4 CONCLUSÃO
Ainda que se possa dizer que, no controle de constitucionalidade pela via difusa, a coisa julgada não deverá atingir terceiros. Isto não quer dizer, contudo, que a pronúncia incidental de inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal, não tenha relevância social – mormente quando se leva em conta a previsão contemporânea de alguns mecanismos como a súmula de efeitos vinculantes, por exemplo.
As pronúncias de inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle pela via concentrada, por sua vez, implicam, em geral, decisões de eficácia erga omnes, podendo-se destacar, a partir do advento da Lei 9868 de 1999, a possibilidade de modulação dos efeitos da respectiva decisão.
Pode-se dizer que a expressão “coisa julgada inconstitucional” não é, a rigor, a mais adequada, já que, na realidade, nos casos a que tal expressão faz referência, é a sentença à qual o instituto está relacionado quem tomou fundamentos inconstitucionais.
A natureza de uma sentença que tem por fundamento uma norma ou interpretação posteriormente declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, dependerá do teor da decisão por meio da qual se der o controle de constitucionalidade – o que se adapta perfeitamente ao sistema vigente que possibilita a modulação dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal.
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Notas
[1] Em virtude do recorte temático específico, assim, este artigo não tratará de questões extremamente relevantes, como a distinção entre as noções formal e material da coisa julgada, da finalidade do instituto, ou da definição de seus limites objetivos e subjetivos, por exemplo. Para uma abordagem de tais aspectos do estudo da coisa julgada, cf. Antunes (2012) e Antunes e Bellinetti (2010).
[2] É de se destacar que não se nega a importância da investigação científica minuciosa do controle de constitucionalidade em suas formas difusa e concentrada. Neste sentido, Magalhães afirma que “A existência de mecanismos adequados e eficazes de controle de constitucionalidade é condição fundamental para a supremacia constitucional e a segurança jurídica, essência do moderno estado de direito. De nada adiantam a existência de limites materiais, circunstanciais, temporais e formais que marcam a rigidez constitucional se não existem eficazes meios de controle, e afastamento do ordenamento jurídico e da vida das pessoas, dos atos e leis que contrariam estes limites” (2009). Abster-se-á, todavia, de se incluir considerações a este respeito, no estudo que ora se apresenta, em virtude dos estreitos limites de seu objeto central. Vale mencionar, contudo, que o tema já foi objeto de análise mais específica, especialmente no que se refere à investigação dos limites do exercício do controle de constitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal, em um cenário democrático (cf. ANTUNES E BELLINETTI, 2009).
[3] A definição dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada e suas respectivas implicações constitui, também, tema de diferenciada importância, que se encontra, todavia, além dos estreitos limites do estudo que ora se apresenta. Vale aqui, de qualquer forma, a título de esclarecimento, a respeito dos limites objetivos da coisa julgada, a síntese perspicaz de Liebman: “[...] é exata a afirmativa de que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença. A expressão, entretanto, deve ser entendida em sentido substancial e não apenas formalístico, de modo que compreenda não apenas a frase final da sentença, mas também tudo quanto o juiz porventura haja considerado e resolvido acerca do pedido feito pelas partes. Os motivos são, pois, excluídos, por essa razão, da coisa julgada, mas constituem amiúde indispensável elemento para determinar o alcance do dispositivo” (1976, p. 164).
[4] Isto não implica que se imponha a coisa julgada, enquanto qualidade dos efeitos da pronúncia do Supremo Tribunal Federal, em relação a terceiros. Trata-se aqui de outros possíveis efeitos reflexos, conforme se procurará demonstrar.
[5] Zavascki menciona, ainda, no rol do que considera serem as mais significativas eficácias reflexas da decisão incidental sobre a constitucionalidade de uma determinada norma, pelo Supremo Tribunal Federal, uma força vinculante para os demais tribunais e, ainda, uma “força de precedente” de suas decisões (2001, p. 30 a 39).
[6] Sobre a distinção, de fundamental importância, entre a autoridade da coisa julgada e a eficácia natural da sentença, cf. Liebman (1981, 53 e 54).
[7] De acordo com Tucci, “[…] verifica-se que esse diploma legal acabou ampliando de modo expressivo a eficácia vinculante dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, no tocante ao controle direto da constitucionalidade das leis” (2006, p. 337).
[8] A este respeito, pontuam Mendes, Coelho e Branco que “O texto constitucional consagra [...] o efeito vinculante das decisões proferidas em ADI e ADC relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, § 2°). Também o art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99 estabelece o efeito vinculante da declaração de constitucionalidade, da declaração de inconstitucionalidade, inclusive da interpretação conforme à Constituição, e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” (2009, p. 1325).
