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Considerações sobre a inexistência de direito adquirido a regime jurídico: origem e limites

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Agenda 21/04/2013 às 14:44

Ainda que haja vantagem para a Administração na substituição de regramentos, o interesse público reside no respeito às posições jurídicas preexistentes, por uma questão de proporcionalidade, que deve equacionar a solução da antinomia

O Supremo Tribunal Federal consagrou jurisprudência, de natureza quase principiológica, segundo a qual “não há direito adquirido a regime jurídico” (RE 227755 AgR / CE, dentre muitos).

Evidentemente que esse reconhecimento se revela importante elemento de ajuste das relações administrativas às possibilidades governamentais, sobretudo à luz da reserva do possível, e de evolução legislativa e jurídica. Por outro lado, também pode servir de instrumento perigoso de manobras jurídicas arbitrarias, que escondem artifícios autoritários travestidos de regramentos jurídicos de origem e roupagem democrática.

É que o entendimento, sobretudo quando cegamente aplicado, acaba por autorizar o Poder Público a quebrar regimes jurídicos, muitas vezes consolidados, no tempo e no ordenamento, substituindo-os por outros, mais apropriados a suas conveniências, às vezes de substância estatal, mas outras vezes resultantes da ideologia dominante no governo do momento, de cunho temporal e nem sempre moldadas a partir de valores sociais e constitucionalmente referendados. Nesta hipótese, a rutura do regime jurídico revela uma fissura no próprio Estado de Direito.

Daí a importância da aplicação do entendimento à luz dos princípios jurídicos que lhe deram origem e dos que lhe dão limites, os quais também já balizam apreciações jurisprudenciais, sobretudo de Tribunais Superiores.

Nesse mote, importante mencionar a primeira e mais importante inspiração de qualquer medida administrativa, seja de cunho normativo seja de efeitos concretos: o interesse público.

Não é demais dizer que o interesse público é a finalidade, em sentido amplo, de todos os atos administrativos, de forma que a tomada de qualquer medida de origem estatal que se distancie dessa premissa será abusiva, eivada de desvio de poder[i], o que levou João Caupers a ponderar que “o verdadeiro fio condutor da atividade administrativa é a prossecução do interesse público”[ii]. E assim também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao afirmar que “ a Administração não é titular do interesse público, mas apenas a sua guardiã; ela tem que zelar pela sua proteção.”[iii]

Tal raciocínio se projeta para a perspectiva legislativa, notadamente quando da instituição, regulação e modificação de relações jurídicas administrativas (entre Administração e administrados), lembrando Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o interesse público “inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação”[iv]. No mesmo sentido, Leonardo José Carneiro da Cunha, ao mencionar que “O interesse público invoca a presença do Estado-Administrador e do Estado-Legislador, devendo estar presente tanto no momento da elaboração da lei como no de sua execução pelo administrador público.”[v]

E interesse público não é, obrigatoriamente, o interesse da maioria, não é o resultado de uma soma de interesse privados, bem como não se confunde, necessariamente, com interesse de governo, mas sim emerge da ideia de interesse de Estado, do qual todos compartilham, enquanto voltado ao bem comum, à boa convivência e à melhor condução da sociedade segundo parâmetros de justiça, fraternidade e dignidade humana, nascido do conteúdo programático da Constituição[vi] e do mister de dar-lhe máxima efetividade[vii].

Esse é o interesse que deve guiar a Administração em qualquer perspectiva, e com mais vigor na instituição e na modificação de suas relações jurídicas com os administrados, pois dele, e somente dele, o Poder Público é fautor e tutor. Nesse sentido, é a doutrina de Leonardo José Carneiro da Cunha, de válida citação:

“A expressão interesse público exsurge associada, não raras vezes, a outros termos similares, tais como interesse geral, difuso, interesse coletivo, utilidade pública, ora mencionado no mesmo sentido, ora em sentidos díspares.

O interesse público identifica-se com a idéia de bem comum, e reverte-se de aspectos axiológicos, na medida em que se preocupa com a dignidade do ser humano.

