Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A regulamentação dos direitos do consumidor nos contratos de comércio eletrônico.

Análise crítica do Decreto nº 7.962/2013

Exibindo página 1 de 2
Agenda 07/06/2013 às 08:26

O Executivo deixou de regulamentar sobre a devolução dos valores eventualmente adiantados pelo consumidor, na hipótese de não observância da quantidade mínima de consumidores para efetivação do contrato de compra coletiva.

O Governo Federal publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, em 15 de março último, dois importantes decretos visando regulamentar os direitos dos consumidores brasileiros. O primeiro (decreto 7.962/13) dispõe sobre a regulamentação do Código de Defesa do Consumidor – CDC – no tocante à contratação no comércio eletrônico e o segundo (decreto 7.963/13) dispõe acerca da instituição do Plano Nacional de Consumo e Cidadania e da criação da Câmara Nacional das Relações de Consumo.

O objetivo deste estudo é uma análise crítica do decreto 7.962/13, visando indicar a correlação da norma regulamentadora com o texto da lei (lei 8.078/90 – CDC) e apontando suas virtudes e seus eventuais equívocos.

Antes de iniciarmos a avaliação do texto legal, mister tecer alguns comentários acerca da função do decreto regulamentar.

José dos Santos Carvalho Filho[1] ensina que o poder regulamentar é uma prerrogativa da Administração Pública (em todas as suas esferas) de editar normas para complementar a lei, permitindo sua efetiva aplicação.

NATUREZA DO PODER REGULAMENTAR – Em primeiro lugar, o poder regulamentar representa uma prerrogativa de direito público, pois que conferido aos órgãos que têm a incumbência de gestão dos interesses públicos. Sob o enfoque de que os atos podem ser originários e derivados, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz de lei preexistente. Já as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente da Constituição.

Considerando a sua função precípua de regulamentar a legislação que lhe é imediatamente superior (lei), não pode, por certo, o decreto, inovar à lei. Neste sentido é bastante elucidativo o ensinamento da Ministra do STF, Cármen Lúcia constante no voto proferido nos autos da ADI 4.568DF:

“Vale dizer, a Presidente da República não pode, no decreto, senão aplicar o que nos termos da lei foi posto a ser apurado e divulgado. O decreto conterá norma de mera aplicação objetiva, vinculada e formal da lei, sem qualquer inovação possível, sob pena de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e controle pela via legislativa ou judicial.”

Conforme muito bem asseverado pela Exa. Ministra, o decreto deve dispor sobre a  aplicação objetiva, vinculada e formal da lei. Qualquer tentativa de inovação no sistema jurídico via decreto regulamentador pode ser combatida, tanto pela via judicial, como também pelo Congresso Nacional[2], através da edição de decreto legislativo.

Pois bem, após este breve introito, passemos a avaliação do texto legal.

O primeiro dispositivo do decreto visa a delimitação de seu objeto, apontando três direitos básicos dos consumidores a serem regulamentados, visando dar-lhes maior aplicabilidade.

Art. 1º  Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos:

I - informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor;

II - atendimento facilitado ao consumidor; e

III - respeito ao direito de arrependimento.

O inciso I tem como regra matriz o direito básico à informação previsto no art. 6º, III do CDC. A informação ao consumidor é um dos pilares das normas protetivas do consumidor, configurando-se princípio da Política Nacional das Relações de Consumo PNRC (art. 4º, IV do CDC) sendo, ademais, previsto em diversas outras partes do Código.

Prosseguindo, ao dispor sobre o atendimento facilitado ao consumidor (inciso II), o Poder Executivo visou regulamentar as regras basilares de boa-fé nas contratações (art. 4º, III do CDC), bem como parte dos deveres anexos do contrato, dentre os quais a doutrina em geral aponta: de cuidado, de orientação, de segurança, de comunicação e informação (não só informação mas como efetivo esclarecimento), de prestação de contas, de manutenção do equilíbrio das prestações, de sigilo e, ainda, de cuidado com o patrimônio do outro contratante, dentre outros.

A boa-fé contratual e os deveres anexos do contrato são institutos tão relevantes na teoria contratual moderna que foram objeto, inclusive, de discussão na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, a qual resultou na criação do enunciado nº 24 com a seguinte redação:

"Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa"

Desta forma, visando a melhor adaptação ou regulamentação das normas do art. 4º, III do CDC e art. 422 do Código Civil vigente e, ainda, da imposição legal de garantia de adequação do PRODUTO ou SERVIÇO (art. 24 do CDC), mister que o fornecedor mantenha franco e facilitado canal de comunicação com o consumidor para que o mesmo possa, utilizando-se o mesmo meio da contratação (eletrônico), apresentar reclamações e sugestões, pedir informações dentre outras demandas.

