4. Estado de necessidade justificante ou inexigibilidade de conduta diversa supralegal?
O estado de necessidade – como já visto - é a previsão legal de uma situação em que a conduta fica guarnecida pela inexigibilidade de conduta diversa, delimitada em certos requisitos: perigo atual; ameaça a direito próprio ou alheio; situação não provocada voluntariamente pelo agente e inexistência do dever legal de enfrentar o perigo. Ao fato necessitado ainda devem se fazer presentes a inevitabilidade de ação lesiva e a inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado. É sabido que ocorrendo a falta de qualquer um dos requisitos, deixa de ser afastada a excludente de ilicitude.
Focando o delito descrito por muitos como “furto famélico ou necessitado”, este, não teria dificuldade em atender aos requisitos da situação de necessidade. Porém, fica desatendida uma das exigências do fato necessitado, que é a condição de inexigibilidade de ação lesiva.
Nelson Hungria (1978) diz que a lei penal é clara na ocorrência do estado de necessidade ao exigir que o perigo não possa ser evitado por outro modo, sem o sacrifício total ou parcial do direito alheio. Não existirá o reconhecimento do estado de necessidade se o agente podia afastar o perigo empregando meio não ofensivo ao direito de outrem.
Ao se analisar as situações em que o agente não podendo agir de outro modo para evitar o perigo à sua saúde ou vida, cometesse furto, verifica-se a ocorrência da inevitabilidade de ação lesiva aos direitos alheios. No entanto, encontraríamos situações extremas, nas quais, as condições físicas do indivíduo seriam tão precárias, que tornariam quase impossível a prática do furto.
Estando o sujeito em condições físicas que não o impeçam de furtar, outros caminhos poderão dele ser exigidos, como oferecimento de serviços a troco de alimentação, pedido de auxílio às pessoas, procura de trabalho, etc.
No estado de necessidade, a escolha do agente de “furto famélico”, campearia entre duas ou mais possibilidades para que seu direito seja salvo. Por exemplo, ação lesiva e pedido de ajuda, ação lesiva e oferecimento de trabalho, dentre outras.
No delito em questão, não existe necessariamente a exclusão de uma ação pela presença de outra, ou seja, mesmo o sujeito não atacando o patrimônio alheio, poderá evitar o perigo à saúde e à vida (direito a alimentação), por outros modos.
Não se aplica no caso de “furto necessitado”, conforme descrito, o estado de necessidade!
Cabette (2001) se manifesta afirmando que falta dignidade no ato de furtar, sendo no entanto, inadmissível impor ao homem a humilhação de pedir alimento ou trabalhar a troco dele. Para muitos é mais aviltante pedir aquilo que é básico, do que tomá-lo para si, lutando pela sobrevivência.
O comportamento do indivíduo em conformidade com o direito, não pode ser absolutamente exigido, sendo condicionado ao seu estado físico, psíquico e moral, levando-se em conta a situação do momento, ou seja, a contextualização de sua conduta.
Como pressuposto do conceito da culpabilidade, a exigibilidade de conduta diversa, aponta para o fato de que ao homem em condições normais, possa ser exigido uma conduta em conformidade ao direito. E como causa geral de exclusão da culpabilidade, a inexigibilidade conduta diversa está na lei, delimitada em certas circunstâncias, em que o agente não poderia ter sua conduta censurada, em face do padrão vigente. As circunstâncias como visto, se limitam à coação irresistível e obediência hierárquica, imputabilidade, erro sobre a ilicitude do fato (se inevitável) e o erro determinado por terceiro.
Embora não previstas no texto legal, as causas supralegais de exclusão da culpabilidade são aplicadas em função dos princípios informadores do ordenamento jurídico.
No direito brasileiro, não há descrição impedindo a utilização da argumentação sobre a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Alguns doutrinadores como Jescheck e Johannes Wessels, manifestam-se em sentido contrário à aplicação de tal argumentação, vez que respectivamente haveria a debilitação da eficácia da prevenção geral do direito penal, conduzindo à aplicação desigual do Direito e a ocorrência de insegurança jurídica por aceitação de uma causa de exculpação vaga e indeterminada como esta. Não obstante, o próprio Johannes Wessels, reconhece que em situações excepcionais, seja admitida pela maioria dos doutrinadores a aplicação de causa supralegal de exculpação.
