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O princípio da insignificância no crime militar de furto simples

Agenda 13/01/2014 às 14:35

Para a aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples, além da observância dos requisitos jurisprudenciais tradicionais, deve ser analisada a lesividade da conduta aos princípios da hierarquia e da disciplina e o seu reflexo na coletividade, no dia-a-dia da caserna.

Resumo: O objetivo do tema proposto é abordar a aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples demonstrando, ao longo dos estudos, que a autoridade militar competente pode reconhecê-lo no momento da conduta do agente e que, além do disposto legalmente, outros pressupostos devem ser observados para a sua devida aplicação.

Palavras-chave: Direito Penal Militar, crime militar, furto, princípio da insignificância.


 

1. INTRODUÇÃO

As Instituições Militares regem-se por normas rígidas e primam, em sua estrutura basilar, pela hierarquia e disciplina, institutos que conduzem a vida militar de forma ordenada e com observância às Leis, Regulamentos e Normas.  

Mesmo seculares, as Instituições Militares mantém constante processo de evolução com a sociedade, preservando, contudo, os seus valores inabalados, inerentes à função militar. 

Nesse contexto, estudaremos a aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples, doutrinariamente materializado no § 1º, do artigo 240 do Código Penal Militar.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1. O princípio da insignificância

Ponderando o crime como uma ofensa a um bem jurídico relevante, o princípio da insignificância insurge como instrumento supralegal interpretador dos fatos onde a aplicação da sanção penal mostra-se socialmente desproporcional aos danos de pouca monta causados aos bens jurídicos tutelados. 

Nesse sentido, nos ensina Júlio Fabbrini Mirabete2 "Sendo o crime uma ofensa a um interesse dirigido a um bem jurídico relevante, preocupa-se a doutrina em estabelecer um princípio para excluir do direito penal certas lesões insignificantes. Claus Roxin propôs o chamado princípio da insignificância, que permite na maioria dos tipos excluir, em princípio, os danos de pouca importância. Não há crime de dano de furto quando a coisa alheia não tem qualquer significação para o proprietário da coisa; não existe contrabando na posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, que não cause uma lesão de certa expressão para o fisco; não há peculato quando o servidor público se apropria de ninharias do Estado (folhas de papel, caneta esferográfica etc); não há crime contra a honra quando não se afeta significativamente a dignidade, a reputação, a honra de outrem; não há lesão corporal em pequenos danos à integridade física; não há maus-tratos quando não se ocasiona prejuízo considerável ao bem-estar corporal; não há dano no estrago ao patrimônio público de pequena monta; não há estelionato quando o agente se utiliza de fraude para não pagar passagem de ônibus; não há furto quando a res subtraída é economicamente insignificante, não há corrupção passiva quando o funcionário aceita um "mimo" de pequena expressão econômica etc.".  

Reconhecido, então, o princípio da insignificância, o fato passa a ser atípico. Nesse passo, assevera, ainda, Júlio Fabbrini Mirabete3 "Não há como confundir, por exemplo, pequeno valor da coisa subtraída com valor insignificante ou ínfimo; no primeiro caso há somente um abrandamento de pena, no segundo há exclusão da tipicidade". (Grifamos)

2.2 A possibilidade de autoridade militar competente aplicar o princípio da insignificância

A autoridade militar competente ao tomar conhecimento de uma conduta ilícita prevista no ordenamento jurídico castrense deverá realizar, tempestivamente e por meios legalmente dispostos, a devida apuração dos fatos e, concomitantemente, verificar a gravidade dos danos causados à Administração Militar.

Ocorre que, se a referida autoridade constatar que o fato apresenta pressupostos para a caracterização do princípio da insignificância, poderá, de plano, tratá-lo como infração disciplinar, conduzindo-o na seara da administração disciplinar militar.

