Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Hermenêutica e o conceito jurídico de cidadão na ação popular no paradigma do Estado Democrático de Direito

Exibindo página 2 de 2
Agenda 21/03/2013 às 10:58

4 - CONCLUSÃO

A ação popular é um direito fundamental e constitui manifestação direta da soberania popular, é instrumento de participação política direta dos particulares no governo.

Atualmente, doutrina e a jurisprudência possuem um entendimento consolidado que apenas o brasileiro eleitor, no exercício dos direitos políticos, pode ser qualificado como cidadão para fins de ajuizamento da ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, da Constituição da República de 1988. Para tanto, deve o cidadão comprovar essa condição mediante apresentação do título de eleitor e de certidão negativa emitida pela Justiça eleitoral.

A corrente consolidada utiliza-se de um conceito estritamente formal do conceito de cidadão. Ora, qual a justificativa constitucional para considerar o analfabeto que não fez o alistamento eleitoral ou o condenado criminalmente ao status de “não-cidadão”? Considerar tais sujeitos de direitos carecedores de ação é aceitar – implicitamente - que uma lei ordinária promulgada antes da ordem democrática de 88 tem o efeito jurídico de limitar o exercício de um direito fundamental.  Na prática, o referido posicionamento é limitador do acesso ao judiciário e ao controle popular da Administração Publica. 

Assim, urge a necessidade de um aprofundamento da discussão sobre a matéria em análise. Uma discussão que deve se basear em uma hermenêutica constitucional que refute a aplicação de um silogismo clássico e formal conforme demonstramos. Uma práxis interpretativa que considera a posição do “Outro” como um elemento central na construção que cada um de nós pretende apresentar para um problema hermenêutico-jurídico como é o caso do conceito de cidadão.

Hodiernamente, exercer qualquer direito é exercer a cidadania, porque esta tem como requisito a efetivação dos direitos do homem. Se a participação política é um direito fundamental, refletido diretamente no princípio da dignidade da pessoa humana, qualquer posicionamento que inviabilize o exercício desse direito, é a nosso ver, uma afronta à Constituição da República.

A previsão do instituto da ação popular no art. 5º da Constituição da República é garantia fundamental, não pela simples razão de estar incluída no título referente aos direitos e garantias fundamentais, e sim por assegurar um dos princípios basilares do nosso Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana. A participação do povo nas decisões políticas do nosso Estado é um direito fundamental previsto constitucionalmente e por isso, deve ser garantido a todo povo brasileiro, indistintamente.

Imprescindível e urgente, pois, uma reformulação no conceito de cidadão. Apenas um entendimento inclusivo do termo será uma noção compatível à vigente democracia participativa.


Referências

AGRA, Walber de Moura, Manual de Direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ALMEIDA, Maria Cristina de; ANTONIOLLI, Milana A. I. Consideração sobre ação popular. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo: 1997.

ALMEIDA. Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo: um novo ramo de Direito Processual (princípios, regras interpretativas e a problemática de sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva. 2003.

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. A Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito: contribuição a partir da teoria do discurso de Jürgen Habermas. In: Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. (Org.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª parte. Ed. Brasília Jurídica. Instituto Brasiliense de Direito Público. 1ª ed., 2ª tiragem. Brasília, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 8. ed. São Paulo: Riddeel, 2002.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15 ed. Rio de Janeiro. Lumem Júris. 2006.

CUNHA FILHO, Francisco Humberto. A participação popular na formação da vontade do Estado: um direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 6 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, São Paulo, Companhia das Letras, 1999.

LOPES, Ana Maria D‘Ávila. Democracia hoje. Para uma leitura crítica dos direitos fundamentais. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2001.

JUCOVSKY, Vera Lúcia, Meios de defesa do meio ambiente. Ação popular e participação política. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, Revista de Direito Ambiental 17.

JUCÁ, Roberta Laena Costa, A ação popular como instrumento de participação política necessária revisão do conceito de cidadão. Fortaleza: Pensar, 2003.

KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

_____________________. Mandado de Segurança. Atualizado por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. 28 ed. São Paulo: Malheiros. 2005.

MELO, Milena Pretters. Cidadania: subsídios teóricos para uma nova práxis. In: SILVA, Reinaldo Pereira e (Org.). Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo, 1998.

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular, proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 5 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas. 2006.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Belo Horizonte, 1991.

PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito, São Paulo: Martins Fontes. 1996.

PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da Argumentação, São Paulo: Martins Fontes, 1996.

RODRIGUES, Geisa de Assis. Org. DIDIER, Freddie. Ações Constitucionais. 3. ed. Salvador. Jus Podivm, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006.

SILVA, José Afonso da. Ação Popular constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Sobre a autora
Carla Maia dos Santos

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Carla Maia. Hermenêutica e o conceito jurídico de cidadão na ação popular no paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3550, 21 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23979. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!