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A prisão decretada pela autoridade de polícia judiciária militar nos crimes militares próprios

Agenda 22/10/2013 às 09:10

Aborda a exceção constitucional referente a ordem de prisão expedida por autoridade de polícia judiciária militar em caso de crimes propriamente mlitares.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 – CF/88 disciplinou em seu art. 5º, LXI as hipóteses em que o cidadão pode ver tolhida sua liberdade em decorrência da prática de ato delituoso.[2]

Dentre estas hipóteses, está inserida a prisão decorrente da prática de fato definido como crime propriamente militar.

Tal previsão não ficou restrita a situação de flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, sendo, juntamente com a transgressão disciplinar militar, as únicas exceções que viabilizam a prisão do militar por autoridade administrativa sem a necessidade de determinação judicial.

Crime Militar Próprio e Impropriamente Militar

O conceito doutrinário de crime propriamente militar possui duas vertentes de exegese: conceituam-se crimes propriamente militares os crimes militares que somente podem ser praticados pelos militares como únicos sujeitos ativos de tais delitos; ou, conceitua-se crime propriamente militar os crimes que são tipificados apenas no código penal militar, sem correspondência na lei penal comum, podendo ser também praticados por civis[3].

Entendemos desnecessária tal diferenciação, pois a lei penal militar, decreto – lei 1001/69 (código penal militar) dá interpretação autêntica ao conceito de crime propriamente militar no seu art. 9º, I.

Neste sentido, Souza aduz sobre a diferenciação dos crimes propriamente e impropriamente militares (estes, com correspondência na lei penal comum):

Reconhece a doutrina dois tipos de crime militar: o propriamente militar e o impropriamente militar. O crime propriamente militar é o tipificado no art. 9º, inciso I, do Decreto-Lei nº 1.001/69, quais sejam os crimes de que trata o Código Penal Militar, "quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial". Ou seja, todos os crimes, independentemente do agente ou do local onde foram praticados, que tenham por sede de sua tipificação apenas o Código Penal Militar ou que sejam tipificados no CPM e na lei penal comum - Código Penal ou lei extravagante -, porém de modo diverso, são crimes militares.

Já o crime impropriamente militar, tipificado nos incisos II e III do art. 9º do CPM, é aquele que, embora previsto de maneira idêntica, tanto no Código Penal Militar, como na lei penal comum, é praticado, respectivamente, por militar em atividade, presentes determinadas condições (ex.: contra outro militar, em lugar sujeito à administração militar, durante períodos de manobra etc), ou por militar da reserva, ou reformado ou civil, contra as instituições militares, também presentes condições específicas (contra patrimônio sob administração militar, em lugar sujeito à administração militar contra militar etc). [4]

Assim, por imposição legal, crime militar próprio é aquele que somente possui definição legal (tipificação) na parte especial do Código Penal Militar – CPM, sem correspondência na lei penal comum.

Da Decretação da Prisão Processual Penal pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar no curso da Investigação Preliminar e o controle Judicial

Abrindo exceção à regra da prisão em situação de flagrante delito ou ordem expedida por autoridade judiciária competente, o constituinte possibilitou a autoridade administrativa militar, quando se deparar com a apuração de fato que se subsuma em hipótese de crime propriamente militar, decretar a prisão processual penal do acusado, sem a necessidade de solicitar autorização à autoridade judicial.

Visa a norma constitucional com o permissivo preservar com vigor a hierarquia e disciplina militares, possibilidade esta que não encontra correspondência na legislação pertinente ao civil.

Entretanto, a prisão decretada no curso do Inquérito Policial Militar no qual se apura delito propriamente militar, não fica alhures ao controle de legalidade e pertinência pela autoridade judiciária militar.

Da mesma forma que a prisão em flagrante (também efetuada pela autoridade administrativa) a ordem de prisão nos crimes militares próprios deve obrigatoriamente ser convertida em prisão processual penal militar (temporária ou preventiva) ou ser relaxada a prisão concedendo-se a liberdade provisória ao detido.

