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Estudo comparado das ações próprias em controle de constitucionalidade

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4. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC)

A segunda ação típica em controle abstrato refere-se à Ação Direta de Constitucionalidade (ADC). Tanto ADI quanto ADC estão previstas no mesmo art. 102, I, “a”, da Constituição Federal. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. Na verdade, ADI e ADC tem a mesma natureza, apenas são ações com sinal trocado. É o que se chama de “Caráter Dúplice ou Ambivalente da ADI e ADC”, isto é, essas duas ações têm a mesma natureza, o que muda é apenas que uma é o inverso da outra. Uma ADI julgada procedente é a mesma coisa que um a ADC julgada improcedente, e vice-versa. Isso está previsto de forma bastante clara no art. 24, da Lei 9.868/99: “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”.

Assim, a natureza da ADI e da ADC é a mesma. A diferença é que na ADI se pede a declaração de inconstitucionalidade e na ADC se pede a declaração de constitucionalidade, mas os efeitos da decisão em ambas são os mesmos, isto é, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. Tanto que podemos ter a seguinte situação: uma mesma lei pode ser objeto de ADC e de ADI, por exemplo. Um legitimado propõe uma ADI questionando a inconstitucionalidade de uma lei, e outro legitimado propõe uma ADC dizendo que a lei é constitucional. Nesse caso, o STF vai reunir as ações, a ADC e a ADI, e decidir em conjunto. A decisão vai ser: julgando uma procedente, a outra é improcedente. Por isso, uma ADC julgada improcedente terá o mesmo efeito de uma ADI julgada procedente. Nos dois casos a lei será tida por inconstitucional. Do mesmo modo, uma ADI julgada improcedente terá o mesmo efeito de uma ADC procedente. Nos dois casos a lei será tida por constitucional. Este é o caráter dúplice ou ambivalente da ADI e ADC.

Mas, se a ADC possui a mesma natureza da ADI, pergunta-se: porque existir uma ADC? Não bastaria a ADI? Embora a finalidade de ambas seja a supremacia constitucional, essa garantia pode ocorrer de direfentes formas. Na ADI o objetivo é retirar do ordenamento uma lei supostamente inconstitucional. As leis gozam de presunção relativa de constitucionalidade, logo, para retirá-las do ordenamento jurídico precisa-se da ADI. Já na ADC é o inverso, quer-se manter a norma no ordenamento por ela ser constitucional. Em outras palavras, enquanto na ADI busca-se desconstituir a presunção relativa de constitucionalidade e retirar a norma do ordenamento, na ADC busca-se manter a norma no ordenamento e reforçar a sua constitucionalidade transformando aquela presunção que antes era relativa em uma presunção absoluta de constitucionalidade. Mas como ambas as ações, tanto a ADI como a ADC, possuem a mesma natureza, praticamente tudo o que foi falado na ADI aplica-se também para a ADC. Só existem três diferenças entre ambas: (i) existência de pressuposto de admissibilidade na ADC (controvérsia judicial relevante); (ii) maior restrição ao limite espacial quanto ao objeto na ADC (apenas objeto federal em face de Constituição Federal); (iii) inexistência de participação do Advogado-Geral da União (o AGU só participa na ADI).

4.1.    Pressuposto de Admissibilidade da ADC:

Embora ADI e ADC tenham natureza idêntica, apenas são inversas, é mais fácil, contudo, por uma ADI do que uma ADC, justamente pela necessidade, nesta última, de se observar um pressuposto de admissibilidade, qual seja: existência de controvérsia judicial relevante, característica específica da ADC, nos termos do art. 14, III, Lei 9868/99: “Art. 14. A petição inicial indicará: III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”. Isso ocorre pelo princípio da constitucionalidade das leis. Como sabemos, quando uma lei ingressa no ordenamento jurídico, pressupõe-se que seja constitucional, até que sua inconstitucionalidade seja reconhecida. Trata-se, então, de presunção relativa. Ora, mas se há essa presunção de constitucionalidade, porque propor ADC, se já se pressupõe que a lei seja constitucional? Não faria sentido ficar propondo ADC de todas as leis que surgissem, porque, em princípio, todas já são constitucionais. É muito mais lógico propor ADI quando se quer desconstituir essa presunção para expurgar a lei do ordenamento jurídico, mas a ADC tornar-se-ia desnecessária, justamente pelo princípio da constitucionalidade das leis.