Greco menciona que a “possibilidade de alegação de uma causa supralegal, em algumas circunstâncias, como deixou entrever Johannes Wessels, pode evitar que ocorram injustiças gritantes.” (2003, p. 465).
Independente de previsão legal existem situações em que caberia o reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa supralegal, carecendo de legitimidade a punição do agente. Tal fato se dá no sentido de que é necessário a coerência do sistema, que não previu todas as configurações fáticas da vida, que o direito regularia.
Segundo Rogério Greco (2003), o ex-Ministro do STJ, Assis Toledo, abraça a tese sobre a possibilidade de alegação de causas supralegais que afastam a culpabilidade, afirmando que no direito brasileiro sua admissibilidade já não pode ser negada.
Certo de que a conduta do indivíduo está relacionada com o contexto sócio-econômico, hão de ser verificadas as circunstâncias em que as ações “delituosas” foram praticadas, para que não haja punição por tentar sobreviver. Já o que deveria constituir “crime” de fato, é a privação que o ser humano sofre de viver em condições dignas e se sentir “gente”, respeitado pelo simples fato de ser humano. A corrupção e os interesses das classes dominantes expropriam da maioria aquilo que é o mais básico e necessário à vida.
Há grande demagogia ao se pregar os direitos fundamentais que a constituição cidadã elencou, se a própria sociedade se faz indiferente ao alcance destes, pela maioria. Buscando apenas a satisfação de seus interesses, a “elite” reclama do aumento da insegurança, ignorando a proporcionalidade direta da segurança em relação a negligência para com a classe mais pobre com negligência para com a classe mais pobres.
Mesmo ocorrendo controvérsia, entende-se por bem e mais acertada a aplicação ao “furto famélico” da excludente de culpabilidade: inexigência de conduta diversa supralegal.
O que motiva a aversão a tal excludente de culpabilidade, é o temor de sua banalização, o que geraria eventuais impunidades, aumentando-se as hipóteses de absolvição. No entanto, deve se ter em conta que um Direito penal fraco, é o que não pune quando existem todos os pressupostos de uma punição, entre os quais a culpabilidade. Seria um contrasenso não subsistindo a culpabilidade, por não se poder esperar uma motivação normal do agente, ainda falar em aplicação de pena. A ausência de punição, quando a culpabilidade é inexistente, não pode ser vista como incentivo à prática criminosa, mas, antes sim, como forma de evitar a iniquidade de um decreto condenatório.
Nesse ínterim:
A inexigibilidade de outra conduta pode ser invocada, apesar de não haver texto expresso em lei, como forma genérica de exclusão da culpabilidade, visto que se trata de princípio imanente no sistema penal. Nem se diga que, com isto, haverá uma espécie de amolecimento na repressão e na aplicação das normas punitivas. Quando a conduta não é culpável, a punição é iníqua, pois a ninguém se pune na ausência de culpa; e afirmar que existe culpa diante da anormalidade do ato volitivo, é verdadeira heresia. MARQUES apud TONETTO, 2002).
Vale ainda ressaltar:
Muito se tem discutido sobre a extensão da aplicação do princípio em foco, entendendo alguns autores que sua utilização deva ser restringida às hipóteses previstas pelo legislador para evitar-se mais uma alegação de defesa que poderia conduzir à excessiva impunidade dos crimes. Não vemos razão para esse temor, desde que se considere a "não-exigibilidade" em seus devidos termos, isto é, não como um juízo subjetivo do próprio agente do crime, mas, ao contrário, como um momento do juízo de reprovação da culpabilidade normativa, o qual, conforme já salientamos, compete ao juiz do processo e a mais ninguém. (TOLEDO apud TONETTO, 2002).
4.1 Algumas decisões
A maioria das decisões nos casos de “furto famélico” são no sentido de que há a ocorrência do estado de necessidade. Outras se dão no sentido de conduta atípica. No entanto, mesmo que em crimes diferentes, fica evidenciado o reconhecimento jurisprudencial a cerca da co-culpabilidade e da inexigibilidade de conduta diversa supralegal.
