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Os efeitos da globalização nas relações trabalhistas - dumping social

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Agenda 20/03/2013 às 14:22

4. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIO ACERCA DA RESPONSABILIDADE POR DANO SOCIAL

Os doutrinadores e juízes vêm demonstrando uma preocupação crescente com a proteção dos direitos sociais e a adoção de medidas que visem coibir a prática de dumping social, apesar de não haver nenhuma previsão legal específica para esse fim.

A consolidação das leis do trabalho (CLT) foi criada no ano de 1.943, ocorre que, ao longo desses anos, o processo de globalização, a implantação de tecnologia e de novos modelos de produção foram capazes de provocar intensas mudanças nas relações laborais, motivos pelos quais muitas vezes não se encontra proteção legal para determinados conflitos trabalhistas, considerando que as condições de trabalho do ano de 1.943 em muito se transformou até chegar às condições atuais.

Mesmo diante de tantas modificações nas relações laborais, a lei trabalhista não foi alterada de modo a acompanhar e se adequar às alterações ocorridas nessa seara. Nesse caso, cabe aos operadores do direito fazer uma interpretação sistemática a outros dispositivos legais presentes no nosso ordenamento jurídico visando pacificar o litígio existente.

Um grande avanço nesse quesito foi a aprovação do enunciado n. 4 da Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, organizada pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que prevê a possibilidade de concessão de indenização suplementar pelo dano social advindo do dumping.

Diante dessa nova realidade laboral, muitos doutrinadores e juristas, em especial o juiz Jorge Luiz Solto Maior, vêm atentando para a necessidade do efetivo reconhecimento e proteção do direito social nas relações trabalhistas. Mas, ainda assim, existem juízes que enfrentam o dumping como “modismo” e, mesmo diante do dano social inegável decorrente dessa prática ilícita, preferem ignorar a situação em vez de buscar uma solução que vise desestimular as empresas a permanecer desvirtuando a legislação trabalhista.

O Desembargador Manuel Cândido Rodrigues do TRT 3ª Região, por exemplo, é um dos juristas que insistem em negar proteção legal para a prática do dumping social, conforme teor decisão do Recurso Ordinário 2756/2008-063-03-00.5, abaixo transcrito:

DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. Entende-se inaplicável a indenização por dumping social, por ausência de amparo legal. Aliás, reza o disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição do Brasil, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei." (BRASIL, TRT 3ª Região, 2009)

Diante do exposto, nota-se que a jurisprudência ainda não é uníssona quanto à possibilidade de reconhecimento do dumping e o dano social dele proveniente. Nas sentenças de 1º grau, pode-se visualizar alguns avanços nesse sentido, com a condenação e imposição de pagamento de indenização para as empresas que praticam o dumping social, ocorre que, na maioria das vezes essas decisões são reformadas pelos tribunais superiores que insistem em “fechar os olhos” para a dimensão dos danos causados aos trabalhadores.

Toda essa discordância jurisprudencial contribui para que as empresas continuem lesando o direito trabalhista, pois já que a sua irresponsabilidade social permanece impune perante os tribunais, será um bom negócio não observar os direitos laborais. Dessa forma, faz-se necessária uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário no sentido de reconhecer o dano inegável causado à sociedade, bem como a aplicação de penalidades para coibir essa prática ilícita.

4.1 O Estado-juiz diante do reconhecimento do dano social

O Liberalismo teve seu início no século XVII em virtude da influência das idéias dos filósofos John Locke e Adam Smith, que ficou conhecido como pai do liberalismo econômico. Smith, em seu livro intitulado “Riqueza das nações” (1776) chega a afirmar que não há necessidade de intervenção do Estado na economia, uma vez que esta era guiada por uma “mão invisível”, ou seja, pelas próprias leis naturais de mercado. Essas leis naturais correspondiam à livre concorrência, onde a competição de preço entre os produtores seriam capazes de eliminar os ineficientes. Entendia, ainda, que o próprio mercado era capaz de regulamentar a economia, trazendo a harmonia social, sem a intervenção do Estado.

No entanto, toda essa liberdade dada pelo Estado não foi bem aproveitada e os produtores exploraram a mão de obra trabalhista como instrumento capaz de aumentar a sua produção e majorar os lucros, o que contribuiu para se alastrar uma profunda crise de desigualdade social. Em virtude desse cenário de exploração, tornou-se necessária a intervenção do Estado nas relações entre particulares com o intuito de proteger os mais fracos, estipulando uma série de direitos e garantias fundamentais.

A respeito dos direitos sociais, Alexandre de Moraes leciona que:

Sociais são os direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal (MORAIS, 2012, p. 202).

Os direitos sociais surgiram após os horrores causados pela 2ª Guerra Mundial como tentativa de resolver o grande problema da desigualdade social provocada pela guerra.

Em nosso ordenamento jurídico, a primeira constituição Federal que tratou do tema foi a de 1934. No entanto, foi na constituição de 1988 onde se privilegiou os direitos sociais do trabalhador, os quais estão previstos no art. 6º ao 11º.

O art. 6º da Constituição Federal/88 dispõe que:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso). (BRASIL, 1988).