Na verdade, o interesse ‘social’ e o ‘geral’ estão relacionados com a ‘coletividade’ ou com a ‘sociedade civil’, enquanto o interesse ‘público’ mantém ligação com o Estado. Ao Estado cabe não somente a ordenação normativa do ‘interesse público’, mas também a soberana indicação do seu conteúdo. O interesse público constitui interesse de que todos compartilham. A finalidade dos atos administrativos deve vir informada pelo interesse público. A expressão interesse público evoca, imediatamente, a figura do Estado e, mediatamente, aqueles interesses que o Estado ‘escolheu’ como os mais relevantes, por consultarem os valores mais prevalecentes na sociedade. Há uma aproximação terminológica entre interesse público e interesse geral. O interesse público não é a soma de interesses particulares, sendo certo que a Administração é competente para definir o interesse público naquilo que não constitui domínio reservado ao legislador. …

O Interesse é público quando se refere aos beneficiários da atividade administrativa, e não aos entes que a exercem. …

… O Estado não detém exclusividade na prossecução dos interesses públicos, muito embora a definição destes constitua monopólio da lei. Sem embargo de o Estado não ser o único a buscar e alcançar o interesse público, sua atuação é marcada por tal busca, não devendo afastar-se desse objetivo.

Com efeito, a Fazenda Pública revela-se como fautriz do interesse público, devendo atender à finalidade da lei de consecução do bem comum, a fim de alcançar as metas de manter a boa convivência, dos indivíduos que compõe a sociedade. Não que a Fazenda Pública seja titular do interesse público, mas se apresenta como ente destinado a preservá-lo. Diferentemente das pessoas jurídicas de direito privado, a Fazenda Pública não consiste num mero aglomerado de pessoas, com personalidade jurídica própria; é algo a mais do que isso, tendo a difícil incumbência de bem administrar a coisa pública. Daí ter se tornado jargão próprio a afirmativa de que o Estado são todos, e não um ente destacado com vida própria.”[viii]

Eis o conteúdo axiológico das previsões, relativamente ao interesse público, do art. 2º da Lei nº 9.784/99, de onde se extrai:

“Art. 2º A  Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

...

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

De certo, a nobreza desse interesse, norteador da atividade pública, e sua inafastabilidade da ideia de Estado acabaram por desdobrar o princípio do interesse público, ao qual se refere o caput do art. 2º da Lei nº 9.784/99, em dois outros, pilares de todo o Direito Público: os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público. Sobre eles, Leonardo José Carneiro da Cunha, além do já citado, ao mencionar que:

“É vetusta a idéia de que o todo vem antes das partes, remontando a Aristóteles o primado do público, resultando na contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e na necessária subordinação, até a eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como na irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais.

Daí resulta o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo um dos alicerces de todo o direito público. É bem verdade que não há norma constitucional que albergue tal princípio. Sua consolidação, todavia, decorre, como visto, de uma idéia antiga e praticamente universal, segundo a qual se deve conferir prevalência ao coletivo em detrimento do individual.”

E também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, lecionando que:

“... Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.

O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo.

...

Se a lei dá à Administração o poder de desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual.

Ligado a esse princípio de supremacia do interesse público – também chamado de princípio da finalidade pública – está o da indisponibilidade do interesse público que, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (1995:31-33), ‘significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhes incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis’. Mas além, diz que ‘as pessoas administrativas não tem portanto disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização. Esta disponibilidade está permanentemente retida nas mãos do Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfera) em sua manifestação legislativa. Por isso, a Administração e a pessoa administrativa, autarquia, tem caráter  instrumental’.

Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração tem o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão. Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são outorgadas por lei; não pode deixar de punir quando constate a prática de ilícito administrativo; não pode deixar de exercer o poder de polícia para coibir o exercício de direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; não pode deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não pode fazer liberalidade com o dinheiro público. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o interesse público que está sendo prejudicado.”[ix]

Eis o berço do entendimento consagrado de inexistência de direito adquirido a regime jurídico, sua origem primeira: os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

De tal sorte, por ser indisponível ao Estado o interesse público e prevalente aos privados, se, para sua satisfação, for imperiosa a substituição de um regime jurídico mais vantajoso aos administrados por outro, menos penoso para o Poder Público, este não somente pode como deve fazê-lo. Vale reiterar, por oportuno, que o primado do interesse público inspira e vincula o Estado desde a construção normativa até sua execução, ressaltando Di Pietro que ele “está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração pública”, pois, “da mesma forma que esse princípio inspira o legislador ao editar as normas de direito público, também vincula a Administração Pública, ao aplicar a lei, no exercício de sua função administrativa”[x].

