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Competência para controvérsias sobre previdência complementar privada e o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal

20/04/2013 às 10:20
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A partir de recentes decisões do STF, passa a ser exclusivamente da Justiça Estadual a competência para processar e julgar causas sobre plano de previdência privada contra entidade de previdência complementar privada.

No dia 20 de fevereiro de 2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 586453 e 583050, e decidiu, por maioria, que compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios previdenciários contra entidade de previdência complementar privada.

Em primeiro lugar, lembra-se que existem dois sistemas de Previdência Social no Brasil: um público e outro privado.

O sistema público é dividido em: (a) Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), instituído pelos entes da Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações), com base no art. 40 da Constituição; (b) e Regime Geral de Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da Constituição. Há ainda quem inclua, como um regime diferenciado, o da Previdência Oficial Complementar, autorizado pelo art. 40, § 14, da Constituição.

Por sua vez, o sistema privado tem fundamento constitucional no art. 202, segundo o qual “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.

Suas principais características são: o caráter complementar, a organização autônoma em relação aos regimes geral e próprios, a facultatividade e a regulamentação por lei complementar É autônomo porque existe de forma independente aos demais regimes, e facultativo por não ser de filiação obrigatória.

A Lei Complementar nº 109/2001 regulamenta o regime de Previdência Complementar, enquanto a Lei Complementar nº 108/2001 trata dos planos de Previdência Complementar da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e os respectivos entes da Administração Pública indireta.

Apesar de ser regulamentada por lei, os planos das entidades (abertas e fechadas) de Previdência Complementar são instituídos por meio de contratos. Diante de sua natureza jurídica, a Súmula nº 321 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.

O Supremo Tribunal Federal havia firmado o entendimento de que: (a) à Justiça do Trabalho compete julgar os casos relacionados com o contato de trabalho, ou seja, aqueles nos quais a alteração ou o pagamento posterior de verbas trabalhistas gera reflexos sobre o valor do benefício previdenciário; (b) a Justiça Comum tem competência residual para todas as outras situações, diante da natureza contratual da relação, ainda que tenha natureza previdenciária. Nesse sentido:

“I. Justiça do Trabalho: competência (CF, art. 114): pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de que é da Justiça do Trabalho a competência para dirimir controvérsias relativas à complementação de proventos de aposentadoria quando decorrentes de contrato de trabalho: precedentes.

II. Recurso extraordinário: inadmissibilidade: Súmula 636. Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida.

III. Alegações improcedentes de negativa de prestação jurisdicional e de violação dos princípios constitucionais apontados no recurso extraordinário” (AI 581451 AgR/PA, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 21/06/2007, DJe 09/08/2007).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CONTROVÉRSIA. COMPETÊNCIA.

1. A Justiça Comum é competente para processar e julgar controvérsia relativa à complementação de aposentadoria paga por entidade de previdência privada que não decorra do contrato de trabalho.

2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 718905 AgR/DF, 2ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 16/09/2008, DJe 06/11/2008).

Da mesma forma: AI 715744 AgR/RO, 1ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 11/11/2008, DJe 05/02/2009, p. 9; AI 557749 AgR/RS, 1ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 18/10/2005, DJ 18/11/2005, p. 6; AI 477635 AgR/SC, 1ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 26/10/2004, DJ 26/11/2004, p. 19; RE 333308 AgR/PE, 2ª Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11/06/2002, DJ 02/08/2002, p. 104; AI 198260 AgR/MG, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07/08/2001, DJ 16/11/2001, p. 9; RE 135937/SP, 1ª Turma, rel. Min. Moreira Alves, j. 15/03/1994, DJ 26/08/1994, p. 21891; RE 93235/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 02/06/1981, DJ 03/07/1981, p. 6650; RE 79375/SP, Pleno, rel. Min. Bilac Pinto, j. 02/10/1974, DJ 18/11/1974; RE 77270/DF, Pleno, rel. Min. Bilac Pinto, j. 05/09/1974, DJ 04/11/1974; RE 78174/SP, Pleno, rel. Min. Oswaldo Trigueiro, j. 23/05/1974, DJ 28/06/1974.

Contudo, ao julgar os RE 586453 e 583050, o Pleno do STF modificou esse entendimento consolidado durante aproximadamente 40 anos, para definir a competência exclusiva da Justiça Estadual.

Conforme a ementa do RE 586453:

“Recurso extraordinário Direito Previdenciário e Processual Civil Repercussão geral reconhecida Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema. Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13).

1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta.

2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema.

3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria.

4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013).

5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio” (RE 586453/SE, Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 20/02/2013).

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Três foram os fundamentos principais para a mudança na orientação, com o afastamento da incidência do art. 114, IX, da Constituição, que determina a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar controvérsias derivadas da relação de trabalho: (a) a ausência de relação trabalhista entre o participante e a entidade de previdência; (b) a existência de autonomia do Direito Previdenciário e de sua consequente distinção do Direito do Trabalho; (c) e os riscos de contradição derivados da possibilidade de o mesmo assunto ser decidido pelas Justiças Comum e Trabalhista.

Embasando o primeiro argumento, o art. 202, § 2°, da Constituição, prevê que “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei”.

Ainda, decidiu-se pela modulação dos efeitos da decisão, para manter em tramitação na Justiça do Trabalho todos os processos em que foi proferida sentença de mérito até a data de conclusão do julgamento dos RE no Supremo Tribunal Federal, ou seja, o dia 20 de fevereiro de 2013.

Portanto, a partir da decisão do STF nos Recursos Extraordinários nº 586453 e 583050, passa a ser exclusivamente da Justiça Estadual a competência para processar e julgar causas sobre plano de previdência privada, contra entidade de previdência complementar privada, independentemente dos reflexos que o processo possa causar ou sofrer sobre a relação trabalhista do participante do plano com o seu empregador (seja o patrocinador do plano de entidade fechada, seja o contratante do plano coletivo de entidade aberta).

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Competência para controvérsias sobre previdência complementar privada e o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3580, 20 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24240. Acesso em: 26 abr. 2024.

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