Exatamente por isso é que, na ADC, existe um pressuposto de admissibilidade que não existe na ADI. É necessário, para se propor a ADC, que haja controvérsia judicial relevante. Se a lei já se presume constitucional e se ninguém está discutindo judicialmente a constitucionalidade daquela lei, não se justifica propor ADC. Caso contrário, o STF viraria um órgão de consulta para ratificar a constitucionalidade das leis. Portanto, para que o STF seja provocado em ADC, existe o requisito de admissibilidade da necessária existência de controvérsia judicial sobre a lei em relação a qual se deseja a afirmação expressa de sua constitucionalidade. Já para a ADI, ao contrário da ADC, não precisa, obviamente, desse requisito de admissibilidade, porque a ADI serve exatamente para desconstituir a presunção relativa de constitucionalidade. Para que o STF não vire órgão de consulta, só se justifica a sua provocação se existir uma controvérsia judicial relevante, que justifique a medida judicial. Assim, se houver vários órgãos do Judiciário proferindo decisões divergentes, nesse caso se justifica mover ADC perante o STF.

No resto, fora esse pressuposto de admissibilidade (controvérsia judicial relevante), a ADC se assemelha à ADI quanto à natureza do objeto, aos limites temporais e ao prisma de apuração, só não quanto ao limite espacial. Por isso, deixamos de comentar sobre aquilo que é idêntico entre ADI e ADC, porque todo o exposto para uma serve para a outra, sem ressalvas. Tanto é assim que uma só lei (Lei n. 9868/99) serve ambas. A única diferença, então, reside no pressuposto de admissibilidade e no limite espacial da ADC. Visto o primeiro, siga-se ao segundo ponto de divergência.

4.2.    Limite Espacial na ADC:

No que se refere ao aspecto espacial do objeto no controle abstrato, temos que, quanto ao âmbito federal, a ADI admite lei ou ato normativo federal ou estadual em face de Constituição Federal. Já em relação à ADC a situação muda. É que a ADC só admite lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal. Essa conclusão decorre do art. 102, I, “a”, o qual dispõe expressamente nesse sentido, restringindo a ADC à objeto federal. Ou seja, quanto ao aspecto espacial, a ADI é mais ampla que a ADC. Enquanto a ADI abrange objeto federal e estadual em face da Constituição Federal, a ADC abrange objeto tão sometne federal em face da Constituição Federal. Isso significa que uma lei ou ato normativo estadual que na ADI pode ser impugnado, na ADC isso nao ocorre, porque o objeto da ADC é somente lei ou ato normativo federal, ficando de fora o objeto que seja estadual.

Qual a razão dessa diferença? Quando a ADC foi criada, com a Emenda 03/93, só havia quatro legitimados para propô-la, todas autoridades federais: Presidente, Procurador-Geral da República, Mesa da Câmara e Mesa do Senado. Não havia autoridades estaduais como legitimados. O seu objeto era apenas a lei ou ato normativo federal. Com a EC 45/04, veio a proposta de igualar a ADI e a ADC, tanto com relação aos efeitos da decisão, como também em relação aos legitimados, bem assim também quanto ao objeto. Na proposta que deu origem à Emenda 45, tinha também a previsão de que o objeto da ADC passaria a ter o mesmo limite espacial da ADI, o que abrangeria as leis e atos normativos, também, estaduais. Só que, nesta parte, teve emenda do Senado e teve que retornar para a Câmara. É a PEC 29/2000, que está em votação na Câmara dos Deputados. Essa PEC 29/00 é uma parte da EC-45 que voltou para a Câmara novamente e criou essa distorção no sistema. Na verdade, a intenção da EC-45 era igualar completamente as duas ações (efeitos, legitimados, objeto), salvo no que tange ao pressuposto de admissibilidade da necessária existência de controvérsia judicial relevante e a desnecessidade de participação do Advogado Geral da União na ADC. Contudo, essa proposta ainda não foi aprovada.

