1. Introdução
Trabalhador doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas (Lei n. 5.859/72, artigo 1º). Portanto, além dos elementos clássicos da doutrina, pessoa física, pessoalidade, onerosidade e subordinação, o legislador delimita a figura do trabalhador doméstico através dos requisitos continuidade, finalidade não lucrativa e empregador pessoa física ou família.
Merece destaque a substituição do requisito não eventual, presente no artigo 3º da CLT, pela continuidade com o objetivo claro de afastar da tutela jurídica os trabalhadores diaristas[1]. Igualmente, a ausência de lucro no serviço prestado diz respeito à prestação no âmbito de residências, cuja natureza não diz respeito a resultados comerciais ou industriais. Por fim, tão somente pessoas físicas poderão figurar como partes na relação contratual envolvendo o trabalho doméstico.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT expressamente limita a aplicação da tutela jurídica que apresenta aos trabalhadores domésticos[2], rurais e aqueles contratados pela Administração Pública em regime jurídico próprio (CLT, artigo 7º). Tais trabalhadores contam com instrumentos jurídicos específicos destinados à tutela da relação de trabalho.
Os servidores públicos são contratados nos moldes de estatutos específicos, tais como a Lei n. 8.112/90 que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Igualmente, os trabalhadores rurais contam com a Lei n. 5.889/73, cujo texto estatui normas reguladoras do trabalho rural. Finalmente, os trabalhadores domésticos são amparados pela Lei n. 5.859/72.
A Constituição Federal de 1988 delimita a tutela dos direitos sociais laborais principalmente no artigo 7º. A esse respeito, apura-se a equiparação entre o trabalhador urbano e o trabalhador rural. Diferentemente, em relação aos trabalhadores domésticos e aos servidores públicos, achou por bem o legislador constitucional em não estendê-los a integralidade do texto (CF, artigo 7º, caput e § único, e artigo 39, § 2º).
Em sua redação original, o artigo 7º da Constituição Federal garantiu aos trabalhadores domésticos apenas parte dos direitos elencados em seus incisos. Especificamente, foram-lhe assegurados salário mínimo, irredutibilidade salarial, décimo terceiro, repouso semanal remunerado, férias, licença gestante, licença maternidade, aviso prévio, aposentadoria e integração à previdência social (CF, artigo 7º, IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXIV e § único).
Desde então, muito se discutiu a respeito da necessidade de equiparação dos trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores. A esse respeito, o Governo Brasileiro analisa a possibilidade de ratificação da Convenção n. 189 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, adotada por sua Conferência Geral em 16 de junho de 2011. Trata-se de texto que, dentre outros aspectos, reconhece as condições específicas sob as quais o trabalho doméstico é executado, bem como a necessidade de complementação da legislação a fim de que tais trabalhadores possam exercer plenamente seus direitos.
No ano de 2013 o Congresso Nacional finalmente alterou o texto da Constituição Federal com o objetivo de ampliar a tutela jurídica dos trabalhadores domésticos. Trata-se da Emenda Constitucional n. 72, de 2 de abril de 2013, cujo texto alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013).
2. A tutela da remuneração e o combate à discriminação
Destaca-se, primeiramente, a extensão aos domésticos dos seguintes direitos sociais: garantia do salário nunca inferior ao mínimo para os que percebem remuneração variável; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; proibição de diferenças salariais, de exercícios de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; e proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (CF, artigo 7º, VII, X, XXX, XXXI e § único).
Quanto à garantia do salário mínimo para os contratos com remuneração variável, não é comum no contrato doméstico a inclusão sobre a remuneração de gratificações ou prêmios por se tratar de modalidade mais afeta à atividade comercial. Em relação ao trabalhador diarista, outrossim, não se vislumbrou, por enquanto, consenso doutrinário e jurisprudencial quanto à extensão dos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Em todo caso, vale a equiparação para fins de plena efetividade dos direitos sociais dos trabalhadores domésticos.
