No dia 20 de fevereiro de 2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 586453 e 583050, e decidiu, por maioria, que compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios previdenciários contra entidade de previdência complementar privada.
Em primeiro lugar, lembra-se que existem dois sistemas de Previdência Social no Brasil: um público e outro privado.
O sistema público é dividido em: (a) Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), instituído pelos entes da Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações), com base no art. 40 da Constituição; (b) e Regime Geral de Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da Constituição. Há ainda quem inclua, como um regime diferenciado, o da Previdência Oficial Complementar, autorizado pelo art. 40, § 14, da Constituição.
Por sua vez, o sistema privado tem fundamento constitucional no art. 202, segundo o qual “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.
Suas principais características são: o caráter complementar, a organização autônoma em relação aos regimes geral e próprios, a facultatividade e a regulamentação por lei complementar É autônomo porque existe de forma independente aos demais regimes, e facultativo por não ser de filiação obrigatória.
A Lei Complementar nº 109/2001 regulamenta o regime de Previdência Complementar, enquanto a Lei Complementar nº 108/2001 trata dos planos de Previdência Complementar da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e os respectivos entes da Administração Pública indireta.
Apesar de ser regulamentada por lei, os planos das entidades (abertas e fechadas) de Previdência Complementar são instituídos por meio de contratos. Diante de sua natureza jurídica, a Súmula nº 321 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.
O Supremo Tribunal Federal havia firmado o entendimento de que: (a) à Justiça do Trabalho compete julgar os casos relacionados com o contato de trabalho, ou seja, aqueles nos quais a alteração ou o pagamento posterior de verbas trabalhistas gera reflexos sobre o valor do benefício previdenciário; (b) a Justiça Comum tem competência residual para todas as outras situações, diante da natureza contratual da relação, ainda que tenha natureza previdenciária. Nesse sentido:
“I. Justiça do Trabalho: competência (CF, art. 114): pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de que é da Justiça do Trabalho a competência para dirimir controvérsias relativas à complementação de proventos de aposentadoria quando decorrentes de contrato de trabalho: precedentes.
II. Recurso extraordinário: inadmissibilidade: Súmula 636. Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida.
III. Alegações improcedentes de negativa de prestação jurisdicional e de violação dos princípios constitucionais apontados no recurso extraordinário” (AI 581451 AgR/PA, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 21/06/2007, DJe 09/08/2007).
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CONTROVÉRSIA. COMPETÊNCIA.
1. A Justiça Comum é competente para processar e julgar controvérsia relativa à complementação de aposentadoria paga por entidade de previdência privada que não decorra do contrato de trabalho.
2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 718905 AgR/DF, 2ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 16/09/2008, DJe 06/11/2008).
Da mesma forma: AI 715744 AgR/RO, 1ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 11/11/2008, DJe 05/02/2009, p. 9; AI 557749 AgR/RS, 1ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 18/10/2005, DJ 18/11/2005, p. 6; AI 477635 AgR/SC, 1ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 26/10/2004, DJ 26/11/2004, p. 19; RE 333308 AgR/PE, 2ª Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11/06/2002, DJ 02/08/2002, p. 104; AI 198260 AgR/MG, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07/08/2001, DJ 16/11/2001, p. 9; RE 135937/SP, 1ª Turma, rel. Min. Moreira Alves, j. 15/03/1994, DJ 26/08/1994, p. 21891; RE 93235/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 02/06/1981, DJ 03/07/1981, p. 6650; RE 79375/SP, Pleno, rel. Min. Bilac Pinto, j. 02/10/1974, DJ 18/11/1974; RE 77270/DF, Pleno, rel. Min. Bilac Pinto, j. 05/09/1974, DJ 04/11/1974; RE 78174/SP, Pleno, rel. Min. Oswaldo Trigueiro, j. 23/05/1974, DJ 28/06/1974.
Contudo, ao julgar os RE 586453 e 583050, o Pleno do STF modificou esse entendimento consolidado durante aproximadamente 40 anos, para definir a competência exclusiva da Justiça Estadual.
Conforme a ementa do RE 586453:
“Recurso extraordinário Direito Previdenciário e Processual Civil Repercussão geral reconhecida Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema. Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13).
1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta.
2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema.
3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria.
4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013).
5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio” (RE 586453/SE, Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 20/02/2013).
Três foram os fundamentos principais para a mudança na orientação, com o afastamento da incidência do art. 114, IX, da Constituição, que determina a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar controvérsias derivadas da relação de trabalho: (a) a ausência de relação trabalhista entre o participante e a entidade de previdência; (b) a existência de autonomia do Direito Previdenciário e de sua consequente distinção do Direito do Trabalho; (c) e os riscos de contradição derivados da possibilidade de o mesmo assunto ser decidido pelas Justiças Comum e Trabalhista.
Embasando o primeiro argumento, o art. 202, § 2°, da Constituição, prevê que “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei”.
Ainda, decidiu-se pela modulação dos efeitos da decisão, para manter em tramitação na Justiça do Trabalho todos os processos em que foi proferida sentença de mérito até a data de conclusão do julgamento dos RE no Supremo Tribunal Federal, ou seja, o dia 20 de fevereiro de 2013.
Portanto, a partir da decisão do STF nos Recursos Extraordinários nº 586453 e 583050, passa a ser exclusivamente da Justiça Estadual a competência para processar e julgar causas sobre plano de previdência privada, contra entidade de previdência complementar privada, independentemente dos reflexos que o processo possa causar ou sofrer sobre a relação trabalhista do participante do plano com o seu empregador (seja o patrocinador do plano de entidade fechada, seja o contratante do plano coletivo de entidade aberta).