Por sua vez, como origem do entendimento, o interesse público se revela também seu primeiro limite.

Inicialmente porque a revogação de um regime jurídico mais vantajoso ao administrado, a partir de sua substituição por outro que lhe desfavorece, embora calcada na jurisprudência do STF, se não tiver inspiração no interesse público, constituirá ato normativo praticado com abuso de poder, viciado por desvio de finalidade, consoante já mencionado alhures.

E por interesse público, repete-se, entende interesse inerente a um Estado, democrático e de direito, não se confundindo com interesse de uma maioria ou interesse dominante, fruto da ideologia reinante no momento. Como bem mencionou Leonardo José carneiro da Cunha, já transcrito acima, “O interesse público não é a soma de interesses particulares”[xi], até porque, posto a eles deva respeito, neles não está contido.

Tampouco a prevalência do interesse público sobre os particulares, por si só, autoriza a rutura de posições jurídicas consolidadas.

É que sempre vai ser mais benéfico ao Estado a substituição de regimes jurídicos mais vantajosos ao administrado por outros mais atrativos à Administração. Desta forma, a aplicação, sem a devida medida, do princípio da finalidade pública, sempre autorizaria o Poder Público a tal revogação, o que conduziria a um estado de absoluta instabilidade jurídica. Isso não significaria apenas rutura de regimes jurídicos, mas do próprio Estado de Direito.

Com efeito, a quebra de situações jurídicas consolidadas só se justifica se, e somente se, esta for a única forma encontrada de salvaguarda do interesse público.

Na hipótese, se chocam o interesse público e a segurança jurídica, a exigir uma harmonização ou concordância prática[xii] que não elimine totalmente um  em favor do outro. Somente na impossibilidade de solução da antinomia por harmonização é que se justifica a ponderação de interesses[xiii] em favor do interesse público.

Em dois dos casos mais emblemáticos de aplicação, pelo Supremo, do entendimento de inexistência de direito adquirido a regime jurídico, na apreciação das ADI’s 3.105/DF e 3.128/DF, o pleno do excelso pretório, a partir desse juízo de ponderação em favor do interesse público, julgou constitucional a previsão de taxação dos servidores públicos inativos havida por conduto da Emenda Constitucional nº 41/2003 (Reforma da Previdência). Nas hipóteses, prevaleceu a necessidade de se buscar equilíbrio atuarial e financeiro de uma previdência social que já beirava o colapso.

De ambas as ementas se extrai:

“1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. … Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. … Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. ...”

Pinçando seis dos mais recentes casos em que o STF aplicou o entendimento segundo o qual não há direito a regime jurídico, todos do ano de 2012, quatro envolvem modificações na forma de cálculo de remuneração (respeitada a previsão de irredutibilidade de vencimentos) e dois, alteração em regras de benefício previdenciário: AI 632930 AgR / RJ, Rel. Min. LUIZ FUX. j. 18/12/2012; ARE 687579 AgR / BA, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 16/10/2012; AI 836087 AgR / PE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 02/10/2012; RE 227755 AgR / CE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 02/10/2012; ARE 700261 AgR / DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, j. 25/09/2012 e RE 696009 AgR / RS, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 18/09/2012.

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Em ambas as possibilidades, mais do que justificada está a ponderação, em benefício do interesse público, seja para garantir a sobrevivência da previdência social, já bastante desequilibrada, atuarial e financeiramente, seja para possibilitar adequação de carreiras, padrões remuneratórios e do orçamento público, mormente à luz de normas de responsabilidade fiscal.

A rutura destas situações jurídicas se justificou, portanto, em relevantíssimo interesse público, de outro modo insatisfeito.

Em outras palavras, esta quebra só se legitima quando for imperiosa e incontornável. Do contrário, as posições jurídicas sob ameaça é que se revelam merecedoras de tutela, eis que o não reconhecimento de direito adquirido a regime jurídico não autoriza “rasteiras regimentais”, excrescências jurídicas que golpeiam o Estado de Direito.