A proteção do salário do trabalhador, por sua vez, relaciona-se com a vedação de descontos ao salário do trabalhador pelo empregador, devidamente classificado pela doutrina como princípio da intangibilidade salarial. A CLT, a propósito, ao assegurar o princípio, excepciona as hipóteses de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo (CLT, artigo 462). Não obstante a mora do legislador infraconstitucional em regular a responsabilização criminal do empregador, o dispositivo constitucional tem eficácia e atua como medida tutelar de uma das cláusulas mais importantes do contrato de trabalho, o salário.
No contrato de trabalho firmado com o trabalhador doméstico, o legislador vedou expressamente a realização de descontos pelo empregador no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia (Lei n. 5.859/72, artigo 2º-A). Da mesma forma, o costume consolidado nessa modalidade contratual assegura o pagamento do salário em periodicidade mensal. Absolutamente, não se admite a remuneração em períodos superiores a trinta dias. Não há prejuízo, outrossim, à aplicação analógica do artigo 459, § único, da CLT, que estabelece como data limite o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido.
Já a isonomia salarial e a vedação à discriminação no mercado de trabalho têm como fundamentos os princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação (CF, artigos 3º, IV, 5, caput). A esse respeito, a Convenção n. 100 da Organização Internacional do Trabalho - OIT[3], cujo texto trata da igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor. De forma mais ampla, a Convenção n. 111 da OIT[4] considera como discriminatória toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão (artigo 1º, a).
Pode-se citar, ainda, Convenção n. 156 da OIT que pretende a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento de trabalhadores e trabalhadoras com vistas às responsabilidades familiares; a CONVENÇÃO n. 159 da OIT[5], que trata da reabilitação profissional e do emprego das pessoas com deficiência, e a CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA assinada em Nova York em 30 de março de 2007[6].
A CLT, por sua vez, conta com dispositivos específicos, cuja aplicação subsidiária ao contrato firmado com trabalhador doméstico poderá ser apreciada. Trata-se, por exemplo, do combate a práticas discriminatórias no mercado de trabalho fundadas em gênero e o regramento destinado à equiparação salarial (CLT, artigos 373-A, 460 e 471).
Definitivamente, o ordenamento jurídico brasileiro, fundado em Declarações Internacionais de Direitos Fundamentais, é pródigo no combate a práticas discriminatórias. A partir da Emenda Constitucional n. 72/13, incontestavelmente, o trabalhador doméstico passa a contar com a devida tutela jurídica a respeito.
3. Limites da jornada de trabalho
Procedeu-se também a devida equiparação no que se refere aos seguintes direitos: duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; e reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (CF, artigo 7º, XIII, XVI, XXVI e § único).
A limitação da jornada de trabalho representa marco divisor de águas a respeito do contrato de trabalho firmado com trabalhador doméstico. Se até então não havia limitação da jornada diária de trabalho, a partir de então o empregador doméstico deverá organizar sua rotina diária a fim de que a jornada do trabalhador contratado para atuar em sua residência considere como limitador a estipulação de tempo equivalente a 8 horas diárias e 44 horas semanais.
Semelhantemente aos demais contratos de trabalho, a jornada extraordinária também será possível desde que o empregador proceda a devida remuneração do adicional constitucional de 50% em relação ao valor da hora normal (CF, artigo 7º, XVI).
Sistemas de compensação da jornada poderão ser aplicados, necessitando, contudo, de acordo ou convenção coletiva de trabalho a ser firmado com o sindicato profissional respectivo. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores domésticos (cuidadores de idosos e vigilantes) que cumprem jornadas de 12 horas de trabalho seguidas de um intervalo de 36 horas (12x36).
Quanto à possibilidade de acordo individual de compensação ou a adoção de banco de horas, bem como quanto aos limites da jornada diária estabelecidos nos artigos 58 a 61 da CLT, destaca-se novamente que a aplicação da CLT aos contratos firmados com trabalhadores domésticos poderá ocorrer tão somente de forma analógica enquanto a legislação específica não regular a matéria.
O registro da jornada ficará a critério do empregador, ao passo que a Lei n. 5.859/72 não faz menção a respeito. Novamente, é possível vislumbrar a defesa da aplicação analógica da CLT, cujo artigo 74, § 2º, estabelece a obrigatoriedade do registro tão somente para os empregadores com mais de 10 trabalhadores contratados.
