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O Supremo Tribunal Federal mais uma vez repete o erro sobre a Lei Maria da Penha

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Agenda 14/02/2014 às 14:45

VI – A APLICAÇÃO DA LEI Nº. 9.099/95

Agora vejamos o art. 41 da lei, certamente o que vem causando o mais acirrado debate na doutrina. Segundo este dispositivo, “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Entendemos tratar-se de artigo inconstitucional. Valem as mesmas observações expendidas quando da análise do art. 17. São igualmente feridos princípios constitucionais (igualdade e proporcionalidade[31]). Assim, para nós, se a infração penal praticada for um crime de menor potencial ofensivo (o art. 41 não se refere às contravenções penais) devem ser aplicadas todas as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº. 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo), além da medida “descarcerizadora” do art. 69 (Termo Circunstanciado e não lavratura do auto de prisão em flagrante, caso o autor do fato comprometa-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal).

Seguindo o mesmo raciocínio, em relação às lesões corporais leves e culposas, a ação penal continua a ser pública condicionada à representação, aplicando-se o art. 88 da Lei nº. 9.099/95.[32]

Cremos que devemos interpretar tal dispositivo à luz da Constituição Federal e não o contrário. Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[33] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidadecom a Carta Magna, e não o contrário! Segundo Frederico Marques, a ConstituiçãoFederal “não só submete o legislador ordinário a umregime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico.”[34]

A prevalecer a tese contrária (pela constitucionalidade do artigo), uma injúria praticada contra a mulher naquelas circunstâncias não seria infração penal de menor potencial ofensivo (interpretando-se o art. 41 de forma literal); já uma lesão corporal leve, cuja pena é o dobro da injúria, praticada contra um idoso ou uma criança (que também mereceram tratamento diferenciado do nosso legislador – Lei nº. 10.741/03 e Lei nº. 8.069/90) é um crime de menor potencial ofensivo. No primeiro caso, o autor da injúria será preso e autuado em flagrante, responderá a inquérito policial, haverá queixa-crime, etc., etc. Já o segundo agressor não será autuado em flagrante, será lavrado um simples Termo Circunstanciado, terá a oportunidade da composição civil dos danos, da transação penal e da suspensão condicional do processo, etc., etc. (arts. 69, 74, 76 e 89 da Lei nº. 9.099/95). Outro exemplo: em uma lesão corporal leve praticada contra uma mulher a ação penal independe de representação (é pública incondicionada), mas uma lesão corporal leve cometida contra um infante ou um homem de 90 anos depende de representação. Outro exemplo: um pai agride e fere levemente seus dois filhos gêmeos, um homem e uma mulher; receberá tratamento jurídico-criminal diferenciado. Onde nós estamos!

Nada obstante, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que autores de violência doméstica contra mulheres podem ser processados pelo Ministério Público, independentemente de autorização da vítima. A conclusão, por maioria, é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao considerar que a ação penal contra o agressor deve ser pública incondicionada. No recurso especial dirigido ao STJ, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios protestava contra o trancamento da ação penal contra o agressor E.S.O., do Distrito Federal. Após a retratação da vítima em juízo, afirmando não querer mais perseguir criminalmente o agressor, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) trancou a ação, afirmando que não haveria justa causa para o seu prosseguimento. Segundo o TJDFT, os delitos de lesões corporais leves e culposas continuam tendo a natureza jurídica de pública condicionada à representação, pois o sistema processual brasileiro tem regência da unicidade. “Não havendo a possibilidade jurídica para o prosseguimento da ação penal, em face das disposições do artigo 16 da Lei ‘Maria da Penha’, qual seja, a manifestação da vítima perante o juiz de não mais processar o seu companheiro, concede-se a ordem de habeas corpus para determinar-se o trancamento da ação penal por faltar-lhe a justa causa”, afirmou a decisão do TJDFT. Na decisão, o tribunal brasiliense ressalvou, ainda, a possibilidade de a vítima, a qualquer momento, no prazo de seis meses, voltar a exercer o direito de denunciar o agressor. Para o Ministério Público, no entanto, a decisão ofendeu os artigos 13, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, além dos artigos 648, I, e 38 do Código de Processo Penal, artigo 88 da Lei n. 9.099/95 e os artigos 100 e 129, parágrafo 9, do Código Penal. Requereu, então, a reforma da decisão, alegando que a ação penal do presente delito tem natureza pública incondicionada, não sendo dependente da representação da vítima. Em parecer sobre o caso, o Ministério Público Federal observou que a Lei Maria da Penha prescreve, em seu artigo 41, que não se aplica a Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo o Ministério Público Federal, deve ser reconhecido o direito do Estado em dar prosseguimento à ação penal, vez que esta não depende de representação da vítima, devendo ser reconhecida a justa causa para a perseguição criminal do agressor. A relatora do caso, a desembargadora convocada Jane Silva, concordou com os argumentos e foi acompanhada pelo ministro Paulo Gallotti. Os ministros Nilson Naves e Maria Theresa de Assis Moura divergiram. Em seu voto-vista, o ministro Og Fernandes desempatou em favor da tese do Ministério Público: a ação contra autores de violência doméstica contra a mulher deve ser pública incondicionada. O mesmo resultado foi adotado para o Recurso Especial 1.050.276, também do Distrito Federal.