Como se pode ver, a Constituição Federal de 1988 incluiu o trabalho como um dos direitos sociais, estando incluso no rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

Acerca da positivação dos direitos sociais, Jorge Luiz Solto Maior entende que:

O reconhecimento de que os denominados direitos sociais constituem fundamento do Estado decorre, pois, da imposição das condições geradas pelo próprio sistema capitalista de produção. Tais direitos são fixados como fruto de um compromisso do Estado e da Sociedade, que “divide” os âmbitos de atuação, em prol da criação de uma comunidade mais inclusiva, com condições mínimas de vida digna para todos. Forma-se uma espécie de compromisso em torno da eficácia dos direitos sociais, denominados de direitos fundamentais de segunda divisão. [...] (MAIOR, 2012 p.15-16).

O juiz do Tribunal Regional da 15ª Região, Jorge Luiz Souto Maior já reconheceu, em decisões judiciais, o dano social causado pelo dumping, conforme decisão prolatada nos autos de número 0049300-51-2009-5-15-0137, abaixo transcrita.

DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”). IDENTIFICAÇÃO: DESRESPEITO DELIBERADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO: INDENIZAÇÃO “EX OFFICIO” EM RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse compromisso, fixado em torno da eficácia dos Direitos Sociais, se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos pós-guerra, representando, também, um pacto para a preservação da paz mundial. Esse capitalismo socialmente responsável perfaz-se tanto na perspectiva da produção de bens e oferecimento de serviços quanto na ótica do consumo, como faces da mesma moeda. Deve pautar-se, também, por um sentido ético, na medida em que o desrespeito às normas de caráter social traz para o agressor uma vantagem econômica frente aos seus concorrentes, mas que, ao final, conduz todos ao grande risco da instabilidade social. As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e reiterado da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade. Óbvio que esta prática traduz-se como “dumping social”, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato Judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica. Assim, nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: salários em atraso; salários “por fora”; trabalho em horas extras de forma habitual, sem anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o pagamento correspondente; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias; ausência de anotação da CTPS (muitas vezes com utilização fraudulenta de terceirização, cooperativas de trabalho, estagiários, temporários, pejotização etc.); não concessão de férias; não concessão de intervalo para refeição e descanso; trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem eliminação concreta dos riscos à saúde etc., deve-se proferir condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual, sendo inegável, na sistemática processual ligada à eficácia dos Direitos Sociais, a extensão dos poderes do juiz, mesmo nas lides individuais, para punir o dano social identificado. (BRASIL, TRT 18ª Região, 2012).

É justamente pelo fato dos direitos sociais serem considerados como fundamentais para assegurar a todos uma existência digna, que os mesmos são indisponíveis. Portanto, qualquer conduta que venha a ofender os direitos ali elencados, como a prática do dumping social, por exemplo, pode ser considerada como ato ilícito, conforme entendimento do art. 186 do código civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).

O dumping social também é considerado como ato ilícito pelo exercício abusivo de direito, por extrapolar os limites sociais e econômicos.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002).

O dumping social configura-se pelo desrespeito reiterado aos direitos fundamentais do trabalhador, causando um prejuízo não apenas ao empregado, mas sim a toda coletividade, conforme será demonstrado a seguir.

4.2 O dano social decorrente da prática do dumping

Conforme acima explanado, o dumping social é uma forma de agressão aos direitos sociais que foram incorporados à constituição como forma de proteção essencial dos direitos básicos de toda a coletividade.

Diante da essencialidade desses direitos para garantir existência digna, as atitudes que se demonstrarem contrárias ao que está disposto na lei podem ser consideradas como atos ilícitos capazes de causar danos à toda a sociedade, e não apenas aos empregados diretamente envolvidos. Nesse sentido, Jorge Luiz entende que:

O desrespeito deliberado e inescusável da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade, inclusive no que tange aos custos públicos para a manutenção do Judiciário Trabalhista que se vê obrigado a decidir dezenas e até centenas de vezes sobre as mesmas violações sobre as mesmas empresas (MAIOR, 2012, p.23).

Como exemplo de dano social, podemos citar a ausência de depósitos de FGTS. O FGTS é utilizado para o custeio da construção da habitação popular, melhorar o saneamento básico e a infraestrutura urbana. Portanto, a ausência de depósitos prejudica não apenas o trabalhador que teve descontos em seu salário e cujo valor não foi destinado ao fundo de garantia. Nesse caso, o dano é mais extenso, pois a ausência dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço influi negativamente na construção de habitação popular e no saneamento básico, prejudicando toda a sociedade. Acerca desse prejuízo, Jorge Luiz alega que:

É fácil, ademais, perceber o prejuízo gerado à sociedade em geral pelas condutas reiteradas de desrespeito à ordem jurídica trabalhista. Lembre-se, a propósito, que é a partir do custo social do FGTS que várias iniciativas de políticas públicas são adotadas, incluindo a própria concessão do benefício do seguro-desemprego. Além disso, os recolhimentos previdenciários servem igualmente ao custeio da Seguridade Social, que inclui a prestação de serviços de saúde pública. Ora, se vários empregadores, por estratégias fraudulentas, deixam de cumprir com as obrigações trabalhistas das quais esses custos decorrem, é mais evidente que vai faltar dinheiro para a realização desses projetos do Estado Social e todos, não apenas o trabalhador diretamente atingido, serão prejudicados (MAIOR, 2012, p. 55).

