Alguns autores costumam distinguir o princípio da razoabilidade do princípio da proporcionalidade, segundo o qual os meios empregados devem ser proporcionais aos fins visados. Outros entendem que existe um único princípio conhecido como o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Aderimos a essa última corrente doutrinária. Não há que se falar em razoabilidade sem considerar a noção de proporcionalidade. De fato, o princípio da razoabilidade não permite, por exemplo, que a polícia empregue a sua força além do necessário para manter a ordem pública. Deve haver uma proporção entre os distúrbios provocados por um grupo de radicais em sua reivindicação popular e a ação da polícia para reprimir essas manifestações que descambam para a violência. Deve-se buscar o máximo de eficácia com o mínimo de restrição. Esse princípio pode ser, portanto, expresso simplesmente como princípio da razoabilidade que é sinônimo de principio da razoabilidade e proporcionalidade.
Costuma-se dizer, também, que esse princípio é dotado de pouca densidade jurídica. Talvez essa colocação doutrinária resulte do fato de ele não estar expresso na Constituição Federal, apesar de prescrito no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Ora, nem todos os princípios estão expressos na Carta Magna. Existem alguns deles que estão implícitos na Constituição e nem por isso devem ser considerados inferiores ou menos importantes do que aqueles expressos. O princípio da razoabilidade é um deles. Apesar de não expresso na Carta Magna esse princípio é de capital importância para a vida do direito à medida que limita a própria ação do legislador. Uma lei pode ser perfeita do ponto de vista formal. Porém, ainda que tenha obedecido a regra da competência legislativa e tenha respeitado o processo legislativo, ambos prescritos na Constituição, a lei será inconstitucional se ela atentar contra o princípio da razoabilidade. Não é razoável, por exemplo, uma lei que concede o direito com a mão direita, enquanto que com a mão esquerda retira aquele direito. Da mesma forma não será razoável uma lei que a pretexto de beneficiar um determinado segmento social impõe um sacrifício desmesurado aos demais segmentos da sociedade. Essas leis, por atentatórias ao princípio da razoabilidade são inconstitucionais.
Se examinarmos as legislações tributárias no âmbito nacional veremos que a maioria esmagadora delas ferem o princípio da razoabilidade quando criam hipóteses de multas pecuniárias exorbitantes que se distanciam de sua finalidade repressiva.
Reconhecemos o direito de punir do Estado para desencorajar a ação dos sonegadores de tributos, indispensáveis à vida do ente político tributante. Só que deve haver uma proporção entre a multa cominada e a infração praticada pelo contribuinte. Sabemos que a multa pecuniária quando aplicada converte-se em obrigação principal. Porém, não se pode perder de vista que originariamente a obrigação principal é o tributo propriamente dito, classificado como receita pública destinada a realização, em última análise, do bem comum. O Estado é dotado de poder soberano para retirar parcela da riqueza produzida pelos particulares para prover os seus fins. E o Estado não deve retirar mais riquezas do que o necessário para o cumprimento de suas finalidades que estão expressas no programa de governo, por sua vez, refletivo na Lei Orçamentária Anual. Por isso, o Orçamento Anual, que resulta da aprovação da sociedade por meio de seus representantes, deve ser cumprido na íntegra, pois reflete o direcionamento das despesas públicas a serem feitas com as receitas públicas extraídas da sociedade. E aqui é que deve ser lembrado o princípio da razoabilidade. Não se deve promover transferências compulsórias do setor privado para o setor público, além do necessário à execução, em cada ano, do respectivo programa de governo. As sobras de recursos financeiros no final de cada exercício, quer por excesso de arrecadação, quer por desvios na execução orçamentária são atentatórios ao princípio da razoabilidade. De fato, no caso, de duas uma: ou foram arrecadados mais do que o necessário ao cumprimento da finalidade estatal, ou ocorreu desvio na execução orçamentária e o recurso não foi aplicado na execução de obras ou na prestação de serviços públicos contemplados na Lei Orçamentária Anual aprovada pelo Legislativo em nome da sociedade.