[9] O que leva à conclusão de que se pode falar, também no que se refere a decisões que se pronunciam sobre a inconstitucionalidade abstrata de uma determinada norma, em coisa julgada material.
[10] Que ocorrerá quando a norma infraconstitucional anteriormente declarada constitucional for incompatível com o texto constitucional resultante de uma reforma posterior, por Emenda Constitucional, ou pela recepção de determinados tratados internacionais, na forma do art. 5°, §§ 2° e 3°, da Constituição Federal.
[11] Procurar-se-á analisar alguns dos desdobramentos do artigo 27, da Lei 9868 de 1999, na próxima seção, que tratará da questão da denominada coisa julgada inconstitucional.
[12] Excetuando-se a possibilidade de interposição de embargos de declaração.
[13] Cabe aqui, aliás, a lembrança de que os motivos não fazem, no Brasil, coisa julgada, por conta da determinação do artigo 469, do Código de Processo Civil.
[14] Vale, neste ponto, lembrar a lição de Neves, segundo quem “a inconstitucionalidade [...] é um problema de relação intra-sistemática de normas jurídicas, abordado do ponto de vista interno, conforme os critérios de validade contidos nas normas constitucionais. Não se confunde com o problema da injustiça ou ilegitimidade social” (1988, p. 70).
[15] Sobre as distinções entre a teoria monista ou unitária e a teoria dualista, é elucidativa a lição de Marinoni: “As concepções de ‘justa composição da lide’, de Carnelutti, e de ‘atuação da vontade concreta do direito’, elaborada por Chiovenda, são ligadas a uma tomada de posição em face da teoria do ordenamento jurídico, ou melhor, à função da sentença diante do ordenamento jurídico. Para Chiovenda, a função da jurisdição é meramente declaratória; o juiz declara ou atua a vontade da lei. Carnelutti, ao contrário, entende que a sentença torna concreta a norma abstrata e genérica, isto é, faz particular a lei para os litigantes. Para Carnelutti a sentença cria uma regra ou norma individual, particular para o caso concreto, que passa a integrar o ordenamento jurídico, enquanto que, na teoria de Chiovenda, a sentença é externa (está fora) ao ordenamento jurídico, tendo a função de simplesmente declarar a lei, e não de completar o ordenamento jurídico. A primeira concepção é considerada adepta da teoria unitária e a segunda da teoria dualista do ordenamento jurídico, sendo que essas teorias também são chamadas de constitutiva (unitária) e declaratória (dualista)” (2006, p. 21).
[16] Todavia, para parte bastante significativa da doutrina, conforme salientado, já, na seção anterior, se o Supremo Tribunal Federal pronuncia a constitucionalidade de uma determinada norma, pela via do controle concentrado, ficaria, ele também, impedido de pronunciar, posteriormente, a sua inconstitucionalidade – exceto quando houvesse uma causa superveniente de tal inconstitucionalidade.
[17] A autora oferece, ainda, um par de exemplos que podem ser elucidativos de suas conclusões. Nas suas palavras, “[...] tanto uma condenação faticamente absurda, de uma esposa carregar seu marido diariamente para o serviço, no colo, como a concessão de elevados danos morais por ofensa irrisória, tão elevados que poderiam vir a reduzir o condenado à insolvência ou falência, não podem ser aceitas como decisões judiciais, a transitar em julgado, pela absurdidade que encerram. Na primeira hipótese não teria havido possibilidade jurídica do pedido por falto de absoluto amparo legal ao pedido. Na segunda, a desproporcionalidade entre o dano e a indenização entre a causa de pedir e o pedido obstaria houvesse a possibilidade jurídica do pedido” (THEREZA ALVIM, 2008, p. 404 e 405).
[18] Segundo a lição de Chiovenda, que menciona “profunda diferença” entre a inexistência e a nulidade, “é inexistente a sentença prolatada por quem não é juiz; a sentença que não contém decisão; a sentença não escrita e não publicada” (2002, p. 239).
[19] O autor, aliás, considera que “se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio ‘lex posterior derogat priori’, mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional” (KELSEN, 2003, p. 300).
[20] A este respeito, pontua Neves que “o sistema jurídico reconhece a possibilidade de incompatibilidade entre normas legais e constitucionais, e, conseqüentemente, funcionando a Constituição como critério (fundamento) imediato de validade das leis, também reconhece a pertinência inválida (defeituosa) de normas legais, enquanto não haja o ato específico de expulsão” (1988, p. 76); isto porque, segundo o autor, “o sistema jurídico funciona com base no princípio da autoridade, o que implica, do ponto de vista pragmático, a imperatividade de suas normas inválidas” (NEVES, 1988, p. 80).