Assim, se no que se refere aos legitimados e aos efeitos não há diferença, mas no aspecto espacial do objeto a ADC ainda diverge da ADI. Logo, enquanto a ADC só aceita como objeto lei ou ato normativo federal em face de Constituição Federal, a ADI é mais ampla e permite como objeto lei ou ato normativo federal e também estadual, em face da Constituição Federal. Na verdade, como ADI e ADC são ações com mesma natureza, não há razão para diferença quanto ao objeto. Já no que se refere ao paradigma estadual essa divergência não existe. Assim, ADI e ADC, tendo por objeto lei ou ato normativo em face de Constituição Estadual, todas duas aceitam objeto estadual ou municipal. Portanto, o objeto na ADC pode ser lei ou ato nromativo apenas federal em face de Constituição Federal, ou então, lei ou ato normativo estadual e municipal em face de Constituição Estadual.

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5. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

Além da ADI e da ADC, temos também a ADPF, prevista no art. 102, §1°, da Constituição Federal: ”A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Enquanto ADI e ADC estão regulamentadas na Lei n. 9868/99, a ADPF está regulada na Lei n. 9882/99. De fato, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fudamental (ADPF) tem muitos características diferentes da ADI e da ADC. Se ADI e ADC são bem próximas, a ADPF já possui várias diferenças em relação àquelas. Não é por outro motivo que existe uma lei específica regulando a ADPF (Lei n. 9882/99), e outra lei que se aproveita para ADI e ADC (Lei n. 9868/99).

Uma primeira grande diferença fundamental para o correto entendimento desta espécie de ação em controle abstrato é que a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) não é uma arguição de descumprimento de “constitucionalidade”, mas sim, uma arguição de descumprimento de “preceito fundamental”. Ou seja, enquanto o parâmetro de controle da ADI e da ADC, como se sabe, é qualquer norma formalmente constitucional, inclusive os princípios implícitos e os tratados de direitos humanos com status constitucional, formando o chamado bloco de constitucionalidade, na ADPF, por sua vez, o parâmetro é um “preceito fundamental”. Na verdade, todo preceito fundamental é uma norma formalmente constitucional, integra o bloco de constitucionalidade, mas nem toda norma constitucional é um preceito fundamental. Logo, não é qualquer norma formalmente constitucional que servirá de parâmetro para a ADPF.

Portanto, isso significa que, no que se refere ao parâmetro de controle, a ADPF é mais restrita que a ADI e a ADC, porque enquanto nestas pode-se impugnar uma lei ou ato normativo em face da Constituição Federal como um todo, considerando todas as normas formalmente constitucionais integrantes do bloco de constitucionalidade, na ADPF, por seu turno, será possível arguir o descumprimento de lei ou ato normativo em face apenas de “preceito fundamental”, parte menor contida no todo das normas constitucionais. Assim, nem toda norma integrante do bloco de constitucionalidade é um preceito fundamental, logo, a ADI e a ADC possuem parâmetro de controle mais abrangente do que a ADPF.

A questão se conloca, então, é: o que é um preceito fundamental? A rigor, não há conceito preciso retirado da Constituição Federal, tampouco da Lei 9882/99 que regula a ADPF. Coube à doutrina e jurisprudência fazê-lo. Consideram-se preceito fundamental as normas imprescindíveis à identidade e ao regime adotado pela Constituição. Quer dizer, é uma parte menor integrante da Constituição que lhe cofere a sua essência. Mas, a rigor, não existe um conceito legal de quais as normas constitucionais são exatamente preceitos fundamentais. Na ADPF n°. 01 julgada no âmbito do STF, inclusive, ficou consignado que somente o próprio STF, como guardião da Constituição, é quem poderia dizer quais são os preceitos fundamentais constitucionais, aquelas normas que conferem identidade e são a essência do regime constitucional.

De todo modo, já existem alguns dispositivos constitucionais que são, inegavelmente, considerados preceitos fundamentais. Seria o caso, por exemplo, dos princípios, objetivos e fundamentos da Constituição, previstos nos arts. 1º a 4º, bem como os direitos e garantias fundamentais espalhados por toda a Constituição, sobretudo do art. 5° até o art. 17, ou ainda, os princípios constitucionais sensívels, previstos no art. 34, VII, da Constituição, assim como as cláusulas pétreas contidas no art. 60, IV. Enfim, todos estes são exemplos claros de preceitos fundamentais, o que não significa que só existam estes, porque cabe ao Supremo definir, mas, obviamente, essas são, sem dúvida alguma, normas constitucionais que se constituem claramente em preceitos fundamentais.