Com relação ao intervalo para descanso e alimentação, trata-se de atributo não regulado pelo legislador constitucional. Trata-se, portanto, de matéria afeita à legislação infraconstitucional. A CLT assegura o intervalo entre 1 e 2 horas para a jornada diária excedente a 6 horas (CLT, artigo 71). Levanta-se a questão se tal matéria poderia ser objeto de negociação coletiva, cujo resultado, acordo ou convenção coletiva, também foi assegurado aos trabalhadores domésticos (CF, artigo 7º, XXVI).
Vale acrescentar que o intervalo para descanso e alimentação é matéria relacionada à saúde do trabalhador, cuja tutela, também estendida aos domésticos (CF, artigo 7º, XXII), diz respeito a preceito de ordem pública e, portanto, não passível de supressão, conforme entendimento sumulado perante o Tribunal Superior do Trabalho:
Súmula nº 437 do TST. INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
(...)
II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. (...)
Há que se questionar, ainda, a possibilidade da jornada de trabalho influenciar na remuneração mensal do trabalhador. Trata-se da jornada parcial regulada pelo artigo 58-A da CLT, cuja aplicação aos trabalhadores domésticos, por hora, não seria possível. Quer dizer, caberá ao legislador infraconstitucional delimitar a possibilidade da jornada reduzida com consequente reflexo na remuneração auferida pelo trabalhador.
Em sentido contrário:
TRT-PR-14-09-2010 EMPREGADO DOMÉSTICO - JORNADA REDUZIDA - SALÁRIO PROPORCIONAL - POSSIBILIDADE - O fato de o empregado doméstico não possuir direito ao limite máximo de jornada importa apenas na ausência do direito às horas extras, não impossibilitando, no entanto, que as partes ajustem jornada específica de labor. O direito ao salário mínimo é exigível quando cumprida a jornada legal e integral, de oito horas diárias e quarenta e quatro semanal, sendo perfeitamente possível a estipulação de jornada inferior, com salário proporcional à jornada pactuada, a teor do § 1º, do artigo 58-A, da CLT. Sentença que se mantém. (TRT-PR-00280-2010-678-09-00-8-ACO-30196-2010 - 4A. TURMA - Relator: SÉRGIO MURILO RODRIGUES LEMOS - Publicado no DEJT em 14-09-2010)
Ainda quanto à jornada parcial, deve-se ressaltar que o artigo 468 da CLT veda expressamente a alteração contratual prejudicial ao trabalhador. Portanto, em se adotando a CLT como estatuto subsidiário, a redução da jornada de trabalho para os contratos vigentes não poderá resultar em redução da remuneração do trabalhador.
4. Meio ambiente do trabalho e tutela do menor.
A tutela do meio ambiente do trabalho tem amplo fundamento constitucional: princípio da dignidade da pessoa humana; função social da propriedade; a classificação da saúde como direito social; a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; a ordem social fundada no primado do trabalho; bem como na tutela do meio ambiente propriamente dito (CF, artigos 1º, III, 5º, XXIII, 6, 7, XXII, 170, III, 193 e 225).
A redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, inquestionavelmente, passa a integrar o rol de direitos dos trabalhadores domésticos por conta da Emenda Constitucional n. 72/13.
Destacam-se as Convenções da OIT sobre o meio ambiente do trabalho, dentre as quais a Convenção n. 148[7] que trata da Contaminação do Ar, Ruído e Vibrações; a Convenção n. 155[8] sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores; e a Convenção n. 161[9] sobre Serviços de Saúde do Trabalho.
A CLT impõe aos empregadores o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho (artigo 157). O Ministério do Trabalho e Emprego, até o presente momento, instituiu 36 normas regulamentadoras - NR, cujo conteúdo diz respeito a vários aspectos da segurança e medicina do trabalho.
Quanto à aplicação das NRs, deve-se ter cautela quanto às peculiaridades no ambiente de trabalho que se apresenta nos domicílios. Por certo, os regulamentos aplicados a grandes indústrias e empreendimentos comerciais requerem a devida parcimônia do operador do direito quando se tratar de contrato de trabalho firmado com trabalhador doméstico.