Vê-se, portanto, que a regulamentação da facilitação do atendimento do consumidor visa a efetiva aplicação de diversos princípios da teoria contratual e de proteção ao consumidor.

Finalizando este primeiro dispositivo legal, temos a indicação (inciso III) que o texto legal visa regulamentar, ainda, o “respeito ao direito de arrependimento”, direito básico previsto no art. 49 do CDC.

Seguindo na leitura do decreto, o art. 2º, dispõe, com muita propriedade, acerca das informações indispensáveis para maior segurança do consumidor no momento da contratação por meio eletrônico.

Nota-se, o cuidado do texto de lei em apontar que não somente o sítio eletrônico que consta a oferta, mas também eventualmente aquele em que se concretizará a conclusão do contrato de consumo, deverão, alternativamente, disponibilizar, em destaque, seis informações mínimas que envolvem a celebração do negócio jurídico.

Art. 2o  Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:

I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;

II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;

III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;

IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;

V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e

VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

A fim de melhor avaliar os requisitos insertos nos incisos I e II, importante termos em mente que, segundo ensinam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[3], a relação obrigacional é composta por três elementos fundamentais, 1) o subjetivo, sendo sujeito ativo (credor) e sujeito passivo (devedor), 2) o objetivo ou material, consubstanciado na prestação e 3) o elemento ideal, imaterial ou espiritual, isto é, o vínculo jurídico.

Nota-se, portanto, que sendo da natureza do contrato a existência do sujeito ativo e passivo, nada mais lógico que neste negócio jurídico a ser celebrado por meio digital, logo, sem contato direto entre as partes, a plataforma de negociação (site) contenha, com muita clareza, a identificação exata e detalhada não só do consumidor (devedor), que preenche, sempre, minucioso cadastro on-line, mas também do fornecedor (credor), com indicação do nome empresarial, CNPJ/CPF, além de indicação de endereço, telefone e e-mail de contato.

Ademais, em exato atendimento ao art. 6º, III e 31 do CDC, deverão os sites de oferta ou os responsáveis pela conclusão do contrato, indicar com o máximo de clareza e precisão as características do produto/serviço, a discriminação completa do preço incluindo-se todas as despesas adicionais ou acessórias e, por fim, as condições integrais da oferta contemplando, ostensivamente, quaisquer restrições à fruição da oferta.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Passando à leitura do art. 3º do decreto, observa-se que o mesmo visa regulamentar, especificamente, as informações as quais os sites que praticam as chamadas “compras coletivas” ou modalidades análogas devem prestar ao consumidor.

Art. 3o  Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, além das informações previstas no art. 2o, as seguintes:

I - quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato;

II - prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e

III - identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado, nos termos dos incisos I e II do art. 2o.

Não existe norma jurídica definindo o que seriam “compras coletivas”[4]. Assim, na ausência de preceito legal orientador, valemo-nos, portanto, da definição técnica estabelecida no Código de Ética do Comitê de Compras Coletivas, da CAMARA-E.NET[5].

Artigo 1º - Para fins do presente Código, os termos abaixo terão a seguinte definição:

COMPRAS COLETIVAS: Uma modalidade de e-commerce que tem como objetivo vender produtos e serviços de diversos tipos de estabelecimentos empresariais para um número mínimo pré-estabelecido de consumidores por oferta.

Nota-se, pela definição acima, que o site de compras coletivas, na verdade oferece ao público produtos ou serviços de terceiros. A empresa operadora do site de compras coletivas, de forma geral, negocia com a sua parceira comercial descontos na aquisição de um número determinado de produtos.  A partir desta negociação, oferece o produto deste parceiro em seu site, geralmente a preços inferiores ao do mercado convencional, justamente em razão desta negociação de um número elevado de produtos/serviços.

Todavia, não se trata de uma oferta convencional. O negócio jurídico firmado com o consumidor possui uma condição suspensiva[6], qual seja, o contrato somente terá eficácia se um determinado número de consumidores contratarem o serviço ou adquirirem o produto.