Ainda sobre o dano social, Jorge Luiz dispõe que:

As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas. Dessas agressões, o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. O resultado é a precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção (MAIOR, 2012, p. 55).

Como se pode ver, o dumping social causa dano social em virtude do descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador previstos na Constituição Federal, prejudicando, de forma reflexa, toda a coletividade.

Compartilhando desse entendimento, o Juiz Ranúlio Mendes Moreira em sentença prolatada nos autos nº 00495.2009.191.18.00-5 da Vara do Trabalho de Mineiros- GO condenou a empresa Marfrig alimentos S/A pela prática de dumping, utilizando fartos argumentos para comprovar a configuração do dano social decorrente da prática do dumping social. Vejamos a decisão abaixo:

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DA RESPONSABILIDADE SOCIAL – “DUMPING SOCIAL”. Este magistrado ficou impressionado com o número de ações em face da mesma reclamada ao longo de um ano na Vara do Trabalho de Mineiros. O MM. Juiz Ari Pedro Lorenzetti, por exemplo, prolatou 200 sentenças em um só dia em face da ré, além de muitas outras em outros dias. A MM. Juíza Camila Baião Vigilato, de igual forma, já se pronunciou centenas de vezes acerca da inobservância da reclamada quanto ao que determina o art. 253 da CLT. De igual forma, também já se pronunciaram inúmeras vezes os MM.Juizes Cleber Sales, Ana Edith Pereira e Fernanda Ferreira, entre outros. Mesmo assim, diante de centenas de pronunciamentos no sentido de condenar a reclamada ao pagamento das horas extras pela supressão do intervalo de descanso térmico, a reclamada permanece desrespeitando a legislação, como se não existisse Lei, fiscalização do trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, abarrotando a pauta da Vara do Trabalho de Mineiros e obrigando o Estado a desembolsar muito dinheiro e tempo para lotar um juiz extra para a Vara do Trabalho de Mineiros, agravando a situação de milhares de jurisdicionados, que se vêem prejudicados em virtude de o Estado ter que colocar à disposição da reclamada toda uma infraestrutura para dizer, redizer, confirmar e reiterar que a ré deve pagar pelo intervalo intrajornada não concedido. É como se a reclamada tivesse um juiz e meia Secretaria só para ela. [...]O Judiciário não pode ficar inerte diante de tal situação, pois o simples desrespeito a preceito legal de ordem pública, gera descontentamento e prejuízo social, uma vez que o Estado passa a despender longo tempo, esforço e numerário para decidir centenas de ações idênticas, pela violação dos mesmos preceitos legais, por uma mesma empresa, e, às vezes, em face do mesmo trabalhador, fazendo cair em descrédito várias instituições do Estado, inclusive o Estado-Juiz.[...] No entanto, o prejuízo social da atitude desrespeitosa à lei perpetrada pela reclamada, não atinge apenas ao bolso dos trabalhadores afetados, mas toda a sociedade, pois o intervalo de descanso térmico é norma cogente de medicina, higiene e segurança do trabalho e o seu descumprimento causa danos à saúde do trabalhador e, por conseqüência, afeta a toda a comunidade, pois a Previdência Social que assiste aos trabalhadores enfermos e acidentados é custeada por todos e não apenas pela empresa reclamada.[...] Assim, não só os trabalhadores e o Poder Judiciário são prejudicados pela atitude da ré, e, por isso somente uma punição de caráter social e pedagógico poderá servir de lenitivo à coletividade afetada e funcionar como aviso à reclamada de que a legislação trabalhista e a dignidade da pessoa humana não podem ser menosprezadas.[...]Havendo pois, ofensa ao patrimônio jurídico da comunidade,condeno a reclamada ao pagamento de reparação por danos sociais, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), reversíveis a entidades filantrópicas [...]. (BRASIL, TRT 18ª Região, 2010).

Diante do exposto, torna-se evidente a necessidade de intervenção do Estado no sentido de impedir que as empresas continuem insistindo em desrespeitar a legislação trabalhista, pois essa é a única forma de evitar que a sociedade seja prejudicada pela ilicitude da prática do dumping.

4.3 Posicionamento da justiça do trabalho no reconhecimento do dano social

Apesar da divergência doutrinária e jurisprudencial, muitos juízes trabalhistas têm se posicionado a favor do reconhecimento do dano social causado pelo dumping e aplicado condenações para as empresas que insistem em desrespeitar, de forma reiterada, os direitos trabalhistas, embora boa parte das decisões seja reformada pelos Tribunais Regionais.

O fato que contribui para essas divergências é a ausência de previsão legal específica para esse fim, pois tanto na Constituição Federal, quanto na Consolidação das Leis Trabalhistas (CTL), não existe dispositivo legal que preveja, de forma direta, a condenação por dumping social.