Outrossim, as multas tributárias exageradas desviam-se de sua finalidade repressiva para se afirmar como uma nova fonte de arrecadação tributária. O tributo não pode ser entendido como fonte para geração de rendas de capital. A maioria das legislações estaduais do ICMS, por exemplo, cominam multas pecuniárias tão elevadas no que se refere à infrações de natureza acessória que rendem muito mais do que as multas cominadas às hipóteses de não pagamento do imposto. Neste último caso, os percentuais de 15%, 20% ou 50% ou mais incidem sobre o valor do imposto não pago. Na primeira hipótese aqueles percentuais incidem sobre o valor das operações praticadas com infração de obrigações acessórias. Dependendo do montante das operações realizadas uma multa de 50% implicará no efeito confiscatório do tributo. Some-se a isso a valor das multas moratórias que crescem em progressões geométricas ao longo do tempo decorrido sem pagamento do imposto e demais encargos tributários. Essas multas poderão conduzir a empresa autuada à uma situação de insolvência. Ao risco empresarial inerente à exploração de atividade econômica soma-se, agora, o risco de natureza fiscal decorrente da nebulosidade das normas tributárias e da excessiva burocratização para o cumprimento das obrigações tributárias, que retiram dos agentes econômicos a necessária segurança jurídica. O desperdício de 2.600 horas anuais pelo empresário nacional para cumprir as suas obrigações tributárias concorreu para o rebaixamento do Brasil para 56ª posição no ranking de competitividade mundial durante o Fórum de Desenvolvimento Econômico Mundial realizado em Davos no mês de Setembro de 2013, com a participação de 148 Países. Entre os Países do Brics o Brasil perdeu para a África do Sul. E entre os Países latino-americanos perdeu para o México.
Tudo isso deve ser analisado à luz do princípio da razoabilidade. O Estado, que já detém o poder de instituir impostos privativos enumerados na Constituição, não pode criar novos impostos disfarçados em multas pecuniárias que rendem mais que a arrecadação do próprio imposto. Não é razoável a instituição de um tributo para gerar receitas de capital, ou fazendo às vezes de uma receita de capital.
Ultimamente o Supremo Tribunal Federal vem se debruçando sobre a definição do limite de imposição de multas pecuniárias pelo fisco à luz do princípio da razoabilidade.
Elucidativo é a ementa do Acórdão a seguir transcrita:
“Ementa: Recurso Extraordinário – Alegada violação ao preceito inscrito no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal – Caráter supostamente confiscatório da multa tributária cominada em lei – Considerações em torno da proibição constitucional de confiscatoriedade do tributo – Cláusula vedatória que traduz limitação material ao exercício da competência tributária e que também se estende às multas de natureza fiscal – Precedentes – Indeterminação conceitual da noção de efeito confiscatório – Doutrina – Percentual de 25% sobre o valor da operação – “Quantum da multa tributária que ultrapassa, no caso, o valor do débito principal – Efeito confiscatório configurado – Ofensa às cláusulas constitucionais que impõem ao poder público o dever de proteção à propriedade privada, de respeito à liberdade econômica e profissional e de observância do critério da razoabilidade – Agravo improvido” (Ag. Reg. No RE n. 754554/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 28-11-2013).
Esse Acórdão representa uma luz no final do túnel para combater as legislações truculentas que transformaram a multa em um imposto novo, que tem como fato gerador a infração de natureza tributária praticada pelo contribuinte. O Acórdão em questão sinaliza que não pode haver multa que equivalha ao próprio valor do imposto, devendo representar apenas um percentual do imposto devido.
Cabe à doutrina e à jurisprudência precisar o percentual razoável incidente sobre o valor do imposto devido. Na nossa opinião nenhuma multa pecuniária deveria ultrapassar de 20% do imposto devido. Mas, esse é um tema de difícil precisão a exemplo do nível de imposição tributária que se insere no âmbito da política tributária. Porém, uma coisa é certa: tanto o nível de imposição tributária, já saturada, como a quantidade de multa pecuniária cominada pelas diferentes legislações devem se conter nos limites do princípio da razoabilidade.