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Responsabilidade penal pela transmissão do HIV

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Agenda 19/12/2013 às 13:24

Verifica-se subsunção da conduta em estudo aos tipos penais de homicídio, lesão corporal de natureza gravíssima e crime de perigo de contágio de moléstia grave.

Resumo: O presente trabalho visa analisar a responsabilidade penal pela transmissão dolosa do vírus HIV por meio da prática de relações sexuais, a partir dos conceitos biológicos e doutrinários acerca do tema, bem como pelas decisões do Judiciário a esse respeito. Delimitou-se que a controvérsia do tema se cingia à subsunção da conduta em estudo aos tipos penais de homicídio, lesão corporal de natureza gravíssima e crime de perigo de contágio de moléstia grave. Buscou-se indicar todos os fundamentos já utilizados pelos doutrinadores e intérpretes da lei penal, de modo a se selecionar aqueles válidos para a tipificação da conduta no delito respectivo. Afastou-se o entendimento anteriormente perfilhado na jurisprudência, no sentido de se tipificar a transmissão do HIV como crime de homicídio tentado. Limitou-se a discussão no que tange ao crime de lesão corporal de natureza gravíssima pela contração de enfermidade incurável, previsto no art. 129, §2º, II, do Código Penal, e ao crime de perigo de contágio de moléstia grave, conforme o art. 131 do mesmo texto legal. Por fim, enfrentou-se a questão remanescente analisando os tipos objetivo e subjetivo adequados à hipótese em estudo, de modo a se pugnar pela subsunção da conduta ao crime de lesão corporal, com esteio na jurisprudência dominante.

Palavras-chave: AIDS. HIV. Homicídio. Lesão corporal. Crime de perigo.

lista de abreviaturas e siglas

ABIAAssociação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

AIDSAcquired Immunodeficiency Syndrome

HCHabeas Corpus

HIVHuman Immunodeficiency Virus

OMSOrganização Mundial da Saúde

ONUOrganizações das Nações Unidas

RNARibonucleic Acid

SAEServiço de Assistência Especializada

SIDASíndrome da Imunodeficiência Humana

STFSupremo Tribunal Federal

STJSuperior Tribunal de Justiça

UBSUnidade Básica de Saúde

Sumário: 1INTRODUÇÃO. 2DESENVOLVIMENTO. 2.1Aspectos Biológicos da Aids. 2.1.1Considerações Preliminares. 2.1.2Formas de Transmissão. 2.1.3Fases da Infecção pelo HIV. 2.1.4Combate à AIDS: Prevenção e Tratamento. 2.1.5Os Medicamentos Antirretrovirais. 2.2A AIDS e o Direito Penal Brasileiro. 2.2.1Tipificação como Homicídio.2.2.2Impossibilidade de Tipificação como Homicídio. 2.2.2.1Crime impossível. 2.2.2.2Relação de causalidade. 2.2.2.3Dolo eventual. 2.2.3A Mudança de Paradigma: o Habeas Corpus 98.712. 2.3A Responsabilidade Penal pela Transmissão do HIV. 2.3.1Lesão Corporal Gravíssima. 2.3.2Crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave.2.3.3As Divergências. 2.3.3.1Do conflito entre “enfermidade incurável” e “moléstia grave”. 2.3.3.2A análise sob a perspectiva do dolo. 2.3.3.3Tentativa e dolo eventual. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve origem na observação de um fato ocorrido em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade de Londrina/PR. O caso era o seguinte: uma mulher gestante,  portadora de HIV, fora instruída pela equipe de saúde a fazer uso dos medicamentos antirretrovirais (vulgo coquetel da AIDS) durante sua gestação, tendo em vista que, conforme orientação do Ministério da Saúde (2013), a utilização regular desses medicamentos – aliada ao parto cesariano e a não ingestão de leite materno – reduz a possibilidade de infecção do recém-nascido a níveis menores que 1%.

Contudo, mesmo instruída pela equipe de saúde, a paciente não fazia o uso correto da medicação, deixando de tomá-la na dosagem e rotina estabelecidas. E, assim, as profissionais envolvidas nos fizeram a seguinte questão: é possível responsabilizar penalmente essa paciente que, sabendo dos riscos de sua ação, ainda assim deixou de tomar o coquetel anti-HIV?

Verificando na doutrina e jurisprudência, pode-se perceber que o debate a respeito da tipificação daqueles que praticam condutas capazes de transmitir o HIV é acirrado e nebuloso. Isso porque nos casos de transmissão do vírus por meio de relação sexual, os únicos a ganharem repercussão no Judiciário, não há, até hoje, uma posição estreme de dúvidas. Por vezes se classificou essa conduta como crime tentado de homicídio, como lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, crime de perigo de contágio de moléstia grave, crime de perigo para a vida ou saúde de outrem entre outros (GUIMARÃES, 2011).

Dentre todas as decisões da nossa jurisprudência pátria, devem-se ressaltar duas proferidas recentemente pelos nossos tribunais superiores.

A primeira delas veio do Supremo Tribunal Federal (STF), no histórico Habeas Corpus 98.712, julgado em 05/10/2010, com relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello. Naquela oportunidade, o STF repudiou a categorização da conduta de transmissão de HIV como crime doloso contra a vida, posição esta que era até então a preferida pela jurisprudência.

Contudo, após afastar o tipo penal de homicídio e, consequentemente, a competência do Tribunal do Júri para o processamento da causa, os Ministros travaram interessante debate a respeito de qual seria o delito cometido pelo agente no quadro em tela.

De um lado, o relator Min. Marco Aurélio entendia que a tipificação correta seria a do art. 131 do Código Penal, vale dizer, o de crime de perigo de contágio de moléstia grave. Já o Min. Ayres Britto proferiu voto sugerindo a tipificação da conduta como crime de lesão corporal de natureza gravíssima, com fulcro no art. 129, § 2º, II, do Código Penal (lesão corporal que resulta em enfermidade incurável).

Após os debates, e sem haver uma conciliação a respeito, a turma do STF preferiu, enfim, optar pela remessa dos autos ao Juízo comum para novo julgamento.

Já em 17/05/2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou caso semelhante, no julgamento do HC 160.982/DF, com acórdão de lavra da Ministra Laurita Vaz. Neste caso, diferentemente do que ocorreu no STF, o Tribunal foi firme ao proferir o acórdão enquadrando a conduta como crime de lesão corporal de natureza gravíssima, tomando como fundamento para a decisão os mesmos argumentos utilizados pelo Min. Ayres Britto e pelo Min. Ricardo Lewandowski no processo acima referido.

O fato incontroverso é que há diversas tipificações possíveis – pelo menos a uma primeira observação – e cujas ponderações devem ser bem esmiuçadas, a fim de se desvendar qual é a verdadeira conduta praticada e o tipo correspondente. Isso porque, ao se tratar de matéria penal – na qual salta aos olhos princípios rigorosos para a aplicação da pena, como os da taxatividade e legalidade –, deve-se buscar sempre a clareza e a objetividade quanto ao delito a ser imputado.

Desperta-se uma grave insegurança jurídica na sociedade brasileira ao se deparar com a pluralidade de decisões existentes a respeito da matéria, bem como a pouca digressão doutrinária a respeito do assunto, o que já é suficiente para afrontar os pilares de um Direito Penal afim à democracia e à dignidade da pessoa humana.

Desta forma, o presente trabalho pretende tratar, de forma investigativa e, sobretudo, instigadora, a responsabilidade penal daquele que transmite o HIV pela via sexual, analisando os diversos óbices em que a questão naturalmente implica. Longe de qualquer pretensão exaustiva do tema, pretendemos lançar a discussão no meio acadêmico, haja vista a urgência de uma resposta do Direito à sociedade acerca desse importante assunto.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Aspectos Biológicos da Aids

2.1.1 Considerações Preliminares

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA ou AIDS, em inglês) pode ser considerada como uma doença da atualidade, observada inicialmente nos Estados Unidos da América, em 1981. Os seus primeiros registros noticiavam que jovens adultos acabavam padecendo de morte súbita, combinando quadros raros de cânceres e pneumonias comuns. Percebeu-se que tais pacientes apresentavam um estado de imunodeficiência, isto é, uma “diminuição dos recursos orgânicos tradicionalmente mobilizados para manter o corpo ‘imune’ às infecções” (PARKER, 1994, p. 15).

Àquela época, o estudo da distribuição da doença (epidemiologia) constatou quase uma exclusiva incidência da moléstia entre a população homossexual masculina. Enquanto se buscava as causas do elo entre a homossexualidade e a AIDS, responsável pelo preconceito geral difundido e até hoje constatado na sociedade, percebeu-se com o tempo que a doença se espalhava à população em geral. Tornou-se, pois, questão de saúde pública em virtude da coletivização do risco de contágio.

Por meio das pesquisas inicialmente realizadas, descobriu-se que a doença era causada por um agente infeccioso. Trata-se de um retrovírus, batizado HIV (Human Imunodeficiency Virus ou Vírus da Imunodeficiência Humana), o qual possui genoma RNA, conferindo-lhe grande mutabilidade.

Aqueles infeccionados pelo HIV apresentam um gradual desaparecimento dos linfócitos, também denominados glóbulos brancos, que são as células sanguíneas responsáveis pelo combate a agentes externos; vale dizer, pelo sistema imunológico em si. Esse fato diferencia a AIDS das demais doenças infecciosas, pois nestas o quadro se revela justamente pelo contrário, isto é, há um aumento dessas referidas células no intuito de se combater a infecção premente.

No caso específico da AIDS, há um desaparecimento gradual dos linfócitos T4, os quais são considerados os “elementos mensageiros no desencadeamento da ‘resposta imunitária’ do organismo às infecções em geral” (PARKER, 1994, p. 16). Com a infecção, portanto, o sistema imunológico queda-se desarmado, desencadeando a contração de outras doenças infecciosas, as quais podem ser letais. Verifica-se, portanto, que a infecção do HIV atua como uma “porta de entrada” para as chamadas doenças oportunistas: é uma causa indireta da possível morte.

2.1.2 Formas de Transmissão

No que tange à sua transmissão, temos como forma mais básica e cediça a relação sexual desprotegida. Contudo, não é a única.

São três as principais formas de transmissão do vírus: sexual, sanguínea e vertical (Ministério da Saúde, 2006, p. 123)

A via sexual é a principal forma de transmissão do HIV no mundo, sendo a transmissão heterossexual a mais incidente nos dados de pesquisa coletados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Alguns fatores aumentam o risco de transmissão do HIV em uma relação sexual, a saber, (i) alta viremia, constatada na primeira fase de infecção ou na imunodeficiência avançada; (ii) relação anal receptiva; (iii) relação sexual durante a menstruação; (iv) presença de Doença Sexualmente Transmissível (DST) pré-existente.

O método preventivo mais popular é o uso de preservativos, masculinos ou femininos, na relação sexual. Com efeito, são as únicas barreiras comprovadamente efetivas contra o HIV e outras doenças, podendo diminuir em até 95% o risco de sua transmissão.

Já a transmissão sanguínea é aquela realizada pela transfusão direta de sangue entre o paciente e o portador do vírus. Opera-se principalmente pela transfusão sanguínea ou pelo uso de drogas injetáveis compartilhadas entre os seus usuários. No primeiro caso, a prevenção se dá pelo controle de qualidade dos bancos de sangue. Já a prevenção em usuários de drogas injetáveis demanda uma adoção de políticas públicas pelo Estado que envolvem não só o controle médico, mas também a questão social que aflige essa parcela da população, que vive em patente exclusão social.

Deve ser facilitado, portanto, o acesso dessas pessoas às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e aos serviços de tratamento de dependência de drogas, além de se oferecer mínimas condições de existência digna a elas, como alimentação, moradia gratuita, acompanhamento psicológico, entre outras políticas que extrapolam o objetivo do presente estudo.

A última das formas de transmissão é a via vertical, que se trata daquela em que a criança, filha de mãe soropositiva, é infectada pelo vírus HIV durante a gestação, no parto ou na amamentação. A sua consumação não pode ser precisamente constatada, pois múltiplos os momentos em que o recém-nascido ou feto tem possível contato direto com o agente infeccioso.

Segundo o Ministério da Saúde (2013) a taxa de transmissão do HIV de mãe para filho durante a gravidez, sem qualquer tratamento, pode ser de 20%. Seguindo as recomendações médicas, tal taxa pode ser diminuída para níveis de até 1% ou menor. Tais recomendações, além do diagnóstico prévio da doença, consistem no uso de medicamentos antirretrovirais na mãe e no recém-nascido, a prática do parto cesáreo e a não amamentação da criança.

2.1.3 Fases da Infecção pelo HIV

Pelo Ministério da Saúde (2006), são quatros as fases a que se submete o paciente em virtude da contração do vírus HIV: (i) infecção aguda; (ii) fase assintomática ou latência clínica; (iii) fase sintomática inicial ou precoce; e (iv) AIDS propriamente dita.

A primeira fase é justamente aquela em que o paciente contrai a infecção pelo vírus causador da AIDS, o qual passa a atacar as células do sistema imunológico. Compreende um período aproximado de 3 a 6 semanas, no qual ocorre a incubação do vírus. O diagnóstico da infecção aguda é de difícil precisão, pois os sintomas se assemelham àqueles causados por um quadro gripal ou por qualquer outra infecção viral, como febre, náuseas e vômitos entre outros.