Vale ressaltar que preceito não se confunde com princípio. Preceito é sinônimo de norma. E norma pode ser tanto princípio quanto regra. Então, é perfeitamente possível ter uma norma-regra que seja considerada preceito fundamental. Logo, temos preceitos que são princípios, mas temos também preceitos que são regras. O que importa é que não será cabível uma ADPF em face de dispositivo constiucional que não seja um preceito fundamental. O parâmetro de controle na ADPF é mais restrito que na ADI e ADC, porque apenas a violação de preceito fundamental é passível de ADPF. Partindo desse pressuposto, se o parâmetro de controle da ADPF é mais restrito que na ADI e na ADC, poderia-se, então, indagar: porque criar a ADPF, se já existe ADI e ADC e o parâmetro de controle destas abrange àquela?

Ocorre que, como sabemos, para o exercício do controle de constitucionalidade, precisamos de dois elementos: objeto e parâmetro. No que se refere ao parâmetro, a ADPF é mais restrita do que a ADI e ADC, porque o parâmetro são apenas as normas constitucionais que revelam preceitos fundamentais. Contudo, no que se refere ao objeto, a lógica se inverte, a ADPF é mais abrangente do que a ADI e a ADC. Quer dizer, outros objetos que não podem ser impugnados via ADI ou ADC, poderão sê-lo via ADPF. Então, temos na ADI e na ADC menos objetos podendo ser impugados em face de um parâmetro maior (todas as normas formalmente constitucionais), já na ADPF, é o inverso, mais objetos podem ser impugnados em face de um parâmetro menor (somente preceitos fundamentais). Daí reside a razão de existir da ADPF: objetos que não poderiam ser impugnados via ADI e ADC, poderão ser levados ao STF por meio de ADPF.

Isso ocorre porque a ADPF é uma arguição de “descumprimento”, e não de “constitucionalidade ou inconstitucionalidade”. Quer dizer, enquanto a ADI é uma ação direta de “inconstitucionalidade” e a ADC é uam ação direta de “constitucionalidade”, a ADPF é uma arguição de “descumprimento” de preceito fundamental. Não é uma “AIPF” (arguição de “inconstitucionalidade” em face de preceito fundamental), mas “ADPF” (arguição de “descumprimento” de preceito fundamental). Na verdade, descumprimento é um conceito mais amplo do que inconstitucionalidade, abrangendo esta última. Quer dizer, toda inconstitucionalidade vai ser necessariamente um descumprimento, mas a recíproca nem sempre será verdadeira, isto é, nem todo descumprimento será uma inconstitucionalidade. É possível descumprir a ordem constitucional sem necessariamente incidir em uma inconstitucionalidade

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. Para se ter uma inconstitucionalidade, em principio, sabemos que somente um ato legislato do Poder Público pode ser utilizado como objeto, ou seja, só uma lei ou ato normativo pode ser considerado inconstitucional, porque a inconstitucionalidade, como vimos na análise da natureza do objeto da ADI e ADC, pressupõe um objeto cuja natureza seja legislativa (atos normativos primários constantes do rol do art. 59 da CF/88). Já no descumprimento isso não ocorre. Não estamos falando mais de inconstitucionalidade, mas de descumprimento, e qualquer ato do Poder Público (inclusive com natureza não legislativa) pode descumprir a ordem constitucional, sem que incida propriamente em inconstitucionalidade. Por outro lado, a inconstitucionalidade abrange só objetos federais e estaduais em face da Constituição Federal, já no descumprimento isso não ocorre. Um ato do Poder Público municipal pode descumprir a ordem constitucional. Ademais, para se ter inconstitucionalidade, sabemos que esta tem que ser originária, porque não existe no direito brasileiro inconstitucionalidade superveniente, nesse caso há não recepção, já para descumprimento não há essa restrição, uma norma anterior ao parâmetro, embora não possa ser considerada inconstitucional, pode estar descumprindo a ordem constitucional.