Estas são, pois, as peculiaridades que determinam a necessidade de regulamentação específica deste tipo de contratação. Além das informações constantes no art. 2º, os sites de compras coletivas são obrigados a informar, adicionalmente, ao consumidor: 1) a quantidade mínima de consumidores para validação da oferta (condição suspensiva do contrato); 2) o prazo para utilização da oferta pelo consumidor e 3) identificação do parceiro comercial. Importante ressaltar que estas informações já constavam no art. 7º[7] do citado Código de Ética do Comitê de Compras Coletivas da Câmara-E.net, instrumento este que, todavia, não possui força normativa.

Levando em conta que a identificação do parceiro comercial é indispensável para que o consumidor possa exercer seus direitos inerentes à aquisição do produto ou prestação do serviço, o decreto determina a obrigação da empresa responsável pelo site de compras coletivas em indicar, também, os dados dos parceiros comerciais referidos no art. 2º, I e II, quais sejam: 1) nome empresarial, 2) CNPJ/CPF; 3) endereço físico/eletrônico e 4) outros dados como telefone, e-mail, fax etc.

Cumpre ressaltar que o Poder Executivo pecou ao não regulamentar a forma de devolução dos valores eventualmente adiantados pelo consumidor, na hipótese de não observância da quantidade mínima de consumidores para efetivação do contrato. Em razão da ausência de regulamentação, cada empresa adota um procedimento para devolução, muitos deles lesivos aos interesses dos consumidores, como a devolução em forma de créditos dentre outros.

Passada a regulamentação do direito à informação, o art. 4º do decreto trata do atendimento ao consumidor, determinando critérios e mecanismos mínimos de relacionamento entre fornecedor e consumidor, na fase pré-contratual, de execução do contrato e pós-contratual.

Antes de avaliar o dispositivo legal em si, mister uma rápida análise da relação contratual. Desde a edição do CDC, ficou clara a preocupação do legislador pátrio com a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. As regras dos artigos 4º, I, 6º, VIII e art. 46 comprovam o alegado. O consumidor sempre foi, e sempre será, o elo mais fraco da relação de consumo e, durante muitos anos, sujeitou-se à aceitação da vontade contratual do fornecedor em razão do poder econômico deste, por desconhecimento técnico e jurídico dos termos dos contratos e, em muitos casos, em razão do próprio desconhecimento pleno do objeto contratual.

Todavia, a legislação de defesa do consumidor buscou equilibrar essa desigualdade com regras protetivas, que visam equilibrar o pacto contratual. O CDC adotou como norte não só a necessidade de prévia ciência do termo contratual mas, ainda, a sua cognoscibilidade e  inteligibilidade. Não basta, portanto, o consumidor saber ler o contrato, deve efetivamente conhecê-lo e entendê-lo para poder exercer, de forma livre e consciente, sua vontade em contratar.

Não bastasse o exposto, verifica-se que a proteção contratual do consumidor é, ainda, mais ampla. O CDC prevê a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais benéfica ao consumidor (art. 47), a nulidade de diversas espécies de cláusulas contratuais lesivas (art. 51) e regras para a estipulação de contratos de adesão (art. 54), dando especial atenção, no §4º, às cláusulas de limitação de direitos.

Nota-se, portanto, que a liberdade contratual é, de certa forma, controlada pelo Estado para garantir a verdadeira isonomia entre os sujeitos contratuais, e a necessidade de se fortalecer a plena liberdade de contratação.

Nesta toada, continuando na leitura do texto do decreto, dispõe o inciso I do art. 4º, ser necessária a apresentação, antes da contratação, de um sumário do contrato, o qual deve enfatizar as informações básicas necessárias ao livre direito de escolha e as cláusulas limitativas de direitos.

Art. 4o  Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá:

I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos;

Em que pese a boa intenção de regulamentar mais um mecanismo de facilitação do entendimento do contrato pelo consumidor, parece-me que a imposição constante neste dispositivo exacerba o poder regulamentar. O decreto, como visto anteriormente, não pode inovar o ordenamento jurídico. Determinar ao fornecedor que além da entrega do contrato (inciso IV), faça também a entrega de um “sumário”, com informações não concretamente definidas, considerando a imprecisão da expressão “informações necessárias”, fere, ao meu ver, o poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo e invade, indevidamente, a competência legislativa do Congresso Nacional. Não obstante, o uso de termos ou expressões vagos e imprecisos afronta, diretamente , as regras de redação legislativa em especial o art. 11, II, “a” da lei complementar 95/98.

Seguindo na leitura do art. 4º, os incisos II a VI tratam, especificamente, da disponibilização de ferramentas de comunicação entre consumidor e fornecedor.