Nesse particular, ainda que haja vantagem para a Administração na substituição de regramentos, o interesse público reside no respeito às posições jurídicas preexistentes, por uma questão de proporcionalidade, que deve equacionar a solução da antinomia. Corroborando a construção, Leonardo José Carneiro da Cunha, ao registrar que:

“Cada vez se consolida o entendimento segundo o qual o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular não deve ser fixado ou considerado aprioristicamente, cabendo analisá-lo em cada caso concreto, sopesando e ponderando os interesses em conflito, com base na regra de proporcionalidade. Diante da proporcionalidade, é possível que, no caso concreto, o interesse particular prevaleça sobre o público. Em outras palavras, é possível que o interesse público esteja presente, exatamente, na prevalência do interesse particular.”[xiv]

Dessarte, dessa antinomia, nasce, por sua vez, o outro limite à ideia de inexistência de direito adquirido a Regime Jurídico: o princípio da segurança jurídica.

Nunca é demais destacar a essencialidade da estabilidade das relações jurídicas para a concretização de um Estado de Direito, o que elevou o princípio da segurança a direito fundamental individual, positivado no caput do art. 5º da Constituição[xv] (portanto, cláusula pétrea – CF, art. 60, §4º, IV), oponível ao Estado também por disposição do art. 2º da Lei nº 9.784/99, de onde, igualmente, extrai-se:

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

...

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

O primado da segurança jurídica não implica o engessamento do ordenamento. Porém, prescinde frisar que é segura a evolução jurídica que ocorre de maneira não surpreendente, pautada nos princípios da boa-fé objetiva e confiança legítima, que daquele decorrem. Sobre o assunto, em brilhante produção científica, escreveu o articulista Edilson Pereira Nobre Júnior:

“Não olvidar – e isto é sobremodo importante – que a exigência de boa-fé no tratamento entre Administração e administrados recolhe abrigo no princípio da segurança jurídica, do qual decorre a exigência de confiança mútua no comportamento das partes. (...) A análise do sentido subjetivo incorporado a este princípio nos direciona intimamente aquilo pregado pelo princípio da Boa-fé Objetiva, vez que o agir do Estado impõe, em regra, o caráter de ato legítimo, de forma que o cidadão espera do Estado uma conduta correta, em obediência ao que manda o ordenamento jurídico, retratando a incidência da boa-fé objetiva.”[xvi]

A necessidade de agir com boa-fé por parte da Administração é ainda mais evidente na instituição de regimes jurídicos.

É que, destes, surgem posições jurídicas ocupadas pelos administrados, fundadas na confiança legitimamente depositada na Administração, pois nenhuma garantia é prestada por esta de efetivo cumprimento das disposições prescritas no regramento editado.

É prescindível reiterar que o relacionamento em questão envolve o cidadão e o Estado. Se qualquer relação jurídica entre particulares já vem, por si mesma, temperada pela boa-fé objetiva, a exigir “comportamentos” honestos de ambas as partes, com mais intensidade isso se espera de um liame entre o cidadão e seu Estado, mormente um que se constitui em Estado de Direito (CF, art. 1º[xvii]) e acha-se, por disposição constitucional expressa (CF, art. 5º, caput), obrigado a respeitar e garantir, a todas as pessoas estabelecidas em seu território, segurança jurídica. E mais ainda quando também positivado, agora legalmente, o dever de agir com boa-fé, decoro e probidade (Lei n 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, inciso IV).

Destarte, a relação entre Administração e administrado inspira confiança e essa confiança é legítima, depositada não em qualquer pessoa, mas na que representa a nação, estado ou município, na “organização política nacional”[xviii] ou local, no Poder Público. A ligação entre as partes, no caso, se não é a nacionalidade[xix], é a naturalidade, o que traz consigo forte carga jurídica mútua.

Isso se evidencia de forma ainda mais intensa quando a posição subjetiva se consolida no tempo, permanecendo estáveis e inalteradas por longo período.

Ou seja, a hostilidade à segurança jurídica é tanto mais forte quanto mais antigas são as situações jurídicas rompidas.

Além disso, é importante lembrar que nem todo regime jurídico encerra relações sinalagmáticas e de trato imediato e continuado. Muitos trazem obrigações separadas no tempo e no espaço. Não são raros os regimes que estimulam determinados comportamentos, por parte dos administrados, a partir de promessas de cumprimento diferido pela Administração.

