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A disciplina jurídica do trabalho prisional

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Agenda 06/12/2013 às 16:07

6. O instituto da remição

Cabe agora analisar o instituto da remição, que é de relevante importância na persecução do fim reintegrador da pena. Segundo a LEP, em seu art.126, caput, o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena, na proporção de 01 dia de pena, por 03 dias de trabalho, sendo que o preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição. Será declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público, conforme disposto nos arts. 66 e 67 da LEP.

A palavra remição significa reparar, ressarcir, compensar. Como bem obtempera Júlio Mirabete:

(...) pode-se definir a remição, nos termos da lei, como um direito do condenado em reduzir pelo trabalho prisional o tempo de duração da pena privativa de liberdade, cumprida em regime fechado ou semi-aberto. Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena[40].

A instituição da redenção das penas pelo trabalho simboliza o cume dos esforços de dignificação do trabalho penitenciário. Nesse sentido, pode-se dizer que a remição é medida de descarcerização, providência legal tendente a excluir ou reduzir a incidência das penas privativas de liberdade[41]. Dessa forma, se oferece ao preso um estímulo para corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da sanção, com vistas à progressão ao regime de liberdade condicional ou a liberdade definitiva[42].

Com o advento da Lei de execuções penais passou-se a discutir a natureza jurídica da norma que regula a remição; se direito material, ou de direito processual. Mas entende maior parte da doutrina, a exemplo de Renato Marcão, Célio Paduani e Rodrigo Fudoli, que a remição é norma de natureza material, e não processual, logo retroage[43] para beneficiar o apenado, posto que trata de regra favorecedora do condenado; tudo que se refere ao preceito sancionatório é de direito penal material[44]. Segundo Júlio Mirabete, há retroatividade, pois, além da Constituição Federal prever que a aplicação da lei recente mais benigna tão somente se dará no que se refere ao crime e à pena, o código penal prevê também, em seu art. 2º, que a lei sofrerá retroação sempre que, de qualquer modo, favorecer ao agente. Ou seja, a lei posterior que beneficie o réu ou o condenado incide no que se refere a todasconsequências penais previstas em lei, estando neste rol os direitos públicos subjetivos do apenado[45].

O instituto da remição se encontra vinculado ao trabalho, que é o fator mais importante de reeducação do sentenciado. De fato, a laborterapia, ao lado da educação, deve constituir um dos tratamentos mais adequados ao preso que vive em penitenciárias e cadeias públicas em completa ociosidade[46]. A sua característica fundamental é a participação voluntária do sentenciado no trabalho, como instrumento de reeducação, de reintegração. O aspecto volitivo traduz o direito subjetivo do preso ao trabalho.


7. GARANTIAS TRABALHISTAS DOS PRESOS

A Lei de Execuções penais prevê, no seu art. 28, parágrafo 2º, que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Antes de tudo, cabe observar que a análise proposta irá tratar dos casos onde, sob o regime semiaberto ou fechado, o preso tem a oportunidade de trabalhar, seja no interior do presídio, seja no trabalho externo, através da contratação pelo Estado do parceiro privado. Cumpre esclarecer que, nestes casos, a empresa privada não pode contratar diretamente com o preso, mas apenas diretamente com o Estado, através de contrato administrativo, como visto anteriormente.

Entende uma parte da doutrina que a LEP, no que tange os direitos trabalhistas do preso, não foi recepcionada pela Constituição Federal, posto que o novel diploma proíbe toda e qualquer discriminação entre os trabalhadores, como disposto em seu art. 7º, incisos XXXI e seguintes. Desta forma, leciona Aldacy Coutinho:

Se na prestação de trabalho pelo apenado estiverem presentes todos os elementos de uma relação de emprego, pela realização de um trabalho subordinado com continuidade e pessoalidade, o pagamento deverá ser igual ou superior a um salário mínimo. A norma constitucional, em seu art. 7º, inciso IV, garante a percepção de um salário mínimo por todo trabalhador. Sendo norma de eficácia plena, implica automaticamente a não recepção da Lei de Execução Penal, que permite a realização de trabalho remunerado pelo apenado em valores inferiores ao mínimo legal, quando está caracterizada a relação de emprego[47].