II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;

III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;

IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;

V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;

VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e

VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.

Parágrafo único. A manifestação do fornecedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor.

Conforme já foi ressaltado anteriormente, dentre os diversos deveres anexos ao contrato estão os princípios da informação, da transparência, do aconselhamento e da comunicação. A regulamentação de um eficaz meio de atendimento aos consumidores, nada mais é que dar concretude à estes princípios.

Outro ponto de destaque na regulamentação introduzida pelo decreto 7.962/13 é o da simetria do meio de comunicação ou contratação. Isto é, sendo eletrônico o meio escolhido para a contratação, deve também se dar por meio eletrônico a comunicação dos atos prévios a efetivação do contrato (aceitação da oferta), do envio do contrato em meio que permita a conservação e reprodução (ex: arquivo digital com extensão *.pdf ou *.doc) e da confirmação das demandas do consumidor, que deverão ser respondidas em até 05 dias (art. 4º, parágrafo único).

Finalizando a leitura do art. 4º do decreto, temos, no inciso VII, a inclusão de dispositivo que determina a utilização de “mecanismos de segurança eficazes” para pagamento e tratamento dos dados do consumidor.  Tal previsão se coaduna com o disposto no art. 4º, caput, inciso II alínea “d” e inciso V e  art. 6º, I do CDC.

Importante ressaltar, contudo, que a regra embora juridicamente correta, em nada acresce ou regulamenta o tema da segurança das contratações, sendo demasiadamente genérica e abstrata.

Outro direito básico regulamentado pelo decreto 7.962/13 é o Direito de Arrependimento, previsto no art. 49 do CDC[8].

Antes de adentrarmos à análise dos dispositivos, cabe aqui questionar se não seria o momento de se regulamentar questões recorrentes que chegam diariamente aos Procons e ao Poder  Judiciário. Em que pese o instituto do direito de arrependimento mostrar-se importante ferramenta protetiva do consumidor, que possibilita a devolução de mercadorias ou serviços adquiridos sem o contato físico ou plena ciência do objeto do contrato, tem-se verificado, em alguns casos, o uso abusivo ou arbitrário deste direito. Explico. Como pode o consumidor de um E-book (livro em formato digital) pretender a devolução do arquivo digital após o seu recebimento? Como pode um consumidor após ter assistido um filme locado pelo sistema on-demand (vizualização do filme via internet), pleitear a devolução do valor da locação avocando o direito de arrependimento. É certo que o legislador de 1990 não poderia prever este tipo de tecnologia, mas é evidente que poderiamos, interpretando a vontade do legislador e avaliando o curso da história, regulamentar o art. 49 do CDC segundo a realidade que nos cerca.

Passado a observação quanto ao alcance do instituto do direito de arrependimento, vejamos o que dispõe o caput do art. 5º.  O referido dispositivo impõe o dever do fornecedor de informar clara e ostensivamente o meio pelo qual o consumidor poderá exercer o direito de arrependimento, ressaltando no §1º que este meio deve ser o mesmo meio utilizado pela contratação (adotando-se a regra de simetria prevista no código civil art. 472[9]) ou, ainda, outros meios disponíveis (pessoalmente, por telefone, fax, etc.).

Art. 5o  O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

§ 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

O §2 do art. 5º dispõe acerca da consequência do exercício do direito de arrependimento, qual seja a rescisão[10] dos contratos assessórios e, o §3º, a obrigação do fornecedor em comunicar à instituição financeira ou administradora do cartão de crédito o cancelamento da operação ou o estorno do valor.

§ 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

§ 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou

II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

Muita polêmica, certamente, advirá destes dispositivos.

Primeiro, pela amplitude que se dará à expressão “contratos acessórios”. Pela definição do art. 92 do Código Civil[11], defini-se como acessório “aquele cuja existência pressupõe a do principal”.  Muito se discute na doutrina a natureza dos contratos de financiamento atrelados ao de compra e venda. Em geral afirmam os doutrinadores não se tratar de contratos acessórios, mas de contratos coligados ou conexos.

Neste sentido, vejam o ensinamento do professor Orlando Gomes[12]. “Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria, por isso se distinguindo dos contratos mistos.”

Sobre a conexidade dos contratos ensina Cláudia Lima Marques[13], “A conexidade é, pois, o fenômeno operacional econômico de multiplicidade de vínculos, contratos, pessoas e operações para atingir um fim econômico unitário e nasce da especialização das tarefas produtivas, da formação de redes de fornecedores no mercado e, eventualmente, da vontade das partes .