APELAÇÃO CRIMINAL - CERCEAMENTO DE DEFESA MEDIANTE SUA DEFICIÊNCIA - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO E EFETIVO PARA O RÉU - APLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 532 DO STF E ARTS. 566 E 572, INC. II, AMBOS DO CPP - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - CARACTERIZAÇÃO DE FURTO FAMÉLICO EIS QUE O ACUSADO SUBTRAIU 1 SUÍNO NO INTUITO DE SACIAR FOME SUA E DO CO-AUTOR MENOR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - 'RES DELICTA' NO VALOR DE POUCO MAIS DA DÉCIMA PARTE DO SALÁRIO MÍNIMO - APELAÇÃO PROVIDA. 'Inexistindo o auferimento de vantagem ilícita, sendo a res delicta de pouco valor, utilizada para saciar a fome do apelante, tem-se a caracterização do furto famélico, e de conseqüência, a absolvição por atipicidade da conduta'.
Apelação crime. Processo 0177745-5. Paraná. Segunda Câmara Criminal (extinto TA). Relator Rafael Augusto Cassetari. 21/03/2002. Decisão Unânime. Acórdão n. 8875. Tribunal de Alçada. 2002. Disponível em: <https://www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/ResultCodigo.asp?Codigo=517740. Acesso em 5 set 2007.
FURTO FAMÉLICO – Reconhecimento – Demonstração de que a subtração do bem se fez por imperiosa carência de alimentos – Necessidade: O furto famélico, como espécie de comportamento em estado de necessidade, deve ser provado pelo agente, sem a demonstração de que a subtração do bem se fez por imperiosa carência de alimentos, que não poderia ser satisfeita de outra maneira; se não, impossível reconhecer a excludente do crime.
Apelação nº 1.362.251/1 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Figueiredo Gonçalves – 9.12.2003 – V.U. (Voto nº 8.237) SÂO PAULO. Tribunal de justiça. 2003. Disponível em: https://www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/ementario/html/ementario51.html>. Acesso em 5 set 2007. [grifo nosso]
ROUBO. CONCURSO. CORRUPCAO DE MENORES. CO-CULPABILIDADE . – SE A GRAVE AMEACA EMERGE UNICAMENTE EM RAZAO DA SUPERIORIDADE NUMERICA DE AGENTES, NAO SE SUSTENTA A MAJORANTE DO CONCURSO, PENA DE “BIS IN IDEM” - INEPTA E A INICIAL DO DELITO DE CORRUPCAO DE MENORES (LEI 2.252/54) QUE NAO DESCREVE O ANTECEDENTE (MENORES NAO CORROMPIDOS) E O CONSEQUENTE (EFETIVA CORRUPCAO PELA PRATICA DE DELITO), AMPARADO EM DADOS SEGUROS COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL. - O PRINCIPIO DA CO-CULPABILIDADE FAZ A SOCIEDADE TAMBEM RESPONDER PELAS POSSIBILIDADES SONEGADAS AO CIDADAO – REU. - RECURSO IMPROVIDO, COM LOUVOR A JUIZA SENTENCIANTE. (16FLS.)
(Apelação Crime Nº 70002250371, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 21/03/2001). Disponível em: https://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/exibe_documento.php?ano=2001&codigo=113489 >. Acesso em 5 set 2007. [grifo nosso]
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. TENTATIVA DE ESTUPRO. FIXACAO DA PENA. AGENTE QUE VIVE DE BISCATES, SOLTEIRO, COM DIFICULDADES PARA SATISFAZER A CONCUPISCENCIA, ALTAMENTE VULNERAVEL A PRATICA DE DELITOS OCASIONAIS. MAIOR A VULNERABILIDADE SOCIAL, MENOR A CULPABILIDADE. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE (ZAFFARONI). PREVALENCIA DO VOTO VENCIDO, NA FIXACAO DA PENA-BASE MINIMA. REGIME CARCERARIO INICIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS POR MAIORIA.
(Embargos Infringentes Nº 70000792358, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Julgado em 28/04/2000. Disponível em https://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70000792358&num_processo=70000792358> Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCINDIBILIDADE DO ESPECIAL FIM DE AGIR OU DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. NÃO CONSTITUEM CAUSA EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE MEROS PROBLEMAS ECONÔMICOS OU FINANCEIROS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a consciência e a vontade de não repassar à Previdência, dentro do prazo e na forma da lei, as contribuições recolhidas, não se exigindo a demonstração de especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social como elemento essencial do tipo penal.