Após esse período, o vírus se estabiliza no corpo humano, mas sem enfraquecê-lo o suficiente de modo a se tornar suscetível a outras doenças. Trata-se da fase assintomática, a qual pode durar anos no organismo do paciente, tendo como característica própria a interação entre as células de defesa e as constantes mutações do vírus. Essas modificações genéticas, como cediço, impedem a eliminação total do invasor pelos anticorpos produzidos pelo organismo.

Mesmo com a estabilização do vírus, há um momento em que as células de defesa do corpo humano acabam cedendo ao ataque viral constante. Nesta fase, conhecida como sintomática inicial, ocorre uma redução gradual dos linfócitos T-CD4 – os glóbulos brancos –, responsáveis pela defesa do organismo. Alguns sintomas genéricos surgem no paciente, como febre, diarreia, suores noturnos e emagrecimento (BRASIL, 2006), além de aparecimento de processos oportunistas de menor gravidade. Alguns exemplos recorrentes dessas doenças inicialmente adquiridas pelo portador de HIV são candidíase, gengivite, úlceras entre outros.

Somente no estágio final da doença é que se pode afirmar que o paciente padece da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Nessa etapa, o sistema imunológico encontra-se tão fragilizado que o organismo fica suscetível a doenças oportunistas de elevada gravidade, como hepatites virais, pneumonia, toxoplasmose ou até mesmo alguns tipos de neoplasia, tornando, assim, alto o risco de morte.

Contudo, só se alcança esse estágio por total desconhecimento do paciente de sua condição ou pela falta de tratamento adequado da doença. É o que se analisa doravante.

2.1.4 Combate à AIDS: Prevenção e Tratamento

Não há melhor método para o combate à AIDS que não a sua prevenção. E, nesse ponto, a principal recomendação médica – baseada em diversos estudos sobre o tema – é o uso de preservativos em todas as relações sexuais do paciente.

Importante destacar que só o uso do preservativo não garante que a pessoa esteja completamente protegida na relação sexual. Em estudo realizado pela Universidade de Wisconsin (EUA), demonstrou-se que o correto e sistemático uso de preservativos em todas as relações sexuais possui eficácia estimada de 90% a 95% na prevenção da transmissão do vírus (BRASIL, 2008).

Por isso é que, aliado ao uso de preservativos, recomenda o Ministério da Saúde que as pessoas façam testes de AIDS frequentemente. Tais testes são feitos por meio de exames laboratoriais, mediante simples análise do sangue do paciente. A coleta de uma gota basta, e, trinta minutos após, o requerente recebe o resultado.

O exame está disponível gratuitamente na rede pública de saúde ou nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), sendo extremamente recomendado para aqueles que se exponham a situações de risco – como praticar relação sexual desprotegida ou usar drogas injetáveis compartilhadas –, principalmente no período de trinta dias após o fato. Isso porque o exame busca anticorpos no sangue, os quais são produzidos, como já visto, na primeira fase da infecção da doença (fase aguda). Esse período é também denominado como janela imunológica.

A realização do teste é medida eficaz no controle e tratamento da doença. Afinal, sabê-la precocemente significa evitar a contaminação de outros pelo total desconhecimento do paciente, bem como possibilita que a pessoa inicie o uso de medidas e medicamentos que prolongam, comprovadamente, a sua estimativa de vida.

Diagnosticada a infecção pelo HIV, deve o paciente iniciar o seu tratamento imediatamente. Consiste ele não só no uso de medicamentos ou na realização de exames. Em verdade, o Brasil avançou muito ao longo dos anos no que tange ao combate, tratamento e no respeito ao soropositivo, sendo hoje referência em âmbito mundial nesse sentido. Isso se deve, principalmente, à criação do Serviço de Assistência Especializada (SAE).

A recomendação do Ministério da Saúde é que, descoberta a sua condição como portador do HIV, deverá o paciente ir a uma das unidades de atendimento do SAE, disponíveis em todo o território nacional, para realizar um atendimento inicial com um médico especialista em AIDS.

Nessa consulta, o paciente informará toda a sua história clínica, tempo de diagnóstico, hábitos de vida entre outros. Serão solicitados exames completos, tais quais: hemograma, urina, fezes, glicose, triglicerídeos, contagem de linfócitos T CD4+ e o de carga viral.

Poderá o paciente esclarecer todas as suas dúvidas a respeito da doença, acerca do uso de medicamentos, seus sintomas entre outras. A partir de então, serão marcadas novas datas para o acompanhamento médico constante. Conta o soropositivo, ainda, com uma estrutura completa de atendimento médico, como psicólogos, nutricionistas, enfermeiros e farmacêuticos.

O tratamento consiste, também, na adesão do soropositivo a hábitos saudáveis de vida. O primeiro deles é a prática da alimentação saudável, essencial para a manutenção da integridade do corpo, principalmente do sistema imunológico. Aliado a ela, deverá o paciente praticar atividades físicas regularmente, pois comprovada a relação entre ela e o melhor funcionamento da rede de defesa do organismo.

Além disso, a saúde mental do paciente é de rigor para a melhor eficácia do tratamento. Para tanto, deve o soropositivo manter sua vida social e pessoal intactas, bem como a sua sexualidade – desde que seguidas as recomendações básicas, por óbvio. É igualmente comprovada que a “continuidade da vida social e a adesão adequada ao tratamento resultam na melhora da qualidade de vida e na resposta ao tratamento com medicamentos antirretrovirais” (BRASIL, 2013).

O uso de medicamentos só será prescrito a partir da análise pormenorizada do caso em estudo e da fase em que se encontra a infecção. Isso porque o seu uso irregular pode, na verdade, acelerar o processo de resistência do vírus aos medicamentos, o que diminui a expectativa de vida do paciente.

Caso, contudo, seja recomendado o seu uso pelo médico, deverá o indivíduo ingressar na denominada terapia antirretroviral, isto é, no uso dos medicamentos antirretrovirais.

2.1.5 Os Medicamentos Antirretrovirais

O popularmente conhecido coquetel antiaids, muito difundido recentemente na imprensa como o grande avanço no tratamento da doença, na verdade existe desde a década de 1980. O Brasil distribui gratuitamente as drogas antirretrovirais desde 1996, sendo um dos países que mais facilitam o acesso da população a esse tipo de tratamento.

O papel dessas drogas é evitar o enfraquecimento do sistema imunológico, por meio de uma combinação de medicamentos que não eliminam o vírus HIV, obviamente, mas impedem a sua multiplicação nas células de defesa do organismo. Segundo o Ministério da Saúde (2013), eles podem ser divididos nas seguintes classes, de acordo com a sua forma sintética de ação:

a)  Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa: atuam na enzima transcriptase reversa, incorporando-se à cadeia de DNA que o vírus cria. Tornam essa cadeia defeituosa, impedindo que o vírus se reproduza. São eles: Abacavir, Didanosina, Estavudina, Lamivudina, Tenofovir, Zidovudina e a combinação Lamivudina/Zidovudina.

b)  Inibidores Não Nucleosídeos da Transcriptase Reversa: bloqueiam diretamente a ação da enzima e a multiplicação do vírus. São eles: Efavirenz, Nevirapina e Etravirina.

c)  Inibidores de Protease: atuam na enzima protease, bloqueando sua ação e impedindo a produção de novas cópias de células infectadas com HIV.São eles: Atazanavir, Darunavir, Fosamprenavir, Indinavir, Lopinavir/r, Nelfinavir, Ritonavir, Saquinavir e Tipranavir.

d)  Inibidores de fusão: impedem a entrada do vírus na célula, e, por isso, ele não pode se reproduzir. É a Enfuvirtida.

e)  Inibidores da Integrase: bloqueiam a atividade da enzima integrase, responsável pela inserção do DNA do HIV ao DNA humano (código genético da célula). Assim, inibe a replicação do vírus e sua capacidade de infectar novas células. É o Raltegravir.

A terapia antirretroviral regular envolve o uso de ao menos três classes dos medicamentos acima descritos, além do acompanhamento médico rotineiro para se avaliar a adaptação do paciente aos efeitos colaterais e a ação esperada do remédio. Observa-se, pois, ser esse um tratamento complexo, sendo necessária a adesão do paciente ao uso regular dos medicamentos nos horários designados, além de se seguir os hábitos saudáveis de vida já descritos e ter acompanhamento médico constante, sob pena de se aumentar a resistência do vírus.

Contudo, comprovou-se que o regular seguimento da terapia, e esse ponto é de total relevância para o presente trabalho, pode acarretar na redução de até 96% da taxa de transmissão do vírus HIV nas relações sexuais. Este estudo foi publicado no jornal britânico The Lancet, em dezembro de 2012, consistindo na análise prática de 3.381 casais heterossexuais em sete países africanos, todos sorodiscordantes, isto é, um era portador do vírus HIV e o outro não.

Foram distribuídas drogas antirretrovirais a 349 indivíduos infectados, e os demais receberam placebos. Após 24 meses, constatou-se que 103 pessoas foram infectadas pelo vírus. Contudo, apenas uma dessas infecções foi causada por um parceiro que estava tomando o medicamento antirretroviral.

A explicação é simples: o uso do coquetel anti-HIV torna menor a presença do vírus no sangue e fluidos do corpo, principalmente em mucosas vaginais e sêmen, diminuindo assim a chance de contágio na relação sexual vaginal. Essa premissa não é extensível, contudo, ao sexo anal ou ao compartilhamento de agulhas, por serem situações que, pela sua dinâmica, aumentam o risco de transmissão.

Verifica-se, portanto, que o uso de medicamentos antirretrovirais, notadamente nos casos de transmissão sexual e vertical, torna-se, além de tratamento, também método preventivo, pois altera a probabilidade de transmissão do vírus.

2.2 A AIDS e o Direito Penal Brasileiro

Neste tópico serão analisadas as principais decisões dos Tribunais brasileiros a respeito do tema “transmissão sexual do vírus HIV” ao longo do tempo, bem como apontados os fundamentos empregados pelos julgadores para tanto. Observar-se-á que a alteração do paradigma sobre a AIDS, causada pela sua “democratização” e pela ruptura de preconceitos, gerou também efeitos na seara jurídica.

As discussões a respeito da criminalização dos portadores de HIV pela sua transmissão foram iniciadas em 2005, por meio do Grupo de Trabalho da GNP+ (rede mundial de pessoas positivas). A questão tomou destaque com a XVII Conferência Internacional da AIDS, realizada no México em 2008. Nesse evento, ponderou-se a respeito dos impactos negativos da criminalização da exposição sexual e transmissão do HIV.

Na conferência seguinte, realizada em Viena, no ano de 2010, confeccionou-se um relatório, o qual revelou que, pelo mundo, cerca de 600 pessoas já foram condenadas pela exposição e transmissão sexual do HIV (GUIMARÃES, 2011, p. 10).

O ordenamento jurídico brasileiro não possui norma específica para criminalizar a transmissão do vírus HIV. É um dos 63 Estados que não possuem norma especial para o caso, seguindo, assim, a recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), conforme o relatório da Global Comission on HIV and the Law (2012).

Nada obstante, a falta de norma específica não deixou de levantar grandes polêmicas a respeito do assunto. Nesse sentido, fundamental foi a atuação das organizações não governamentais que constituem o chamado Movimento Social da AIDS. Dentre esses órgãos, destaca-se a Associação Brasileira Interdisciplinar da AIDS (ABIA), cuja principal missão é “mobilizar a sociedade para enfrentar a epidemia de HIV/AIDS no Brasil para a luta por acesso a tratamento e assistência e na defesa dos direitos humanos das pessoas que vivem com HIV e AIDS” (ABIA, 2013).

O Movimento Social da AIDS teve pilar atuação no sentido de se delimitar até que ponto deve responder penalmente o soropositivo pela transmissão do vírus HIV. Isso porque há decisões das mais variadas formas na Jurisprudência brasileira.

Para ilustrar, translada-se quadro feito por Marclei Guimarães (2011), em artigo publicado pela ABIA. Nele, o autor traça as tipificações possíveis com base em decisões da Justiça brasileira a respeito da conduta genérica de realizar ato sexual sem preservativo com pessoa vivendo com HIV/AIDS, havendo relações sexuais consentidas. Veja-se:

Artigo do CP

Crime

Pena

Art. 130, caput: “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado”.

Perigo de Contágio Venéreo.

Detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.

Art. 131:8 “praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”.

Perigo de Contágio de Moléstia Grave.

Enquadramento preferido pelo Judiciário como alternativa à tentativa de homicídio.

Reclusão de 1 a 4 anos e multa.

Art. 132, caput: “expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente”.

Perigo para a Vida ou Saúde de outrem. O TJ/RJ tem julgado exposições sexuais do HIV como esse crime.

Detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Art. 129, § 2o, inciso II: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, se resulta: (ver quadro ao lado)”.

Lesão Corporal (Gravíssima) por Transmissão de Enfermidade Incurável. Este tem sido um enquadramento preferido pela Justiça brasileira, alternativo à tentativa de homicídio.