Em julgamento posterior, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu contrariamente: "A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006. Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais.” (HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi - Desembargador convocado do TJ-SP, julgado em 5/3/2009).

Também alguns tribunais estaduais:

“A incidência irrestrita da Lei 11.340/06 para tutelar, além da mulher adulta, a criança do sexo feminino, importa em proteção superlativa, com ofensa direta aos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. A vulnerabilidade e a hipossuficiência de tal categoria, justificativa do tratamento legal especial, diferentemente do que ocorre com a mulher adulta, independe do gênero sexual, não servindo, os arts. 2º. e 13º. daquele diploma, como fundamento adequado para ilações em sentido contrário. Conflito negativo julgado improcedente, competente o juízo da 12ª. Vara Criminal de Goiânia.” (TJGO – 2ª C. – rel. Marcio de Castro Molinari – j. 01.04.2009).

“A lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), não retirou a faculdade de representação da vítima, haja vista a possibilidade de renúncia. Desde modo, não se há falar em ação pública incondicionada nos casos de lesões corporais oriundas de violência doméstica. Assim, havendo retratação da representação em audiência designada para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia, o não recebimento da mesma e arquivamento dos autos é medida que se impõe, ante e falta de procedibilidade para a ação penal. Recurso ministerial improvido” (TJMG – 5ª C. – RESE 1.0024.07.759594-0/001(1) – rel. Adilson Lamounier – j. 23.09.2008 – DOE 06.10.2008).

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“A Lei Maria da Penha não retirou a faculdade de representação da ofendida nos crimes de lesão corporal, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11. 340/06 faculta a renúncia à representação da vítima. Nas ações penais públicas condicionadas à representação, considera-se não satisfeita a condição de procedibilidade diante da ausência de demonstração inequívoca de intenção da vítima em ver deflagrada a ação penal conta o ofensor, não bastando a mera narrativa dos fatos ocorridos” (TJMG – 5ª C. – RESE 1.0210.08.048129-9/001(1) – rel. Adilson Lamounier - j. 20.01.2009 – DOE 02.02.2009).

Nada obstante, insistimos que o princípio da proporcionalidade não foi observado, o que torna inválida esta norma (como também a do art. 17), apesar de vigente. Como observa Mariângela Gama de Magalhães Gomes, este princípio “desempenha importante função dentro do ordenamento jurídico, não apenas penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que merecem uma tutela diferenciada (penal) e das que não a merecem, assim como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas; além disso, conforme enunciado, constitui importante limite à atividade do legislador penal (e também do seu intérprete), posto que estabelece até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos.”[35]

Para Pedraz Penalva, “a proporcionalidade é, pois, algo mais que um critério, regra ou elemento técnico de juízo, utilizável para afirmar consequências jurídicas: constitui um princípio inerente ao Estado de Direito com plena e necessária operatividade, enquanto sua devida utilização se apresenta como uma das garantias básicas que devem ser observadas em todo caso em que possam ser lesionados direitos e liberdades fundamentais.”[36]

Feriu-se, outrossim, o princípio da igualdade, previsto expressamente no art. 5º., caput da Constituição Federal. Este princípio constitucional “significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado.” Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade “ordena ao legislador que preveja com as mesmas consequências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias.”[37]

Para Ignacio Ara Pinilla, “la preconizada igualdad de todos frente a la ley (...) ha venido evolucionando en un sentido cada vez más contenutista, comprendiédose paulatinamente como interdicción de discriminaciones, o, por lo menos, como interdicción de discriminaciones injustificadas.”[38]

Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.”[39]

Mas, infelizmente, como afirma Francesco Palazzo, “a influência dos valores constitucionais vem, pouco a pouco, crescendo sempre no arco dos tempos, sem que, no entanto, ainda assim as transformações constitucionais tenham logrado produzir a esperada reforma orgânica do sistema penal, inclusive.”[40]

Canotilho explica que são “princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.”[41]

Este art. 41 também afronta o disposto no art. 98, I da Constituição Federal, pois a competência dos Juizados Especiais Criminais é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional; neste sentido, Mirabete e Ada, respectivamente:

“A competência do Juizado Especial Criminal restringe-se às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme a Carta Constitucional e a lei. Como tal competência é conferida em razão da matéria, é ela absoluta.”[42]“A competência do Juizado, restrita às infrações de menor potencial ofensivo, é de natureza material e, por isso, absoluta.”[43]

Igualmente Cezar Roberto Bitencourt, para quem “a competência ratione materiae, objeto de julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, apresenta-se da seguinte forma: crimes com pena máxima cominada não superior a dois anos e contravenções penais.”[44]

Sidney Eloy Dalabrida também já escreveu:“A competência do Juizado Especial Criminal foi firmada a nível constitucional (art. 98, I, CF), restringindo-se à conciliação (composição e transação), processo, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo. É competência que delimita o poder de julgar em razão da natureza do delito (ratione materiae), e, sendo assim, absoluta.”[45]

Repita-se que a competência da qual ora falamos tem índole constitucional (art. 98, I da Carta Magna), sendo nulos todos os atos porventura praticados, não somente os decisórios, como também os probatórios, “pois o processo é como se não existisse.”[46]Se assim o é, ou seja, se a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Especiais Criminais para o processo, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, é induvidoso não ser possível a exclusão desta competência em razão do sujeito passivo atingido (mulher) e pela circunstância de se tratar de violência doméstica e familiar.

É bem verdade que a própria Lei nº. 9.099/95 prevê duas hipóteses em que é afastada a sua competência (arts. 66, parágrafo único e 77, § 2º.), mas este fato não representa obstáculo ao que dissemos, pois se encontra dentro da faixa de disciplina possível para a Lei nº. 9.099/95, permitida pelo art. 98 da Constituição. Em outras palavras: ao delimitar a competência dos Juizados, poderia a respectiva lei, autorizada pela Lei Maior, estabelecer exceções à regra, observando, evidentemente, os critérios orientadores estabelecidos pela própria lei. Efetivamente, na Lei nº. 9.099/95 há duas causas modificadoras da competência: a complexidade oucircunstâncias da causaque dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réunãoser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único)[47]. Porém, o certo é que tais disposições não ferem a ConstituiçãoFederal, pois as duas hipóteses se ajustam perfeitamente aos critérios da celeridade, informalidade e economia processual propostos pelo legislador (art. 62, Lei nº. 9.099/95). Nada mais razoável e proporcionalmente aceitável que retirar dos Juizados Especiais o réu citado por edital (ao qual será aplicado, caso não compareça, o art. 366 do CPP) e um processo mais complexo: são circunstâncias que, apesar de excluírem a competência dos Juizados, ajustam-se perfeitamente àqueles critérios acima indicados e são, portanto, constitucionalmente aceitáveis.

Observa-se que se as leis respectivas “podem definir quais são as infrações, podem, também, o menos, que é excluir aquelas que, mesmo sendo de menorpotencialofensivo, nãosão recomendadas para serem submetidas ao Juizado, desde que não se subtraia de todo a competência estabelecida constitucionalmente”, comobem anotou Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho.[48] (grifo nosso).

Destarte, subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional.

O texto constitucional é explícito ao garantir ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo o procedimento oral e sumariíssimo. Segundo AntonioScarance Fernandes, “a incorporação, nos ordenamentos, de modelos alternativos aos procedimentos comuns ou ordinários gera para as partes o direito a que, presentes os requisitos legais, sejam obrigatoriamente seguidos. (...) Em relação à extensão do procedimento, têm as partes direito aos atos e fases que formam o conjunto procedimental. Em síntese, têm direito à integralidade do procedimento.”[49]

