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A impropriedade (ilegalidade) de perícia não realizada por médico psiquiatra em processo criminal (imputabilidade)

Agenda 04/03/2013 às 09:03

É inadmissível a nomeação de peritos que não sejam médicos psiquiatras para a análise da imputabilidade do réu, com patentes prejuízos às finalidades do processo penal.

INTRODUÇÃO

Tem sido observado, em processos criminais em trâmite no Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, a realização de perícias e confecções dos respectivos Laudos por profissionais outros que não os médicos psiquiatras.

 Como é cediço, tais Laudos são utilizados em decisões judiciais e, para tal, o perito necessita adentrar em discussões acerca da saúde mental dos réus, inclusive com exteriorização de diagnósticos acerca de sua capacidade e discernimento.

Nessa seara, há profunda análise de conceitos médico-legais, mormente sobre ‘imputabilidade do réu’ e, por fim, sobre as medidas e recomendações cabíveis para cada tipo de diagnóstico.

Desse modo, o presente artigo visa a aclarar não apenas a impropriedade de se aceitar (nomear) peritos outros que não sejam médicos psiquiatras para referido mister, com patentes prejuízos às finalidades do processo penal, bem como a incidência de normas proibitivas, colocando referida postura à margem da lei (ilegalidade).


DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO

O Código Penal, em seu artigo 26, estabelece:

“Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

A legislação citada prevê, ainda:

“Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial”.

Por fim, eis:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Perícia médica

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. (grifo não constante no original)

Depreende-se claramente da letra da lei que a perícia deve ser MÉDICA (Código Penal, art. 97, § 2º).

 Não bastasse a nitidez da disposição aplicável aos processos ‘criminais’, se for realizado um comparativo, por exemplo, com os profissionais da área da psicologia (já que em Mato Grosso do Sul muitos são equivocadamente nomeados para a função de perito em tela[1]), tem-se que da Lei n 3.268/57 (médicos), do Decreto nº 20.931/32 (médicos), da Lei nº 4.119/62 (psicólogos) e do Decreto nº 53.464/64 (psicólogos), somente há previsão para que diagnósticos de enfermidades e emissão de conseqüentes pareceres/laudos sejam prerrogativas exclusivas de médicos.

Assim, eis que, novamente, por exemplo, nada obstante o CRP (Conselho Regional de Psicologia) editar a Resolução CRP nº 15/96, possibilitando a seus profissionais atos como a emissão de atestados para tratamento de saúde, tem-se que seus atos não podem usurpar funções exclusivas de médicos, haja vista que se trata de ato administrativo (Resolução), o qual vincula apenas seus membros, não possuindo força de Lei e, como tal, não pode ser contrária às Leis supramencionadas.

Deste modo, patente a ilegalidade da realização de Laudos Periciais por outros profissionais que não sejam médicos psiquiatras.

Impende destacar, como se mostrará a seguir, que além da vedação legal, o diagnóstico médico é diferente do diagnóstico psicológico, por exemplo, e, nessa esteira, reside o prejuízo de se aceitar nomeações contrárias aos ditames da lei.


DOS PREJUÍZOS DECORRENTES DA PERÍCIA NÃO REALIZADA POR MÉDICO-PSIQUIÁTRICO

O diagnóstico em medicina é o reconhecimento de uma doença por meio da identificação dos sinais, sintomas, síndromes e da determinação dos fatores etiológicos, forma de instalação, evolução e o prognóstico[2].

Seguindo o exemplo até aqui traçado, eis que o diagnóstico como procedimento do psicólogo clínico resulta do uso de meios e técnicas psicológicas para identificar problemas de ajustamento ou do desenvolvimento psicológico, como a legislação estabelece aos psicólogos (vide Lei nº 53.464/64).

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Por essa linha, externa-se que o diagnóstico psicológico se diferencia do diagnóstico médico por seu objeto e por sua metodologia.

O Prof. Dr. JUBERTY ANTÔNIO DE SOUZA, sobre as diferenças apontadas, leciona:

“O diagnóstico psicológico é funcional e dirigido para a avaliação da conduta humana e do desenvolvimento das funções psíquicas e se reporta à identificação de situações relativas ao campo de atividade que a lei estabelece como atividade privativa ou compartilhada dos profissionais da psicologia, a saber as perturbações do ajustamento e do desenvolvimento pessoal, não se referindo nem a enfermidades (doenças) e nem a enfermos (doentes).