Reclusão de 2 a 8 anos para o crime consumado.

Art. 129, § 3o: “se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não

quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”.

Lesão Corporal Seguida de Morte (dolo de lesionar + culpa pela morte). É um crime preterdoloso; vai além do dolo: há a culpa.

Reclusão de 4 a 12 anos para o crime consumado.

Art. 121, caput: “matar alguém” c/c (combinado com) artigo 14, inciso II (tentativa).

Tentativa de Homicídio Simples: incriminação frequente.

Reclusão de 6 a 20 anos, diminuindo a pena de um terço a dois terços.

Art. 121, § 2o, inciso III c/c artigo 14, inciso II.

Tentativa de Homicídio Qualificado por meio insidioso (meio utilizado sem que a vítima perceba ou tome conhecimento). Frequente incriminação no Brasil.

Reclusão de 12 a 30 anos, diminuindo a pena de um terço a dois terços.

De todas essas tipificações, a única que já se encontra completamente afastada, por posição pacífica da doutrina e Jurisprudência, é a do art. 130 do Código Penal, isto é, como crime de perigo de contágio de moléstia venérea.

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Isso porque moléstias venéreas são aquelas contraídas única e exclusivamente pela via sexual, e a AIDS não se enquadra nesse conceito, pois, como visto, pode ser transmitida por vias diversas, como no caso de uso de seringas não descartáveis e pela transmissão vertical.

A esse respeito, veja-se a seguinte posição doutrinária de Bittencourt (2010, p. 468):

A AIDS, que não é moléstia venérea e que não se transmite somente por atos sexuais, poderá tipificar o crime do art. 131, lesão corporal seguida de morte ou até mesmo homicídio, dependendo da intenção do agente, mas nunca o crime de perigo de contágio venéreo.

Veja-se também ilustrativo julgado, a corroborar a posição acima:

PENAL - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE - REPRESENTAÇÃO - DESCABIMENTO - MANIFESTAÇÃO DA GENITORA DA VÍTIMA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - DECOTE DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, 'h"", DO CP - IMPOSSIBILIDADE - VÍTIMA CRIANÇA - CRIME DE CONTÁGIO VENÉREO - AIDS - ABSOLVIÇÃO - PORTADOR DE HIV NÃO TRANSMITE DOENÇA VENÉREA - REJEITADA A PRELIMINAR, VENCIDO O DESEMBARGADOR REVISOR - RECURSO PROVIDO EM PARTE, À UNANIMIDADE. - A jurisprudência pátria vem entendendo pela desnecessidade de formalidades quanto à representação da ofendida, bastando manifestação de sua intenção em representar contra o acusado. - A palavra da vítima no sentido de que se submeteu aos abusos sexuais perpetrados pelo réu, quando respaldada em outros meios de prova, em especial a palavra de testemunhas, é apta a sustentar um decreto condenatório, maxime se as mesmas foram seguras e coerentes em suas declarações, em oposição à versão isolada do agente. - Incide a qualificadora prevista no art. 61, inciso II, alínea ""h"" do CP, se a vítima era criança ao tempo dos fatos, com menor oportunidade de defesa, a justificar a exasperação da pena. - A AIDS não se enquadra nas doenças venéreas a que alude do art. 130 do CP, já que não se transmite somente por relação sexual ou ato libidinoso, mas por qualquer outro meio de transmissão, a impor a absolvição do réu. V.V. O art. 130 do CP, em seu § 2º, estabelece a necessidade de representação par o início do processo. E quando o Código Penal exige tal conduta esta é absoluta, nos termos do art. 100 do referido código E (Desembargador Doorgal Andrada).   (TJMG – Apelação Criminal 1.0672.08.302817-1/001, Rel. Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 19/05/2010, publicação da súmula em 16/06/2010)

Remanescem dúvidas, contudo, quanto às demais tipificações listadas no quadro comparativo acima transcrito, isto é, se a transmissão do vírus HIV se enquadra como (i) homicídio; (ii) lesão corporal; (iii) crime de perigo, seja o do art. 131 ou do art.  132 do Código Penal. Parte-se, portanto, à análise de cada uma dessas possibilidades.

2.2.1 Tipificação como Homicídio

O Direito é espelho da sociedade, na medida em que o pensamento coletivo afeta diretamente o que há de ser decidido sobre determinada matéria trazida à análise jurisdicional. E relativamente à transmissão do HIV, isso não poderia ser diferente.

Todas as doenças têm dimensões sociais, éticas e políticas. No caso da AIDS, contudo, houve uma acentuada extensão desses efeitos. Como destaca Weeks (1989, p. 18) “o que dá um poder especial a AIDS é a sua capacidade para representar uma série de medos, ansiedades e problemas em nossa atual sociedade pós-permissiva”.

Galvão denominou esse fato social como o “pânico moral”, gerado pelo aparecimento súbito da AIDS em uma época em que a Medicina acreditava ter o controle e a solução imediata para todas as doenças, sem contar a vinculação dessa moléstia a certos “grupos de risco”, como os homossexuais, prostitutas, usuários de drogas injetáveis e até mesmo nacionalidades específicas – como era o caso dos haitianos –, todos vistos pela sociedade como marginais ou simplesmente “desleixados” (GALVÃO, 2000).

Aliado a isso, há de se destacar o tratamento dado pela mídia à época do surgimento da AIDS, bem como as respostas da ciência e da Medicina. Afinal, a AIDS por vezes foi tratada similarmente à peste negra, chamando-a de “peste gay”. Havia inclusive fundamentação científica para a nomenclatura, já que entre os anos de 1981 a 1982 a moléstia era denominada pela comunidade médica como Gay Related Immune Deficiency (GRID), ou seja, imunodeficiência relacionada aos homossexuais (GALVÃO, 2000).

Transportando o conceito de pânico moral ao campo jurídico, Wermuth (2011) fez brilhante obra destacando os reflexos do medo no Direito Penal. Nela, destaca que fatos sociais que demandariam uma atuação positiva do Estado – no sentido de efetivação de políticas públicas, proteção às vítimas entre outros – acabam gerando, em virtude do medo social, uma pretensão punitiva desnecessária ao Estado.

Daí se pode falar da tese do Direito Penal do Inimigo, formulada pelo penalista alemão Günther Jakobs, no sentido de que o Estado, em determinadas situações, aplica penas de forma antecipada e desproporcional, como verdadeira forma de controle social sobre situações que escapam ao seu controle, mas que poderiam ser solucionadas por vias diversas.

Parece que foi justamente nessa ordem de ideias que se buscou a tipificação da conduta em análise como homicídio, posição essa predominante na jurisprudência até a década passada. Mister se analisar, portanto, alguns julgados ilustrativos e os fundamentos empregados por seus relatores.

Antes, porém, cumpre salientar que em todas as decisões a seguir transcritas, se analisa a conduta genérica de transmissão do vírus HIV por pessoa que sabia da sua condição de soropositivo. Isso porque não se pode punir o sujeito que desconhece tal fato, por ausência do dolo em virtude da não “consciência” do agente em incorrer nos termos do tipo legal.

Feita essa breve consideração, colaciona-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, utilizado como parâmetro para as demais decisões de instâncias inferiores:

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTADOR VÍRUS DA AIDS. DESCLASSIFICAÇÃO. ARTIGO 131 DO CÓDIGO PENAL. 1. Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS é idônea para a caracterização da tentativa de homicídio. 2. Ordem denegada. (HC 9.378/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/1999, DJ 23/10/2000, p. 186).

Em seu voto, o Min. Hamilton Carvalhido pondera que o dolo do agente era eventual, porquanto violentou sexualmente a vítima mesmo sabendo ser portador da doença. Conclui sua fundamentação citando obra de Heleno Fragoso, a qual se transcreve:

Se a moléstia grave vem, efetivamente, a transmitir-se, haverá apenas o crime de lesão corporal. Trata-se de concurso aparente de normas, em que o crime de perigo fica excluído pelo crime de dano (subsidiariedade). Se da moléstia grave sobrevier a morte, teremos lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o, CP), desde que não tenha havido por parte do agente o animus necandi. Nesse último caso, o crime seria homicídio. (Lições de Direito Penal - Parte Especial, vol. I, Forense, 9ª ed. pág. 150).

Veja-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no qual se tipifica a conduta de transmissão do vírus HIV como crime de homicídio doloso qualificado, não só por ter se utilizado o agente de dissimulação, mas também por motivo torpe e meio cruel:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - ESTUPRO - FORNECER A ADOLESCENTE PRODUTOS CUJOS COMPONENTES POSSAM CAUSAR DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA - PRONÚNCIA - IRRESIGNAÇÃO DO RÉU - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS NECESSÁRIOS NO SENTIDO DE APONTAR QUE O RÉU TENHA AGIDO COM DOLO, RESTANDO DÚVIDAS QUANTO A AUTORIA ATRIBUÍDA AO ACUSADO DOS DELITOS - DEVIDAMENTE COMPROVADA A EXISTÊNCIA DOS CRIMES E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - DECISÃO DE PRONÚNCIA BEM FUNDAMENTADA - SUBMISSÃO DO RÉU A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE 111831-4 - Guarapuava -  Rel.: Clotário Portugal Neto -  - J. 13.12.2001).

Segue trecho do voto do relator, fundamentando o porquê da qualificação do homicídio:

Do evento já resultou a contaminação de RMG e de APS, pelo vírus HIV, conforme documentos acostados a fl. 43 e 114. Os delitos somente não se consumaram em virtude do curto lapso temporal decorrido desde a ação eis que o vírus HIV, apesar de letal, vulnera gradativamente o sistema imunológico ou demora a se manifestar. O denunciado agiu impelido por motivo torpe, na medida em que, de forma repugnante, tinha o propósito de disseminar a doença, tendo, inclusive, após o fato, alardeado publicamente a contaminação das ofendidas. O denunciado utilizou-se de meio cruel, eis que, mediante a transmissão do vírus HIV, impôs às ofendidas excessivo sofrimento, de ordem física e moral. O denunciado utilizou-se de dissimulação, porquanto, omitindo a circunstância de ser aidético, impossibilitou a defesa das ofendidas (grifo nosso).

Para finalizar, a seguinte decisão, datada do ano de 1999, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

ESTUPRO. REU PORTADOR DO VIRUS HIV. PROBABILIDADE DE TRANSMISSÃO DE DOENCA INCURAVEL E QUE ACARRETA A MORTE. TENTATIVA DE HOMICIDIO. DOLO EVENTUAL. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE PROVADOS. DECISAO DOS SRS. JURADOS QUE NAO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS. MANUTENCAO. SOBERANIA DOS VEREDITOS DO TRIBUNAL POPULAR. APELO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70000012872, Câmara de Férias Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Barbosa Leal, Julgado em 09/11/1999).

Analisemos, pois, os fundamentos de todas essas decisões e da doutrina, seguida dos devidos apontamentos e rebates necessários.

2.2.2 Impossibilidade de Tipificação como Homicídio

Ponto em comum em todas essas decisões é a análise do homicídio única e exclusivamente sob o ponto de vista do dolo. Sabendo o agente que era portador do vírus HIV, de pronto se atestava que assumira o risco de produção do resultado “morte”. Esse dolo era sempre eventual, pois nunca se constatava efetivamente que o sujeito pretendia a morte da vítima. Tanto assim o é que todos esses recursos se fundamentaram, quase que exclusivamente, na ausência da intenção de matar.

Nos casos em que não sobreveio a morte da vítima – vale ressaltar, a esmagadora maioria – os Tribunais clamavam a aplicação do art. 14, II, do Código Penal, isto é, tipificando a conduta como homicídio tentado, já que o resultado não adveio por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Os fundamentos utilizados, contudo, não se consubstanciam em si, principalmente após a consolidação da terapia antirretroviral. Para tanto, é necessário se retomar alguns conceitos básicos da “Teoria do Delito”.

Seguindo o conceito-analítico, reinante da doutrina, crime é toda conduta típica (fato típico), ilícita e culpável (PRADO, 2010). Nesse ponto, temos como elementos do fato típico a existência de (i) conduta (ação ou omissão); (ii) resultado; (iii) relação de causalidade; (iv) tipicidade, sendo que caso a conduta em exame não apresentar um desses elementos, não poderá ser considerada como fato típico e, por conseguinte, não haverá crime.

Define-se conduta, a partir da teoria finalista, como toda ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade.

O resultado é, pela concepção naturalística, a “modificação do mundo exterior promovida pelo comportamento humano voluntário” (MIRABETE; FABBRINI, 2002, p. 110). De um ponto de vista jurídico ou normativo, o resultado é a lesão ou o perigo dela sobre um interesse a ser protegido pela norma penal, isto é, o bem jurídico. É a morte da vítima, no homicídio, ou a deterioração de coisa, no crime de dano, por exemplo. Registre-se que, na tentativa, a ausência de resultado não afeta a tipicidade da ação (MIRABETE; FABBRINI, 2002, p. 101).

A relação de causalidade é o vínculo formado entre a conduta e o resultado típico. O Código Penal brasileiro, em seu art. 13, adota a teoria da equivalência das condições, em que a causa é a condição sem a qual não se vislumbraria o resultado. É a partir desta teoria, criada por Glaser, que se recorre ao cediço método indutivo hipotético de eliminação.