Portanto, de tudo isso se percebe que o objeto da ADPF é muito mais amplo do que o da ADI e da ADC, pelo simples fato de que a ADPF é uma Arguição de “Descumprimento” e não uma Ação Direta de “Inconstitucionalidade”. O objeto é mais amplo no que se refere à três limites vistos atrás: natureza do objeto, limite espacial e limite temporal. Só não há diferença quanto ao prisma de apuração, porque o controle abstrato, inclusive em ADPF, exige ofensa direta à Constituição. Mas a ADPF abrange mais situações que a ADI e ADC, daí a sua razão de existência. Tanto ADI, ADC e ADPF, têm por finalidade assegurar a supremacia da Constituição, mas possuem enfoques distintos. Vejamos, pois, as particularidades da ADPF:

5.1.    Pressuposto de Admissibilidade da ADPF:

Assim como ocorre na ADC, onde temos pressuposto para a sua admissibilidade (controvérsia judicial relevante), também na ADPF temos um requisito prévio para a ação ser admitida. É que, como o objeto da ADPF é bem mais amplo, é necessário que seja observado, como pressuposto de admissibilidade para esta ação, o seu caráter subsidiário, como previsto na Lei n. 9882/99, no seu art. 4º, §1º: “Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. Trata-se do chamado princípio da subsidiariedade na ADPF, fundamental para se entender quando será cabível ADC, ADI ou ADPF. Esse caráter subsidiário vai determinar quando a ADPF será cabível ou não.

Por esse pressuposto do necessário caráter subsidiário da ADPF, temos que este tipo específico de ação só é cabível quando não existir outro meio igualmente eficaz para sanar a lesividade. Na verdade, o caráter subsidiário não significa a inexistência de outro meio, mas a inexistência de outro meio eficaz para sanar a lesividade. Então, para o exame de admissibilidade da ADPF não basta verificar a mera existência, em tese, de outro meio para sanar a lesividade, mas ainda, que esse meio seja igualmente eficaz, só assim não caberá ADPF. Se existir outro meio, mas este for ineficaz, ou tiver eficácia insuficiente, então caberá a ADPF. Atualmente, o STF vem entendendo que esse outro meio processual, para ser igualmente eficaz, tem que ter a mesma efetividade, amplitude e imediaticidade da ADPF. Não é simplesmente a existência de outro meio processual cabível à hipótese que elimina o cabimento de ADPF, mas o caráter de subsidiariedade desta, segundo o entendimento do STF, deve ser visto sob dois fatores: existência de outro meio processual e igual eficácia deste (efetividade, amplitude, imediaticidade).

Obviamente, levando em conta a ADI e a ADC, se qualquer uma das duas couberem, descabe ADPF, porque aquelas possuem a mesma eficácia (efetividade, amplitude e imediaticidade) que esta. Na verdade, quando se fala em outro meio igualmente eficaz geralmente está-se falando praticamente da possibilidade de ADI ou ADC. Quer dizer, via de regra, o meio para ser igualmente eficaz, tem que ser também uma ação de controle abstrato (efeito erga omnes, vinculante). Dificilmente outro meio processual (habeas corpus, mandado de segurança, etc.) terá a mesma efetividade, amplitude e imediaticidade da ADPF, que não seja um instrumento de controle abstrato (ADI ou ADC). Isso não significa, contudo, que seja impossível encontrar outro meio igualmente eficaz. A rigor, o STF não exige que o instrumento seja de controle abstrato concentrado para ser considerado eficaz de forma a afastar o cabimento da ADPF. O que o STF entende é que tem que ter a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude da ADPF.