Mesmo diante dessa ausência, alguns juízes entendem que é necessária a atuação firme e motivada do Poder judiciário para coibir as condutas danosas aos trabalhadores e contrárias a legislação brasileira. O juiz Jorge Luiz de Souto Maior (2012), que é um dos principais defensores da aplicação de multas para as empresas praticantes do dumping, entende que, mesmo diante da ausência de previsão de condenação por dumping na Consolidação das Leis do Trabalho, há a possibilidade de se realizar uma análise sistemática de outros mecanismos disponíveis no sistema jurídico brasileiro, como na Constituição Federal e no Código civil, como forma de justificar a condenação imposta.

Procedendo a análise sistemática sugerida pelo autor e por outros juízes que entendem pelo cabimento da condenação por dumping social, encontra-se em nosso ordenamento jurídico os seguintes argumentos defendidos por eles, que passarão a ser analisados a seguir:

4.3.1. Concorrência desleal

A livre concorrência é um dos princípios da atividade econômica, com previsão legal no art. 170 da Constituição Federal, conforme se vê a seguir:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...] IV – livre concorrência (grifo nosso). [...] (BRASIL, 1988).

Celso Ribeiro Bastos conceitua o princípio da livre concorrência como:

A livre concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, da procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor. Traduz-se portanto, numa das vigas mestras do êxito da economia de mercado. O contrário da livre concorrência significa o monopólio e o oligopólio, ambos situações privilegiadora do produtor, incompatíveis com o regime de livre concorrência". (BASTOS, 2002, p. 25)

A livre concorrência é um mecanismo decorrente do princípio da livre iniciativa, podendo ser considerada como uma das bases do liberalismo econômico e tem como objetivo permitir que todos tenham oportunidade de participar da organização econômica e concorrer em forma de igualdade e licitude.

Acerca da relação entre a livre concorrência e a livre iniciativa, José Afonso da Silva leciona que:

Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência, contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado intervir para coibir o abuso" (grifo nosso).(SILVA,2012.p.876).

Corroborando com tal assertiva, Fábio Ulhoa Coelho assim se posiciona:

No sistema capitalista, a liberdade de iniciativa e a de competição se relacionam com aspectos fundamentais da estrutura econômica. O direito, no contexto, deve coibir as infrações contra a ordem econômica, com vistas a garantir o funcionamento do livre mercado. Claro que, ao zelar pelas estruturas fundamentais do sistema econômico de liberdade de mercado, o direito de concorrência acaba refletindo não apenas sobre os interesses dos empresários vitimados pelas práticas lesivas à constituição econômica, como também sobre os consumidores, trabalhadores e, através da geração de riqueza e aumento dos tributos, os interesses da própria sociedade em geral. (COELHO, 2012, p.5).

Complementando as informações acima expostas, o artigo 173 da Constituição Federal/88 dispõe que:

Art.173- Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[...]§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (grifo nosso).

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 1988).

Ao analisar os efeitos do dumping no âmbito econômico, pode-se afirmar que as empresas praticantes do dumping, ao desprezarem os direitos mínimos do trabalhador, reduzem, de forma considerável, o custo efetivo da mão de obra, o que contribui para que o produto ou serviço seja lançado no mercado por um preço muito menor que o das empresas que cumprem a legislação trabalhista. Dessa forma, a empresa está praticando concorrência desleal, uma vez que a mesma não está concorrendo em igualdade de condições com as demais empresas que zelam pelos direitos do trabalhador.

Ao praticar concorrência desleal como forma de eliminar a concorrência, as empresas estão praticando infração contra a ordem econômica, conforme previsão legal do art. 36, I, da Lei nº 12.529/2011 que dispõe:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa [...].(BRASIL, 2011).

Acerca da aplicação da penalidade para a infração de concorrência desleal, o art. 37 dessa mesma lei estipula que:

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

[...] 1º - Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. (BRASIL, 2011).

Compartilhando desse entendimento, a Desembargadora do TRT 18ª região, Elza Cândida da Silva proferiu, nos autos de nº 00539-2009-191-18-00-7, a seguinte decisão:

DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. DANO SOCIAL. A contumácia da Reclamada em descumprir a ordem jurídica trabalhista atinge uma grande quantidade de pessoas, disso se valendo o empregador para obter vantagem na concorrência econômica com outros empregadores, o que implica dano àqueles que cumprem a legislação. Esta prática, denominada 'dumping social', prejudica toda a sociedade e configura ato ilícito, por tratar-se de exercício abusivo do direito, já que extrapola os limites econômicos e sociais, nos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. A punição do agressor contumaz com uma indenização suplementar, revertida a um fundo público, encontra guarida no art. 404, § único, do Código Civil e tem caráter pedagógico, com o intuito de evitar-se a reincidência na prática lesiva e surgimento de novos casos.(BRASIL, TRT 18ª Região, 2009)

É com base na disposição dos artigos acima citados que os magistrados fundamentam suas decisões ao aplicar multas para as empresas que, através do dumping, praticam concorrência desleal, por entenderem que essa prática ilícita é também uma infração contra a ordem econômica por desrespeitar os limites econômicos previstos em lei. A importância da aplicação da indenização dá-se pelo fato da ordem econômica ter a finalidade de garantir a dignidade de existência, bem como reduzir as desigualdades sociais.