Já a tipicidade, último elemento do fato típico, é a adequação perfeita entre o fato concreto e a respectiva descrição contida na lei. Para a sua configuração, demanda-se uma análise apurada dos elementos do tipo, sejam eles objetivos, subjetivos ou normativos. É nessa seara que se encontra o dolo, ou tipo subjetivo, a ser debatido no momento oportuno.

Quanto ao tipo de homicídio em si, ele se encontra encartado no art. 121 do Código Penal brasileiro. Homicídio nada mais é do que “a eliminação da vida de alguém levada a efeito por outrem” (BITENCOURT, 2007, p. 21), extraindo, neste ponto, que é a vida humana o bem jurídico tutelado por meio da norma penal em estudo, com fulcro no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Trata-se de crime comum, e, portanto, o sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Quanto ao sujeito passivo, é todo aquele ser humano nascido com vida.

O tipo penal objetivo do art. 121 do Código Penal é o enunciado mais “conciso, objetivo, preciso e inequívoco de todo o Código Penal brasileiro” (BITENCOURT, 2007, p. 27). Contem somente um verbo e seu objeto: “matar alguém”, ou seja, eliminar a vida de pessoa que não seja o próprio sujeito ativo do delito.

O tipo subjetivo é extraído de análise do animus agendi, que, no caso, converte-se em animus necandi. Trata-se, pois, do dolo de matar, ao qual é necessária a configuração de dois elementos típicos: a consciência e a vontade.

Pelo primeiro deles, a consciência, deverá o agente possuir a previsão de que, praticando o ato, suprimirá a vida de outrem. Tal consciência deverá ser, sobretudo, atual, presente no momento da ação. Isso porque, segundo Welzel (1987 apud BITENCOURT, 2007), é insuficiente a potencial consciência das circunstâncias objetivas do tipo, já que nesta se destrói a linha divisória entre dolo e culpa.

Já a vontade pressupõe a “possibilidade de influir no curso causal”, sendo que se não se configurar tal possibilidade, estar-se ia diante de mero desejo ou esperança, “mas isso não significa necessariamente querer realizá-lo” (BITENCOURT, 2007, p. 34).

Por fim, o dolo no crime de homicídio pode ser tanto direto quanto eventual, este entendido como a assunção do risco de produzir o resultado mesmo quando prevista a sua eventual ocorrência, conforme o art. 18, I, in fine, do Código Penal.

A respeito do dolo eventual, transcreve-se o seguinte trecho da obra de Bitencourt (2007, p. 36), elucidativo para os fins do presente trabalho:

A consciência e a vontade, que representam a essência do dolo, também devem estar presentes no dolo eventual. Para que este se configure é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado morte ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado, como sustentam os defensores da teoria da probabilidade. É indispensável determinada relação de vontade entre o resultado e o agente, e é exatamente esse elemento volitivo que distingue o dolo da culpa.

De posse de todos esses argumentos, pode-se afirmar que a conduta de transmitir o vírus HIV não pode ser enquadrada no art. 121 do Código Penal, por não se configurarem os requisitos da tipicidade, como se verificará doravante.

2.2.2.1 Crime impossível

Os primeiros questionamentos surgem quando da análise do resultado e da relação de causalidade, segundo e terceiro elementos do fato típico. Afinal, não se pode falar que a transmissão do vírus HIV é meio idôneo à persecução da morte de alguém, e, sendo assim, depara-se com a figura do crime impossível, prevista no art. 17 do Código Penal pátrio, a qual inibe a aplicação do tipo penal aberto da tentativa (art. 14 do referido Diploma legal).

Ora, como visto nas decisões colacionadas no presente tópico, em todos aqueles casos o agente foi considerado como incurso no crime de homicídio tentado, justamente porque não se consumou o resultado supostamente almejado: a morte. E essa só não sobreveio por motivos alheios à vontade do agente (art. 14, II, do Código Penal), ou, pode-se dizer, a tentativa é a realização incompleta do tipo objetivo (PRADO, 2010, p. 411).

Relembre-se que a tentativa pode ser denominada como imperfeita, quando o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva, já que não praticou todos os atos necessários à consumação do delito por interferência externa. Há também a tentativa perfeita, ou crime falho, em que o sujeito ativo pratica todos os atos executórios, mas o resultado ainda assim não advém. É o caso, por exemplo, de pessoa que descarrega sua arma na vítima, mas esta vem a ser salva por intervenção médica.

Nas decisões trazidas à análise, supôs-se que determinada pessoa pretendia matar outrem (possuía o animus necandi), e, para tanto, praticou relação sexual com ela, com o fito de transmitir o vírus HIV. O resultado não adveio, supostamente, por circunstâncias alheias à vontade do agente, configurando assim a tentativa perfeita ou crime falho.

Por óbvio que, havendo tentativa, o resultado deixa de ser elemento necessário à configuração da tipicidade. No caso, porém, a tentativa não é admissível em absoluto.

Em que pese a não consumação do resultado, normalmente o agente possui ao menos o domínio ou a possibilidade de influir no curso causal da ação. Totalmente diferente é a situação daquele que transmite o vírus HIV. Mesmo se admitindo que o agente tinha o dolo de matar, a consumação do delito é circunstância que foge completamente ao seu controle, já que submetida não a uma simples interferência externa – como no caso de atendimento médico urgente –, mas sim a aspectos biológicos aleatórios do próprio portador e também da vítima que contrai a doença.

Primeiramente, a própria contaminação do vírus por meio da relação sexual não é certa. Como visto no item “2.1” do presente trabalho, são inúmeras as circunstâncias que alteram a probabilidade dessa contaminação. Por um lado, se o agente praticar a relação sexual por via anal, aumenta-se o grau de probabilidade. Por outro, se estiver o agente em terapia antirretroviral, a probabilidade de transmissão do vírus chega a níveis menores do que 8%, conforme estudo já referido (THE BEGINNING OF THE END OF AIDS?, 2012).

A imunidade da outra pessoa, o tipo de exposição ao vírus e o fato de o agente possuir carga viral baixa, portanto, são fatores determinantes à infecção. Para exemplificar, traz-se à baila estudo no qual se constatou que a taxa de transmissão do HIV em um casal heterossexual, quando o parceiro tinha a infecção no estágio crônico, variou entre 0,7 a 2,8 por mil coitos (WAWR et al., 2005 apud MAGALHÃES, 2011, p. 14).

Mas não é exatamente esse o argumento chave do presente tópico. O que realmente o confere validade é que, mesmo com a contração do vírus HIV, a consumação da morte continua a ser circunstância que escapa totalmente ao controle do sujeito. Como visto no primeiro capítulo, com a popularização da terapia antirretroviral, aliada ao atendimento e acompanhamento médico fornecido pelo Sistema Único de Saúde, o soropositivo hoje pode levar uma vida saudável e regular, assim como as demais pessoas.

E mesmo que a pessoa não tome nenhuma das recomendações do Ministério da Saúde, ainda assim a morte é fato de ocorrência incerta. Como visto, o vírus HIV pode encontrar-se em fase assintomática por longos anos, tudo a depender de como o organismo da vítima reage à infecção.

A tentativa constitui a utilização efetiva de meios aptos à consumação de um resultado que não se alcança, não por inidoneidade do meio ou do objeto, mas sim pela interferência indesejada de algum fato, que interrompe o quase certo bom desenvolvimento do processo de execução (REALE JÚNIOR, 2000, p. 212).

De acordo com a elucidação acima, há de se questionar: os aspectos biológicos do agente e da vítima, totalmente variáveis caso a caso, constituem a mencionada “interferência indesejada de algum fato”? Há o “quase certo bom desenvolvimento do processo de execução”?

A AIDS não é sentença de morte. É sim uma moléstia incurável, ao menos no atual estágio da medicina, mas não traduz de forma alguma o fim certo da vida. Como se falar em homicídio, portanto, se o sujeito age neste momento, mas sem saber quando o resultado pode ocorrer, se daqui a dez, vinte, ou trinta anos?

Por esses motivos é que a prática de relação sexual, com o fim de transmitir o vírus HIV, deve ser considerada meio inidôneo à persecução do resultado “morte”, e, assim, vislumbra-se a figura do crime impossível, conforme o art. 17 do Código Penal.

Com a atuação do Movimento Social da AIDS, bem como pela evolução científica e médica no assunto, a Jurisprudência e a doutrina foram abandonando, pouco a pouco, o enquadramento da conduta em exame como crime de homicídio.

Mirabete e Fabbrini (2007, p. 31), como exemplo, sustentaram que embora possa ser configurado o dolo eventual de homicídio, seria impossível admitir a sua tentativa:

Há dolo eventual de homicídio na conduta do agente que pratica o coito ou doa sangue quando sabe ou suspeita ser portador do vírus da AIDS (Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida), causando, assim, a morte do parceiro sexual ou do receptor. Enquanto não ocorre a morte, ao agente pode ser imputada a prática do crime de lesão corporal grave (art. 129, § 2º, II), já que é inadmissível a tentativa de homicídio com tal espécie de dolo.

Marcante foi a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, denotando a evolução jurisprudencial da matéria:

Apelação Criminal. Júri. Tentativa de homicídio qualificado (meio insidioso). Réu acusado de assumir o risco de causar a morte de sua parceira, ao manter com ela relações sexuais sem a devida proteção e sem informá-la de que era soropositivo. Veredicto condenatório. Defesa busca a renovação do julgamento. Admissibilidade. Diante da situação 'sui generis' entre o apelante e ofendida, parceiros amorosos, as provas não permitem classificar a conduta imputada como crime doloso contra a vida. Elemento subjetivo do injusto - dolo eventual - não restou suficientemente demonstrado. Versão escusa- tória ecoada na palavra da vítima, que até pouco antes do Plenário ainda se relacionava com o réu. Afora isso, a conduta reiteradamente praticada pelo réu, sob o ponto de vista objetivo, não ocasionaria a morte da vítima. Com o evoluir das ciências médicas, o diagnóstico de AIDS deixou de ser uma 'sentença de morte'. Os medicamentos atualmente existentes conseguem estagnar a doença e propiciar aos portadores do vírus uma sobrevida cada vez maior e de melhor qualidade. Assim, embora a transmissão da doença seja controlável pelo agente, a ocorrência do resultado morte escapa ao seu domínio e vontade. Em decorrência, o enquadramento da conduta aqui versada como homicídio tentado que não se mostra isento de questionamentos Recomendável, pois, a submissão do réu a novo Júri. Apelo provido para determinar a realização de novo julgamento, vencido o Relator Sorteado (Apelação nº 487146300000000, 1ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Mário Devienne Ferraz, DJ: 01.12/2008).

Para os fins do presente tópico, isto é, pela configuração do crime impossível de homicídio na conduta de transmissão do vírus HIV, deve-se atentar para o trecho anteriormente citado. Isso porque outros argumentos foram utilizados pelo relator, especialmente no que tange ao dolo do agente.

2.2.2.2 Relação de causalidade

Outro argumento a consubstanciar a atipicidade da transmissão da AIDS como crime de homicídio está na ausência ou enfraquecimento do nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado “morte”.

O Código Penal pátrio adotou a teoria das equivalências das condições (art. 13, caput), pela qual “todo efeito ou resultado é produto de uma série de condições equivalentes, do ponto de vista causal” (PRADO, 2010, p. 284). Para a aferição do nexo de causalidade, utiliza-se o método indutivo hipotético de eliminação, em que é causa toda condição que, suprimida mentalmente, faria desaparecer o resultado.

Por meio de tal método, as condições podem ser absoluta ou relativamente independentes. Estas, definidas como as que contribuem de forma parcial para a ocorrência do resultado, subdividem-se em preexistentes, concomitantes ou supervenientes à conduta delitiva.

Segundo o art. 13 do Código Penal, se a causa superveniente relativamente independente produz, por si só, o resultado, só serão puníveis os fatos anteriores a ela. É o caso de pessoa que fere outra, sendo que esta vem a falecer, exclusivamente, por conta de acidente de trânsito ocorrido no transcurso da ambulância que a socorria até o hospital.

Há os casos, porém, em que a causa superveniente decorre de fato anterior, ou seja, é um prolongamento deste. Como exemplo, uma pessoa fere outra, que vem a morrer em decorrência de anestesia aplicada no centro cirúrgico. Nesses casos, o resultado final é imputável ao autor.

Feitas tais breves considerações, parte-se à análise do caso, tomando-se como premissa, para tanto, que o agente possuía o animus necandi e, ademais, a morte se consumou.

O vírus HIV ataca as células do sistema imunológico do seu portador. Só na fase final da doença é que se pode falar em quadro clínico de AIDS, isto é, de debilidade efetiva no sistema imunológico do paciente.

Contudo, para fins penais, não se pode falar que uma pessoa morre diretamente da AIDS. A morte deve ser imputada, sobretudo, à contração de doenças oportunistas (hepatites, pneumonia entre outras), as quais o agente não possui domínio algum sobre a sua superveniência, como ressaltado no item anterior.