Aliás, há um exemplo na jurisprudência do Supremo de um mecanismo que é cabível e igualmente eficaz (mesma amplitude, efetividade, imediaticidade) e que já chegou a afastar o cabimento da ADPF por faltar-lhe o requisito de admissibilidade da subsidiariedade, mas que não se trata de outra ação própria de controle de constitucionalidade. Foi o caso em que o objeto da ADPF envolvia uma súmula vinculante, pediu-se que a súmula vinculante fosse considerada incompatível com a Constituição, por meio de ADPF. Porém, na Lei 11417/06, que regula o instituto da súmula vinculante, há expressa previsão de outro meio processual específico para se combatê-la, que se trata do pedido de revisão ou cancelamento da súmula. Como na lei existe um meio tão eficaz, não cabe ADPF, porque para esta se exige o requisito de admissibilidade da subsidiariedade (art. 4°, §1°, Lei 9882/99). Assim, o STF entendeu que súmula vinculante não pode ser objeto de ADPF. Assim, embora essa seja uma hipótese rara de ser observada, se algum outro meio, diverso de ação de controle abstrato, em determinado caso tiver a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude de uma ADPF, então esta não será cabível, por faltar-lhe o pressuposto da subsidiariedade.

5.2.    Natureza do Objeto da ADPF:

Vimos atrás que, tanto na ADI como na ADC, por força do art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, o objeto dessas ações não é qualquer ato do Poder Público, mas exclusivamente um ato de natureza legislativa, isto é, “lei ou ato normativo”. Ocorre que na ADPF é diferente, o objeto é mais amplo quanto à sua natureza. Para fins de ADPF, o objeto não precisa ser necessariamente lei ou ato normativo, sendo possível a impugnação de qualquer ato do Poder Público. Portanto, o objeto da ADPF pode ser uma lei ou um ato normativo, mas também pode ser qualquer ato do Poder Público, mesmo que não tenha natureza legislativa, isto é, ainda que não seja uma lei ou ato normativo. Qualquer ato do Poder Público, portanto, pode ser objeto de ADPF.

Isso ocorre justamente porque na ADPF não se impugna uma inconstitucionalidade, esta sim exigiria como objeto um ato de natureza legislativa, mas aqui combate-se um descumprimento, nesse caso qualquer ato do Poder Público pode descumprir a Constituição. Ademais, diferentemente da ADI e ADC, no que se refere à ADPF a Constituição não regula expressamente o seu objeto, mas tão somente se limita, no art. 102, §1°, a dispor que: “A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Ou seja, coube à Lei n. 9882/99, que trata da ADPF, regulamentar o seu objeto. E nos termos do art. 1°, caput, da referida Lei, temos que o objeto da ADPF pode ser qualquer ato do Poder Público, não se restringindo apenas aos atos de natureza legislativa (lei ou ato normativo), dispondo-se nos seguintes termos: “A argüição prevista no §1° do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. Observe-se, portanto, que a parte final do dispositivo é clara ao dispor que o “ato do Poder Público“ poderá ser arguido mediante ADPF se causar lesão à preceito fundamentao.

A natureza do objeto na ADPF, então é qualquer ato do Poder Público, e não apenas os atos do Poder Público de natureza legislativa (lei ou ato normativo). A consequência prática disso é que, se na ADI e ADC somente os atos legislativos do Poder Público (leis e atos normativos) poderiam ser objeto de controle, logo, os atos do Poder Público de natureza administrativa e judicial nunca poderiam ser impugnados em sede de ADI ou ADC. Já na ADPF isso, em tese, é possível. Atos administrativos e decisões judiciais, como são atos do Poder Público, podem ser objeto de ADPF, embora sejam destituísdos de natureza de ato legislativo. Exemplo disso foi a ADPF n°. 101, que questionava a importação de pneus usados, julgada procedente sob o fundamento de violação do direito fundamental à saúde, considerado um preceito fundamental. O objeto impugnado nesta ADPF foi uma decisão judicial. É, inclusive, muito comum se encontrar ADPF que tem por objeto decisões judiciais, o que seria inimaginável em ADI ou ADC. Portanto, o objeto na ADPF (ato do Poder Público) é muito mais amplo que na ADI e na ADC (lei ou ato normativo). Contudo, vale ressaltar que, apesar de “ato do Poder Público” se tratar de uma expressão bastante ampla, o que inclui também atos de natureza administrativa e judicial, o Supremo Tribunal Federal vem afastando alguns objetos, os quais, no entendimento da Corte Maior, não poderiam ser impugnados em ADPF.

