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O novo divórcio e o Estatuto das Famílias

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Agenda 15/04/2013 às 15:02

4 ESTATUTO DAS FAMÍLIAS: O PASSO SEGUINTE?

O Direito de Família é algo em constante evolução, pois é influenciado pelas mudanças de costumes na sociedade. Assim, está em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 674/2007, que visa retirar o Direito de Família do Código Civil, instituindo o chamado “Estatuto das Famílias”, que traz em linguagem simples a tradução e a regulamentação das novas relações familiares. Sobre o assunto Silvio Venosa:

O Projeto de Lei nº 674, denominado Estatuto das Famílias, apresenta-se agora em fase legislativa mais avançada, com nova versão e várias alterações em relação ao projeto primitivo. De plano se aponta que essa norma irá derrogar todos os artigos do livro de família do Código Civil de 2002. O Código Civil vigente pecou por várias omissões e por fazer apenas tímidas inovações quando a sociedade tanto esperava da nova lei. O projeto, por exemplo, ao conceituar o parentesco (artigo 9º), define que resulta da "consanguinidade, da socioafetividade e da afetividade". O código teve rebuços em citar a socioafetividade como modalidade do parentesco, limitando-se a mencionar que o parentesco pode resultar de "outra origem", além do parentesco natural ou civil (artigo 1.593), exigindo esforço interpretativo desnecessário numa época em que a socioafetividade já vinha sendo reconhecida de há muito pela doutrina e pela jurisprudência do país. De fato, essa modalidade de parentesco derivada da convivência, do afeto e do amor, independente do vínculo biológico, desempenha papel importante nas relações de família em todos os níveis. É assente que não há lei perfeita: o Código Civil longe está de sê-lo, assim como projeto do estatuto, ainda que sofra inúmeras alterações, não o será. Contudo, trata-se de microssistema atual que procura atender anseios de nossa sociedade, na medida do política e sociologicamente aceitável e possível.[79]

De autoria do Deputado Sérgio Barradas, o Projeto de Lei do Estatuto das Famílias foi fruto de um grande esforço do Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, após longas discussões entre os seus 5.000 sócios, aproximadamente.

Assim, no dia 15.12.2010, foi aprovado o substitutivo de tal Projeto de Lei pela Câmara dos Deputados, cuja autoria pertence ao Deputado Cândido Vaccarezza, restando agora, portanto, a sua aprovação pelo Senado Federal e posterior sanção pela Presidenta da República.

Este projeto está trazendo inovações em vários aspectos do Direito de Família, posto que tem como principal função a de adequar este ramo do direito à realidade social existente, incorporando, assim, parte da jurisprudência ao seu texto. O Deputado Eliseu Padilha[80], relator do projeto, enfatiza que “se está trazendo para o Direito de Família brasileiro avanços que se veem em todo o mundo, porque a nossa legislação está fora de seu tempo”.

Dentre as possíveis mudanças trazidas pelo Estatuto, estão: O reconhecimento expresso à posse do estado de filho e à socioafetividade (art.73 e 205), não se mencionam a participação final nos aquestos e o regime de separação obrigatória de bens, além disso, a alteração do regime de bens poderá ser efetivada por escritura pública (art. 37, § 3º) e desde que não contrarie regras e princípios do Estatuto; a união estável, aqui, adquire caráter de estado civil, sendo também reconhecida como espécie de família a entidade parental (grupos de irmãos sem pais); não há impedimento à constituição de união estável estando separado apenas de fato um dos parceiros (§ 2º do art. 61); a posse do estado de filho permitirá investigar ascendência genética, sem gerar relação de parentesco (art. 67, § 2º e 73). E, ainda, são trazidas as figuras do abuso sexual, da violência física e o abandono material, moral ou afetivo, como fator que interfere sensivelmente na perda ou suspensão da autoridade parental, dentre outras.

No âmbito do divórcio, o Estatuto das Famílias foi adaptado à Emenda n. 66/2010, e não traz mais em seu texto a separação judicial, admitindo- a como extinta, mas apenas as figuras da separação de corpos e do divórcio. Quanto ao divórcio extrajudicial, este foi estendido a casais com filhos menores, desde que realizado de forma amigável e as questões relacionadas aos interesses dos filhos já estiverem dirimidas judicialmente.