É o caso, por exemplo, de quando a Administração estimula a apresentação voluntária de servidores (principalmente militares) para missões penosas, difíceis, perigosas ou mesmo demoradas, em locais inóspitos ou no exterior, sob a promessa de determinado benefício quando do retorno. Ou de quando, a bem do serviço público, estimula a lotação de servidor, também voluntária, por período mínimo, em unidades administrativas distantes, de fronteira ou com histórico de considerável e perigosa dificuldade de provimento dos cargos para estas destacados, de forma a comprometer o próprio exercício da função administrativa a elas confiada. E, como estímulo, cria vantagens a serem utilizadas após o período de permanência mínima.

Em casos tais, o benefício para a Administração é imediato, tão logo o administrado se dê ao comportamento pretendido e incentivado por aquela através do regramento instituído. Já a contrapartida do Poder Público para com o cidadão vem depois (às vezem bem a posteriori).

Por certo, o regime jurídico em si, sua perpetuação e o diferimento da contrapartida do Poder Público geram legítimas expectativas de direito, igualmente tuteladas pelo Ordenamento, contempladas que são também pelo dever estatal de garantia de estabilidade jurídica. De tal sorte, posto não haja direito adquirido a regime jurídico, há sim tutela jurídica das legítimas expectativas geradas pela Administração, seja através de suas declarações oficiais seja através dos normativos que edita.

Nesse ponto, é absolutamente pertinente a defesa da articulista Judith Martins Costa, no sentido de que:

“A confiança, traduzida nos deveres de agir com boa-fé e com adstrição à lealdade implicará, por evidente, a relativa restrição de certos poderes da administração pública. Considera-se que, quando órgãos ou autoridades públicas provocam, com suas declarações no mundo jurídico, o nascimento de legítimas expectativas, devem essas ser tuteladas, ...”[xx]

Ora, na hipótese de regime jurídico com contrapartida diferida por parte da Administração, seria absolutamente desleal da parte desta que, depois de beneficiada pelo cumprimento pelo administrado do agir pretendido por ela e antes de se prestar à sua obrigação, simplesmente revogue o regime que ela mesma instituiu, deixando-o ao completo abandono jurídico, principalmente se já se avizinhava o momento de cumprir com o que lhe cabia, segundo as prescrições revogadas. Seria isto odioso “golpe institucional”, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Mister lembrar que, sendo justificada e robusta a confiança depositada na Administração pelos administrados, neste último caso, não raras vezes, para o realizar do comportamento pretendido e estimulado por aquela, estes acabam por se dar a intensas disposições, pessoais e patrimoniais, alterando ou mesmo abdicando de projetos de vida, fazendo investimentos ou grandes despesas, submetendo-se a sacrifícios, familiares, econômicos e de vivência e convivência. Tudo isso não pode ser ignorado pelo Poder Público, amparado na ideia de inexistência de direito adquirido a regime jurídico.

Este tipo de regime exala ainda mais estabilidade normativa.

A esse respeito, muito pertinentes são os apontamentos da articulista Patrícia Baptista, em produção científica publicada na Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 11/2007, onde pondera que:

“A utilidade da aplicação do principio da confiança legitima para a tutela das legitimas expectativas de direito se mostra ainda mais patente quando são postas em causa expectativas geradas na preservação de determinadas posições jurídicas que persistem por anos, as vezes por décadas até, e que levam os particulares a fazerem importantes disposições pessoais e patrimoniais.”[xxi]

Destarte, se não se admite direito adquirido a regime jurídico, também não se admite “calote administrativo”.

A revogação ou substituição de regramento administrativo de contrapartida diferida da Administração não pode representar execrável ato contraditório, sendo este, pois, importante limite à aplicação do entendimento de inexistência de direito adquirido a regime jurídico: o princípio da nemo potest venire contra factum proprium.

Sabe-se, é o“‘venire contra factum proprium’ conduta vedada ao agente público em face do princípio da boa fé objetiva na seara pública, na forma do inciso IV do parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 9.784/99” (STJ, ROMS 29493, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, T2, DJe 01/07/2009).

A Administração, para a solução de um problema seu, acaba por gerar uma situação jurídica digna de tutela. Após solucionada sua necessidade, não pode frustrar legítimas expectativas daqueles que com ela colaboraram, modificando, com efeitos retroativos, suas próprias regras. Isso seria locupletação da própria torpeza, na medida em que se vale, em malefício do cidadão, de situação por ela própria estabelecida. Seria essa modificação inaceitável ato contraditório, venire contra factum proprium.