Nesse passo, salienta Ronaldo João Roth4 "A autoridade militar, valorando que o fato constituiu-se de um delito de bagatela ou insignificante, considerando os fatores já comentados, e antevendo que aquele mesmo fato analisado poderá ser objeto de desclassificação pelo juiz, reconhecendo-o como infração disciplinar, por ser o mesmo uma ninharia ou não representar qualquer lesividade, poderá, ao invés de instaurar o IPM, adotar de pronto o procedimento administrativo mais adequado e chegar à repressão do ocorrido, se for o caso, em sede disciplinar".

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Continua, ainda, o ilustre mestre, ressaltando a importância processual do acolhimento pela autoridade militar competente do princípio da insignificância "Esse procedimento é muito mais interessante para a Administração Militar e para a eficiência do serviço, sem que essa forma de solucionar a questão, bem mais depressa, como se sabe, seja óbice para que, diante daquela medida, provocado o Ministério Público, este veja a necessidade de se reprimir o fato também pelo aspecto penal. Aqui, a oportunidade para o oferecimento da ação penal será avaliada pelo Ministério Público, daí ser desnecessário, muitas vezes, antecipar a instauração do IPM e sem motivo indiciar-se até policiais militares, os quais, pela sua conduta praticada, mereciam tão-somente um corretivo disciplinar por questões insignificantes"5. (Grifamos)

2.3 A aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples

O princípio da insignificância no crime militar de furto simples, no entendimento doutrinário, está materializado no § 1º, artigo 240, do Código Penal Militar, in verbis: “Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país”.

Na compreensão do legislador, para a aplicação deste dispositivo, o agente não poderá ter registro de condenação transitada em julgado e a res furtiva deverá ser de pequeno valor, ou seja, que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país.

Parte majoritária da doutrina entende que esse valor atribuído à coisa furtada não foi recepcionado pela Carta Magna, em vista do disposto na parte final do Inciso IV, artigo 7º, da Constituição Federal: “Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. (Grifamos). Desde modo, sustenta a doutrina que fica ao entendimento do julgador o conceito de pequeno valor.

Nesse sentido, Ronaldo João Roth6 traz os ensinamentos de Jorge Alberto Romeiro: “Para se aferir o que seja pequeno valor, o legislador estabeleceu que o valor da coisa não deva ultrapassar a um décimo do salário mínimo (§ 1º do art. 240 do CPM). Sobre o tema, valo o escólio de Jorge Albeto Romeiro: “Este dispositivo (art. 17), bem como os demais do CPM referentes ao salário mínimo, para os efeitos penais, como o § 1º, parte final do art. 240, e os parágrafos únicos dos arts. 248 e 255, foi revogado pela parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, que veda sua vinculação para qualquer fim”.

Não obstante expresso no texto legal, os pressupostos de réu primário e da coisa de pequeno valor não são suficientes, de acordo com a jurisprudência, para a aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples. A manutenção da hierarquia e da disciplina, a função militar e a vida em coletividade existente na caserna exigem do julgador uma apurada valoração da extensão do dano causado ao bem jurídico protegido.

Com pertinência a esse enfoque, julgou recentemente o STF: “EMENTA HABEAS CORPUS. FURTO. MILITAR. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ELEVADA REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando não só o valor do dano decorrente do crime, mas igualmente outros aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O valor da res furtiva, equivalente à metade dos rendimentos da vítima, não pode ser considerado insignificante para aplicação do princípio da bagatela. 3. Ainda que a quantia subtraída fosse ínfima, não poderia ser aplicado o referido princípio, ante a elevada reprovabilidade da conduta do militar que se aproveita do ambiente da caserna para subtrair dinheiro de um colega. 4. Aos militares cabe a guarda da lei e da ordem, competindo-lhes o papel de guardiões da estabilidade, a serviço do direito e da paz social, razão pela qual deles se espera conduta exemplar para o restante da sociedade, o que não se verificou na espécie. 5. Ordem denegada.” (HC 115591 PE, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 09 Abr 13)”. (Grifamos)