O STJ, já enfrentou o tema sendo paradigmático o voto do Ministro Ruy Rosado sobre o tema, do qual se extrai o seguinte trecho.

“(...)Quando se cuida de contratos coligados, as circunstâncias do negócio é que determinarão quais as relações entre eles, e quando um não pode permanecer sem o outro, de modo que o descumprimento da obrigação de um possa influir também na conservação ou extinção do outro, desfazendo-se o negócio total. (...)”

(RESP 337.040 min. Ruy Rosado de Aguiar)

Ainda o STJ:

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO. NECESSIDADE. CONTRATOS COLIGADOS. UNIDADE DE INTERESSES ECONÔMICOS. RELAÇÃO DE INTERDEPENDÊNCIA EVIDENCIADA. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. TÍTULO EXECUTIVO. INEXIGIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 985.531 - SP (2007⁄0221223-2)

Temos, portanto que houve um equivoco nos institutos jurídicos, não se tratando, os contratos de financiamento, de contratos acessórios mas sim de contratos coligados/conexos ao de compra e venda ou de prestação de serviço. Certamente o contrato de financiamento tem por objetivo a consecução do contrato de compra e venda mas, não necessariamente é dependente deste para sua existência.

Tendo em vista o exposto, vê-se que, o que realmente pretende-se regulamentar, é a resilição de contrato coligado/conexo e não de contrato acessório. Ocorre que não há no direito positivado, previsão neste sentido. Conforme noticiado anteriormente, o poder judiciário vem, apenas no caso concreto, e avaliando o necessário vínculo econômico, determinando a rescisão dos contratos coligados/conexos, mesmo a despeito da existência de lei expressa neste sentido.

Salvo melhor juízo, carece de legalidade, então, a regulamentação constantes nos §§ 2º e 3º do art. 5º do decreto 7.962/13, já que, neste ponto, inova, indevidamente, o ordenamento jurídico, conforme já discutido na introdução deste estudo.

Cumpre ressaltar que já existe projeto de lei (PLS281/12[14]) em tramitação no Senado Federal, expressamente dispondo sobre a rescisão dos contratos coligados/conexos de crédito (§4º da proposta de redação do art. 49 do CDC).

Finalizando a análise do art. 5º, temos o §4º que dispõe ter o fornecedor que confirmar, de imediato, o recebimento da manifestação do consumidor do arrependimento na celebração do contrato eletrônico.

§ 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

Prosseguindo, o art. 6º do decreto, visa regulamentar os arts. 30 e 31 do CDC[15],  reiterando a obrigação de cumprimento dos termos da oferta e minudenciando a expressão “entre outros dados” indicadas no art. 31, fazendo incluir, quanto à entrega de produtos e serviços, a necessária observância dos prazos, quantidade, qualidade e adequação.

Art. 6o  As contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação.

Já o  art. 7º do decreto dispõe que a infração à quaisquer condutas determinadas na regulamentação sujeitam os infratores às penalidades administrativas previstas no CDC.

Art. 7o  A inobservância das condutas descritas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei no 8.078, de 1990.

Finalizando a análise da regulamentação do comércio eletrônico temos que, na forma do art. 8º do decreto, as regras previstas nos arts. 2º, 3º e 9º do decreto 5.903/06 aplicam-se às contratações eletrônicas.

Art. 8o  O Decreto no 5.903, de 20 de setembro de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 10.  ........................................................................

Parágrafo único. O disposto nos arts. 2o, 3o e 9o deste Decreto aplica-se às contratações no comércio eletrônico.” (NR)

Vejamos o que dispõem os referidos dispositivos legais:

Art. 2o  Os preços de produtos e serviços deverão ser informados adequadamente, de modo a garantir ao consumidor a correção, clareza, precisão, ostensividade e legibilidade das informações prestadas.

§ 1o  Para efeito do disposto no caput deste artigo, considera-se:

I - correção, a informação verdadeira que não seja capaz de induzir o consumidor em erro;

II - clareza, a informação que pode ser entendida de imediato e com facilidade pelo consumidor, sem abreviaturas que dificultem a sua compreensão, e sem a necessidade de qualquer interpretação ou cálculo;

III - precisão, a informação que seja exata, definida e que esteja física ou visualmente ligada ao produto a que se refere, sem nenhum embaraço físico ou visual interposto;

IV - ostensividade, a informação que seja de fácil percepção, dispensando qualquer esforço na sua assimilação; e

V - legibilidade, a informação que seja visível e indelével.