Ademais, só se cogitará de óbito se a pessoa não seguir o tratamento adequado – uso dos medicamentos antirretrovirais, prática de hábitos saudáveis de vida e acompanhamento médico –, além da hipótese de o tratamento não ser bem sucedido por outros fatores.

Nesse sentido é que parte dos defensores da descriminalização fala em ausência de nexo causal por superveniência de causa relativamente independente, a qual, por si só, produz o resultado (art. 13, §1º, do Código Penal). Veja-se:

Assim, a pessoa vivendo com HIV/AIDS deveria ser responsabilizada apenas pelos fatos anteriores, ou seja, pela infecção do HIV; portanto, sua conduta poderia ser enquadrada em lesão dolosa consumada ou em lesão culposa, mas não em tentativa de homicídio (GUIMARÃES, 2011, p. 14).

Por mais plausíveis que sejam os argumentos expendidos, entendemos que se enquadram mais adequadamente na tese do crime impossível, tratada no tópico anterior. Isso porque não se pode afirmar, precisamente, que a causa superveniente relativamente independente (contração de doença oportunista ou falta de tratamento adequado) produza, por si só, o resultado morte.

Afinal, pode se considerar, legitimamente, que a morte sobreveio como prolongamento da infecção pelo HIV. Estaríamos diante, pois, de causa que não produziu por si só a morte da vítima, e o agente assim responderá pelo resultado final, nos termos do art. 13, caput, do Código Penal. O argumento é frágil, e, portanto, preferível aplicá-lo à tese de crime impossível, já que possuem ponto em comum: a inidoneidade do meio para o resultado “morte”.

2.2.2.3 Dolo eventual

Como último argumento a se afastar a subsunção da conduta em estudo ao homicídio tentado, analisa-se o tipo subjetivo do crime em comento.

Para que se possa falar em tipicidade, a ação deve ser dirigida à persecução de determinada finalidade, mediante a consciência e vontade do agente. Tal fato é crucial à verificação do dolo, o que, no crime de homicídio, é a “vontade e consciência de matar alguém” (BITENCOURT, 2010, p. 400).

Na maioria dos casos trazidos ao bojo do Judiciário, e em que se sentenciou pela condenação do agente como incurso nas disposições do art. 121 do Código Penal, o que se verificava era que o sujeito praticava relações sexuais consentidas com a suposta vítima. Portanto, há de se questionar até que ponto se constata a real intenção do agente em ocasionar o resultado morte na parceira sexual. A simples manutenção de relacionamento amoroso com a vítima parece afastar de plano tal assertiva.

Mas ainda que assim não fosse, não se pode tomar como prerrogativa que todos os portadores de HIV, quando mantêm relações sexuais, fazem-no com a intenção de matar ou de transmitir a doença. Transcreve-se, a esse respeito, argumento difundido pelo Movimento Social da AIDS:

As pessoas que vivem com HIV/AIDS mantêm relações sexuais pelos mesmos motivos das pessoas sem HIV: amor, prazer, tédio, paixão, comércio, pressão social e cultural, entre outros. A pessoa vivendo com HIV/AIDS que tem relações sexuais, sem preservativo e sem revelar seu status sorológico, não necessariamente está agindo com dolo (intenção, finalidade, propósito, querer) direto ou dolo indireto (eventual) de perigo; não estará agindo, inequivocadamente, com dolo de lesionar, dolo de transmitir moléstia venérea, dolo de transmitir moléstia grave, dolo de transmitir o HIV e nem mesmo dolo de matar. Admitir o contrário disso, em absoluto, é preconceituoso e discriminatório (GUIMARÃES, 2010, p. 16).

Para que se possa analisar se a conduta do agente realmente estava dirigida à persecução do resultado “morte”, mediante consciência e vontade, de rigor se analisar detidamente as provas produzidas no caso concreto. Pois, como cediço, em tutela penal vigora o princípio do favor rei, o qual se desmembra no subprincípio do in dubio pro reu. O dolo, seja direto ou eventual, deverá ser realmente aferível no caso em tela; do contrário, deverá se optar pela absolvição.

Colaciona-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no longínquo ano de 2005, época em que se reinava, ainda, a posição favorável à condenação dos transmissores de HIV como crime de homicídio. Denota-se neste decisum certa evolução a respeito do tema, em que pese não se tenha analisado, neste caso, a tese do crime impossível. Veja-se:

RECURSO CRIME. PRONÚNCIA. estupro E QUATRO TENTATIVAS DE HOMICÍDIO. Pelo exame da prova, restou evidenciada a conexão entre o delito de estupro e as tentativas de homicídio (brancas) praticadas contra os policiais militares, uma vez que, em função do primeiro crime, os policiais encontraram o denunciado que, sem pestanejar, tentou matá-los. Houve perícia da arma e das cápsulas, a qual confirmou a recenticidade dos disparos. Presente, portanto, o dolo de matar. Já quanto à tentativa de homicídio praticada com a vítima do estupro, não há como presumir o dolo eventual, só porque foi atestado que o réu é portador de HIV. No caso em exame, não restou comprovado que o réu sabia, efetivamente, que estava infectado e que, assim, estava assumindo o risco de matar a ofendida por ocasião da transmissão do vírus durante a conjunção carnal. RECURSO PROVIDO EM PARTE. DECISÃO UNÂNIME (Recurso em Sentido Estrito Nº 70011435161, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio HirtPreiss, Julgado em 23/06/2005 – grifo nosso).

Segue voto do relator, especificamente no que tange ao dolo eventual não configurado no caso:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no fato anterior, o denunciado deu início ao ato de matar Juliana Fortunato.

Na ocasião, o denunciado, mesmo sabendo que era portador do vírus HIV (exame de fl. 62), constrangeu a vítima à conjunção carnal, ejaculando na vagina de Juliana, assumindo o risco de infectá-la, transmitindo a ela doença capaz de causar-lhe a morte.

Referente ao delito de tentativa de homicídio narrado no segundo fato da inicial acusatória, o Ministério Público, nesse tópico, ratifica sua posição externada por ocasião das alegações finais, tendo em vista que, não obstante o brilhante raciocínio do magistrado quando da decisão de pronúncia, conclui-se que, muito embora a fl. 68 atestar que o recorrente é portador do vírus da AIDS, não há nenhum elemento concreto que comprove que ele tinha conhecimento de tal situação.

Dessa forma, não há como presumir o dolo eventual, visto que não se pode afirmar que o denunciado sabia, efetivamente, que estava infectado e, assim, assumiu o risco de matar a vítima do estupro.

Nesse tópico, portanto, o recorrente deve ser impronunciado, considerando a falta de elementos mínimos a viabilizar tal acusação, razão assistindo, portanto, à defesa (grifo nosso).

A decisão não se presta a analisar detidamente se o agente tinha ou não a intenção de transmitir o vírus. Longe também de se deter aos aspectos humanitários aduzidos pelo Movimento Social da AIDS, no sentido de que os soropositivos têm o direito, sim, de praticar relações sexuais sem que se presuma uma intenção dolosa. Mas há de se reconhecer que o julgado afastou a presunção geral, antes reinante, de que a simples prática de relação sexual já induzia o dolo eventual do agente. Buscou-se analisar detidamente as provas produzidas nos autos para que se atestasse o real conhecimento, pelo agente, de sua condição de soropositivo. Nesse sentido, representa uma evolução jurisprudencial a respeito do tema.

Por fim, e relembrando ainda os argumentos expendidos no tópico a respeito do crime impossível, mesmo que se admitisse o animus necandi, o sujeito estaria agindo com a mera esperança ou desejo de que o resultado ocorra. Afinal, não possui domínio algum sobre tal fato. A esse respeito, a seguinte ponderação feita por Bitencourt (2007, p. 36), aplicável ao caso:

Ademais, o dolo eventual não se confunde com a mera esperança ou simples desejo de que determinado resultado ocorra, como no exemplo trazido por Welzel, do sujeito que manda seu adversário a um bosque, durante uma tempestade, na esperança de que seja atingido por um raio.

Por todos esses motivos é que não há se falar em tentativa de homicídio pela transmissão do vírus HIV, seja por constituir crime impossível, ou ainda por inexistir nexo causal ou dolo à conduta.

2.2.3 A Mudança de Paradigma: o Habeas Corpus 98.712

Pela grandeza da questão, haveria o Supremo Tribunal Federal ser suscitado a se manifestar em algum momento. E o fez, por meio do Habeas Corpus nº. 98.712, de relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello. Ainda que de forma tardia, já que só prolatada em outubro de 2010, a decisão serviu para elidir quaisquer interpretações favoráveis ao enquadramento da transmissão do vírus HIV como homicídio tentado.

Eis, portanto, a ementa do julgado:

MOLÉSTIA GRAVE – TRANSMISSÃO – HIV – CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA VERSUS O DE TRANSMITIR DOENÇA GRAVE. Descabe, ante previsão expressa quanto ao tipo penal, partir-se para o enquadramento de ato relativo à transmissão de doença grave como a configurar crime doloso contra a vida. Considerações (HC 98712, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 05/10/2010, DJe-248 DIVULG 16-12-2010 PUBLIC 17-12-2010 EMENT VOL-02453-01 PP-00059 RTJ VOL-00217- PP-00391 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 453-468).

Tratava-se de paciente a quem foi imputada a prática de homicídio tentado, pois, sabendo ser portador do vírus HIV, manteve relacionamento amoroso com três mulheres diferentes, em épocas distintas, sem lhes revelar a sua condição de soropositivo. Em suas razões, o impetrante alega que a conduta não se amolda ao tipo de homicídio, mas sim àquele contido no art. 131 do Código Penal: o crime de contágio de moléstia grave.

Veja-se o voto o Ministro Marco Aurélio, relator do caso, afastando a competência do Tribunal do Júri no caso:

Resta a questão alusiva à submissão do paciente ao Tribunal do Júri. Observem a interpretação sistemática. Descabe cogitar de tentativa de homicídio na espécie, porquanto há tipo específico considerada a imputação – perigo de contágio de moléstia grave. Verifica-se que há, até mesmo, presente o homicídio, a identidade quanto ao tipo subjetivo, sendo que o do artigo 131 é o dolo de dano, enquanto, no primeiro, tem-se a vontade consciente de matar ou a assunção de risco de provocar a morte. Descabe potencializar este último a ponto de afastar, consideradas certas doenças, o que dispõe o artigo 131: “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”. Admita-se, como o fez o próprio acusado, a existência de moléstia grave e o fato de havê-la omitido. Esses elementos consubstanciam não o tipo do artigo 121 do Código Penal. Frise-se, por oportuno, que as vítimas mantiveram relação com o paciente, que se mostrou até certo ponto estável.

Concedo parcialmente a ordem para imprimir a desclassificação do delito e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns do Estado de São Paulo.

Um debate, contudo, instalou-se naquele processo. O Ministro Ayres Britto, após suscitar dúvidas quanto ao enquadramento no tipo do art. 131 do Código Penal, acabou pedindo vista dos autos para análise. Pelo brilhantismo de seu texto, opta-se por transcrever alguns trechos de seu voto-vista, no qual ponderou, dentre outras coisas, o seguinte:

6. Muito bem. Começo por dizer que a temática do contágio pelo vírus HIV é estranha, em linha de princípio, ao Direito Penal. Direito Penal que só é de intervir naquelas situações em que a transmissão se deu de forma consciente e dolosa [...]. Noutro falar, a criminalização da transmissão do HIV é de ser orientada pelos clássicos princípios penais da subsidiariedade e da lesividade. [...]

8. No Brasil, a criminalização da transmissão intencional do vírus HIV não se dá em tipo penal específico. É falar: não há em nossa legislação figura delituosa que trate, exclusivamente, da transmissão não acidentar do vírus da AIDS. [...]

13. Já no entendimento do relator deste habeas corpus, Ministro Marco Aurélio, estará o paciente, se provados os fatos, incurso no artigo 131 do Código Penal. [...]

14. O dilema hermenêutico é patente. Em primeiro lugar, porque nos três delitos acima referidos, o dolo é sempre de dano. Ou seja, a vontade do agente extrapola a simples criação de uma situação de risco e alcança a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado.

15. Acresce que, se examinarmos o tema da transmissão dolosa do HIV pelos resultados que dela podem advir, conseguiremos enquadrá-la em qualquer um dos três tipos penais retromencionados. Veja-se: a) no caso do artigo 131, a efetiva transmissão da doença grave é considerada o exaurimento do fato típico; b) no caso da lesão corporal gravíssima, o contágio implicará uma debilidade crônica do organismo da vítima. Debilidade que, apesar de amenizada por via medicamentosa, é incurável; c) no caso do homicídio, mesmo atentando-se para a possibilidade de sobrevida em função de coquetel antirretroviral, a morte da vítima pode ser consequência da doença.

