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O acesso à água potável alçado ao status de direito humano fundamental: breve explicitação ao tema

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Agenda 19/01/2014 às 07:07

3 Breve Painel da Preservação do Meio Ambiente Natural Ecologicamente Equilibrado e sua relação com o alcance e desdobramento da Dignidade da Pessoa Humana

Em sede de comentários inaugurais, cuida salientar que o meio ambiente natural, também denominado de físico, o qual, em sua estrutura, agasalha os fatores abióticos e bióticos, considerados como recursos ambientais. Nesta esteira de raciocínio, cumpre registrar, a partir de um viés jurídico, a acepção do tema em destaque, o qual vem disciplinado pela Lei Nº. 9.985, de 18 de Julho de 2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, em seu artigo 2º, inciso IV, frisa que “recurso ambiental: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”[17]. Nesta esteira, o termo fatores abióticos abriga a atmosfera, os elementos afetos à biosfera, as águas (inclusive aquelas que se encontram no mar territorial), pelo solo, pelo subsolo e pelos recursos minerais; já os fatores bióticos faz menção à fauna e à flora, como bem assinala Fiorillo[18]. Em razão da complexa interação entre os fatores abióticos e bióticos que ocorre o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que se encontram inseridos.

Consoante Rebello Filho e Bernardo, o meio ambiente natural “é constituído por todos os elementos responsáveis pelo equilíbrio entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, fauna e flora”[19]. Nesta senda, com o escopo de fortalecer os argumentos apresentados, necessário se faz colocar em campo que os paradigmas que orientam a concepção recursos naturais como componentes que integram a paisagem, desde que não tenham sofrido maciças alterações pela ação antrópica a ponto de desnaturar o seu aspecto característico. Trata-se, com efeito, de uma conjunção de elementos e fatores que mantêm uma harmonia complexa e frágil, notadamente em razão dos avanços e degradações provocadas pelo ser humano. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial que:

Ementa: Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Unidade de proteção integral. Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Recuperação do dano causado. Possibilidade. Preliminares de incompetência, decadência e nulidade processual rejeitadas. agravo retido desprovido. [...] IV - O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento, hipótese não ocorrida, na espécie. V - Na hipótese dos autos, o imóvel descrito na petição inicial está localizado no interior de Área de Preservação Permanente - APP, encravado na Zona de Amortecimento do PARNA dos Lençóis Maranhenses (unidade de conservação da natureza de proteção integral), no Município de Barreirinhas, no Estado do maranhão, integra o patrimônio da União, em zona costeira, devendo ser demolido, no prazo de 60 (sessenta) dias, por inobservância das determinações legais pertinentes, com as medidas de precaução e de prevenção do meio ambiente, adotadas na sentença recorrida, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão mandamental. VI - Apelação, remessa oficial e agravo retido desprovidos. Sentença confirmada. (Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Quinta Turma/ AC 0002797-29.2006.4.01.3700/MA/ Relator: Desembargador Federal Souza Prudente/ Publicado no DJe em 12.06.2012, p. 173).

Ao lado do esposado, faz-se carecido pontuar que os recursos naturais são considerados como tal em razão do destaque concedido pelo ser humano, com o passar dos séculos, conferindo-lhes valores de ordem econômica, social e cultural. Desta feita, tão somente é possível à compreensão do tema a partir da análise da relação homem-natureza, eis que a interação entre aqueles é preponderante para o desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades. Patente se faz ainda, em breves palavras, mencionar a classificação dos recursos naturais, notadamente em razão da importância daqueles no tema em testilha. O primeiro grupo compreende os recursos naturais renováveis, que são os elementos naturais, cuja correta utilização, propicia a renovação, a exemplo do que se observa na fauna, na flora e nos recursos hídricos.

Os recursos naturais não-renováveis fazem menção àqueles que não logram êxito na renovação ou, ainda, quando conseguem, esta se dá de maneira lenta em razão dos aspectos estruturais e característicos daqueles, como se observa no petróleo e nos metais em geral. Por derradeiro, os denominados recursos inesgotáveis agasalham aqueles que são “infindáveis”, como a luz solar e o vento. Salta aos olhos, a partir das ponderações estruturadas, que os recursos naturais, independente da seara em que se encontrem agrupados, apresentam como elemento comum de caracterização o fato de serem criados originariamente pela natureza. O meio ambiente natural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 225, caput e §1º, incisos I, III e IV.