4.3.2. Descumprimento da função social do contrato

Um dos principais princípios contratuais dispostos do Código Civil Brasileiro é o da liberdade contratual ou autonomia da vontade, que corresponde à liberdade que as partes têm de disciplinar e estipular, entre si, os seus interesses, mediante declaração de vontade formalizada em instrumento de contrato.

Para Maria Helena Diniz:

O principio da autonomia da vontade se funda na liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Além da liberdade de criação do contrato, abrange a liberdade de contratar e não contratar, liberdade de escolher outro contratante, liberdade de fixar o conteúdo do contrato, escolhendo quaisquer modalidades contratuais reguladas por lei, devendo observar que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. (DINIZ, 2008, p. 23 e 24).

Pelo princípio da liberdade contratual, as partes têm a liberdade de contratar, escolher a pessoa com quem quer fazer o contrato, qual o negócio a ser contratado, bem com fixar o conteúdo do contrato através das cláusulas pactuadas.

No entanto, impende salientar que essa liberdade contratual não é absoluta, uma vez que os contratos estão condicionados ao atendimento da função social. Essa limitação justifica-se porque o contrato não é um instrumento que interessa apenas as partes contratantes, mas sim, à toda sociedade, conforme prevê o art. 421 do Código Civil Brasileiro:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. (BRASIL, 2002).

A função social do contrato trás a idéia de que o contrato não deve ser bom apenas para as partes contratantes ou apenas para uma das partes, o contrato deve ser bom para ambas as partes e também para toda a coletividade. A função social do contrato apresenta uma vertente interna e outra externa. Na vertente interna, ela impõe uma observância de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Na vertente externa, não basta que o contrato seja bom para ambas partes contratantes, ele tem que ser bom para a sociedade.

A respeito da função social do contrato, Miguel Reale entende que:

O que o imperativo da função social do contrato estatui é que não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária. O ato de contratar corresponde ao valor da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito, logo no Inciso IV do Art. 1º, de caráter manifestamente preambular. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.

No âmbito trabalhista o empregado e o empregador têm a liberdade de contratar, no entanto, essa liberdade sofre limitações uma vez que o princípio da função social também tem aplicação no direito do trabalho. Na Constituição Federal e na CLT existem direitos que, devido a sua essencialidade para garantir a dignidade humana são considerados como direitos fundamentais de indisponibilidade absoluta, não podendo, nesses casos, as partes utilizarem a liberdade contratual como fundamento para excluir os direitos trabalhistas, pois, nesse caso, estaria prejudicando não apenas as partes contratantes, mas sim, à sociedade em geral.

Ao se utilizar da liberdade contratual como meio para se eximir da responsabilidade no cumprimento das normas trabalhistas e praticar o dumping social, as empresas estão agindo de forma ilícita pelo exercício abusivo do poder de liberdade, conforme previsão legal do art. 187 do Código Civil:

Art. 187- Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002).

Acerca da importância do cumprimento dos direitos sociais, Jorge Luis Souto Maior entende que:

Os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse compromisso em torno da eficácia dos Direitos Sociais se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos pós-guerra, representando também, portanto, um pacto para a preservação da paz mundial. Sem justiça social não há paz, preconiza o preâmbulo da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Quebrar esse pacto significa, por conseguinte, um erro histórico, uma traição a nossos antepassados e também assumir uma atitude de descompromisso com relação às gerações futuras. (MAIOR, 2012, p. 69).

A violação dos direitos sociais no contrato de trabalho provoca o descumprimento da função social, configurando-se, portanto, como ato ilícito passível de indenização, conforme prevê o art. 927 do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (BRASIL, 2002).

Dessa forma, o exercício do direito de liberdade contratual é limitado como forma de garantir a função social do contrato trabalho pois, este tem uma grande importância para toda a coletividade e o descumprimento dos preceitos de ordem pública podem causar grandes danos de natureza social.

4.4 Posicionamento da Justiça do trabalho na condenação por dumping social

Conforme acima exposto, o ordenamento jurídico brasileiro não possui regulamentação própria para a condenação por dumping social. No entanto, há a possibilidade de se proceder com uma interpretação sistemática dos dispositivos previstos em outros ramos do direito e aplicá-los aos casos em que se fique configurada a prática de dumping social.

Além dos dispositivos acima elencados, como a ordem econômica, descumprimento da função social do contrato, exercício abusivo de direito e dano social, os juízes e doutrinadores que defendem a aplicação de indenização pela prática do dumping social também utilizam outros fundamentos para justificar a condenação, como o art. 652 “d” da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que diz:

Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:

[...] d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência". (BRASIL, 1943).

Tal artigo foi incluso no tão afamado enunciado n. 4 da ANAMATRA que é um dos principais dispositivos utilizados pelos juízes como fundamento na condenação pela pratica do dumping social:

"DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT.

Outro artigo utilizado na fundamentação é o art. 8º da CLT que dispõe:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Apesar do dano social inegável causado pela prática do dumping, ainda é grande o número de juízes que se negam a dar provimento aos pedidos de indenização, alegando falta de previsão legal, mesmo havendo possibilidade de fazer uma analise sistemática e aplicar outras disposições legais, conforme já foi acima explanado.