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Segundo ela, a LEP estaria estabelecendo uma distinção entre o trabalhador livre e o encarcerado, no momento em que veda a aplicação das normas da CLT. Porém, em que pese este entendimento ter respaldo constitucional, entende-se que a CLT não se aplica ao trabalho do preso, pois, ainda que seja de direito subjetivo, onde prevalece a vontade do apenado-trabalhador, também tem natureza de direito público-administrativo, posto que essa relação de trabalho necessita da intervenção do Estado para se concretizar.

Sendo assim, o trabalho prisional não configura relação de emprego, posto que se trata de um regime especial, específico. O trabalho do preso tem finalidades específicas baseadas na LEP, quais sejam, educativa e produtiva. O que se espera é a preparação do apenado para o convívio em sociedade, é a sua reintegração através da qualificação pelo trabalho.

No trabalho prisional o apenado deseja a sua liberdade, seu retorno ao convívio social. Essa busca não é incompatível com a atividade privada, podendo o particular tomar os serviços dos presos, de maneira a colaborar com o projeto de reintegração e também de maneira a lucrar. Logo, pode-se afirmar que, ainda que tenha o elemento volitivo por parte do preso, não configura relação de emprego por ter finalidade diversa dessa[48].

Como exemplos, pode-se citar a relação laboral de estágio. Ainda que esta contenha os requisitos da relação de emprego, tais quais subordinação, pessoalidade, continuidade, ainda assim não se configura como tal, por ter finalidade diversa. Mesmo com o advento da lei 11.788/08, que trouxe novas regulamentações ao contrato de estagio, não se considera que haja o vinculo empregatício, visto que o seu objetivo é complementar o ensino e a aprendizagem.

Da mesma forma ocorre com o trabalho do apenado. Na verdade, a formalização é de um contrato triangular, pois deve abarcar o preso, o parceiro privado e o Estado. Para o preso, deve-se ressaltar a função dignificadora do trabalho. Logo, independentemente de o seu trabalho ser realizado no âmbito interno ou externo do presídio, havendo o tripé Estado, parceiro privado e apenado, não configura relação de emprego, nem cabe a aplicação da CLT.

Porém, em que pese essas considerações, entende-se que devem ser observados os direitos trabalhistas reconhecidos pela Carta Magna em seu art. 7º, posto que se tratam de direitos sociais do trabalhador, seja ele livre ou não. Nesse sentido leciona Dirley da Cunha Júnior:

Os direito sociais são aquelas posições jurídicas que credenciam o indivíduo a exigir do Estado uma postura ativa, no sentido de que este se coloque à disposição daquele, prestações de natureza jurídica ou material, consideradas necessárias para implementar as condições fáticas que permitam o efetivo exercício das liberdades fundamentais e que possibilitam realizar a igualização de situações sociais desiguais, proporcionando melhores condições de vida aos desprovidos de recursos materiais[49]. (grifo do autor)

Ou seja, os direitos sociais têm por objeto um atuar permanente do Estado, consistente em uma prestação positiva em benefício do indivíduo, de modo a garantir-lhes o mínimo existencial. E pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana é o melhor fundamento para a aceitação de um direito subjetivo público aos recursos mínimos concernentes.

A Constituição federal, ao inserir os direitos sociais no titulo II que trata dos direitos fundamentais, afirma que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que dão aos seus titulares direito de exigir do Estado estas garantias indispensáveis ao ser humano. Isso vale para todos os trabalhadores, quais sejam livres ou reclusos, posto que não se pode fazer diferenciação entre os diversos tipos de labor[50]. Isto posto, infere-se que é obrigação do Estado oferecer trabalho ao apenado, e para isso pode-se valer de contratos com parceiros privados.

Além do mais, segundo Fábio Rodrigues, cabe afirmar que a titularidade do direito ao trabalho é universal, o que implica dizer que está voltada abertamente à todas as pessoas humanas[51]. Como bem obtempera Jorge Luiz Souto Maior:

(...) o direito como instrumento não é só o direito legislado. A visão do direito como instrumento fornece todas as armas que se encontram no próprio direito. Com efeito, em uma sociedade democrática a Constituição, necessariamente, consagra os muitos valores constantes das diversas ideologias político-sociais[52].