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A fim de afastar a prisão arbitrária e desnecessária, deve ser observada pela autoridade de polícia judiciária militar quando se deparar com a apuração do crime propriamente militar, os mesmos requisitos necessários à prisão preventiva para decretar a prisão do investigado no curso do IPM que apura o crime propriamente militar.[5]

A excepcionalidade da medida não deve ser utilizada em qualquer caso, mas apenas em crimes militares próprios que necessitam da custódia cautelar do acusado, nos moldes dos requisitos para decretação da prisão preventiva.

Lopes Jr. define os pressupostos para a decretação da custódia cautelar do acusado:

No processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível. Logo, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a ocorrência do fumus commissi delicti, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais especificamente, na sistemática do CPP, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

(...) omissis

Logo, o fundamento é um periculum libertatis, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado.[6]

Verificando a autoridade de polícia judiciária a necessidade de custodiar o acusado no curso da investigação policial militar, pode lançar mão desta via legal para decretar a prisão do investigado, comunicando as razões do ato ao juiz de direito da auditoria militar, que nos moldes do recebimento do auto de prisão em flagrante, decretará a prisão preventiva ou concederá a liberdade provisória. Não há que se falar em homologação da prisão, uma vez que tal mister independe da concordância da autoridade judiciária, sendo prerrogativa da autoridade administrativa o juízo de conveniência e oportunidade do ato.

CONCLUSÃO

O direito processual penal militar possui um rigor incomum quando comparado com o direito processual, especialmente quanto a possibilidade de decretação da custódia cautelar pela autoridade de polícia judiciária militar nos crimes militares próprios.

Fundamentamos que é plenamente legal a decretação da prisão pelas autoridades de polícia judiciária militar do investigado pela prática de crime militar próprio, desde que presentes os fundamentos para decretação da prisão preventiva.

Ao juiz de direito da auditoria militar cabe diferir a necessidade da prisão, como juízo de admissibilidade, mantendo-a como custódia preventiva ou livrando o investigado para responder em liberdade. Não cabe o juízo de homologação ou não da prisão, pois não possui natureza administrativa, mas processual penal.

Aprofundar o estudo desta forma de prisão é um desafio à doutrina, havendo escassez de material para estudo meticuloso do caso.


[1] Capitão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em direito processual civil; ambiental; penal e processual penal pela ULBRA/Canoas.

[2] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

[3] Somente na esfera federal, pois a CF/88 afasta da jurisdição militar estadual os civis (art. 125, § 4º).

[4] Souza, João Ricardo Carvalho de.  Da competência para julgamento dos crimes de tortura praticados por militares. http://www.dhnet.org.br/denunciar/tortura/textos/jricardo.htm. Acesso em 30.11.2006.

[5] Art 254. A prisão preventiva pode ser decretada pelo auditor ou pelo Conselho de Justiça, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade encarregada do inquérito policial-militar, em qualquer fase deste ou do processo, concorrendo os requisitos seguintes: a) prova do fato delituoso; b) indícios suficientes de autoria.

Art. 255. A prisão preventiva, além dos requisitos do artigo anterior, deverá fundar-se em um dos seguintes casos:

 a) garantia da ordem pública;

 b) conveniência da instrução criminal;

 c) periculosidade do indiciado ou acusado;

 d) segurança da aplicação da lei penal militar;

 e) exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado.

 Art. 256. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado; e, da mesma forma, o seu pedido ou requisição, que deverá preencher as condições previstas nas letras a e b , do art. 254.

 At. 257. O juiz deixará de decretar a prisão preventiva, quando, por qualquer circunstância evidente dos autos, ou pela profissão, condições de vida ou interesse do indiciado ou acusado, presumir que este não fuja, nem exerça influência em testemunha ou perito, nem impeça ou perturbe, de qualquer modo, a ação da justiça.

Parágrafo único. Essa decisão poderá ser revogada a todo o tempo, desde que se modifique qualquer das condições previstas neste artigo.       

[6] LOPES Jr. Aury. Introdução crítica ao processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 189-190.

Sobre o autor
Rafael Monteiro Costa

capitão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual Civil, Ambiental, Penal e Processual Penal pela ULBRA de Canoas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rafael Monteiro. A prisão decretada pela autoridade de polícia judiciária militar nos crimes militares próprios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3765, 22 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25565. Acesso em: 22 nov. 2024.

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