[21] Segundo a observação de Barroso, “as leis e atos normativos, como os atos do Poder Público em geral, desfrutam de presunção de validade. Isso porque, idealmente, sua atuação se funda na legitimidade democrática dos agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais [...]” (2009, p. 300).
[22] Para maiores esclarecimentos a respeito do princípio da presunção de legitimidade das normas jurídicas, cf. Ferrari (2004, p. 77 e 78).
[23] A fim de que esta dedução reste mais clara, vale referir as considerações do próprio autor, a respeito do que chama de “decisões ilegais”: “O fato de a ordem jurídica conferir força de caso julgado a uma decisão judicial de última instância significa que está em vigor não só uma norma geral que predetermina o conteúdo da decisão judicial, mas também uma norma geral segundo a qual o tribunal pode, ele próprio, determinar o conteúdo da norma individual que há de produzir. Estas duas normas formam uma unidade. Tanto assim que o tribunal de última instância tem poder para criar, quer uma norma jurídica individual cujo conteúdo se encontre predeterminado numa norma geral criada por via legislativa ou consuetudinária, quer uma norma jurídica individual cujo conteúdo se não ache deste jeito predeterminado mas que vai ser fixado pelo próprio tribunal de última instância. Mas também o fato de a decisão do tribunal de primeira instância, e do tribunal de qualquer outra instância que não seja a última, ser, de acordo com as disposições da ordem jurídica, apenas anulável, quer dizer, o fato de ela permanecer válida enquanto não for anulada por uma instância superior, significa que estes órgãos recebem da ordem jurídica poder para criar, ou uma norma jurídica individual cujo conteúdo se encontra prefixado na norma jurídica geral, ou uma norma jurídica individual cujo conteúdo se não encontra predeterminado mas é estabelecido por estes mesmos órgãos - com a diferença de que a validade destas normas jurídicas individuais é apenas uma validade provisória, isto é, pode ser anulada através de um determinado processo [...]” (KELSEN, 2003, p. 297 e 298).
[24] Isto além dos demais motivos já mencionados, como o próprio princípio da segurança, por exemplo.
[25] Aqui, remete-se às citações doutrinárias já transcritas, no transcorrer desta seção, e aos termos da própria Lei 9.868/99.
[26] A este respeito, Ferrari, com referências a Piero Calamandrei, assevera que “[...] a sentença que decreta a inconstitucionalidade tem caráter constitutivo – sem desprezarmos a carga declaratória própria de todas as sentenças [...]” e que “[...] em determinados casos pode ter alcance ex tunc, já que normalmente deve ela operar ex nunc, projetando seus efeitos para o futuro [...]” (2004, p 176). A autora afirma, ainda, com alusão a Kelsen, que “[...] uma norma jurídica é sempre válida, não podendo ser nula, mas podendo ser anulada, e assim admite diversos graus de anulabilidade” (2004, p. 175).
[27] Pode ser elucidativa a observação de Marinoni e Arenhart, a respeito da modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade: “note-se que a Constituição portuguesa, em que buscou inspiração o legislador brasileiro para editar a Lei 9.868/99 – que ‘dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal’ –, ao admitir a eficácia ex tunc da decisão de inconstitucionalidade (art. 282, n. 1), ressalva expressamente a coisa julgada material” (2008, p. 301).
[28] Isto é o que determina, aliás, a ordem legal vigente, tendo em vista o disposto no artigo 27, da Lei 9.868/1999; ou seja, o dispositivo legal pronunciado inconstitucional é, em regra, tido como nulo ab initio.
[29] É de se pontuar que os meios especificamente previstos no ordenamento jurídico em vigor para a impugnação da autoridade da coisa julgada que tenha agasalhado uma determinada sentença são a ação rescisória (art. 485 a 495, do Código de Processo Civil), a impugnação ao cumprimento de sentença, por inconstitucionalidade (art. 475-L, § 1º, do Código de Processo Civil) e os embargos à execução contra a Fazenda Pública, por inconstitucionalidade (art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil).
ABSTRACT: This essay regards to the institute of res judicata, related to the unconstitutionality of legal rules, in general and also related to decisions of law suits, in specific. It initiates with a brief analysis of the application of the res judicata concerned to decisions granted in the exercise of Constitutionality Control, in the diffuse via and the concentrated via, by the Judiciary. It analyzes the question of the application of the institute of res judicata to decisions granted on unconstitutional basis. Seeks to associate the nature of the decision granted on unconstitutional basis to the possibility of modulating the effects of the judgment granted in the exercise of the concentrated Constitutionality Control.
KEYWORDS: Res Judicata. Constitutionality Control. Unconstitutional Legal Rules.