No que tange à vedação do trabalho noturno, perigoso e insalubre aos menores de 18 anos (CF, artigo 7º, XXXIII), a OIT conceitua trabalho infantil doméstico como atividades realizadas por pessoas menores de 18 anos fora de sua família nuclear e pelas quais podem ou não receber alguma remuneração. São meninas, em sua maioria, que levam prematuramente uma vida de adulto, trabalhando muitas horas diárias em condições prejudiciais à sua saúde e desenvolvimento, por um salário baixo ou em troca de habitação e educação[10].
A Convenção n. 182 da OIT[11] estabelece como as piores formas de trabalho infantil, a serem definidas pela legislação nacional ou pela autoridade competente, aquelas que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança (artigos 3º, d, e 4º, 1). Nesse sentido, através do Decreto n. 6.481/08, estabelece-se a proibição do trabalho doméstico para menores de 18 anos (artigo 2º, I, e Lista TIP, item 76).
O legislador constitucional, portanto, adequou em boa hora o Texto Constitucional à declaração internacional de direitos fundamentais voltada ao combate da exploração do trabalho infantil.
5. Negociação coletiva
Assegurou-se expressamente o reconhecimento das convenções e acordos coletivos (CF, artigo 7º, XXVI). A tal respeito, deve-se considerar o princípio da liberdade sindical no que diz respeito à criação de novas entidades sindicais. Efetivamente, trabalhadores e empregadores domésticos poderão se organizar através de sindicatos, cujo registro deverá observar o princípio constitucional da unicidade (CF, artigo 8º, II).
Em um primeiro olhar, pode-se vislumbrar óbice decorrente do conceito de categoria prevista no artigo 511, § 1º, da CLT:
§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constituem o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
Certamente, o empregador doméstico não se enquadra no conceito de categoria econômica pelo simples fato de não exercer atividade econômica nos termos delimitados no referido dispositivo legal. Não obstante, a liberdade sindical assegurada pelo Legislador Constitucional ultrapassa o conceito de categoria, não havendo que se falar, portanto, na interferência do Estado em face da criação de novos sindicatos, inclusive de empregadores domésticos, desde que observado o princípio da unicidade (CF, artigo 8º, caput e I).
Quanto à tutela do princípio da unicidade, trata-se de questão já enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento sustenta a incumbência do Ministério do Trabalho e Emprego até que a lei venha dispor ao contrário[12].
6. Efetividade das normas constitucionais
Seguindo o caminho da equiparação, o legislador constitucional também estendeu aos trabalhadores domésticos os seguintes direitos sociais constitucionais: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; fundo de garantia do tempo de serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (CF, artigo 7º, § único).
Tais direitos, nos termos da redação do texto da Emenda Constitucional n. 72/13, deverão atender as condições estabelecidas em lei, bem como observar a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades.
Certamente, toda a norma constitucional está sujeita à regulação legal. Não compete ao legislador constitucional delimitar todos os aspectos do direito que pretende assegurar. Para tanto, a previsão expressa no parágrafo único do artigo 7º é desnecessária e tem como finalidade a supressão indevida da eficácia de direitos assegurados pela Constituição.
Salvo melhor juízo, soa conservador afastar a efetividade de direitos assegurados na Constituição Federal. Nessa linha, caberá ao legislador infraconstitucional tão somente regular a aplicação do direito. Portanto, desde a promulgação da Emenda Constitucional, os direitos estendidos aos trabalhadores domésticos são de aplicação imediata, ainda que com o recurso da analogia (CLT, artigo 8º), até que o legislador defina os contornos do exercício de cada direito.
Quanto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, trata-se de direito constitucional já regulado pelo legislador, pois anteriormente à Emenda Constitucional n. 72/13, o depósito do FGTS já era facultativo:
Art. 3º-A. É facultada a inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, mediante requerimento do empregador, na forma do regulamento. (Lei n. 5.859/72)
Deverá, portanto, o empregador se inscrever no Cadastro Específico do INSS (CEI). Através da matrícula CEI, poderá efetuar o recolhimento, no valor de 8% do salário pago ou devido mensalmente, até o dia 7 do mês seguinte, mediante Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social GFIP.