Além de tudo isso, o “Código das Famílias” trará a tona um procedimento de cobrança de pensão alimentícia numa forma mais simples e ágil, além de facilitar as questões processuais em geral, incentivando a conciliação e mediação como formas contundentes de dissolver conflitos. Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira:

Mais que facilitar os procedimentos processuais em geral, o Estatuto incentiva a conciliação e a mediação como eficazes técnicas de dirimir conflitos, desestimula a litigiosidade e imprime mais responsabilidades às partes envolvidas em processo judicial.[81]

Ainda, sobre a mudança nas questões processuais Maria Berenice Dias afirma que:

Mas certamente as grandes novidades estão nas normas processuais. Pela vez primeira as demandas de família têm princípios próprios e ferramentas processuais que garantem sua efetividade. Assim, todos os processos têm tramitação prioritária, sendo possível a cumulação de medidas cautelares e a concessão de antecipação de tutela. Haverá sempre conciliação prévia que pode ser conduzida por juiz de paz ou conciliador judicial. O Ministério Público intervém somente nos processos em que há interesses dos menores de idade ou incapazes. O divórcio pode ser extrajudicial quando as questões relativas aos filhos menores ou incapazes já estiverem acertados judicialmente. Na ação de investigação de paternidade, quando o autor requer o benefício da assistência judiciária, cabe ao réu proceder ao pagamento do exame genético, se não gozar do mesmo benefício.[82]

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No entanto, como toda inovação, o Estatuto das Famílias também tem pontos polêmicos, como a regulamentação das uniões homoafetivas como entidade familiar, que foi retirada do projeto e, ainda, a possibilidade de serem prestados alimentos decorrente das uniões estáveis em que o companheiro é casado. Sobre isso esclarece Maria Berenice Dias:

O que o Projeto já aprovado reconhece é que as pessoas que não estão separadas de fato não podem manter união estável. Mas caso tal ocorra - o que infelizmente ainda acontece - ou seja, quando um homem além da família constituída pelo casamento mantém outra mulher, por muitos anos, impedindo que ela estude ou trabalhe, de todo injustificável que, quando da separação, ele não lhe preste alimentos. Resguardada a meação da esposa, mister que os bens que a ele pertencem, sejam partilhados com quem se dedicou uma vida ao companheiro e ajudou a amealhá-los. Os exemplos são muitos. De todo descabido que quem manteve uma união por mais de 30 anos, tendo com a parceira um punhado de filhos, reste sem nada no final da vida. Aliás, esta é a solução que vem sendo reconhecida pela justiça, tanto estadual como federal, que determina, inclusive, a divisão da pensão por morte.[83]

É importante destacar que caso seja promulgado o substitutivo do Projeto de Lei n. 674/2007, as indagações acerca da Emenda 66/2010 estarão, de certo, resolvidas, uma vez que não se poderá mais defender a eficácia dos artigos do Código Civil de 2002, que tratam dessa questão específica, já que passaria a valer, tão somente, o Estatuto das Famílias a respeito do tema. Assim, o que resta aos Brasileiros é aguardar a resposta do Senado, já que com a promulgação do Estatuto será dado um grande passo adiante, posto que “cairão por terra” boa parte dos questionamentos advindos com a Emenda 66/2010.

Por fim, tal Estatuto é um grande passo a ser dado no Direito de Família uma vez que irá adequar as relações sociais à realidade atual, reafirmando a laicização do Estado, com o seu respeito à dignidade da pessoa humana, passando a não mais intervir na autonomia privada, como verdadeiro Estado Democrático de Direito.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como demonstrado, o casamento perdurou por muito tempo, no Brasil, como sendo indissolúvel. Nas próprias Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, ele foi mantido dessa forma, o que enfatiza a grande influência que a Igreja Católica, na figura do Direito Canônico, exerceu sobre o país.

Assim, após a laicização do Estado, o divórcio foi instituído no Brasil, através da Emenda Constitucional n. 09 de 28 de junho de 1977, que foi regulamentada pela Lei 6.515/77.

Tal instituto surgiu de forma tímida, visto que ainda existia preconceito da sociedade com as pessoas divorciadas. Todavia, com a Constituição Federal de 1988, o divórcio passou a se mostrar mais forte e concreto, entretanto, para a sua decretação era necessária a existência de pelo menos 01 ano de prévia separação judicial ou 02 anos de anterior separação de fato.

Ocorre que em 2007 adveio a Lei 11.441 que passou a permitir a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais, desde que observadas algumas exigências. Nesse contexto, deve- se atentar que o termo separação judicial passou a se tornar inadequado, uma vez que não abrange a separação extrajudicial, sendo estas, espécies do gênero separação jurídica ou legal, que é a atual nomenclatura mais apropriada.

Logo, tem- se que a referida lei foi um grande passo para que se operasse, posteriormente, uma mudança maior ainda, que é a Emenda Constitucional n. 66/2010. Nessa esteira, é nítida a mudança no pensamento das famílias brasileiras em relação ao divórcio, que com o passar dos tempos, passou a ser visto sob um prisma diferente de forma a sempre se adequar aos novos anseios sociais.

