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O atual salário mínimo brasileiro sob a perspectiva do mínimo existencial digno

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Agenda 14/11/2013 às 10:35

O artigo discorre sobre o salário mínimo fixado atualmente pela Medida Provisória 474 de 2009 e a capacidade do mesmo em garantir os direitos sociais preconizados pelo artigo 7º, inciso IV, da Carta Republicana.

Resumo: O presente artigo discorre sobre o salário mínimo fixado atualmente pela Medida Provisória 474 de 2009 e a capacidade do mesmo em garantir os direitos sociais preconizados pelo artigo 7º, inciso IV, da Carta Republicana. Ressalta que a partir do momento em que o Estado não concretiza de forma efetiva a norma positivada, o que ocorre ao instituir importância incapaz de assegurar o mínimo básico, necessário à sobrevivência do trabalhador brasileiro, está desprezando e tornando ineficaz o princípio basilar do Estado Democrático de Direito, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.

Palavras-chave: salário mínimo, mínimo existencial, dignidade da pessoa humana.


1 INTRODUÇÃO

Analisando a espécie normativa que versa sobre o salário mínimo em nossa Carta Republicana (art. 7º, inc. IV), nota-se que o legislador delineou um nítido programa social a ser desenvolvido pelo Estado mediante atividade legislativa vinculada, qual seja, a fixação de salário mínimo capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos, para que lhe seja preservado o poder aquisitivo.

Ao inserir tal programa, visou o legislador  preservar o poder aquisitivo do piso mínimo remuneratório, de forma que o valor fixado esteja sempre condizente com os valores de mercado e seja suficiente para a satisfação das exigências vitais básicas do trabalhador, expressas constitucionalmente. Dessa forma, depreende-se que à medida que o Poder Público não realiza os propósitos visados pelo legislador constituinte, estabelecendo valores incapazes de proporcionar ao trabalhador e aos membros de sua família uma existência digna, de acordo com os ditames constitucionais, configura-se o claro descumprimento da norma positivada, gerando, além do estado de inconstitucionalidade da lei por omissão parcial, ofensa aos postulados e princípios dispostos na Carta Republicana, em especial ao princípio basilar da Constituição brasileira: a Dignidade da Pessoa Humana.

O valor fixado como contraprestação mínima devida ao trabalhador nos últimos anos vem se traduzindo em importância aviltante, perceptível através da evidente dificuldade enfrentada pelo trabalhador brasileiro que recebe apenas um salário mínimo para sobreviver, muitas vezes em condições de miséria, conforme se observa através do resultado de diversos índices de pesquisas efetuadas por instituições idôneas, como o DIEESE[1], os quais revelam ser o valor estipulado nas normas que dispõem sobre o salário mínimo insuficiente até mesmo para atender à moradia e à alimentação, ficando os demais itens, definidos na Constituição Federal, totalmente fora do poder aquisitivo dos trabalhadores e trabalhadoras que recebem somente o mínimo. Em outras palavras: trabalhadoras e trabalhadores brasileiros labutam apenas para alimentar-se e, ainda assim, insuficientemente, atingindo diretamente o direito a uma existência digna, preconizado pela Carta Republicana Brasileira.


2 SALÁRIO MÍNIMO E O MÍNIMO EXISTENCIAL DIGNO

De acordo com a definição encontrada na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, art. 76, salário mínimo  é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, às suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

Desde a década de 1940, através do Decreto-Lei 399, o salário mínimo se traduz no parâmetro salarial mais baixo que se pode pagar a um trabalhador do país. Foi criado sob o pátio de uma intervenção jurídica para assegurar condições mínimas de existência aos trabalhadores, sem as quais seria impossível ao homem que trabalha desfrutar de condições dignas de vida conforme as necessidades elementares de sobrevivência humana.

