprema Corte. Neste sentido, a toda evidência, somente o Supremo Tribunal Federal conta com autonomia administrativa, orçamentária e financeira, valendo destacar que ao Pretório Excelso cabe, e a mais ninguém, a iniciativa de lei que fixa o subsídio de seus membros e, por consequência, de toda a magistratura nacional.
Com efeito, a maior distinção entre os Tribunais em análise está, sem dúvida, na competência, mormente em razão dos modelos de controle de constitucionalidade adotados no Brasil e nos Estados Unidos.
Enquanto no Brasil a competência do STF é estabelecida clara e taxativamente na Constituição, nos Estados Unidos a Suprema Corte conta com um intenso poder discricionário na escolha das causas que lhe são submetidas – a girar em torno apenas de uma centena anualmente.
Especificamente em relação à função desempenhada no controle de constitucionalidade, tem-se que, haja vista a adoção de um sistema puramente difuso, nos Estados Unidos a Suprema Corte sempre exercerá competência recursal, vinculando todas as demais instâncias judiciárias e dando origem a um precedente, criando o direito, por outro lado, pelo fato de o Brasil ter adotado um sistema misto de controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal atuará nesta seara tanto no exercício de competência recursal, quanto originária, que, deveras, é a principal via de exercício deste controle.
Além disso, percebe-se que, embora o Supremo Tribunal Federal exerça de fato um papel de Corte Constitucional, nos moldes do Tribunal Constitucional alemão, ele também desempenha função de órgão judiciário colegiado comum de primeira instância ao julgar, por exemplo, ações penais, função esta que é, da mesma forma, cumprida por outros Tribunais do país.
Por fim, analisando um e outro Tribunal pelo viés do número de julgamentos, insta registrar a pertinência de se repensar a atuação do Supremo Tribunal Federal, já que sua competência por demais alargada acaba por abarrotá-lo com milhares de processos, fazendo com que causas importantes, que apresentam uma repercussão nacional e que interessam a vários segmentos sociais ou a entes federativos, aguardem longo tempo na fila de espera de julgamentos, não por desídia de seus membros, mas por pura sobrecarga de trabalho. Todavia, nessa quadra, não é de se olvidar que a competência do Supremo Tribunal é fixada diretamente pela Constituição da República de 1988 por normas originárias e, portanto, há entendimentos doutrinários de que o poder constituinte derivado reformador ou poder constituinte de segundo grau, que é limitado juridicamente, não teria competência/legitimidade para extrair competências desse rol constitucional. Eis, então, o paradoxo do Supremo Tribunal Federal.