Com a Emenda n. 66/2010, o legislador teve a intenção de facilitar o divórcio no Brasil, extirpando a necessidade de separação jurídica e de qualquer decurso de tempo para a sua propositura. Porém, tal inovação trouxe polêmicas, isto porque foi entendida de formas diversas pela doutrina. Para alguns doutrinadores, como o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos e André Köhler Berthold, a alteração constitucional não operou qualquer mudança. Eles defendem a persistência da separação jurídica, bem como os requisitos para obtenção do divórcio, uma vez que a Emenda silenciou a esse respeito e tais exigências ainda persistem na Legislação Ordinária, que é o Código Civil de 2002. 

No entanto, a maioria dos estudiosos do direito de família interpretam a Emenda n. 66/2010 de forma a acatar a intenção do legislador com a sua criação. Sob esta ótica, eles advogam pelo fim da separação jurídica (judicial e extrajudicial) e pela desnecessidade de qualquer decurso de prazo para a propositura da ação de divórcio, tendo sido os artigos que tratam da separação judicial do Código Civil de 2002 e de outras legislações infraconstitucionais afetados. Assim, observou- se, também, que tais controvérsias estão refletidas na própria jurisprudência pátria.

Mas não só a extinção da separação jurídica é objeto dos debates, a manutenção ou não do questionamento de quem é o culpado pelo fim do casamento, que antes estava presente na separação judicial litigiosa, também está sendo atingido. Enquanto uns entendem que o questionamento perdura mesmo com a extinção da separação jurídica, se estendendo agora ao divórcio, outros argumentam que com o fim da separação jurídica, desaparecem também as causas objetivas e subjetivas para a dissolução da sociedade conjugal. Para os últimos, que são a grande maioria da doutrina, com essa medida, o Estado deixará de afrontar o direito à privacidade, à intimidade e a dignidade da pessoa humana.

No entanto, é entendimento quase unânime a possibilidade de o cônjuge que descumpriu os deveres conjugais e causou danos ao outro ser responsabilizado, de forma que não se pode afirmar que a imputação de culpa nas relações conjugais está totalmente excluída do ordenamento jurídico brasileiro. O que se discute nesse âmbito é sobre o procedimento a ser seguido, se tal pedido deve vir junto na ação de divórcio ou no juízo de responsabilidade civil.

Observou- se, também, que a discussão do fim da culpa pelo casamento não tem mais repercussão em relação à partilha dos bens, a guarda dos filhos do casal, ao uso do nome pelo cônjuge “culpado”. No que diz respeito aos alimentos devidos ao cônjuge “culpado” a tendência atual é de ser analisado apenas o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.

Dentre os efeitos trazidos pela Emenda Constitucional n. 66/2010, tem- se, ainda, o problema das situações consolidadas ou transitórias que foram atingidas pela novidade, não havendo pacificação total da doutrina em relação a como deve proceder o juiz quando o processo de separação judicial está em curso e ainda não foi sentenciado.

Além de tudo isso, partindo- se do pressuposto do entendimento predominante, que é o da extirpação da separação jurídica, a própria doutrina tem percepções diferentes a respeito de alguns dispositivos do Código Civil que foram afetados.

Em suma, pode perceber que existem muitas questões controversas entre os doutrinadores acerca da Emenda Constitucional n. 66/2010. No entanto, tais discussões poderão ser amenizadas ou mesmo findadas com o advento do chamado Estatuto das Famílias, o qual, como já mencionado, é um substitutivo do Projeto de Lei n. 674/2007. Este, ao retirar do Código Civil de 2002 toda a matéria pertencente ao direito de família, poderá também adequar este ramo do direito a realidade social hodierna.

Como consequência da Emenda 66, tal Estatuto, caso seja aprovado, trará grandes benefícios, já que ele não citará mais em seu texto a separação jurídica, mas tão somente a separação de corpos e o divórcio, tornando desnecessária uma lei específica para regular aquela mudança constitucional, além de conceder mais espaço à conciliação e mediação.

 Destarte, muitos questionamentos e discussões suscitadas a respeito da Emenda Constitucional n. 66/2010 poderão ser pacificados de forma que irá beneficiar as famílias brasileiras, com uma menor intervenção do Estado nas suas relações, e permitindo uma mais célere e ágil resolução dos conflitos.


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Sobre a autora
Nara Oliveira de Almendra Freitas

Advogada em Teresina (PI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Nara Oliveira Almendra. O novo divórcio e o Estatuto das Famílias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3575, 15 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24193. Acesso em: 22 nov. 2024.

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