Ora, é fato que “1. A Administração não está impedida de revisar os seus atos, mas deve fazê-lo à luz do direito. (...) 5. Demonstrada a percepção de boa-fé pelo autor, é de se invocar, ainda, os princípios da impossibilidade de prevalecer-se a Administração de situação por ela própria criada, o que de séculos consagrou-se no princípio da venire contra factum proprium e, ainda, da verwirkung, dos alemães. (...)” (TRF4 - AC 200172000032863, Rel. Des. Fed. MARGA INGE BARTH TESSLER,  T4, j. 06/08/2008, Publicação 01/09/2008).

Evidentemente que o tempero do entendimento de inexistência de direito adquirido a regime jurídico pelos princípios da segurança jurídica e seus corolários (da boa-fé objetiva, da confiança legítima e da proibição de ato contraditório[xxii]) já vem sendo reconhecido pela jurisprudência, a se ver pelos precedentes de onde se extraiu trechos acima transcritos, no corpo do texto, mormente quando há consolidação de posições jurídicas no tempo e obrigações diferidas por parte da Administração. Mas convém, ainda, citar, a título exemplificativo, as seguintes ementas:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PAES. PARCELAMENTO ESPECIAL. DESISTÊNCIA INTEMPESTIVA DA IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA X PAGAMENTO TEMPESTIVO DAS PRESTAÇÕES MENSAIS ESTABELECIDAS POR MAIS DE QUATRO ANOS SEM OPOSIÇÃO DO FISCO. DEFERIMENTO TÁCITO DO PEDIDO DE ADESÃO. EXCLUSÃO DO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM).

...

13. Assim é que o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum proprium.

...

16. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

(STJ - RESP 200901060750 - RESP - RECURSO ESPECIAL – 1143216; Relator(a) LUIZ FUX - Órgão julgador PRIMEIRA SEÇÃO - Fonte DJE DATA:09/04/2010)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO. MATRÍCULA POR FORÇA DE LIMINAR. MÉRITO JULGADO IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO NA ACADEMIA, INGRESSO E PROMOÇÃO NA CARREIRA POR ATOS DA ADMINISTRAÇÃO POSTERIORES À CASSAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL. TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS. ANULAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ OBJETIVA VULNERADOS. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONSTATAÇÃO DE QUE O CANDIDATO PREENCHIA O REQUISITO CUJA SUPOSTA AUSÊNCIA IMPEDIRA SUA ADMISSÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO. ATENDIMENTO AOS PRESSUPOSTOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS PARA INGRESSO E EXERCÍCIO DO CARGO DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR.

1. Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcorrido, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados.

5. Os atos de admissão e promoção do Recorrente praticados pela Administração, bem como o longo tempo em que eles vigoraram, indicavam, dentro da perspectiva da boa-fé, que o seu ingresso na carreira militar já havia se incorporado, definitivamente, ao seu patrimônio jurídico, pelo que sua anulação, com base em fato anterior à prática dos atos anulados (cassação da liminar), feriram os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, tendo sido infringida a cláusula venire contra factum proprium ou da vedação ao comportamento contraditório.

6. Hipótese concreta que não cuida da aplicação da teoria do fato consumado para convalidar ato ilegal, o que é rechaçado por esta Corte, mas de fazê-la incidir, juntamente com os princípios da segurança jurídica e boa-fé, para tornar sem efeito atos praticados com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

...

(STJ - ROMS 200501430937 - ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 20572 - Relator(a) LAURITA VAZ - Órgão julgador QUINTA TURMA - Fonte DJE DATA:15/12/2009 - Data da Decisão 01/12/2009 Data da Publicação 15/12/2009)

Assim é que é mister da Administração, ao criar novos regimes jurídicos, modificando anteriores, seja para satisfazer fundado interesse seu seja para promover a necessária evolução do Ordenamento, priorizar o respeito às situações jurídicas consolidadas, só não o fazendo se, e somente se, seu atropelo apresentar-se inelutável, com vistas no interesse público.