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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […]

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade[20].

Ora, como bem manifestou o Ministro Carlos Britto, ao manifestar-se na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 3.540, “não se erige em área de proteção especial um espaço geográfico simplesmente a partir de sua vegetação, há outros elementos. Sabemos que fauna, flora, floresta, sítios arqueológicos concorrem para isso”[21]. Verifica-se, assim, que o espaço territorial especialmente protegido do direito constitucional ao meio ambiente hígido e equilibrado, em especial no que atina à estrutura e funções dos diversos e complexos ecossistemas. As denominadas “unidades de conservação”, neste aspecto de afirmação constitucional, enquanto instrumentos de preservação do meio ambiente natural, configuram áreas de maciço interesse ecológico que, em razão dos aspectos característicos naturais relevantes, recebem tratamento legal próprio, de maneira a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao meio ambiente.

Diante do exposto, o meio ambiente, em sua acepção macro e especificamente em seu desdobramento natural, configura elemento inerente ao indivíduo, atuando como sedimento a concreção da sadia qualidade de vida e, por extensão, ao fundamento estruturante da República Federativa do Brasil, consistente na materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, tal como pontuado algures, a Constituição da República estabelece, em seu artigo 225, o dever do Poder Público adotar medidas de proteção e preservação do ambiente natural. Aliás, tal dever é de competência político-administrativa de todos os entes políticos, devendo, para tanto, evitar que os espaços de proteção ambiental sejam utilizados de forma contrária à sua função – preservação das espécies nativas e, ainda, promover ostensiva fiscalização desses locais.


4 A Proteção das Águas Doces na Sistemática Constitucional: Notas à Proeminência do Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

Sensível aos feixes principiológicos irradiados pelo corolário constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado à condição de conditio sine qua non para a concreção da dignidade da pessoa humana, verifica-se que a água doce apresenta-se como um dos mais importantes recursos para a existência da vida. Tal fato decorre da pluralidade de funções que são atendidas pela água doce, notadamente no que se refere ao abastecimento doméstico e industrial, irrigação, preservação da fauna e da flora, geração de energia, transporte e diluição de despejos. Neste cenário, em decorrência de ser um bem finito, é notório que sua preservação vindica empenho não apenas do Poder Público, mas em especial de toda coletividade, por meio de usos moderados, evitando-se desperdícios. Ao lado disso, é possível trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita, com clareza solar, a proeminência da água doce no cenário jurídico, nacional e mundial, maiormente em decorrência dos influxos advindos da ramificação ambiental da Ciência Jurídica:

Ementa: Administrativo. Recurso Especial. Exploração de Águas Subterrâneas por meio de poço artesiano. Necessidade de outorga.1. Quanto à aludida afronta aos artigos 12 e 20 da Lei Federal n. 9.433/1997 e 45 da Lei n. 11.445/2007, esta Corte possui posicionamento no sentido de que "o inciso II do art. 12 da Lei n.9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico". 2. Note-se que o artigo 12, II, da Lei n. 9.433/1997, ao distinguir os usuários que tinham e os que não tinham acesso à fonte alternativa de água, revela-se como instrumento adequado para garantir o uso comum de um meio ambiente ecologicamente equilibrado pelas presentes e futuras gerações, segundo uma igualdade material, não meramente formal (artigo 225 da CRFB), sobretudo considerando a finitude do recurso natural em questão. 3. Agravo regimental não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.352.664/RJ/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 14.05.2013/ Publicado no DJe em 20.05.2013).

No Brasil, cuida colocar em destaque o Aquífero Guarani, enorme reservatório de águas subterrâneas, compreendendo-se, ainda, no território da Argentina e do Uruguai. “A Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, que regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”, como bem aponta Fiorillo[22], todavia, cuida destacar que a legislação em comento padece de impropriedade, eis que concebe a água como bem de domínio público. Entrementes, há que se registrar que tal ótica não prospera na sistemática constitucional adotada, uma vez que a água é considerada como bem tipicamente ambiental, sendo, desta feita, de uso comum do povo. Trata-se, com efeito, de bem difuso não possuindo titularidade definida, mas sim pertence a toda coletividade, refletindo, de maneira determinante o ideário de solidariedade refletido nos direitos típicos de terceira dimensão, dentre os quais se computa o direito ao meio ambiente.