2. Ao contrário do que ocorre na apropriação indébita comum, não se exige o elemento volitivo consistente no animus rem sibi habendi para a configuração do tipo inscrito no art. 168-A do Código Penal.
3. Trata-se de crime omissivo próprio, em que o tipo objetivo é realizado pela simples conduta de deixar de recolher as contribuições previdenciárias aos cofres públicos no prazo legal, após a retenção do desconto.
4. Não se exime de responsabilidade o omitente que não faz o recolhimento devido a meros problemas econômicos ou financeiros.
5. A inexigibilidade de conduta diversa constitui causa supralegal de exclusão da culpabilidade e, para que reste configurada, é necessário que o julgador vislumbre a sua plausibilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, cujo reexame seria inviável em sede de recurso especial.
6. Recurso improvido.
REsp 447405 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2002/0079863-6. 06/09/2005. Disponível em : <https://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=supralegal&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2> 2005. Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS ÁS VÉSPERAS DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. INDEFERIMENTO. CAUSA SUPRALEGAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SÚMULA 07/STJ.
- A jurisprudência desta Corte admite a juntada de documentos em qualquer fase do processo, até mesmo na fase recursal, deste que ouvida a parte contrária e inexistente o espírito de ocultação premeditada e o propósito de surpreender o juízo.
- Precedentes.
- A existência de causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é questão que só poderá ser resolvida por meio do contexto probatório dos autos, providência esta incabível na via estreita do recurso especial, diante da Súmula 07/STJ.
- Recurso especial não conhecido.
Disponível em : <https://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=supralegal&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=60> 2002. Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]
Sentença prolatada pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº. 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO, ao decidir o caso do furto das melancias.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional),...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia,...
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados. (SANTOS, 2006).
4.2 Possibilidade de mudança na legislação penal
Os indivíduos sofrem uma tensão anômica (teoria de Merton sobre a anomia) do meio em que sua vida se contextualisa. Não sendo possível ignorar a situação fatídica da sociedade, deve ser alterada a forma como se reprovará as condutas em que o indivíduo se vê limitado em sua ação e direito.
Aderindo a teoria da co-culpabilidade e objetivando uma maior coerência entre o sistema penal, a Constituição Federal e a realidade sócio-econômica do país, propõe-se a mudança legislativa da lei penal, encapando o pensamento de Gregore Moura (2006), nos seguintes termos:
1º - o art. 29 do código penal deverá ter um parágrafo acrescentado, em que conste que estando o agente submetido a precárias condições de vida, sendo hipossuficiente cultural e sócio-economicamente, sua pena deverá ser reduzida de um terço (1/3) a dois terços (2/3), devendo que neste caso, as condições terem influenciado e serem compatíveis com o crime realizado. Quanto pior forem as condições descritas no supracitado parágrafo, maior será a redução da pena. Nos dizeres de Moura seria mais consentâneo com o Direito penal democrático e liberal, vez que na esteira do garantismo penal, permitiria maior individualização da pena aplicada, além de reduzí-la aquém do mínimo legal, incidindo ainda na terceira fase de sua aplicação;
2º - a positivação da co-culpabilidade como causa de exclusão da culpabilidade pela vulnerabilidade do indivíduo que se encontra em estado de miséria tão caótico. Não incidindo sobre o agente qualquer reprovação social e penal, pois, seu comportamento seria esperado por seus co-cidadãos, sendo conseqüência da inadimplência estatal. Seria mais uma causa de exclusão da culpabilidade, além, das já previstas no código penal brasileiro.
O código penal colombiano, segundo Gregora Noura (2006), abre a possibilidade da exclusão da culpabilidade em seu artigo 56 ao exarar que o indivíduo que realizar a conduta punível sobre a influência de profundas situações de marginalidade, pobreza estremada ou ignorância, conquanto tenham influído diretamente na realização da conduta, e caso estas não possam afastar sua responsabilização, não incorrerá em pena maior que a metade do limite máximo e nem menor a sexta parte do limite mínimo, de acordo com a respectiva disposição.
Mesmo ocorrendo a positivação da co-culpabilidade, o intérprete deverá analisar se existe compatibilidade entre o estado de miserabilidade e o crime cometido, para que haja a possibilidade de sua aplicação no caso concreto, ou seja, deve ser uma das causas determinantes do crime o estado de miséria do agente.