Dessa forma, como afirma Nascimento (1989), o salário mínimo se traduz numa ideia básica de intervenção jurídica na defesa de um nível de vida abaixo do qual será impossível ao homem que trabalha uma existência digna e compatível com as necessidades elementares de sobrevivência humana. Preconizado não só na norma infraconstitucional – artigo 76 da CLT e 6º da Lei nº 8.542/92, que dispõe sobre a política nacional de salários – o direito ao salário mínimo encontra-se consubstanciado na Carta Republicana Brasileira em seu art. 7º como direito público subjetivo dos trabalhadores. Assim, ao dever de legislar, imposto ao Poder Público, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure efetivamente o direito de receber como contraprestação do seu trabalho salário capaz de satisfazer às suas necessidades primárias de subsistência, como também dos membros de sua família, o que na prática não tem acontecido, haja vista o valor do salário mínimo estar condicionado pelos interesses econômicos dos empresários, preocupados com a aquisição de lucros e concentração de riqueza, não permitindo, portanto,  a realização dos propósitos visados pelo legislador constituinte.

Constata-se que o salário mínimo vigente no país, atualmente, tomando por base o valor da cesta básica, não é suficiente para uma pessoa sozinha arcar com as despesas relativas à moradia (aluguel, água, energia) e alimentação e ainda sobrar dinheiro para educação, saúde, lazer, higiene, vestuário e transporte, ou seja, não atende sequer três itens, satisfatoriamente, daqueles considerados como necessidades básicas pela Constituição. Em face do valor do mínimo legal, os demais itens, definidos na Constituição Federal, ficam totalmente fora do poder aquisitivo dos trabalhadores. Em outras palavras, os trabalhadores brasileiros laboram apenas para pagar a moradia e alimentar-se e, ainda assim, insuficientemente. No caso das pessoas de idade, a situação é ainda mais crítica. Dados do DIEESE indicam que aposentados gastam cerca de 30% do valor do salário mínimo que recebem com o item saúde.

Nem sempre foi assim, relatos dos movimentos sindicais[2]e periódicos revelam que em 70 anos de história o salário mínimo já foi suficiente para sustentar uma família, mas foi perdendo seu valor, chegando a representar o símbolo do irrisório. O primeiro salário mínimo no Brasil foi calculado com base nas necessidades básicas do trabalhador e nos salários vigentes no país. Seu período de maior poder de compra ocorreu na segunda metade dos anos cinquenta, especialmente no governo de Juscelino Kubitschek, quando trabalhadores se organizaram pelo reajuste dos salários devido à elevação de 100% do custo de vida. Durante o governo Juscelino Kubitscheck, em decorrência da política econômica associada à capacidade crescente de pressão dos sindicatos, houve grande oferta de emprego e o reajuste do salário mínimo chegou a ser anual, a despeito da inflação, o que assegurou à classe trabalhadora urbana uma situação razoavelmente confortável.

Com a aceleração da inflação, década de 1960, o salário mínimo começou a declinar. Depois de 1964, com o golpe militar, houve uma crescente desvalorização do mínimo, o que se agravou nas duas décadas seguintes, com a instabilidade monetária, puxando para baixo o poder de compra dos brasileiros. Na vigência do regime militar, de 1964 a 1985, os reajustes passaram a ser calculados com base no índice de inflação projetado pelo governo, e não com base no índice real. Como o governo tinha interesse em mostrar controle sobre a inflação, os órgãos oficiais comumente divulgavam um valor mais baixo do que o real, provocando uma forte queda salarial.

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Com a estabilização da moeda a partir do Plano Real, em 1994, elaborado no governo de Itamar Franco, pela equipe do então Ministro da Fazenda e também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o salário mínimo começou a ganhar alguma força. Essa elevação ainda não era suficiente para suprir o desfalque que o salário mínimo havia sofrido nos vinte anos de ditadura militar. A partir de 2003, com o governo Lula e com a pressão das centrais sindicais, a elevação do salário passou a avançar em passos mais largos, causando maior impacto nas classes financeiramente menos favorecidas, as quais  passaram a representar uma parcela significativa do mercado consumidor. Em cinco anos, o salário mínimo subiu mais de 100%.