Para os que discordam da aplicação de indenização suplementar pelo dano decorrente da prática do dumping, utilizam o art. 5º,II, da Constituição Federal/88, que dispõe: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esse é o entendimento do Desembargador Manuel Cândido do TRT 3ª Região, que foi utilizado no julgamento do Recurso Ordinário 2756/2008-063-03-00.5:

DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. Entende-se inaplicável a indenização por dumping social, por ausência de amparo legal. Aliás, reza o disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição do Brasil, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei." (BRASIL, TRT 3ª Região, 2009).

No entanto, a divergência não ocorre apenas a respeito da possibilidade de condenação por dumping social, mas também acerca das seguintes problemáticas:

Quem tem legitimidade para propor a ação requerendo a reparação do dano decorrente do dumping, o trabalhador ou o Ministério Público do Trabalho?

Acerca da extensão do dano, o entendimento majoritário é no sentido de que o dano causado pela prática do dumping social é de natureza coletiva, no entanto, há decisões onde os juízes entendem que o dano causado pelo dumping é individual, uma vez que o trabalhador foi quem teve os seus direitos lesados.

Para essa problemática, existem duas correntes: Uma entende que o Ministério Público do Trabalho e os Sindicatos são os possuidores da legitimidade para propor a ação requerendo a reparação do dano social, a outra, entende que o trabalhador é a parte legítima para propor a ação.

O renomado autor Italiano, Mauro Cappelletti (1977) é adepto da primeira corrente e esclarece que:

O indivíduo ‘pessoalmente lesado’, legitimado a agir exclusivamente para a reparação do dano a ele advindo, não está em posição de assegurar nem a si mesmo nem à coletividade uma adequada tutela contra violações de interesses coletivos.(CAPPELLETTI, 1977, p.136).

O autor afirma, ainda, que a legitimidade estrita ao lesado, individualmente considerado, é insuficiente, fazendo-se necessário o reconhecimento da legitimidade coletiva, conferida ao Ministério Público do Trabalho e aos Sindicatos.

Os adeptos desse entendimento argumentam que o dumping social causa danos sociais de natureza coletiva e, portanto, o meio hábil de se requerer a reparação desse dano é através da interposição de ação civil Pública, cujo rol de legitimados para propor a presente ação encontra-se previsto no art. 5º da Lei nº 7.347/1985, abaixo transcrito:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (BRASIL, 1985).

Entre os adeptos dessa corrente, encontramos o desembargador Gentil Pio de Oliveira, da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região que recentemente reformou sentença de primeiro grau prolatada dos autos de nº 0000283-89.2012.5.18.0191, para excluir a condenação por dumping social contra a Marfrig Alimentos, por entender que o trabalhador não era parte legítima para pleitear a indenização, conforme se vê no acórdão abaixo:

DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. NECESSIDADE DE REQUERIMENTO ESPECÍFICO. LEGITIMIDADE. Compete aos legitimados que compõem o rol previsto no artigo 5º da Lei 7.347/1985, por meio da Ação Civil Pública, pleitear indenização decorrente de dumping social, dando-lhe a destinação prevista na legislação pertinente, pois o dano repercute socialmente, gerando prejuízos à coletividade, não podendo ser deferida de ofício, por ausência de previsão legal. (BRASIL, TRT 18ª Região, 2012).

A legitimidade do Ministério Público do Trabalho está prevista no art. 83 da Lei Complementar 75/93 que diz:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

[...]III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; (grifo nosso). (BRASIL, 1993).

Corroborando com esse entendimento, o desembargador Vulmar de Araújo Côelho Junior da 1ª Turma do TRT 18ª Região emitiu a seguinte decisão no processo 0087600-43.2008.5.14.0041 :

DANO SOCIAL. LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR A INDENIZAÇÃO RESPECTIVA. Considerando que a doutrina conceitua o dano social como sendo aquele que repercute em toda sociedade, podendo gerar prejuízos de ordem patrimonial ou imaterial aos membros da coletividade, somente esta, por meio do Ministério Público, tem legitimidade para pleitear a indenização por dano social, nos termos do que dispõe a Carta Magna (art. 129, III). (BRASIL, TRT 18ª Região, 2008).

Em sentido contrário, há quem entenda que o próprio reclamante pode requerer a indenização por dumping social, compartilhando desse entendimento, a Desembargadora Ida Selene Duarte Sirotheau Corrêa Braga do TRT 8ª Região, no dia 09/10/2012 reconheceu o pedido de indenização por dumping social requerido pela reclamante, como se vê a seguir:

indenização por dano moral em razão de dumping social- Não tenho dúvida em afirmar que a terceirização ilícita da atividade-fim do 2º reclamado, com precarização do contrato de trabalho, caracteriza dumping social, conceituado doutrinariamente como a prática de violação a direitos trabalhistas, com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência, gerando um dano social. Diante disso, julgo procedente o pedido de indenização por dano moral decorrente do dumping social, que arbitro em R$10.000,00, considerando o potencial ofensivo do ato e a capacidade econômica da ofensora. (BRASIL, TRT 8ª Região, 2012).