São exemplos em que o cabimento de ADPF é inadmitido pelo STF: (a) Súmulas: no que se refere às súmulas vinculantes, como já visto, falta o requisito da subsidiariedade, já com relação às súmulas comuns, entende o STF que, como elas são apenas uma consolidação de um entendimento judicial no tempo, é o próprio judiciário que deve verificar se aquele entendimento deve ou não ser abandonado, não sendo cabível em ADPF, diferente do que ocorre nas decisões judiciais; (b) Proposta de Emenda Constitucional (PEC): a proposta de emenda não é um ato do Poder Público completo e acabado, trata-se ainda de ato que está em formação, por isso não pode ser objeto de controle abstrato; (c) Veto: nesse caso, já em duas decisões (ADPF nºs. 01 e 73) o STF expressamente fixou entendimento no sentido de que o veto não pode ser objeto de ADPF, por ser ato de natureza política, discricionária do Chefe do Executivo; (d) Atos Tipicamente Regulamentares: em duas decisões (ADPF nºs. 169 e 192) o STF já se posicionou contra o recebimento de ADPF tendo por objeto um ato tipicamente regulamentar, porque se exige ofensa direta à Constituição, inclusive em ADPF (prisma de apuração idêntico à ADI e ADC), salvo se um ato administrativo incidir excepcionalmente em violação direta.

Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência do STF e parte da doutrina prevêem duas hipóteses de cabimento para a ADPF, a partir da leitura do art. 1° da Lei 9882/99, que assim diz: “Art. 1° A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”. Daí se conclui que são duas as suas hipóteses de cabimento: ADPF autônoma (Lei 9.882/99, art. 1º, caput) e ADPF incidental (Lei 9.882/99, art. 1º, § único). A rigor, o Supremo Tribunal Federal não faz distinção entre os objetos das duas ações (lei, ato normativo ou ato do poder público federal, estadual ou municipal, anterior ou posterior). Ou seja, embora existam duas espécies, podemos compreender como se fosse uma só, porque o objeto é o mesmo para ambas. A subdivisão é muito mais acadêmica e didática, do que propriamente jurídica. Na prática, são idênticos o objeto, os legitimados, o processamento e os efeitos da ADPF autônoma e ADPF incidental.

5.3.    Limite Espacial na ADPF:

No que se refere ao aspecto espacial do objeto no controle abstrato, temos que, quanto ao âmbito federal, a ADI só admite lei ou ato normativo federal ou estadual em face de Constituição Federal, enquanto a ADC ainda é mais restrita, só admite lei ou ato normativo federal em face de Constituição Federal. No que se refere à ADPF, porém, a situação muda. É que a ADPF também admite objeto (ato do Poder Público) municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal. Quer dizer, poder ser impugnado em ADPF um ato do Poder Público federal, estadual ou municipal em face da Constituição Federal. Aqui, entra o caráter subsidiário da ADPF, porque um objeto municipal não pode ser objeto de ADC ou ADI, mas pode sê-lo em sede de ADPF. O próprio art. 1°, §único, da Lei 9882/99, afirma expressamente que caberá argüição de descumprimento de preceito fundamental sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Por ouro lado, tanto ADI como ADC admitem lei ou ato normativo estadual ou municipal em face de Constituição Estadual. Já a ADPF não se admite em face de Constituição Estadual, em nenhuma hipótese.

5.4.    Limite Temporal na ADPF:

A ADPF, como já se sabe, não combate uma inconstitucionalidade, cuidando de arguir um descumprimento, conceito mais amplo que aquele. Isto Toda inconstitucionalidade vai ser necessariamente um descumprimento, mas nem todo descumprimento será inconstitucionalidade. Por exemplo, uma lei anterior à Constituição não pode ser considerada inconstitucional, porque não há inconstitucionalidade superveniente, trata-se de caso de não recepção. Mas se há a aplicação de uma lei anterior à Constituição, considerando-se ser essa lei recepcionada, quando na verdade trata-se de uma lei incompatível com a Constituição, nesse caso ocorrerá um descumprimento. Não é inconstitucionalidade, mas é descumprimento. Essa lei anteror não poderá ser objeto de ADI e ADC, mas será excepcionalmente possível na ADPF.