16. Sucede que, dentro da sistemática finalista adotada pelo Código Penal Brasileiro, a adequação típica está vinculada à ação ou omissão orientada para o resultado, devido a que “o injusto não é produzido pela simples causalidade, mas somente como obra de uma determinada pessoa, tendo em vista seus objetivos, motivos ou deveres para com o fato, que apresentam a mesma importância para o injusto que a lesão efetiva de bens jurídicos.” (TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 238-239.) Daí porque tenho que a controvérsia é de ser resolvida com a máxima do finalismo penal, expressa na chamada “intenção do agente”; ou seja, fosse o propósito do agente apenas transmitir o vírus do HIV, o crime seria o do art. 131 do CP; fosse a intenção do réu ofender a integridade física das vítimas, o delito seria o do inciso II do §2º do art. 1290 do CP; enfim, fosse o intento do autor da ação matar as vítimas, estaria configurado o homicídio (tentado ou consumado). [...]

18. Com efeito, considerando o quadro fático assentado pelas instâncias precedentes, tenho que o caso é da excepcional desclassificação das condutas debitadas ao paciente. Isso porque é possível concluir pela ausência de animus necandi dele, paciente.

19. Por outra volta, não tenho como aderir à proposta inicial do Ministro relator. Proposta no sentido de imediata desclassificação para o delito de contágio de doença grave (art. 131 do CP). É que o referido tipo penal absorve, como exaurimento da conduta delitiva, tão somente a lesão corporal de natureza leve.

20. Presente esta moldura, voto pela concessão parcial da ordem. Isto para o fim de excluir, no caso, a classificação das condutas imputadas ao paciente como homicídio tentado. Remetendo ao Juízo competente o exame do enquadramento da conduto.

É como voto.

Após esclarecimento, afirmou sumariamente o Ministro Ayres Britto que “se me fosse dado desclassificar o delito, eu desclassificaria para ‘lesão corporal qualificada pela enfermidade incurável’”, posição a qual contou com o apoio do então Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski, o qual consignou “acho que essa é uma solução razoável, porque, realmente, no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não só é grave, nos termos do artigo 131, como também é incurável”.

Por fim, os Ministros acabaram decidindo por somente remeter os autos ao Juízo Comum, vedando somente que fosse o feito processado e julgado pelo Tribunal do Júri.

Veja-se que o Ministro Ayres Britto optou, no HC 98.715, por solucionar a controvérsia sobre qual crime responderia o agente transmissor do HIV a partir da perspectiva finalista, vale dizer, pelo dolo do agente. Nesse sentido, consignou que poderia a conduta se enquadrar nos três tipos penais: contágio de moléstia grave, lesão corporal gravíssima ou homicídio. Pelos elementos dos autos, contudo, não se constatou o dolo de matar e, sendo assim, afastada estaria a competência do Júri.

Neste ponto, faz-se a ressalva já consignada no presente trabalho, pugnando ser impossível enquadrar a transmissão do vírus HIV como crime de homicídio, independentemente do dolo do agente.

Superada a questão, de fato exsurge a dúvida sobre qual delito praticou o agente naquele caso: se de lesão corporal gravíssima, por contração de enfermidade incurável, ou se de perigo de contágio de moléstia grave. É essa a discussão a que nos dedicaremos na sequência.

2.3 A Responsabilidade Penal pela Transmissão do Hiv

Depois de instaurada a controvérsia sobre qual delito responde aquele que transmite a AIDS – se por perigo de contágio de moléstia grave ou de lesão corporal de natureza gravíssima – a Jurisprudência já teve a oportunidade de se manifestar em alguns casos pontuais. E o crime de lesão vem sendo preferido pelos Tribunais pátrios.

A primeira decisão a se colacionar vem do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em data anterior à própria decisão do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus no. 98.712. Veja-se a ementa:

APELAÇÃO LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVÍSSIMA TRANSMISSÃO DE VÍRUS HIV PROVA INCONTROVERSA DE QUE O RÉU SABIA SER PORTADOR DA DOENÇA DOLO EVIDENCIADO MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO PERDÃO JUDICIAL INAPLICABILIDADE AOS CRIMES DOLOSOS CONCESSÃO DE SURSIS ESPECIAL. 1. Contendo os autos prova incontroversa de que o apelante sabia ser portador do vírus HIV desde data anterior aos fatos narrados na denúncia, impositiva a manutenção de sua condenação por transmitir à companheira a enfermidade incurável. 2. O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade aplicável a casos especiais quando o resultado atinge de tal modo o agente que inútil a pena. Tal instituto é aplicável apenas aos crimes culposos e não aos dolosos ou àqueles agravados pelo resultado. 3. Comportando o caso concreto a concessão de sursis especial, nos termos do artigo 78, §2º, do Código Penal, suspende-se a pena, o instituto é mais benéfico ao réu. PARCIAL PROVIMENTO (Apelação Crime Nº 70028856680, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em 30/04/2009).

Vale registrar trecho do relatório do acórdão, em que se constata que havia, no caso, prática de relações sexuais consentidas, com o conhecimento da vítima da condição de soropositivo do parceiro:

Em todo período em que conviveu com o réu ele nunca apresentou qualquer sintoma da doença. Logo que descobriu ser portadora do vírus separou-se do réu. Após uma fase de depressão e de abandono por parte de sua família, acabou aceitando os convites do réu para que retornassem a viver juntos. Atualmente mora com réu na cidade de Caxias do Sul. O réu que lhe provê o sustento.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em recentíssimo julgado:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - VÍRUS HIV - TRANSMISSÃO - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVÍSSIMA - ENFERMIDADE INCURÁVEL - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE.  Resta incontestável nos autos do processo que o apelante sabedor de sua condição soropositiva, por ocasião da concepção de sua filha, assumiu de forma consciente o risco de contágio à menor impúbere. Recurso não provido   (Apelação Criminal  1.0079.08.400484-9/001, Rel. Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/06/2012, publicação da súmula em 03/07/2012).

De se registrar recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça no habeas corpus 160.982/DF, publicada em maio de 2012, no qual consolidou o entendimento de que a transmissão do vírus HIV consubstancia o tipo penal do art. 129, § 2º, inciso II, do Código Penal.

HABEAS CORPUS. ART. 129, § 2.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE QUE TRANSMITIU ENFERMIDADE INCURÁVEL À OFENDIDA (SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIAADQUIRIDA). VÍTIMA CUJA MOLÉSTIA PERMANECE ASSINTOMÁTICA. DESINFLUÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA.

PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA UM DOS CRIMES PREVISTOS NO CAPÍTULO III, TÍTULO I, PARTE ESPECIAL, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

SURSIS HUMANITÁRIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES NO PONTO, E DE DEMONSTRAÇÃO SOBRE O ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADO.

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 98.712/RJ, Rel.

Min. MARCO AURÉLIO (1.ª Turma, DJe de 17/12/2010), firmou a compreensão de que a conduta de praticar ato sexual com a finalidade de transmitir AIDS não configura crime doloso contra a vida. Assim não há constrangimento ilegal a ser reparado de ofício, em razão de não ter sido o caso julgado pelo Tribunal do Júri.

2. O ato de propagar síndrome da imunodeficiência adquirida não é tratado no Capítulo III, Título I, da Parte Especial, do Código Penal (art. 130 e seguintes), onde não há menção a enfermidades sem cura. Inclusive, nos debates havidos no julgamento do HC 98.712/RJ, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir ao delito a classificação de "Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que, "no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos termos do art.131".

3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2.º inciso II, do Código Penal.

4. A alegação de que a Vítima não manifestou sintomas não serve para afastar a configuração do delito previsto no art. 129, § 2, inciso II, do Código Penal. É de notória sabença que o contaminado pelo vírus do HIVnecessita de constante acompanhamento médico e de administração de remédios específicos, o que aumenta as probabilidades de que a enfermidade permaneça assintomática. Porém, o tratamento não enseja a cura da moléstia.

5. Não pode ser conhecido o pedido de sursis humanitário se não há, nos autos, notícias de que tal pretensão foi avaliada pelas instâncias antecedentes, nem qualquer informação acerca do estado de saúde do Paciente.

6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado

(HC 160.982/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 28/05/2012 – grifo nosso).

Para melhor elucidar, colaciona-se trecho do voto proferido pela Ministra Laurita Vaz:

Assim, não é cabível a desclassificação para uma das condutas punidas com sanções mais brandas, tratadas no Capítulo "Da periclitação da vida e da saúde" (art. 130 e seguintes). Em tal Capítulo, não há menção a doenças incuráveis. E, na espécie, frise-se mais uma vez: há previsão clara no art. 129 do mesmo Estatuto de que, tratando-se de transmissão de doença incurável, a pena será de reclusão, de dois a oito anos, mais rigorosa.

Acrescento, ainda, que não me olvido de que a Suprema Corte, ao decidir o já mencionado HC 98.712/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, não definiu a capitulação jurídica da conduta questionada nos autos. Naquele caso, o Pretório Excelso apenas excluiu da atribuição do Tribunal do Júri o julgamento da controvérsia, afirmando, porém, que conferiria ao Juízo Singular a competência para determinar a classificação do delito. Entretanto, verifico haver, no voto proferido pelo eminente AYRES BRITTO, judiciosas citações doutrinárias – no sentido de que condutas idênticas à ora em análise deveriam ser definidas como lesão corporal grave [...] (grifo nosso).

O argumento utilizado pelo Ministro Ricardo Lewandowski no HC 98.712, no sentido de que os crimes do art. 130 e seguintes não abrigam as moléstias tidas como incuráveis, mas somente as graves, foi aproveitado pelo Superior Tribunal de Justiça neste caso. Consta inclusive da própria ementa do acórdão.

Uma análise mais detida desse debate, contudo, faz-se mister. Para tanto, de rigor trazer à baila breves considerações acerca das duas figuras delitivas em exame: o crime de perigo de contágio de moléstia grave e o de lesão corporal gravíssima por contração de enfermidade incurável.

2.3.1 Lesão Corporal Gravíssima

A lesão corporal gravíssima pela contração de enfermidade incurável vem tipificada, em nosso Código Penal, no art. 129, § 2°, inciso II, que dispõe:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

[...]

§ 2° Se resulta:

[...]

II - enfermidade incurável;

Em termos gerais, pode-se conceituar lesão corporal a ofensa à integridade corporal ou saúde de outrem – e desde que não haja dolo de matar pelo agente. É, pois, “a alteração prejudicial – anatômica ou funcional, física ou psíquica, local ou generalizada – produzida, por qualquer meio no organismo alheio” (PRADO, 2010, p. 165). O bem jurídico tutelado pela norma penal, portanto, é a incolumidade do indivíduo, tanto em seu aspecto fisiológico quanto psicológico.

O tipo objetivo consiste em ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. No estudo em tela, configurar-se-ia a lesão à saúde, esta entendida como a “alteração de funções fisiológicas do organismo ou perturbação psíquica” (BITENCOURT, 2007, p. 154). Nesse sentido, são “crimes de lesões corporais a transmissão voluntária que qualquer moléstia” (MIRABETE, 2007, p. 75). Já o tipo subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou saúde de outrem (animus laedendi), admitindo-se o dolo eventual.

A consumação do delito se dá no momento em que produz o dano resultante da conduta, ou seja, com a efetiva ofensa à integridade corporal da vítima. É delito instantâneo, eventualmente produzindo efeitos permanentes.

A tentativa, segundo a doutrina, é plenamente possível, inclusive na lesão corporal de natureza gravíssima. Cabe neste ponto fazer uma ressalva: caso haja dúvida quanto ao dolo do agente ou mesmo quanto à idoneidade do meio empregado, a solução deverá invariavelmente beneficiar o réu, respondendo pelo crime menos grave. É a extensão do raciocínio utilizado no item a respeito da ausência de nexo de causalidade no crime de homicídio, que decorre diretamente do princípio do in dubio pro reu (HUNGRIA; FRAGOSO, 1981).

Cabe citar aqui lição doutrinária de Luiz Régis Prado (2010, p. 167), diferenciando a lesão corporal do crime de perigo, fazendo-o – assim como o Ministro Ayres Britto – a partir do dolo do agente. Veja-se:

O delito de lesão corporal tentada distingue-se daquele acostado no artigo 132 do Código Penal (perigo para a vida ou saúde de outrem). Neste último o agente expõe a perigo a vida ou as saúde alheia, mas não quer a superveniência do evento lesivo, enquanto na lesão corporal visa o sujeito ativo à efetiva perturbação da integridade corporal ou da saúde de outrem.

Por fim, no que tange à lesão corporal gravíssima – nomenclatura criada pela doutrina e jurisprudência – esta se configura nos casos elencados no § 2° do art. 129, sendo um deles a contração de enfermidade incurável. Entende-se esta como aquela cuja curabilidade não é conseguida no atual estágio da medicina.

Não há de se confundir enfermidade incurável com debilidade permanente de membro, sentido ou função, prevista como crime de lesão corporal grave (art. 129, § 1º, III, do Código Penal). Aquela deve ser entendida como o estado que duradouramente altera e progressivamente agrava o teor de um organismo, enquanto a debilidade permanente é o estado consecutivo a uma lesão traumática (BITENCOURT, 2007, p. 166).

Por fim, veja-se lição de Mirabete e Fabbrini (2007, p. 84), posicionando-se no sentido de que “enquanto não ocorre a morte da vítima, é crime de lesão corporal grave, que pode ser integrado por dolo direto ou eventual”. Ressalte-se que ao mencionar lesão corporal grave, não parecem os autores terem subsumido tal conduta àquela prevista no art. 129, § 1º, III, do Código Penal, já que tratou do assunto em item específico a respeito da enfermidade incurável. Aparenta, pois, ter havido mero erro material.