Compartilhando do mesmo entendimento, o Desembargador Ricardo Carvalho Fraga, registra que:

A legitimidade do juiz, para deferir o pagamento de multa por dumping social, se justifica pela necessidade de coibir as práticas reiteradas de agressões aos direitos trabalhistas, por meio do reconhecimento da expansão dos poderes do julgador no momento prestação jurisdicional, nas reclamatórias trabalhistas em que se verifica a ocorrência do referido dano. (BRASIL, TRT 4ª região, 2011).

A segunda divergência jurisprudencial é:

Há a possibilidade de o juiz conceder a indenização ex officio?

O enunciado nº 4 da ANAMATRA dispõe que é necessária a reação do judiciário trabalhista para corrigir a prática do dumping social, entendendo que não há necessidade de pedido específico de condenação na petição inicial, cabendo ao próprio magistrado aplicar a penalidade e conceder a indenização quando se deparar com essa prática ilícita. Esse enunciado veio trazer mais segurança aos magistrados para que estes condenem, ex ofício, as empresas que praticam o dumping. Como fundamento para essa decisão ex ofício, os adeptos dessa teoria utilizam as seguintes previsões legais disponíveis na CLT:

Art. 652. Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:

[...]d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência. (BRASIL, 1943).

Art. 765 - Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. (BRASIL, 1943).

Complementando os artigos acima citados, verifica-se outro argumento legal disposto no Código Civil, o art. 404 in verbis:

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. (grifo nosso). (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, a juíza Ana Júlia Fazenda Nunes, da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do sul, prolatou a seguinte decisão:

DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO POR DANO SOCIAL COLETIVO. Restando comprovada a ocorrência reiterada de acidentes do trabalho nas dependências da reclamada, em virtude da insegurança do meio ambiente de trabalho, não há óbice para que o Juízo imponha penalidade sobre a empresa demandada, ainda que não haja pedido específico, em virtude de seu compromisso ético com a proteção da dignidade da pessoa humana e do trabalho. (BRASIL, TRT 4ª Região, 2012).

Acerca da condenação ex ofício, assevera Jorge Luiz Souto Maior que:

A esta necessária ação do juiz, em defesa da autoridade da ordem jurídica, sequer se poderia opor com o argumento de que não há lei que o permita agir desse modo, pois seria o mesmo que dizer que o direito nega-se a si mesmo, na medida em que o juiz, responsável pela sua defesa, não tem poderes para fazê-lo. Os poderes do juiz neste sentido, portanto, são os pressupostos da razão de sua própria existência. (MAIOR, 2012, p. 9-10).

Ocorre que mesmo com essa disposição do enunciado nº 4 da ANAMATRA, os tribunais regionais tendem a reformar as decisões de 1º grau que concedem a indenização ex ofício, conforme se vê abaixo:

DUMPING SOCIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. Segundo o que dispõem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, configura julgamento extra petita a decisão, por meio da qual a empresa é condenada ao pagamento de indenização pela constatação de um dano moral coletivo, em sede de reclamação trabalhista individual,quando ausente pedido nesse sentido. O fato de o Exmº. Julgador de origem ter constatado a ocorrência de dano social não lhe autoriza a agir de ofício, já que lhe é defeso proferir sentença de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Com efeito, compete aos legitimados que compõem o rol previsto no artigo 5º da Lei 7.347/1985, por meio da Ação Civil Pública, pleitear indenização decorrente de dumping social, dando-lhe a destinação prevista no diploma legal pertinente. (BRASIL, TRT 18ª Região, 2012).

Sabe-se que o papel do Poder Judiciário não é apenas fazer a aplicação da lei ao caso concreto, compete aos juízes atuar na busca da justiça social, devendo garantir a todos o acesso efetivo aos direitos fundamentais previstos em lei e o bem estar da sociedade. Diante desse compromisso social, o juiz não pode deixar de proteger os direitos sociais, ainda que estes não tenham sido solicitados na petição inicial, pois cabe ao Poder Judiciário garantir a justiça social através da eficácia dos direitos fundamentais e da proteção da parte hipossuficiente. Negar proteção jurídica à um direito social pela ausência de pedido na petição inicial, é deixar de observar o papel social que deve ser desempenhado pelo Judiciário.

Mas as divergências jurisprudenciais não param por aí, ainda visualiza-se a seguinte discordância:

O valor da indenização interposta pelo dano causado pela prática do dumping social deve ser destinado ao próprio trabalhador, ao Fundo de Amparo ao trabalhador, ou à instituições de caridade?