Consequentemente, no caso de rescisão do contrato de trabalho sem justa causa por iniciativa do empregador, terá o trabalhador o direito a indenização equivalente a 40% dos depósitos feitos a título de FGTS durante todo o contrato. Se ocorrer culpa recíproca ou força maior, a referida indenização será reduzida a 20% (ADCT, 10, I, e Lei n. 8.036/90, art. 18, §§ 1º e 2º).
A propósito, a dispensa arbitrária ainda carece de regulação pelo legislador infraconstitucional. Todos os trabalhadores, inclusive, os trabalhadores domésticos, estão sujeitos à rescisão imotivada de seus contratos de trabalho, restando ao empregador tão somente arcar com o pagamento da multa de 40% do FGTS.
O Seguro-Desemprego, por sua vez, será concedido ao trabalhador que estiver inscrito no FGTS por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24 meses contados da dispensa sem justa causa, que não está em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, excetuados auxílio-acidente e pensão por morte, e, ainda, que não possui renda própria de qualquer natureza.
Ainda, para os trabalhadores regidos pela CLT, o trabalho noturno é aquele executado entre as 22h e 5 horas do dia seguinte. A hora do trabalho noturno, igualmente, será computada como de 52 minutos e 30 segundos e a remuneração terá um adicional de 20% sobre o valor estipulado para a hora diurna (CF, artigo 7º, IX, e CLT, artigo, 73).
Novamente, depara-se com o vácuo legislativo a respeito do tema. Sem prejuízo da aplicação analógica da regulamentação celetista, caberá ao legislador definir os limites da tutela especial para o trabalho noturno.
Já o salário família consiste em benefício pago aos segurados do INSS com salário mensal de até R$ 971,78 para auxiliar no sustento dos filhos de até 14 anos de idade ou inválidos de qualquer idade. O salário família será pago mensalmente ao empregado pelo empregador juntamente com o respectivo salário. Na falta de regulação específica, o regulamento editado pelo INSS poderá ser aplicado analogicamente. Em todo caso, trata-se de matéria que poderá ser regulada especificamente pela autarquia previdenciária.
No que tange ao auxílio creche, toda empresa que possua estabelecimento em que trabalharem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação (CLT, artigo 389, § 1º). Nos termos da Portaria 3.296/1986 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a empresa poderá, em substituição à exigência contida no parágrafo 1º, do artigo 389, da CLT, adotar o sistema de reembolso-creche. Excepcionalmente, nesse caso, a atuação do legislador será indispensável à plena efetividade do direito em questão.
Quanto ao seguro contra acidentes de trabalho, trata-se também de benefício a ser custeado pela Previdência Social a partir das contribuições recolhidas na vigência do contrato de trabalho. A legislação previdenciária, a propósito, estabelece percentual específico de 1 a 3% sobre o total da remuneração paga ao trabalhador, observada a respectiva gradação do risco da atividade desenvolvida pelo empregador (Lei n. 8.212/91, artigo 22, II). Novamente, convoca-se o legislador para definir a contribuição específica do empregador doméstico.
Em tempo, destaca-se entendimento jurisprudencial quanto à impossibilidade de extensão da estabilidade acidentária ao trabalhador doméstico:
TRT-PR-11-11-2008 ACIDENTE DE TRABALHO - REINTEGRAÇÃO - EMPREGADA DOMÉSTICA - IMPOSSIBILIDADE. A Reclamante limitou seu Pedido à reintegração ou, sucessivamente, à indenização do período correspondente. Ocorre, porém, que ao empregado doméstico não se aplica a estabilidade acidentária, conquanto o parágrafo único, do art. 7º, da CF e os artigos 10 e 11, da Lei nº 8.213/91, assegurem a sua integração à Previdência Social, os incisos I e XXII, do art. 7º, não foram estendidos a estes trabalhadores pelo parágrafo único deste artigo. (TRT-PR-02865-2006-663-09-00-7-ACO-39281-2008 - 3A. TURMA - Relator: PAULO RICARDO POZZOLO - Publicado no DJPR em 11-11-2008)