Primeiramente, é preciso considerar que vivemos num país democrático. Dentre as várias consequências advindas desse fato, uma das mais importantes é a seguinte: em qualquer tipo de acusação, não pode ser imposto ao réu o dever de provar a própria inocência, isto é, quem acusa tem o ônus, a obrigação, de demonstrar que o acusado é culpado, e não o contrário. Esse modelo de processo é próprio da democracia constitucional e não podemos abrir mão dele, sob pena de admitirmos a ditadura ou até mesmo o totalitarismo.
Em segundo lugar – outra consequência advinda da democracia –, devemos saber também que em nosso país TODOS têm o direito de ver seus processos judiciais serem julgados ao menos duas vezes, seja como autor seja como réu, para que a primeira decisão possa ser confirmada ou revista pelo próprio Poder Judiciário. A ideia aqui é a de que o julgador (a pessoa humana) é falível e pode errar, como realmente muitas vezes acaba errando. Assim, normalmente, as ações iniciam-se nos juízos de primeiro grau, nas conhecidas Varas Criminais (primeira instância). Depois disso, condenados ou absolvidos os réus, cabe recurso ao Tribunal (segunda instância). Decidindo o Tribunal, caberá novo recurso, do réu ou da acusação, a dois Tribunais Superiores, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Somente depois de ultrapassadas todas essas etapas é que uma pessoa poderá ser considerada culpada, se mantida a condenação pelos últimos órgãos jurisdicionais.
Finalmente, e ainda como premissa, essas e outras garantias (direitos) destinam-se a todos os cidadãos, sem exceção. Ninguém pode ter mais ou menos direitos que os outros. A igualdade é cogente nessa questão. Para garantir a igualdade, é obrigatória a possibilidade de saber antecipadamente tudo o que poderá ocorrer no processo. Ou seja, é garantido o direito de conhecer previamente os atos que serão praticados no procedimento mediante o qual seremos acusados, isto é, ter a segurança e a certeza de quais são os recursos dos quais poderemos dispor para a defesa, quais os recursos poderemos utilizar para impugnar eventual decisão que imponha uma condenação. A palavra aqui é previsibilidade: isso garante que o Estado tratará a todos com igualdade, quando acusados. Ninguém terá mais ou menos direitos para sua defesa, todos terão as mesmas possibilidades e alternativas.
Essas são premissas obrigatórias no Brasil.
No caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, discutiu-se a possibilidade de os acusados da Ação Penal 470 (Mensalão) utilizarem o recurso denominado embargos infringentes. Este recurso possibilita que aquelas questões sobre as quais os Ministros do Tribunal divergiram sejam analisadas novamente, isto é, faz-se um novo julgamento, mas apenas quanto às condenações das quais ao menos 4 (quatro) Ministros discordaram. Significa que a matéria será totalmente reanalisada, mas, registre-se: apenas e tão somente nas questões sobre as quais os Ministros tiveram conclusões diferentes e, mesmo assim, em número mínimo de quatro Ministros.
Aqui a premissa é a seguinte: no Brasil e no resto do mundo, a regra é que a todos é garantido, no mínimo, aquilo que o mundo jurídico chama de “duplo grau de jurisdição”, isto é, como mencionado acima, o direito de ver seu processo judicial ser julgado ao menos duas vezes. Ocorre que para algumas situações a nossa legislação determina que o processo seja iniciado já nos Tribunais. Nesses casos, quando os processos começam no Supremo Tribunal Federal, considerando que não há nenhum outro órgão superior a ele, haverá apenas um julgamento, de modo que o acusado não terá o direito a dois, como normalmente todos têm. Em razão disso, a legislação também previu e determinou o seguinte para esses casos: considerando que o processo será julgado apenas uma vez, e tendo em vista que as condenações criminais causam graves consequências a qualquer pessoa, se houver divergência de 4 (quatro) Ministros quanto à condenação ou a qualquer outro aspecto do processo, o acusado terá o direito de ser julgado novamente.
Pois bem. A questão que restou debatida no julgamento e que causou grande discussão na sociedade brasileira, era a seguinte: esse recurso, os embargos infringentes, pode ser utilizado pelos réus (não somente os do Mensalão, mas sim TODOS os réus) que são processados nas ações penais originárias do Supremo? Prevaleceu a tese que entendeu cabíveis os embargos infringentes.
Apesar de a votação ter sido apertada (6 x 5), a admissão do recurso levou em consideração inúmeras razões e motivos jurídicos, sobretudo o fato de que já estava estabelecido previamente na lei brasileira e que todas as pessoas podem utilizá-lo, desde que sejam acusadas em ação penal originária perante o STF.
O mais importante de tudo: o Supremo apenas admitiu a utilização do recurso de embargos infringentes, pois ainda não analisou o mérito das razões, isto é, ainda não fez o novo julgamento. Uma coisa é aceitar o uso de um recurso, outra coisa é acolher os argumentos que foram levantados nele. O Supremo, naquele julgamento, apenas considerou ser possível aos réus apresentarem os embargos infringentes.
Objetivamente, até agora, apenas um réu apresentou. Os outros farão isso na próxima oportunidade, isto é, depois que a decisão (acórdão) do último julgamento, que envolveu também outras questões, for publicada. Isso deverá acontecer no final deste ano, início do próximo. Aí então, quando os outros réus recorrerem (e poucos poderão), o Supremo irá acolher ou não seus argumentos.
Em outras palavras, o STF disse que poderá julgar novamente (se os réus recorrerem), mas isso não significa que concordará com os argumentos eventualmente apresentados. Assim, as condenações e as questões a respeito das quais houve divergência entre os Ministros poderão ser mantidas, como poderão também ser modificadas.
De toda sorte, o que decidiu o Supremo Tribunal Federal aplica-se a todos nós, cidadãos brasileiros, não apenas aos réus do Mensalão. Não é privilégio deles ou de alguns, mas sim direito de todos. No mais, se eles recorrerem, toda a nação poderá acompanhar novamente a atuação do Supremo.