Ademais, “o procedimento pode ser visto como as regras de um jogo, que devem ser obedecidas para que seja legítima a competição. O cumprimento dos atos e fases procedimentais se impõe tanto ao Juiz quanto às partes e a todos os sujeitos que participarem do processo, isso porque o procedimento é integral. Além disso, prevendo a lei um procedimento específico para determinada relação de Direito Material controvertida, não cabe ao Juiz dispensá-la, impondo-se sua observância, em respeito ao devido processo legal. Justifica-se isso em virtude de os atos previstos na cadeia procedimental serem adequados à tutela de determinadas situações, daí serem imprescindíveis, ou seja, o procedimento ostenta uma tipicidade.”[50]

A propósito, mutatis mutandis, veja um trecho do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2:

“(...) Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional - consoante adverte CASTRO NUNES (“Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 641/650, 1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça[51], tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República.(...) Vê-se, portanto, que são inconfundíveis – porque inassimiláveis tais situações - a possibilidade de interpretação, sempre legítima, pelo Poder Judiciário, das normas constitucionais que lhe definem a competência e a impossibilidade de o Congresso Nacional, mediante legislação simplesmente ordinária, ainda que editada a pretexto de interpretar a Constituição, ampliar, restringir ou modificar a esfera de atribuições jurisdicionais originárias desta Suprema Corte, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça estaduais[52], por tratar-se de matéria posta sob reserva absoluta de Constituição. (...) Em suma, Senhora Presidente, o Congresso Nacional não pode - simplesmente porque não dispõe, constitucionalmente, dessa prerrogativa – ampliar (tanto quanto reduzir ou modificar), mediante legislação comum, a esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados[53]. (...) O ponto está em que às leis ordinárias não é dado impor uma dada interpretação da Constituição. De tudo resulta que a lei ordinária que se limite a pretender impor determinada inteligência da Constituição é, só por isso, formalmente inconstitucional. (...) Coisa diversa, convém repisar, é a lei pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: aí, a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação de norma de hierarquia superior. (...) Daí a correta lição expendida pelo ilustre magistrado ANDRÉ GUSTAVO C. DE ANDRADE (“Revista de Direito Renovar”, vol. 24/78-79, set/dez 02), que também recusa, ao Poder Legislativo, a possibilidade de, mediante verdadeira “sentença legislativa”, explicitar, em texto de lei ordinária, o significado da Constituição.Diz esse ilustre autor: ´Na direção inversa – da harmonização do texto constitucional com a lei – haveria a denominada interpretação da Constituição conforme as leis, mencionada por Canotilho como método hermenêutico pelo qual o intérprete se valeria das normas infraconstitucionais para determinar o sentido dos textos constitucionais, principalmente daqueles que contivessem fórmulas imprecisas ou indeterminadas. Essa interpretação de mão trocada se justificaria pela maior proximidade da lei ordinária com a realidade e com os problemas concretos. O renomado constitucionalista português aponta várias críticas que a doutrina tece em relação a esse método hermenêutico, que engendra como que uma ‘legalidade da Constituição a sobrepor-se à constitucionalidade das leis’. Tal concepção leva ao paroxismo a idéia de que o legislador exercia uma preferência como concretizador da Constituição. Todavia, o legislador, como destinatário e concretizador da Constituição, não tem o poder de fixar a interpretação ‘correta’ do texto constitucional. Com efeito, uma lei ordinária interpretativa não tem força jurídica para impor um sentido ao texto constitucional, razão pela qual deve ser reconhecida como inconstitucional quando contiver uma interpretação que entre em testilha com este.”

Diante do exposto, este dispositivo da nova lei não deve ser aplicado pelo Juiz, pois, como se sabe, o controle de constitucionalidade judiciário no Brasil tem o caráter difuso[54], podendo “perante qualquer juiz ser levantada a alegação de inconstitucionalidade e qualquer magistrado pode reconhecer essa inconstitucionalidade e em conseqüência deixar de aplicar o ato inquinado”, na lição do constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.[55]No Superior Tribunal de Justiça já se decidiu que “o controle jurisdicional da constitucionalidade, no regime da constituição vigente, pode ser exercitado via de defesa (difuso), incidentur tantum, por todos os juízes, com efeitos inter partes.” (STJ, 1ª. T., ROMS nº. 746/RJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Diário da Justiça, Seção I, 05/10/93, p. 22.451. RSTJ 63/137).

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O Supremo Tribunal Federal mais uma vez repete o erro sobre a Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3880, 14 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26716. Acesso em: 23 dez. 2024.

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