Por isso, a ADPF é uma exceção à regra geral de que, para fins de controle abstrato de constitucionalidade, o objeto tem que ser posterior ao parâmetro, como ocorre na ADI e ADC. Na verdade, como na ADPF falamos de arguição de descumprimento, e não inconstitucionalidade, nesse caso podemos ter um descumprimento de um objeto anterior ao parâmetro, O que não há no direito brasileiro é inconstitucionalidade superventiente, mas agora estamos falando de descumprimento. Portanto, cabe perfeitamente ADPF impugnando um objeto precedente ao parâmetro de controle. Enquanto a inconstitucionalidade só existe se o objeto for posterior ao parâmetro, o descumprimento pode ocorrer com o objeto anterior ou posterior ao parâmetro. Só não existe descumprimento, obviamente, em face de norma constitucional já foi revogada, logo, o parâmetro de controle necessariamente tem que ser referente à ordem constitucional vigente. Mas em se tratando de um objeto supostamente não recepcionado, será cabível ADPF, o que significa que este meio processual é hábil a ser manejado para impugnar um objeto que seja tanto anterior como posterior a um parâmetro de controle vigente.

Nesse sentido, o próprio art. 1°, §único, da Lei 9882/99, afirma expressamente que caberá argüição de descumprimento de preceito fundamental inclusive de normas anteriores à Constituição. Por isso é que, enquanto ADI e ADC possuem como limite temporal uma inconstitucionalidade originária (objeto necessariamente posterior ao parâmetro), já que não há inconstitucionalidade superveniente, e sim não recepção, na ADPF, por sua vez, será possível o objeto ser também anterior ao parâmetro, porque nesse caso temos descumprimento (e não inconstitucionalidade), que pode ocorrer com objeto anterior ao parâmetro. Então, por exemplo, uma lei de 1990 só poderá ser impugnada via ADPF em face de uma norma incluída no texto constitucional pela Emenda Constitucional de 1993. Uma ADI ou ADC não se presta à hipótese, porque nesses casos o objeto tem que ser posterior ao parâmetro, seja este norma constituinte originária ou derivada. Somente na ADPF é possível objeto que seja anterior ao parâmetro. Se naquele exemplo anterior fosse proposta uma ADI, não seria possível a continuidade da ação nessas condições, cabendo ao STF invocar o princípio da fungibilidade para transformá-la em ADPF, sempre que possível. Na verdade, ADI, ADC e ADPF, são ações consideradas fungíveis, desde que respeitados os requisitos de cada espécie.


6. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, buscamos apresentar neste breve trabalho um estudo comparado entre as ações próprias de controle de constitucionalidade, facilitando a compreensão deste tema de fundamental importância no direito constitucional contemporâneo. Compilando tudo o que foi analisado, podemos estabelecer o seguinte quadro resumo, conforme segue abaixo:

Limites/Ações

ADI

ADC

ADPF

Pressuposto de Admissibilidade

-

controvérsia judicial relevante

inexistência de outro meio igualmente eficaz

Parâmetro de Controle

Normas formalmente constitucionais integrantes do bloco de constitucionalidade

Normas constitucionais de preceito fundamental

Legitimados

Todos os legitimados do rol do art. 103 da Constituição Federal

Natureza do Objeto

Somente atos de natureza legislativa do Poder Público (lei ou ato normativo)

qualquer ato do Poder Público

Limite Espacial

Lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição Federal; e lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual

Lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal; e lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual

Lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal em face da Constituição Federal

Limite Temporal

Somente inconstitucionalidade originária (objeto posterior ao parâmetro)

Cabível também para normas anteriores à Constituição (objeto posterior ou anterior ao parâmetro de controle

Prisma de Apuração

Somente violação direta à Constituição Federal (espécies normativas do art. 59 da CF/88 e atos normativos infralegais que violem diretamente a CF/88)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. Saraiva, 2010.

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed. Saraiva, 2012.

BULLOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Saraiva, 2011.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed. Saraiva, 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. Saraiva, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Saraiva, 2012.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. MENDES, Gilmer Ferreira. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de Direito Constitucional, v. 1. 2ª Ed. Saraiva, 2012.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Atlas, 2011.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. Método, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. Malheiros, 2011.

Sobre o autor
Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção e MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Procurador Federal em exercício pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF-Sobral/CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra Carvalho. Estudo comparado das ações próprias em controle de constitucionalidade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3812, 8 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26029. Acesso em: 5 nov. 2024.

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