Desta forma, é sobremaneira preferível a instituição de regimes jurídicos prospectivos, quando menos vantajosos ao cidadão em relação aos anteriores, tendo em vista serem os retroativos ofensivos a posições subjetivas tuteladas pelo princípio da segurança. Noutra hipótese, deve-se, pelo menos, primar pela instituição de regimes de transição efetivos, verdadeiramente respeitosos às situações egressas do regime anterior, sem o que emerge lastimável ambiente de instabilidade normativa, absolutamente hostil ao Estado de Direito.

Nesse sentido, também já se posicionou fundamentada doutrina pátria, cumprindo citar José dos Santos Carvalho Filho, que leciona:

“As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise conflituosa entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas. Se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incertezas e receios entre os indivíduos. (...)

No direito comparado, especialmente no direito alemão, os estudiosos se têm dedicado à necessidade de estabilização de certas relações jurídicas, principalmente em virtude do transcurso do tempo e da boa-fé, e distinguem os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança. Pelo primeiro, confere-se relevo ao aspecto objetivo do conceito, indicando-se a inafastabilidade da relação jurídica; pelo segundo, o realce incide sobre o aspecto subjetivo, e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação a atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de legalidade.

(...)

Doutrina moderna, calcada inicialmente no direito alemão e depois adotada no direito comunitário europeu, advoga o entendimento de que a tutela da confiança legítima abrange, inclusive, o poder normativo da Administração, e não apenas os atos de natureza concreta por ela produzidos. Cuida-se de proteger expectativas dos indivíduos oriundas na crença de que disciplinas jurídico-administrativas são dotadas de certo grau de estabilidade. Semelhante tutela demanda dois requisitos: 1º) a ruptura inesperada da disciplina vigente; 2ª) a imprevisibilidade das modificações. Em tais hipóteses, cabe à Administração adotar algumas soluções para mitigar os efeitos da mudança: uma delas é a exclusão do administrado do novo regime jurídico; outra, o anúncio de medidas transitórias ou de um período de vacatio; outra, ainda, o direito do administrado a uma indenização compensatória pela quebra da confiança decorrente de alterações em atos normativos que acreditava sólidos e permanentes.”

Todas estas considerações também já foram observadas pelo STF, seja no que pertine à limitação do entendimento que ele mesmo consagrou de inexistência de direito adquirido a regime jurídico pelos princípios da segurança jurídica e seus consectários seja no que tange à necessidade de, em razão disso, buscar instituição de novos regramentos administrativos com vigência prospectiva. Três precedentes, dentre outros, são emblemáticos: o MS 25875/DF e as ADI’s 4291/SP e 4429/SP.

O julgamento do primeiro, ainda não concluído, levou à edição do seguinte artigo, no Informativo nº 648 da Corte Suprema brasileira:

“TCU e jornada de trabalho de médicos - 2

O Plenário retomou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do TCU, que determinara aos ocupantes do cargo de analista de controle externo — área de apoio técnico e administrativo, especialidade medicina —, que optassem por uma das jornadas de trabalho estabelecidas pela Lei 10.356/2001 (a qual dispõe sobre o quadro de pessoal e o plano de carreira do TCU) e, conseqüentemente, por remuneração equitativa ao número de horas laboradas — v. Informativo 592. O Min. Dias Toffoli, em voto-vista, acompanhou o Min. Marco Aurélio, relator, e concedeu a ordem. Aduziu que a aplicação da novel legislação — a qual impõe jornada de trabalho de 40 horas semanais para percepção do mesmo padrão remuneratório e permite a manutenção da jornada de 20 horas semanais com redução proporcional de vencimentos — aos servidores médicos que já atuavam no TCU à época da edição do referido diploma legislativo implicaria inegável decesso, o que afrontaria o art. 37, XV, da CF. Ressaltou que, por não haver direito adquirido a regime jurídico, essa nova disciplina legal aplicar-se-ia aos servidores que ingressassem após sua edição, mas não àqueles que já tivessem situação consolidada. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que placitavam esse entendimento, pediu vista o Min. Gilmar Mendes. MS 25875/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 17.11.2011. (MS-25875)”

Em sentido semelhante e ainda mais esclarecedor, foram os artigos publicados no Informativo nº 652, que noticiaram o julgamento das ADI’s  4291/SP e 4429/SP, dos quais se extrai:

“Alteração de regime previdenciário e segurança jurídica - 1

O Plenário, por maioria, acolheu parcialmente pedidos formulados em ações diretas — ajuizadas pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSOL e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei paulista 13.549/2009, na qual declarado em regime de extinção a Carteira de Previdência dos Advogados da respectiva unidade da federação — para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, §§ 2º e 3º, da aludida lei. Conferiu-se, ainda, interpretação conforme à Constituição ao restante da norma impugnada, a fim de proclamar que as regras não se aplicam a quem, na data da publicação da lei, já estava em gozo de benefício previdenciário ou já tinha cumprido, com base no regime instituído pela Lei estadual 10.394/70, os requisitos necessários à concessão. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator.