Apesar dos crescentes reajustes, constata-se que o valor de hoje decididamente ainda não guarda fidelidade com o preconizado na Carta Magna. O salário mínimo vigente no país, fixado pela Medida Provisória 474/09, é de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), o que corresponde ao valor diário de R$ 17 (dezessete reais)[3], e a hora de trabalho vale tão somente R$ 2,12 (dois reais e doze centavos), importância deplorável, e evidentemente insuficiente para propiciar ao trabalhador e aos membros de sua família um padrão digno de vida. De acordo com pesquisas feitas pelo DIEESE[4], apesar do atual governo ter promovido os maiores reajustes das últimas quatro décadas e sustentado o reajuste acima da inflação, utilizando por base o crescimento do PIB, o reajuste capaz de garantir a cesta básica a um casal com dois filhos deveria ser de 4,44 vezes superior ao piso em curso, valor em torno de R$ 2.065,47.

Para estimar esse valor, o DIEESE tomou como base o maior valor apurado para cesta básica da capital mais cara do Brasil, Porto Alegre, no mês de março de 2010, quando a cesta básica custou R$ 257,07, e levou em consideração o preceito constitucional o qual determina que o salário mínimo deve ser suficiente para atender às necessidades do trabalhador e de sua família, cobrindo suas despesas com alimentação, moradia, saúde, vestuário, educação, transportes, higiene, lazer e previdência social – o levantamento foi realizado em 17 capitais.

Pelo exposto, resta claro que a totalidade dos itens definidos na Constituição Federal está fora do poder aquisitivo dos trabalhadores que recebem somente o salário mínimo, o valor que emerge da norma infraconstitucional não realiza os propósitos visados pelo legislador constituinte; portanto, conforme demonstrado ao longo do texto, o quantum fixado pelo governo tem se mostrado insuficiente para a satisfação do atendimento das necessidades vitais básicas do trabalhador e da sua família. É fato que a política de reajustes do salário mínimo, de modo a preservar seu poder aquisitivo, não vem atendendo aos ditames da Constituição Brasileira, e o valor vigente, como em grande parte de sua história, não condiz com os gastos mínimos necessários à sobrevivência digna do trabalhador que, com tal salário, faz “malabarismos” para viver, configurando grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, constitui um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, mesmo em excepcionais limitações ao exercício dos direitos fundamentais, não se pode menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Neste sentido, a tradução do significado do princípio da dignidade da pessoa humana se revela atrelada à impossibilidade de redução do homem à condição de mero objeto do Estado e de particulares. Para Alexandre de Moraes (2006), a dignidade humana é um valor inerente à pessoa, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

 Para que cada trabalhador seja considerado e respeitado com a necessária estima que merece, enquanto ser humano e cidadão portador de direitos, é preciso que possua uma vida digna, o que pressupõe algumas condições básicas de existência, dentre as quais o direito de receber, como contraprestação do seu labor, salário capaz de lhe assegurar o mínimo existencial, conforme os ditames da justiça social.

Dessa forma, o salário mínimo, piso mínimo normativo, torna-se garantia expressa do mínimo existencial digno, definido por Torres (1995) como o mínimo necessário à existência, sem o qual cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. Fiorillo (2000) indica que tais condições estão expressas no art. 6º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos sociais à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Importante ressaltar que não só o princípio da dignidade da pessoa humana se apresenta como garantia normativa contra práticas que prejudicam o trabalhador, como vários outros princípios jurídicos se preocupam com a garantia do valor do salário, com as mudanças contratuais e normativas que provocam a redução do salário e com as práticas que prejudiquem seu efetivo montante, são eles: princípio da irredutibilidade salarial, princípio da inalterabilidade lesiva e princípio da intangibilidade salarial, os quais, apesar de configurarem importantes instrumentos jurídicos de proteção ao trabalhador, não serão mérito de análise no presente trabalho.

Não obstante a afronta a tais princípios, a insuficiência do valor fixado para o salário mínimo brasileiro, historicamente definido em montante que se revela incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, também ensejou polêmica perante o STF, que, em julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números 1458 MC/DF, 1439 (Distrito Federal- 1996) e 1442 (Distrito Federal-2004),  firmou o entendimento de que a norma que instituiu o salário mínimo é inconstitucional por omissão parcial,  configurando, assim, um claro descumprimento do preceito constitucional, conforme se depreende do aresto in verbis.