Art. 3o  O preço de produto ou serviço deverá ser informado discriminando-se o total à vista.

Parágrafo único.  No caso de outorga de crédito, como nas hipóteses de financiamento ou parcelamento, deverão ser também discriminados:

I -  o valor total a ser pago com financiamento;

II - o número, periodicidade e valor das prestações;

III - os juros; e

IV - os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento ou parcelamento.

 Art. 9o  Configuram infrações ao direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei no 8.078, de 1990, as seguintes condutas:

I - utilizar letras cujo tamanho não seja uniforme ou dificulte a percepção da informação, considerada a distância normal de visualização do consumidor;

II - expor preços com as cores das letras e do fundo idêntico ou semelhante;

III - utilizar caracteres apagados, rasurados ou borrados;

IV - informar preços apenas em parcelas, obrigando o consumidor ao cálculo do total;

V - informar preços em moeda estrangeira, desacompanhados de sua conversão em moeda corrente nacional, em caracteres de igual ou superior destaque;

VI - utilizar referência que deixa dúvida quanto à identificação do item ao qual se refere;

VII - atribuir preços distintos para o mesmo item; e

VIII - expor informação redigida na vertical ou outro ângulo que dificulte a percepção.

Logo, assim como no comércio em geral, também na contratação por meio  eletrônico o consumidor deverá ser informado, no caso de outorga de crédito: 1) o valor total a ser pago com financiamento; 2) o número, periodicidade e valor das prestações; 3) os juros; e 4) os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento ou parcelamento.  Além disso prevê o art. 9º do decreto 5.903/06 uma série de regras visando impedir condutas comerciais que pretendam dificultar o perfeito conhecimento do valor do produto ou que privilegie a informação do valor das parcelas do financiamento em detrimento ao valor total, de forma a tentar induzir o consumidor a erro quanto ao efetivo preço do produto. 

Realizada a devida avaliação do texto do decreto, mister apontar duas importantes conclusões.

Em que pese a edição do decreto ser muito valiosa, a comunidade jurídica acompanha, com muita apreensão, a tão discutida atualização do CDC. Elaborada por notável comissão de Juristas e apresentada ao Senado em agosto de 2012, em três projetos de lei distintos (PLS 281, 282 e 283), esta atualização trata, com maior profundidade, do comércio eletrônico. O PLS 281 propõe alteração substancial do direito de arrependimento, acrescenta alguns direitos básicos à lista do art. 6º do CDC e regula, nos arts. 45A a 45E, temas como a oferta por meio eletrônico, atendimento ao consumidor, confirmação da aceitação da oferta, envio de contrato em suporte duradouro, proibição do SPAM, proteção aos dados pessoais do consumidor. Dispõe, ainda, o referido PLS sobre a criação de nova penalidade administrativa (suspensão temporária ou proibição de oferta e comércio eletrônico), além de medidas para assegurar o cumprimento desta penalidade (art. 59, §4º), sobre o crime de manipulação indevida dos dados pessoais do consumidor e, por fim, sobre a competência em ações judicias de responsabilização contratual e extracontratual relativas ao fornecimento a distância, inclusive internacional, de produtos e serviços. Para melhor comparar o texto do PLS281 com o do decreto 7.962/13 foi elaborada tabela comparativa que encontra-se anexa a este estudo.

É necessário reconhecer, todavia, que, embora o decreto, com suas naturais limitações, não trate do comércio eletrônico com toda a profundidade necessária, esta nova regra inegavelmente  trará uma maior segurança aos e-consumidores e permitirá, a partir de 14 de maio de 2013[16], uma uniformização na maneira de se ofertar produtos pela internet. Não sobram dúvidas, portanto, da importância do esforço do SENACON e do Ministério da Justiça, em regulamentar, de forma corajosa, o texto do CDC, que embora consiga resolver grande parte dos conflitos atuais, devido à consistência e efetividade de suas regras principiológicas e atemporais, foi editado há mais de vinte anos e não poderia, por óbvio, prever a complexidade do tema tratado neste estudo.

Sobre o autor
Eduardo de Souza Floriano

Procurador do Município de Juiz de Fora. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito social. Especialista em Administração Pública Municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLORIANO, Eduardo Souza. A regulamentação dos direitos do consumidor nos contratos de comércio eletrônico.: Análise crítica do Decreto nº 7.962/2013. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3628, 7 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24645. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!