No caso de diagnóstico psiquiátrico, há a necessidade de inicialmente fazer a exclusão das doenças psiquiátricas de origem orgânico cerebral (demências, encefalites, meningite, neurolues, tumores, acidentes vasculares) ou seja, há a necessidade da exclusão, através da semiotécnica do afastamento de outras doenças com sintomatologia semelhante (Diagnóstico Diferencial).

Para isto é necessário, a utilização de semiotécnica essencialmente médica e fora do alcance dos psicólogos.

Há a necessidade do exame físico e outros procedimentos médicos.”[3]

O Prof. Dr. JUBERTY ANTÔNIO DE SOUZA também alerta para o dever do Estado em promover o tratamento das pessoas do sistema prisional, da avaliação para fins de periculosidade e de progressão de pena.

Aliás, nesse aspecto chega a ser pertinente apontar que o próprio Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução CFP nº 009/2010, estabeleceu em seu art. 4º, alínea "a":

"Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos:

a) Conforme indicado nos arts. 6º e 112 da Lei nº 10.792/2003 (que alterou a Lei nº 7210/84), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado."

 Infere-se, pois, que as nomeações e aceitações de psicólogos pelo Poder Judiciário, para realização de perícias em processos criminais, mormente para aferição da imputabilidade do réu, sejam lá quais as razões (dificuldades do Poder Judiciário em encontrar profissionais? Falta de recursos para pagamento dos peritos?), não podem jamais serem aceitas como ‘meio’ a se obter os resultados almejados pela legislação, já que também jamais serão os fins legítimos, corretos e devidos, sobejando uma perícia imprópria e ilegal.


CONCLUSÃO

Ante o exposto, chegam-se às seguintes conclusões.

Primeiro: A legislação pátria é clara ao apontar que a perícia criminal para os fins do art. 26 do Código Penal (imputabilidade) deve ser realizada por MÉDICO e, de acordo com as demais legislações em vigor, mais especificamente por médicos psiquiatras;

Segundo: O diagnóstico médico-psiquiátrico busca a identificação de uma doença (enfermidade), em que há o emprego da semiotécnica médica como avaliação dos diferentes órgãos e sistemas corporais, exame físico, busca das alterações fisiológicas, exames complementares laboratoriais, de imagem em que há necessidade de conhecimentos específicos para o reconhecimento ou a exclusão de doenças. É procedimento privativo de médico e que apenas na formação do médico essas habilidades são conseguidas.

Terceiro: O diagnóstico psicológico, por exemplo, também por meio de instrumental próprio e específico busca-se determinar as características de personalidade, os problemas de ajustamento para que se possa ajudar as pessoas a se entenderem e se ajustarem. O diagnóstico de personalidade ou das suas particularidades constumeiramente são úteis para o diagnóstico e o acompanhamento dos pacientes psiquiátricos[4].

Quarto: As conseqüências da supressão de avaliação médico-psiquiátrico decorrem da não qualificação e da não habilitação de outros profissionais em realizarem diagnósticos psiquiátricos sem o instrumental médico específico, com as dificuldades de se fazer diagnósticos diferenciais e com isso aumentando o risco de se decidir com subsídios técnicos inconsistentes.

Quinto: Caso os diagnósticos sejam inconsistentes, as decisões judiciais poderão ser inadequadas e prejudiciais, tanto ao réu, como à vítima e à sociedade.


Notas

[1] Ninguém olvida a importância e qualidade das funções do profissional psicólogo, fundamentais para diversas questões ligadas ao comportamento humano e social. O exemplo fora posto tão somente por uma questão específica (diagnósticos em processos criminais), não abarcada pela legislação.

[2] MIRANDA SÁ JÚNIOR, Luiz Salvador. Processo Consulta nº26/2012. CRM-MS. Nov/2012.

[3] Processo Consulta nº26/2012. CRM-MS. Nov/2012.

[4] SOUZA, Juberty Antônio de. In Processo Consulta nº26/2012. CRM-MS. Nov/2012.

Sobre o autor
Fernando Martins Zaupa

Promotor de Justiça Especialista em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAUPA, Fernando Martins. A impropriedade (ilegalidade) de perícia não realizada por médico psiquiatra em processo criminal (imputabilidade). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23829. Acesso em: 5 nov. 2024.

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