Parte(s)

REQERENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE – CNTS

REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPUBLICA

REQUERIDO: CONGRESSO NACIONAL

EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. SALÁRIO MÍNIMO - SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES VITAIS BÁSICAS - GARANTIA DE PRESERVAÇÃO DE SEU PODER AQUISITIVO. - A cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política - para além da proclamação da garantia social do salário mínimo - consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo. - O legislador constituinte brasileiro delineou, no preceito consubstanciado no art. 7º, IV, da Carta Política, um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada. Ao dever de legislar imposto ao Poder Público - e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro (CF, art. 7º, IV) -, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório. SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.

Decisão : Por votação unânime, o Tribunal conheceu da ação e indeferiu o pedido de medida liminar. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Ilmar Galvão e Moreira Alves, e, neste julgamento, o Ministro Carlos Velloso. Plenário, 23.05.96.  (ADI 1458 MC/DF – DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento 23/05/1996. Publicação DJ 20-09-1996).

Nota-se que o STF considerou o Estado omisso quanto à adoção de medidas necessárias à concretização do texto constitucional, pois apesar de fixar, periodicamente, valor para o salário mínimo, este tem demonstrado ser insuficiente para suprir os direitos preconizados constitucionalmente. Dessa forma, declarou que ao Poder Judiciário só cabe cientificar ao legislador que dê efetiva concretização ao texto da Constituição.

Na verdade, não faltariam argumentos jurídicos para a decretação, pelos tribunais, de salário mínimo suficiente, permitindo-se visualizar que a atuação do Supremo Tribunal Federal ainda está atrelada ao excesso de formalismo e à visão tradicional do princípio da separação dos poderes, característicos de épocas de forte ideologia liberal. É certo que o mundo jurídico não pode agir de forma alheia às limitações do mundo real e que não se pode ignorar os inúmeros reflexos da fixação do valor do salário mínimo na conjuntura socioeconômica.

Sabe-se que a majoração do salário mínimo interfere diretamente nas finanças públicas, inclusive em nível orçamentário; questão, porém, não se resume a este aspecto, mas sim ao entendimento de que se deve garantir ao homem o direito de alcançar, mediante o seu trabalho, os recursos indispensáveis para desfrutar de uma vida digna, e que o direito a um salário mínimo capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever  por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Ao inserir uma norma jurídica que estabelece uma diretriz política como premissa a ser concretamente adotada pelo legislador, há que se fazer uso dos mecanismos existentes para sua concretização. A perda do senso de proporção entre os fins programáticos e a eficácia das normas constitucionais gera inconstitucionalidade e, via de consequência, torna a solidificação dos direitos fundamentais praticamente impossível. As normas de caráter programático possuem a incumbência de registrar os avanços e as conquistas sociais, em sentido de inclusão e exclusão de beneficiários dos direitos que dispõem, e o bloqueio de sua aplicação determina a inexequibilidade da própria Constituição. Dessa forma, é fundamental que o governo e o Congresso Nacional definam a efetivação de uma política consistente,que estabeleça um valor capaz de assegurar o cumprimento integral do Texto Constitucional, para que o salário mínimo possa assegurar aos milhões de brasileiros excluídos uma vida digna e o pleno exercício de sua cidadania.

A existência digna está intimamente ligada ao recebimento de uma contraprestação que assegure ao trabalhador a capacidade de se afirmar e de se realizar plenamente enquanto ser social, de modo que não se obtém a realização plena da dignidade da pessoa humana quando o trabalhador não recebe remuneração capaz de prover adequadamente a sua existência, nesse sentido, preceitua o art. 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948: “Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana”.

Sobre a autora
Suzana Carolina Dutra

Advogada<br>Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UFRN.<br>Extensão em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Suzana Carolina Dutra. O atual salário mínimo brasileiro sob a perspectiva do mínimo existencial digno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3788, 14 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25751. Acesso em: 24 nov. 2024.

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