2.3.2 Crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave

O presente tipo penal vem entabulado no art. 131 do Código Penal, o qual assim dispõe:

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O bem jurídico tutelado por esta norma penal é, igualmente, a incolumidade física e a saúde da pessoa humana. Alguns autores chegam a sustentar que a vida é também tutelada (PRADO, 2010, p. 198), mas a posição majoritária se restringe à primeira hipótese. Diferentemente do que ocorre nos crimes de lesão corporal, aqui se pune a simples exposição a perigo, ou seja, a mera probabilidade de dano.

O tipo objetivo consiste, primeiramente, no verbo “praticar”, equivalendo-se a realizar ato capaz de transmitir a moléstia grave. Qualquer meio idôneo encontra abrigo no art. 131, podendo ser tanto aqueles diretos, decorrentes do contato físico do agente, inclusive o sexual, ou indiretos, quando transmite a moléstia por meio de objetos, utensílios entre outros.

Moléstia grave, por sua vez, é elemento normativo do tipo, devendo ser aferido pela ciência médica ao tempo da ação. Em suma, é aquela que afeta seriamente a saúde, perturbando o funcionamento regular do organismo, fazendo-se a ressalva de que deverá ser contagiosa (PRADO, 2010, p. 198). Não se trata, contudo, de norma penal em branco. Deverá o intérprete, ao analisar as provas produzidas, especialmente o laudo pericial, determinar se esta ou aquela moléstia há de ser considerada como grave.

Ressalte-se, neste ponto, que os doutrinadores reconhecem a AIDS como moléstia grave. É o caso de Bitencourt (2007, p. 201), Prado (2010, p. 199) e Mirabete (2007, p. 98), dentre outros.

O tipo subjetivo, no crime de perigo de contágio de moléstia grave, consiste no dolo direto e no especial fim de agir. Aquele se desmembra na consciência e vontade de ingressar nos elementos do tipo, que deverá abranger não só o conhecimento de que possui a moléstia tida como grave, mas deverá o agente também saber das conseqüências da ação que pretende praticar.

Há no tipo, contudo, elemento subjetivo especial, ou também denominado especial fim de agir, consubstanciado na expressão “com o fim de transmitir moléstia grave a outrem”. Ou seja, ao lado do dolo, deverá o agente estar imbuído da intenção de transmitir a doença, sem que seja necessário, contudo, a efetiva contaminação da vítima. Inexistindo o especial fim de agir, não há se falar em configuração de tipo subjetivo e, portanto, não será o fato tido como típico e punível.

A grande consequência do especial fim de agir, no entanto, é a impossibilidade de verificação do dolo eventual nesta espécie de delitos. Isso porque “trata-se de crime de perigo com dolo de dano que apenas se caracteriza quando o agente quer transmitir a moléstia” (GONÇALVES, 1998 apud BITENCOURT, 2007, p. 202), não podendo se falar em assumir o risco de produzir o resultado, pois o agente já terá a prévia intenção de produzi-lo.

Ressalte-se que o dolo eventual poderá existir efetivamente. Só que, nessa hipótese, não se consubstanciaria o crime do art. 131, mas sim crime diverso, especialmente o de lesões corporais ou o crime consumado de perigo para a vida ou saúde de outrem (BITENCOURT, 2007).

O crime de contágio de moléstia grave é delito de resultado cortado, definido como aquele em que o agente realiza ato visando a produção de um resultado, que fira fora do tipo e não possui a intervenção do autor.

Nesse sentido, fala-se em consumação do delito pela simples prática do ato idôneo a transmitir a moléstia. Frise-se: a efetiva transmissão poderá ou não ocorrer, mas o delito já teria se consumado de qualquer forma, pois esse fato consubstancia – ao menos para parte da doutrina, como se verá – em mero exaurimento do crime.

2.3.3 As Divergências

De posse de todos esses fundamentos e lições, doutrinárias ou jurisprudenciais, é possível enfim se dissecar a validade dos argumentos já empregados sobre o tema. Para tanto, e com o fim de melhor elucidar o tema em questão, cogita-se das seguintes hipóteses para a análise da responsabilidade penal pela transmissão do HIV pela via sexual:

a) O sujeito, imbuído de vontade e consciência, pratica a relação sexual visando à transmissão do vírus ou, em outros termos, que a vítima contraia enfermidade incurável.

b) O sujeito, alimentado pelo seu desejo sexual e pela contingência, pratica o ato sexual, com ou sem o consentimento da vítima, assumindo o risco de que ela venha a contrair a moléstia em questão.

Tendo essas duas situações fáticas possíveis em mente, parte-se à análise das controvérsias que a discussão enseja.

Antes, porém, relembra-se que às controvérsias a seguir listadas deve-se dar a respectiva resposta penal ao caso. Isso porque o conflito de normas, no âmbito penal, é tão só aparente, e não efetivo, sob pena de “o Direito Penal deixar de se constituir um sistema, ordenado e harmônico, onde suas normas apresentem entre si uma relação de dependência e hierarquia, permitindo a aplicação de uma só lei ao caso concreto, excluindo ou absorvendo as demais” (BITENCOURT, 2010, p. 223).

2.3.3.1 Do conflito entre “enfermidade incurável” e “moléstia grave”

As decisões trazidas à baila do Judiciário em época recente – após superada a qualificação como homicídio – optaram por se posicionar favoravelmente à tipificação da transmissão do vírus HIV como crime de lesão corporal gravíssima, em virtude da contração de enfermidade incurável. Como maior expoente de tal posição jurisprudencial encontra-se o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 160.982/DF, já transcrito, com esteio na decisão do Supremo Tribunal Federal em discussão levantada pelo Min. Ricardo Lewandowski.

O argumento empregado por aqueles Tribunais foi o fato de que a AIDS não se trata somente de doença grave, mas sim de enfermidade incurável. Portanto, encontra-se melhor subsumida à hipótese do art. 129, § 2°, inciso II, do Código Penal.

Pelas premissas utilizadas, entretanto, acreditamos não serem válidos os argumentos utilizados nesse sentido.

Antes de mais nada, há de se criticar, com toda a vênia, a falta de uma deliberação mais intensa pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus 98.712. A complexidade e generalidade da questão demandavam isso, porquanto afeta diretamente milhares de pessoas portadoras do HIV no Brasil, sem se falar no interesse da sociedade como um todo na solução do tema. Poderia e deveria a corte, portanto, ter expendido maior debate acerca do assunto, de modo a lançar mão, inclusive, de uma abertura da questão à sociedade civil organizada, notadamente as organizações que atuam em prol dos direitos dos soropositivos. Era uma oportunidade de se utilizar do instituto do amicus curiae, por exemplo.

O único que se dedicou à análise mais apurada do caso foi o Min. Ayres Britto, o qual pediu vista e proferiu novo voto, suscitando a questão que ora se analisa. Os demais, entretanto, pareceram satisfeitos com o afastamento da conduta como delito contra a vida e a simples remessa dos autos ao Juízo de origem. O único argumento acrescentado pela Corte, após o voto-vista – e ainda de forma sorrateira, como se verá –, foi o de que a AIDS é mais do que moléstia grave, mas sim enfermidade incurável.

Em que pese o caso posto já possuir solução desde o início dos votos, porquanto de rigor se remeter os autos para novo julgamento pelo juiz originário, nada obstava ao Supremo Tribunal Federal que mantivesse o caso em deliberação por maior tempo, ampliando a questão para a sociedade civil, de forma a democratizá-la. Afinal, foi justamente isso que fez a Corte quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.343/SP, a respeito da prisão do depositário infiel segundo a ótica do Pacto de São José da Costa Rica. Naquele julgado, a controvérsia já se encontrava pacificada, mas mesmo assim o Min. Gilmar Mendes requereu vista do processo e, por meio de uma releitura do §2º do art. 5º da Constituição Federal, elaborou a tese que após restou conhecida como o “controle de convencionalidade” dos tratados internacionais.

Há de se questionar: a problemática da responsabilidade penal pela transmissão do vírus HIV não demanda igual atenção de nossa Suprema Corte? A falta de um debate mais apurado por aqueles que possuem tal responsabilidade não denota a reminiscência do preconceito acerca da questão, em pleno Século XXI? Eis a crítica respeitosa que se aponta ao ensejo.

Retornando à análise do argumento em pauta, verifica-se que a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça não se encontra estreme de indagações. Pautou-se, para tanto, no voto do Min. Ricardo Lewandowski, em que consignoou: “acho que essa é uma solução razoável, porque, realmente, no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não só é grave, nos termos do artigo 131, como também é incurável”.

Poderia se falar, portanto, que a enfermidade incurável é, necessariamente, uma extensão do conceito de moléstia grave? Isto é, seria este o argumento a coherentia adequado para se solucionar a dúvida sobre qual tipo penal incide sobre a hipótese: se o de lesão corporal ou de perigo de contágio?

A primeira incoerência surge no bojo da discussão doutrinária sobre o tema. Lembre-se que os doutrinadores clássicos, ao tratarem do crime do art. 131 do Código Penal, acabaram classificando a AIDS também como moléstia grave, mas, logo após, pugnaram pela tipificação como lesão corporal gravíssima pela contração de enfermidade incurável.

Contudo, “moléstia grave” e “enfermidade incurável” são conceitos divergentes em uma escala lógica e, portanto, não se excluem entre si. Pode uma determinada doença ser qualificada como incurável sem, contudo, ser considerada grave. Do mesmo modo, determinada moléstia pode ter cura, mas que, não sendo tratada, possa evoluir de modo a causar o óbito do paciente ou chegar a um estado irreversível de sequelas – e, assim, ser tão grave quanto a própria AIDS.

A Medicina qualifica, por exemplo, como doenças incuráveis as alergias, a enxaqueca, a psoríase, o glaucoma e até mesmo a tensão pré-menstrual (TPM). Obviamente, todas essas doenças não alcançam a gravidade de outras doenças tidas como incuráveis, como a hepatite C, o lúpus e a própria AIDS.

A lógica empregada nesse argumento, destarte, queda-se desarmada por meio dessa tão só indagação.

Nada obstante, é possível sim, a partir de tal premissa, formular argumento válido no sentido da tipificação como lesão corporal pela análise do elemento normativo do tipo “enfermidade incurável”.

É que mesmo havendo doenças incuráveis sem maior gravidade, a razão da norma, ou ratio legis, ao imputar maior pena o contágio de enfermidade incurável é, justamente, conferir maior rigor àquelas condutas capazes de produzir um dano maior ao agente, ou seja, que lesem em maior grau o bem jurídico tutelado: a incolumidade física.

Portanto, em argumentação lógica, aquele que transmite não só moléstia grave, mas também incurável, merece maior repreensão penal em relação àquele que simplesmente pratica ato capaz de transmitir moléstia grave. A infecção pelo HIV tem maior adequação típica ao elemento normativo “enfermidade incurável” do que “moléstia grave”. Neste sentido, e somente nele, é que encontra validade o argumento empregado. Não parece, contudo, que a deliberação do Supremo Tribunal Federal se dignou a estender o argumento a tal ponto.

Mesmo solucionada a questão do ponto de vista do tipo objetivo, de se rigor analisá-la sob o enfoque do tipo subjetivo ou do dolo do agente, o que faz doravante.

2.3.3.2 A análise sob a perspectiva do dolo

Dúvida de grande complexidade exsurge a partir do momento em que o agente pratica o meio idôneo à transmissão do vírus – ou, em outros termos, à contração de enfermidade incurável – mas mesmo assim não ocorre a contaminação, por motivos alheios à sua vontade.

Nesse caso, há de se questionar: responderia o agente pela tentativa de lesão corporal gravíssima ou pelo perigo de contágio de moléstia grave?

Pela posição do Ministro Ayres Britto, quando do julgamento do fatídico Habeas Corpus 98.712, bastaria se analisar a questão a partir da teoria finalista, isto é, pelo dolo do agente: se houvesse o dolo de lesionar a integridade física da vítima, seria lesão corporal; por outro lado, se fosse somente o dolo de perigo, o crime seria o do artigo 131 do Código Penal.

Para resolver tal questão, parte da doutrina elege a seguinte hipótese: praticando o ato idôneo à transmissão da moléstia e não advindo o resultado (infecção), deverá responder o agente pelo crime do art. 131 do Código Penal; do contrário, havendo a infecção, responderá por lesão corporal. A tentativa de lesões corporais se trataria, na verdade, de crime autônomo. É a posição adotada por Luiz Regis Prado (2010, p. 199-200), utilizando como fundamento o que lecionavam Heleno Cláudio Fragoso e Frederico Marques à sua época, como se vê a título ilustrativo:

A respeito da AIDS – moléstia grave e contagiosa – configura-se o crime inscrito no artigo 131 do Código Penal sempre que o agente pratica, com o fim de transmiti-la a outrem, ato capaz de produzir o contágio. Calha observar que resta caracterizado o delito de lesão corporal quando há a efetiva transmissão da doença ou mesmo dos anticorpos do vírus a uma ou várias pessoas determinadas, já que em tais situações ocorre uma lesão à incolumidade física – quando não também mental – do contagiado. A aferição da natureza da lesão corporal depende da importância conferia ao contágio, ou seja, se é possível ou não qualificar como incurável a simples aquisição de anticorpos.