Três são os objetivos dorsais da Lei 9.433/1997, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da disponibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras gerações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ganha maior dimensão em época de mudanças climáticas. Além disso, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos apoia-se em uma série de princípios fundamentais, cabendo citar, entre os que incidem diretamente no litígio, o princípio da dominialidade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática. Denota-se, deste modo, que a lei de regência consagrou em sua estrutura bastiões que decorrem da proeminência dos direitos de terceira dimensão, notadamente no que toca ao ideário de solidariedade transgeracional.


5 O Acesso à Água Potável alçado ao status de Direito Humano Fundamental: Breve Explicitação ao Tema

Diante do cenário apresentado, em especial o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, salta aos olhos que o acesso à água potável, na contemporaneidade, reveste-se de aspecto fundamental para o ser humano, sendo, inclusive, dotado de proeminência para realização de aspectos inerentes à dignidade da pessoa humana. Salta aos olhos, desta maneira, que o tema reclama proteção jurídica expressa, em prol de cada pessoa, a fim de, em primeiro e último momento, promover a dignidade em seus plurais e diversificados sentidos. Trata-se de alargar o rol dos direitos humanos e introduzir temática proeminente em seu rol, conferindo-lhe a proeminência necessária. É fato que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, apesar de reconhecidamente garantística, não contemplou o acesso à água potável como direito fundamental, apesar de documentos internacionais colocarem em destaque tal aspecto.

É patente que a escassez de água, o mau uso, a massificação da poluição e a má distribuição são aspectos que, cotidianamente, agravam, ainda mais, a problemática existente, desencadeando crises mundiais que acirram questões políticas e bélicas em regiões desprovidas de maior abastecimento, a exemplo de países africanos e do Oriente Médio. É possível verificar que a escassez de água potável é um problema crucial que se agrava diariamente, em razão do esgotamento das fontes e do mau uso do recurso natural. Como bem anotam Fachin e Silva, “tais circunstâncias da vida concreta têm a força suficiente para partejar novos direitos fundamentais, visto que estes vão nascendo gradativamente, no curso natural da História, mas como resultado de lutas travadas pelo esforço humano”[23].

O direito fundamental à água potável, enquanto integrante dos direitos humanos, significa o alargamento do rol dos direitos fundamentais, edificados com a evolução da humanidade. Esse direito fundamental, necessário à existência humana e a outras formas de vida, necessita de tratamento prioritário das instituições sociais e estatais, bem como por parte de cada pessoa humana. Ao compreender o tema em debate como direito fundamental, o acesso à água potável reclama o estabelecimento de mudanças comportamentais, tanto no que se refere ao papel desempenhado pelo Estado, quanto na atuação da sociedade. O Estado legislador fica comprometido a elaborar leis que priorizem a proteção e a promoção do direito fundamental, exigindo-se que sua atuação esteja vinculada à juridicidade desse direito, dispensando tutela jurídica ao tema. No que tange ao Estado administrador, este deve estabelecer políticas públicas, levando em consideração que se está diante de um direito fundamental. Já o Estado prestador de serviços jurisdicionais, ao apreciar os conflitos sociais levados à sua apreciação, deve decidir de modo a concretizar o direito fundamental.

A sociedade, por sua vez, também passa a reconhecer a maior importância do bem jurídico a ser protegido e preservado. As pessoas, em suas condutas na vida cotidiana, passam a distinguir este direito dos que, embora importantes, não são fundamentais. É perceptível das ponderações estruturadas que a edificação do direito ao acesso à água potável personifica, na contemporaneidade, os anseios florescidos em um cenário densamente caracterizado pela escassez de recurso natural finito, conjugado com a distribuição distinta no globo e a degradação ambiental. No cenário nacional, o direito ao acesso à água potável ganha proeminência, desprendendo-se da rubrica contida no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, configurado denominação própria que reclama tutela jurídica peculiar, sensível aos aspectos característicos da temática. De igual modo, é possível, diante da magnitude assumida pelo superprincípio da dignidade da pessoa humana, no cenário jurídico nacional, considerar que o direito em análise configura elemento mínimo existência do ser humano, sendo inimaginável conceber uma realidade sem que haja a presença e concretização do sobredito direito.

Sobre o autor
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan. O acesso à água potável alçado ao status de direito humano fundamental: breve explicitação ao tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3854, 19 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26428. Acesso em: 22 dez. 2024.

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