O juiz Jorge Luiz Souto Maior é um dos maiores estudiosos sobre o tema e já proferiu diversas sentenças condenatórias para as empresas praticantes do dumping social. No entendimento dele, a prática do dumping social causa danos à sociedade em geral, portanto, o valor da indenização não deve ser destinado ao trabalhador e sim a um fundo social, como se vê no trecho da sentença prolatada nos autos de nº 0049300-51-2009-5-15-0137- TRT 15ª Região:

Diante do dano social identificado, condeno a reclamada a pagar multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), revertida, conforme manifestação dos demais membros da Turma, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nos termos da Lei n. 7.347/85. (BRASIL, TRT 15ª Região, 2012)

Já o juiz Alexandre Chibante Martins, juiz substituto da Vara do Trabalho de Ituiutaba –MG, proferiu sentença condenando a empresa Friboi ao pagamento de R$500,00 a um ex-empregado, a título de indenização por dumping social, conforme decisão abaixo transcrita:

RESPONSABILIDADE SOCIAL- DUMPING SOCIAL– O valor da indenização será fixado tendo em vista os seguintes parâmetros já adotados pela doutrina e jurisprudência pátrias: extensão do dano; culpa do agente; potencial econômico do ofensor;observação do caráter pedagógico da sanção (punição com intuito de evitar-se a reincidência na prática lesiva e surgimento de novos casos, para que ocorra a adequação do ofensor ao comportamento estabelecido no ordenamento jurídico pátrio); uso da eqüidade; indenização com o objetivo de servir de compensação ao reclamante, sem quehaja enriquecimento sem causa deste, levando-se em consideração o caso em tela e a gravidade do dano e a repercussão pessoal e social.[...] Pelo acima exposto, e pelo que dos autos consta (jornada extraordinária além da 10ª hora diária em empresa enquadrada no risco três – INSS - em termos de riscos ergonômicos para os trabalhadores e o risco de acidentes), fixo uma sanção pecuniária, à favor da reclamante, a ser paga pelo reclamado, no importe de R$500,00(quinhentos reais), em parcela única, com espeque nos arts. 186, 187, Parágrafo único do art. 404, 927 e 1553 todos do Código Civil; arts. 8º ‘caput’; 652, ‘d’, 769 e 832, § 1º todos da CLT. (BRASIL, TRT 3ª Região, 2009).

O Juiz Alcir Kenupp Cunha, do Mato Grosso do Sul condenou empresa Perdigão ao pagamento de indenização por dano social, mas esse juiz foi mais ousado em sua condenação, pois além da condenação no pagamento de indenização por dumping social, a empresa também foi condenada a adquirir uma ambulância para o Município e um veículo para uso na fiscalização do trabalho, de acordo com a sentença abaixo :

Condenado a reclamada em depósito , no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em favor do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (inc. VIII do art. 2º da Lei Complementar nº 111/2001); b) aquisição, para o hospital de Urgência e Trauma do Município de Dourados, de uma ambulância tipo UTI, nova e devidamente equipada - valor estimado R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais); c) aquisição, para o órgão de fiscalização do Ministério do Trabalho em Dourados, de um veículo, tipo caminhonete, cabine dupla, tração 4 x 4, para uso na fiscalização do trabalho - valor estimado R$ 100.000,00 (cem mil reais).(BRASIL, TRT 24ª Região, 2008).

Na decisão acima transcrita, pode-se visualizar um maior comprometimento do juiz, que aplica condenação em um valor significativo com o objetivo combater a prática do dumping. A indenização deve atender ao caráter reparatório e sancionatório, ou seja, o valor deve ser suficiente para reparar o dano provocado, sem provocar enriquecimento sem causa e, ao mesmo tempo pedagógico ou sancionatório, no sentido de desestimular que as empresas continuem agindo de forma ilícita, provocando danos não só ao trabalhador, mas a toda coletividade.

Sobre o assunto, o juiz Ranúlio Mendes Moreira do TRT 18ª Região, entende que o valor da indenização deve ser repassado para instituições de caridade:

DA RESPONSABILIDADE SOCIAL – “DUMPING SOCIAL”- Havendo, pois, ofensa ao patrimônio jurídico da comunidade, com fulcro nos artigos supramencionados e nos argumentos acima expendidos, condeno as reclamadas, de forma solidária, ao pagamento de reparação por danos sociais, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), reversíveis à entidade filantrópica VILA SÃO JOSÉ BENTO COTTOLENGO, que presta serviços relevantes a pessoas doentes e carentes há muitos anos, e, mesmo sem recursos tenta dar dignidade ao ser humano, ao contrário das rés, que apenas buscam o lucro, em detrimento da sacralidade indelével da dignidade humana. (BRASIL, TRT 18ª Região, 2011).

De todas as divergências acima expostas, a discordância quanto o destino do valor da condenação é a mais irrelevante. Independente do destino, o importante é que se aplique a condenação em um montante razoável, capaz de reparar o dano e desestimular as empresas na prática do dumping.

Através das explanações acima delineadas, percebe-se que a divergência jurisprudencial não se limita apenas à possibilidade ou não da concessão de indenização por dumping social, essa divergência se estende em relação à legitimidade do reclamante, a possibilidade de condenação ex ofício, bem como o correto destino da indenização aplicada, conforme foi acima exposto.

Sobre a autora
Pamilla Pessoa dos Santos Delgado

Bacharel em Direito - Universidade Mauricio de Nassau- PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Pamilla Pessoa Santos. Os efeitos da globalização nas relações trabalhistas - dumping social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3549, 20 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24010. Acesso em: 5 nov. 2024.

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