Logo, utilizando-se do direito do trabalho como instrumento de luta pela justiça social, culmina com a constitucionalização das normas protetivas do trabalho e a normatização de seus princípios fundamentais, possibilitando a interpretação das normas infra com base nesses postulados[53].

Então, enquanto não haja legislação especifica própria que regule esta modalidade laborativa, extrai-se direitos previstos na Carta Magna para regular esta relação de trabalho. Porém, deve-se atentar às características de cada direito posto, visto que, em razão de sua própria natureza, para distinguir a aplicação ao trabalho do preso ou não.


7. CONCLUSÃO

Finda esta pesquisa, dela pode-se extrair algumas conclusões:

1) A aceitação do trabalho do presidiário perante a comunidade está diretamente ligada às finalidades da pena; ou seja, a aceitação da sociedade depende da visão que a própria sociedade tem sobre qual o fim da pena. Dentre tantas teorias, que com o passar dos anos tentaram humanizar os efeitos da prisão, ainda hoje o conceito retributivo da pena se mantém enraizado na sociedade, o que faz com que a prisão, aos olhos dos “cidadãos normais”, deva ser um lugar de penúria e sofrimento por parte do preso.

2) A ressocialização do delinquente implica um processo interativo entre indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinquente sem colocar em dúvida o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo; caso contrário, estaria se admitindo que a ordem social seja perfeita, o que, no mínimo, é discutível.

3) Em momento algum, o código penal adota a teoria absoluta ou retributiva da pena. Como prova disso, podem-se trazer alguns dispositivos como o artigo 27, que considera penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, ou ainda institutos como a desistência voluntária, a anistia, a graça, o indulto, o perdão judicial, o regime de progressão da pena, dentre outros. Todos estes institutos são incompatíveis com a ideia de retribuição da pena. Para o direito penal brasileiro, a pena é também retribuição, apenas na sua função limitadora do direito de punir do Estado.

4) Como se não bastasse a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em local de reabilitação, ainda há o preconceito que está enraizado na sociedade, na qual ainda vigora, infelizmente, a lei de talião. Pois sim, inadmissível seria deixar de enxergar os presos como seres humanos, os quais devem ter seus direitos e garantias constitucionais preservados, em respeito ao principio da dignidade da pessoa humana.

5) A grande luta pela reabilitação e ressocialização daquele que se encontram cumprindo pena privativa de liberdade, esbarra na própria sociedade, que, ainda nos dias de hoje, mantém vivo o caráter retributivo da pena.

6) Outro motivo que impediu (e impede) o sucesso do trabalho dentro do cárcere é a dificuldade técnica e administrativa de transformar as prisões em indústrias aptas a desenvolver a função laborativa.

7) O trabalho do preso é modalidade de trabalho subjetivo. Ou seja, não constitui trabalho forçado ou obrigatório, logo, o preso pode exercê-lo ou não. Nestes termos, tem previsão na Convenção nº 29 da OIT, no Pacto de São José da Costa Rica, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, e na Declaração Universal do Direitos Humanos da ONU.

8) É amplamente previsto o direito subjetivo do preso ao trabalho. Seu trabalho não é punição, mas sim faculdade. Logo, ainda que a LEP preveja, no seu art. 31, o trabalho obrigatório do preso, percebe-se que a referida lei não está em consonância com os devidos diplomas legais, não sendo tal dispositivo recepcionado pela Constituição Federal. Caso o condenado não queira trabalhar, não poderá ser aumentada sua pena, tampouco sofrerá abusos ou castigos corporais. Apenas não gozará de certos benefícios, como a remição da pena, a progressão de regime, o livramento condicional, entre outros.

9) Assim sendo, se é licito e imperioso o trabalho ao homem livre, também o é em relação ao homem preso, pois afirmar que o individuo perde sua condição de cidadão e de Homem, perde a sua dignidade, por estar cumprindo pena, é violar o principio básico que rege todo o mundo jurídico: o principio da dignidade da pessoa humana.