ADI 4291/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291)ADI 4429/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4429)

Alteração de regime previdenciário e segurança jurídica - 2

... Destacou que nenhuma das alternativas, entretanto, poderia desconsiderar o primado da segurança jurídica.

ADI 4291/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291)ADI 4429/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4429)

Alteração de regime previdenciário e segurança jurídica - 3

Consignou que, embora possível a alteração do regime jurídico em âmbito previdenciário, não caberia levar às últimas consequências essa admissão. Reputou que a relação jurídico-previdenciária seria tipicamente de longa duração. Desse modo, o participante de um plano de previdência, normalmente, só desfrutaria do benefício após extenso período de contribuição. Concluiu que a desvinculação de um plano de previdência, depois de determinado período, resultaria em prejuízo ao participante quando comparada à permanência, ainda que contribuições fossem resgatadas. Por outro lado, sublinhou que, como toda relação jurídica de longa duração, a previdenciária seria, de certo modo, aberta, por ser impossível prever, desde logo, todas as mudanças passíveis de desequilibrar o vínculo e exigir adaptação. Portanto, a expectativa de alguma modificação de regras para restabelecer o equilíbrio entre direitos e obrigações seria implícita, fosse a relação de natureza contratual, fosse estatutária. Assentou que a adequação, no entanto, não poderia olvidar princípios como os da confiança, da solidariedade, da responsabilidade e da segurança. Dessa forma, a modificação da realidade, por mais grave, não se poderia impor à força da Constituição. Admitiu a alteração ou supressão de certo regime jurídico, mas afastou a colocação em segundo plano de direitos adquiridos e de situações subjetivas já reconhecidas.ADI 4291/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291)ADI 4429/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4429)

Alteração de regime previdenciário e segurança jurídica - 4

Ressaltou que as novas regras instituídas pela lei adversada não seriam aplicáveis a quem, na data da publicação da Lei estadual 13.549/2009, já estava em gozo de benefício ou já tinha cumprido, com base no regime estabelecido pela Lei 10.394/70, os requisitos necessários à concessão.. ...ADI 4291/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291)ADI 4429/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4429)

Alteração de regime previdenciário e segurança jurídica - 5

Vencidos os Ministros Luiz Fux e Ayres Britto. O Min. Luiz Fux deferia os pleitos em menor extensão. Registrava ... Ademais, apontava que a lei impugnada, ao estabelecer novas regras de reajuste dos benefícios, não violaria a Constituição, considerada a jurisprudência da Corte segundo a qual não haveria direito adquirido a regime jurídico. O Min. Ayres Britto, por sua vez, julgava as ações totalmente procedentes.

ADI 4291/SP e ADI 4429/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291)”

Com efeito, conclui-se ser satisfatória a evolução, dada pela própria jurisprudência, do entendimento jurisprudencial de inexistência de direito adquirido a regime jurídico, pois este tem origem no interesse público, mas nele também se limita, e assim igualmente no princípio da segurança jurídica e nos seus corolários, da boa-fé objetiva, da confiança legítima e da proibição de ato contraditório, sobretudo quando egressas do regime anterior justas posições subjetivas, corroboradas pelo transcurso do tempo, das quais surgem expectativas legitimas e, desta forma, dignas de tutelada jurídica.

Sobre o autor
Paulo Mariano Alves de Vasconcelos

Procurador da Fazenda Nacional, ex-Diretor Estadual do Centro de Altos Estudos Da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Amazonas e ex-Procurador-Chefe Substituto da Fazenda Nacional no Amazonas. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Paulo Mariano Alves. Considerações sobre a inexistência de direito adquirido a regime jurídico: origem e limites. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3581, 21 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24238. Acesso em: 22 nov. 2024.

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