Nesse passo, interessante explanação em decisão do STM7 “O relator do caso, ministro William Barros, não aplicou o princípio da insignificância. Segundo ele, o preço no mercado do celular furtado era de R$ 800, valor superior ao salário percebido pelo denunciado. Além disso, para o ministro William, o crime de furto não deve ser apreciado em termos meramente econômicos.Além do dano patrimonial, a conduta do apelante gerou reflexos negativos no âmbito da caserna, causando elevados prejuízos aos princípios da hierarquia e da disciplina”, afirmou o relator.” (Grifamos)

Ainda, quanto ao livre convencimento do julgador ao valorar o dano causado pelo crime militar de furto simples, oportuno expor decisão do STF: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL MILITAR. 1. Os bens subtraídos pelo Paciente não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato denunciado. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora Recorrente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 2. Recurso provido”. (RHC 89624 RS, Min Cármem Lúcia, julgado em 09 Out 06). (Grifamos)

Por fim, em julgado do STF, o ilustre Ministro Ricardo Lewandowski nos traz a inserção de requisitos caracterizadores do princípio da insignificância: “II - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica.”. (HC 102940 ES, Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 15 Fev 11).


3. CONCLUSÃO

Reconhecemos a extrema relevância para o direito castrense a aplicação do princípio da insignificância em condutas penais que causam lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado.

Entendemos que o direito penal deverá ser a ultima ratio a ser utilizada para coibir condutas ilícitas, devendo ser chamado a plano apenas quando há uma ofensa grave aos bens jurídicos protegidos.

Ressaltamos que a extensão do dano causado deverá ser criteriosamente valorada, somente aplicando a seara penal quando não for adequada a utilização de outro ramo do direito militar, como exemplo, a possibilidade do julgador de desclassificar crime militar em transgressão disciplinar, chamando à tona, neste caso, o direito administrativo disciplinar.

Finalizando o tema proposto, concluímos que para a aplicação do princípio da insignificância no crime militar de furto simples além da observância ao texto legal, de serem preenchidos os requisitos jurisprudenciais - mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido o grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica - deve ser analisado, também, o grau de lesividade da conduta do agente, quando militar, aos princípios da hierarquia e da disciplina e o seu reflexo na coletividade, no dia-a-dia da caserna.


BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: comentários, doutrina, jurisprudência dos tribunais militares e tribunais superiores. 7ª. ed. 3ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2013. 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Código Penal Militar Comentado-Parte Especial. Belo Horizonte: Líder, 2011.

ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. 1ª. ed. São Paulo: Suprema Cultura, 2004.

AMARAL, Fábio Sérgio do. A aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Militar. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3381, 3 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22723>. Acesso em: 20 jun. 2013STM, Princípio da insignificância não pode estar acima da hierarquia e disciplina. Notícias STM, Brasília, 19 Out 11. Disponível em: http:// www. stm. jus.br/ publicacoes/ noticias/noticias-2011/principio-da-insignificancia-nao- pode-estar-acima-da-hierarquia-e-disciplina?searchterm=insig. Acesso em: 21 jun 13.

STF - HC 115591 PE, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 09 Abr 13.

STF - RHC 89624 RS, Min Cármem Lúcia, julgado em 09 Out 06.

STF - HC 102940 ES, Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 15 Fev 11.


NOTAS

2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 118.

3 Idem. Ibidem

4 ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. 1ª. ed. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. P 117.

5 Idem. Ibidem

6 ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. 1ª. ed. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. P 115.

7 STM, Princípio da insignificância não pode estar acima da hierarquia e disciplina. Notícias STM, Brasília, 19 Out 11. Disponível em: http:// www. stm. jus.br/ publicacoes/ noticias/noticias-2011/principio-da-insignificancia-nao- pode-estar-acima-da-hierarquia-e-disciplina?searchterm=insig. Acesso em: 21 jun 13.

Sobre o autor
Roberth César Gonçalves dos Santos

Militar do Exército Brasileiro. Membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra – ADESG. Graduou-se em Direito pela Universidade Nove de Julho (São Paulo-SP). Pós-graduando em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberth César Gonçalves. O princípio da insignificância no crime militar de furto simples. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3848, 13 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26386. Acesso em: 23 dez. 2024.

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