10) Além da modalidade subjetiva, o regime jurídico do trabalho carcerário é de direito público, pois, para que haja a contratação da mão-de-obra do preso, deve-se firmar contrato entre a Administração pública e o parceiro privado, sempre observando os princípios gerais que regem a Administração pública, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

11) Cabe expor que a espécie de contrato administrativo celebrado deve ser o contrato de concessão, na modalidade de parcerias público-privadas.

12) Dessa forma, é vedado o contrato direto entre o preso e o parceiro particular, sendo que os contratos de trabalho firmados entre as empresas privadas e os encarcerados devem ser precedidos da interferência obrigatória da Administração Pública.

13) Hoje, a prisão por si só não reintegra. Não devolve o indivíduo à sociedade apto a exercer as atividades da vida em comunidade. E vários são os fatores: superlotação, ociosidade, violência, baixo nível de escolaridade, falta de qualificação profissional, e o tão enraizado estigma carcerário.

14) O intuito desta pesquisa é demonstrar a necessidade de que existam medidas alternativas que, ao menos, enxergando a realidade, possam tornar as consequências geradas pela prisão menos dolorosa a todos: ao Estado, aos presos, e a comunidade. Uma dessas medidas alternativas é a reintegração através da qualificação pelo trabalho.

15) Já as vantagens para o parceiro privado, na contratação da mão-de-obra carcerária, se fazem primeiro porque obtém mão-de-obra mais barata que a do trabalhador livre; segundo, porque fica isento de alguns encargos trabalhistas do qual o preso, pelo seu trabalho peculiar, diferenciado, não faz parte. Além disso, o Estado cede gratuitamente, sem pagamento em pecúnia, o espaço dentro dos presídios para que a empresa monte as oficinas de trabalho, por vezes não cobrando água e luz.

16)  As vantagens para o Estado se fazem por várias vertentes. Primeiro porque mantém o condenado ocupado, de modo a evitar rebeliões, e a acabar com a ociosidade dentro dos cárceres. Também no tocante a remição da pena, evitando a superlotação dos presídios.

17) Ainda que a reintegração pelo trabalho seja uma solução em longo prazo, na atualidade já se podem ver projetos que, com sucesso, põem em prática esta modalidade de trabalho.

18) A instituição da redenção das penas pelo trabalho simboliza o cume dos esforços de dignificação do trabalho penitenciário. Nesse sentido, pode-se dizer que a remição é medida de descarcerização, providência legal tendente a excluir ou reduzir a incidência das penas privativas de liberdade.

19) O instituto da remição se encontra vinculado ao trabalho, que é o fator mais importante de reeducação do sentenciado. De fato, a laborterapia, ao lado da educação, deve constituir um dos tratamentos mais adequados ao preso que vive em penitenciárias e cadeias públicas em completa ociosidade.

20) Entende-se que a CLT não se aplica ao trabalho do preso, pois, ainda que seja de direito subjetivo, onde prevalece a vontade do apenado-trabalhador, também tem natureza de direito público-administrativo, posto que essa relação de trabalho necessita da intervenção do Estado para se concretizar.

21) Sendo assim, o trabalho prisional não configura relação de emprego, posto que se trata de um regime especial, especifico. O trabalho do preso tem finalidades especificas, baseadas na LEP, quais sejam, educativa e produtiva. O que se espera é a preparação do apenado para o convívio em sociedade, é a sua reintegração através da qualificação pelo trabalho.

22) Enquanto não haja legislação especifica própria que regule esta modalidade laborativa, extrai-se direitos previstos na Carta Magna para regular esta relação de trabalho. Porém, deve-se atentar às características de cada direito posto, visto que, em razão de sua própria natureza, pode-se aplicar ao trabalho do preso ou não.

Sobre a autora
Joeline Araujo Souza

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Salvador (2010). Especialista em Direito do Estado pelo JusPodivm. Pós-graduanda em Direito Civil pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Sócia Fundadora do Escritório Soares Advocacia. joeline@soares.adv.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Joeline Araujo. A disciplina jurídica do trabalho prisional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3810, 6 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26045. Acesso em: 19 mai. 2024.

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