[...]

Entretanto, se o agente, atuando dolosamente, transmite a moléstia grave, dando lugar a qualquer um dos resultados previstos no artigo 129, §§1º e 2º,responde por lesão corporal grave ou gravíssima, conforme o caso.

No mesmo sentido, a lição de Mirabete e Fabbrini (2007, p. 98):

A prática de relações sexuais do portador do vírus da AIDS com o fim de transmitir a moléstia constitui o delito, em não havendo o contágio; ocorrendo este, o crime é mais grave, conforme as circunstâncias (homicídio consumado ou tentado, lesão corporal de natureza grave).

Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 198), por outro lado, já inicia o capítulo a respeito do crime de perigo de contágio de moléstia grave rechaçando a posição acima colacionada, no sentido de que impossível se falar em crime autônomo, se tratando a contração da moléstia, na verdade, de mero exaurimento do crime. Veja-se a ponderação feita pelo doutrinador:

Alguns autores sustentam que, a exemplo da hipótese do art. 130, §1º, teríamos aqui uma hipótese de tentativa de lesões corporais distinguida, excepcionalmente, em crime autônomo. Não compartilhamos dessa orientação, na medida em que a ocorrência da “própria lesão”, isto é, ainda que o contágio se concretize, não alterará a tipificação da conduta, pos representará o simples exaurimento do crime definido no art. 131 (e não se poderá afirmar que seja uma tentativa sui generis). Heleno Fragoso, para manter a coerência de sua orientação, defendia que, ao contrário, se a moléstia grave viesse a transmitir-se efetivamente, haveria apenas o crime de lesões corporais, em razão do princípio da subsidiariedade. Esse fundamento também não nos convence, uma vez que é impossível admitir que um crime determinado possa ser subsidiário de outro crime menos grave (o art. 131 comina pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa, enquanto o art. 129, caput, comina pena de 3 meses a 1 ano de detenção), e a simples lesão corporal leve poderá significar a efetiva transmissão da moléstia grave.

O autor finaliza afirmando que eventual contaminação da vítima integraria o próprio art. 131 do Código Penal. Faz, entretanto, uma ressalva: se se configurar lesão corporal gravíssima, o agente deverá responder somente por ela (BITENCOURT, 2007, p. 207). Contudo, a própria lesão corporal grave é abrangida como exaurimento do crime de perigo de contágio, mas o mesmo não ocorre no caso de enfermidade incurável. Nesse sentido, e nada obstante divergir dos demais autores quanto à existência de crime autônomo, parece desembocar na mesma conclusão no que tange à transmissão do vírus da AIDS – isto é, que configura crime de lesão corporal gravíssima.

Partindo-se à análise, primeiramente há de se concordar com o posicionamento adotado por Bitencourt, no sentido de ser impossível falar crime autônomo quando não consumada a infecção. Afinal, essa argumentação não possui validade no ordenamento jurídico por ferir os princípios basilares do Direito Penal, especialmente o da estrita legalidade, taxatividade e segurança jurídica, conforme art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

Se uma pessoa pratica conduta delituosa imbuída de determinada consciência e vontade, haverá somente uma tipificação possível a ela. Não pode o aplicador da norma condicionar a subsunção da norma à ocorrência, ou não, de determinado resultado, pois há a figura penal respectiva para isso: a tentativa (art. 14, II, do Código Penal). Isto é, praticando a conduta e advier o resultado, há a consumação ou mero exaurimento do delito. Não advindo, o crime será tido como tentado. Essa ordem de ideias obedece aos referidos princípios penais constitucionais, além de se adequar à teoria finalista da ação. Do contrário, seria admitir o excesso de punição pelo intérprete e aplicador da norma, pois puniria com maior rigor uma conduta tida como tentada sobre a simples premissa de constituir “crime autônomo”.

Portanto, há de se definir claramente: advindo o resultado, é crime consumado de lesão corporal gravíssima ou mero exaurimento do crime de perigo de contágio de moléstia grave? Não advindo, persiste a tipificação como crime de perigo ou será lesão corporal na modalidade tentada? O que não pode é se admitir tipificar como lesão corporal pelo advento do resultado, e, não o ocorrendo, como crime de perigo.

Primeiramente seria mister ponderar essa indagação sobre a ótica do bem jurídico tutelado, tendo em vista a sua função delimitadora. Se se identificasse uma diferença sobre qual valor visa proteger esta ou aquela norma penal, ter-se-ia como determinar qual seria aplicável ao caso. Contudo, ambos os tipos tutelam o mesmo bem jurídico penal: a incolumidade física da pessoa. Não se pode resolver a questão, pois, pautando-se nesse fundamento.

Não há alternativa outra, pois, que não a análise do tema sob a perspectiva dos argumentos expendidos pelo Min. Ayres Britto, para se verificar qual o verdadeiro dolo do agente no momento da prática da conduta tida como delituosa. É a teoria finalista em sua mais pura e simples aplicação.

Para tanto, relembre-se a primeira hipótese de conduta elencada no item “2.3.3”, isto é, o agente age com a consciência e vontade de transmitir o vírus da AIDS. Nesse caso, a conduta amolda-se perfeitamente ao tipo subjetivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave, por ser este um crime de perigo que exige, além do dolo, o especial fim de agir de se transmitir a moléstia tida como grave.

A dúvida surge, entretanto, ao se constatar que, caso alguém pratique conduta intencionada à transmissão do vírus HIV, automaticamente exsurge o dolo eventual relacionado ao crime de lesão corporal de natureza gravíssima, pois, querendo a transmissão, assume-se igualmente o risco de produzir o resultado “contração de enfermidade incurável”. Há um conflito, portanto, entre a intenção de se transmitir a moléstia e o dolo eventual de se contrair enfermidade incurável.

Partindo à outra hipótese, a controvérsia toma contornos mais pacíficos. Isso porque se o sujeito pratica a relação sexual imbuído da emoção e desejo do momento, de modo a assumir o risco de produzir o resultado, e independentemente de que ele sobrevenha ou não, só se poderá falar em tipificação no crime de lesão corporal de natureza gravíssima. Afinal, como já salientado, não se há falar em dolo eventual no crime de perigo de contágio de moléstia grave, pelo fato de que o elemento subjetivo especial do tipo – intenção de se transmitir a moléstia grave – criar óbice a tal enquadramento típico.

Registre-se que em todos os julgados trazidos à baila no presente trabalho, o réu ou paciente acabou sendo denunciado/indiciado pela prática de delito imbuído de dolo eventual, e não direto. É a controvérsia reinante no Judiciário, portanto, e seguindo a fundamentação acima, há de se enquadrá-la no crime de lesão corporal de natureza gravíssima.

Mas remanesce a dúvida no caso de o agente possuir a intenção de transmitir o vírus HIV: configura-se o crime de perigo ou o dolo eventual na lesão corporal? Sob a simples utilização de um argumento a fortiori a simili poderia se solucionar a controvérsia pugnando pela tipificação como crime de lesão. Afinal, se no menos (dolo eventual) há de se qualificar como lesão corporal, com maior razão ou em semelhança se parte à mesma tipificação no mais (dolo direto).

Mais adequada ao caso é a aplicação do princípio da consunção ou absorção, conforme as lições doutrinárias a respeito do conflito aparente de normas. Por meio dele, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, com conteúdo mais abrange, a qual deverá ser aplicada. O crime-meio, pois, é efetivado como uma fase do crime-fim, no qual se esgotará seu potencial ofensivo, absorvendo-o (BITENCOURT, 2010).

Com a aplicação desse princípio se pode dizer que o “crime consumado absorve o crime tentado, o crime de perigo é absorvido pelo crime de dano” (BITENCOURT, 2010, p. 226). Ora, é justamente esse o caso posto em análise. O crime de lesão corporal, como tipicamente de dano, absorve o crime de perigo de contágio de moléstia grave, até mesmo por haver uma adequação típica, de um ponto de vista objetivo (item 2.3.3.1), em relação a ambas as figuras penais.

2.3.3.3 Tentativa e dolo eventual

Delimitada a tipificação da conduta de transmissão do vírus HIV por via sexual como crime de lesão corporal de natureza gravíssima, põe-se como última questão a análise da divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de se admitir o crime tentado com o dolo eventual.

Em outros termos, se o agente assumiu o risco de produzir o resultado “contração de enfermidade incurável”, mas, mesmo assim, não sobreveio tal fato, pode se falar em tentativa de lesão corporal com dolo eventual? A questão não é de maneira alguma pacificada.

A doutrina majoritária entende como possível se admitir essa hipótese, pelo simples fato de que o legislador entendeu por bem colocar no mesmo nível de repreensão penal o dolo direto e o eventual. Assim, pela equiparação do tipo subjetivo, não haveria óbice algum à tipificação da conduta dessa maneira. Essa posição encontra amparo na doutrina de Damásio de Jesus (2008 apud KELLER, 2008), Mirabete (2007), Capez (2005) e Marques (1997 apud KELLER, 2008), além de encontrar ressonância nas obras de ilustres penalistas espanhóis, como o caso de Muñoz Conde e Cerezo Mir (2000; 2001 apud GRECO, 2006).

A posição encontra esteio, inclusive, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, datado de junho de 2012, a qual se transcreve:

[...] DOLO EVENTUAL. TENTATIVA. EQUIPARAÇÃO AO DOLO DIRETO. COMPATIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Embora a questão não encontre solução pacífica na doutrina, adotando-se como premissa a equiparação do dolo direito com o dolo eventual realizada pelo legislador ordinário, afigura-se compatível o delito tentado praticado com dolo eventual. Precedente.

2. Ordem denegada (HC 147.729/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 20/06/2012 – grifo nosso).

Há doutrina minoritária a defender tese em sentido contrário, capitaneada pelo ilustre jurista Rogério Greco. O primeiro argumento lançado é no sentido de que a própria norma que institui a tentativa (art. 14, II, do Código Penal) impede a aplicação do dolo eventual ao caso. Afinal, o crime é tentado quando, iniciada a execução, o resultado não advem por circunstâncias alheias à vontade do agente. Residiria justamente neste ponto o óbice, porquanto não há vontade propriamente dita em dolo eventual, mas sim assunção de riscos.

Estendendo a problemática, Greco (2006) traz à baila a seguinte indagação prática: imagine-se determinada pessoa que, embriagada – e, portanto, assumindo o risco de causar a morte de alguém ao dirigir em velocidade excessiva –, venha a conduzir seu veículo de um ponto A até B, mas que em determinada altura, a qual denominou ponto X, envolveu-se em acidente de carro, causando a morte de uma vítima. Responderá em relação a ela, e com esteio em posição pacífica na jurisprudência, por homicídio consumado imbuído de dolo eventual.

Contudo, se do ponto A ao X conduziu o seu veículo da mesma forma – embriagado e em velocidade excessiva –, mas passou nesse trajeto por aproximadamente 100 pessoas, deveria responder por homicídio tentado em relação a todas elas, já que possuía o mesmo dolo eventual de quando se envolveu no acidente de trânsito?

De igual forma, essa posição minoritária encontra guarida em decisões jurisprudenciais, como se vê no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, datado do ano de 2005:

Tribunal do Júri. Tentativa. Dolo eventual. Incompatibilidade. O dolo eventual, em linhas gerais definido como aceitação, pelo agente, da produção do resultado mais grave, mas conscientemente não pretende obter, é incompatível com o instituto da tentativa, que exige o dolo direto(Recurso em Sentido Estrito n.º 70010200020, 3ª Câmara Criminal, tendo como relator o Dês. Newton Brasil de Leão, julgado em 28/04/2005).

Keller (2008) cita também ação penal que tramitou na Comarca de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, no ano de 2002, na qual se denunciou determinado sujeito que transitava em uma motocicleta, na contramão, e que ao avistar alguns veículos que vinham em sua direção efetuou manobra perigosa (“cavalo de pau”), sendo que, por esse ato, acabou lançando o passageiro de sua própria motocicleta ao chão, o qual foi atropelado por um terceiro veículo, tornando-se paraplégico. Na oportunidade, foi denunciado o agente pelo crime de homicídio tentado, pelo dolo eventual (art. 121 c/c art. 14, II, do Código Penal).

A julgadora do caso, a Excelentíssima Juíza Dra. Lúcia Helena Camerini, entendeu por bem rejeitar a denúncia ante a impossibilidade de aliar ao crime de homicídio tentado o dolo eventual, utilizando como fundamento que, na tentativa, o resultado não se obtém por circunstâncias alheias à vontade do agente, sendo que, no dolo eventual, não haveria essa estrita vontade de se obter o resultado lesivo. Houve a reforma da sentença em posterior julgamento de recurso, entretanto.

Sobre o autor
Lucas Teixeira de Rezende

Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especializando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC). Assessor de Magistrado da 9ª Vara Cível da Comarca de Londrina/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Lucas Teixeira. Responsabilidade penal pela transmissão do HIV. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3823, 19 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26196. Acesso em: 21 nov. 2024.

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