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Análise da violência doméstica e familiar contra a mulher no contexto da aplicação da Lei Maria da Penha

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Agenda 19/03/2014 às 12:12

2. A relevância da Lei Maria da Penha

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui afronta aos direitos humanos e é um dos problemas mais graves que assolam a sociedade brasileira. Para enfrentá-lo, é de suma importância a união de esforços por parte dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário). Com esse intuito, em 2006, foi criada a Lei nº 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, que surgiu como uma eficaz ferramenta de proteção às mulheres, tendo em vista que estabelece maiores efetividade e rigidez na pena dos agressores, além de incentivar o debate público visando a conscientizar a sociedade no sentido de intensificar a luta contra esse tipo de violência.

Segundo o caput e o inciso I do art. 5º da Constituição Federal de 1988,

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (BRASIL, 1996).

Alegar que a Lei Maria da Penha é inconstitucional argumentando que ela fere o princípio da isonomia é um grande equívoco. Pelo contrário, a citada lei está de acordo com o referido princípio. Tal como ensinava Aristóteles, a igualdade não consiste em tratar igualmente todas as pessoas, e sim em tratar, de forma igual, os iguais e, de maneira desigual, os diferentes na medida da sua desigualdade, por exemplo, o caso da prioridade em filas: o tratamento reservado a um idoso ou a uma gestante não deve ser o mesmo reservado a um jovem, tendo em vista que o idoso e a gestante encontram-se submetidos a circunstâncias desfavoráveis em comparação ao jovem, o qual, ao contrário dos outros dois indivíduos, tem mais vigor, condições físicas favoráveis a suportar mais tempo esperando em filas.

Da mesma forma, no tocante à violência doméstica e familiar, deve-se dar prioridade à mulher, já que ela se encontra em situação desfavorável em relação ao homem: as heranças do patriarcalismo ainda se fazem bastante presentes, na sociedade atual, na forma das desigualdades culturais entre homens e mulheres, da discriminatória ideia da submissão da mulher ao homem, do preconceito em relação à própria capacidade da mulher, que é tida como o “sexo frágil”. É senso comum que, via de regra, a força física masculina é maior do que a feminina. Tendo isso em mente, muitos homens ainda hoje, de forma bastante covarde, apelam para a agressão física contra a mulher.

A cartilha “Projeto Transformação: Lei Maria da Penha” destaca inovações trazidas pela lei 11.340/06:

·                    Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher.

·                    Estabelece as formas de violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

·                    Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual.

·                    Determina que a mulher somente poderá retirar a denúncia perante o juiz.

·                    Ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas).

·                    É vedada a entrega da intimação pela mulher ao agressor.

·                    A mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais, em especial quando do ingresso e saída da prisão do agressor.

·                    A mulher deverá estar acompanhada de advogado (a) ou defensor (a) em todos os atos processuais.

·                    Retira dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher.

·                    Altera o código de processo penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher.

·                    Altera a lei de execuções penais para permitir o juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

·                    Determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher.

·                    Caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em 1/3. (PIAUÍ, 2010).

A respeito da autoridade policial, a citada cartilha aponta que a Lei Maria da Penha:

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·                    Prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher.

·                    Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher.

·                    Registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais).

·                    Remete o inquérito policial ao Ministério Público.

·                    Pode requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência.

·                    Solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva com base na nova lei que altera o código de processo penal. (PIAUÍ, 2010).

Sobre o processo judicial dos casos em questão, a referida cartilha informa:

·                    O juiz poderá conceder, no prazo de 48h, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras), dependendo da situação.

·                    O juiz do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos etc.).

·                    O Ministério Público apresentará denúncia ao juiz e poderá propor penas de 3 meses a 3 anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final. (PIAUÍ, 2010).

Na prática, o que se percebe é que, dentre todas as contribuições trazidas pela Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência constituem o carro-chefe do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. A rapidez com que são concedidas essas medidas é fundamental para que haja a interrupção imediata das agressões. Segundo o art. 19 dessa lei,

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público.

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. (BRASIL, 2006).

O quadro de medidas protetivas de urgência apresentado, na Lei Maria da Penha, não é taxativo, e sim exemplificativo. O art. 22 da lei trata das medidas que obrigam o agressor e destaca: a suspensão da posse ou a restrição do porte de armas; o banimento do lar, da residência ou do lugar de convivência com a vítima; o afastamento do agressor e/ou o impedimento de qualquer tipo de contato com a agredida, os familiares dela e as testemunhas; a proibição de frequentar certos ambientes, com o intuito de resguardar a integridade física e psicológica da vítima; a limitação ou a interrupção de visitas aos dependentes crianças ou adolescentes; a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. É importante ressaltar a importância da determinação pelo juiz do tratamento antidrogas como uma medida protetiva ou como um requisito para a liberdade provisória.

O art. 23 da lei aborda as medidas protetivas quanto à ofendida e traz como exemplos: direcionar a agredida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de amparo e de atendimento; estipular o redirecionamento da vítima e de seus dependentes à respectiva residência, após o distanciamento do agressor; definir o afastamento da vítima do lar, sem custo quanto aos direitos referentes a bens, guarda dos filhos e alimentos; estipular a separação de corpos.

Já o art. 24 da lei trata das medidas protetivas para o resguardo patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou dos que são de propriedade particular da ofendida e exemplifica: retornar os bens subtraídos da vítima, de forma indevida, pelo agressor; o impedimento temporário de atos e contratos de compra, venda e locação de bem em comum; a interrupção das procurações conferidas pela agredida ao agressor; prestação de caução provisória, por meio de depósito judicial, por conta de perdas e danos em virtude da prática da violência doméstica e familiar contra a mulher.

É necessário ressaltar que a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas fica a cargo da ofendida. Caso o agressor não obedeça às medidas, ela deve peticionar informando o descumprimento utilizando como meios probatórios, por exemplo, um novo boletim de ocorrência, exame de corpo delito, outros exames periciais, depoimentos de pessoas que comprovem o descumprimento (o próprio testemunho da mulher apresenta importância significativa até porque, como a violência se dá, principalmente, na própria residência ou em outro ambiente familiar, a vítima pode ser a única testemunha). Dependendo do caso concreto, o juiz pode determinar, além de novas medidas protetivas (inclusive, a qualquer instante, o juiz pode requerer auxílio da força da polícia para garantir a efetividade das medidas protetivas), a prisão preventiva do agressor.

Outra contribuição da Lei nº 11.340 é o auxílio da equipe de atendimento multidisciplinar (composta por profissionais dos âmbitos psicossocial, jurídico e de saúde) a Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Outra vantagem da lei é a criação de casas-abrigos e de centros que prestem assistência integral e multidisciplinar para mulheres vítimas e seus dependentes menores, além de centros de educação e reabilitação para os praticantes da violência. As casas-abrigos servem como um refúgio à mulher vítima de agressão doméstica e familiar (principalmente às ofendidas que se enquadram em casos mais graves de violência). Visando à própria proteção da mulher, o endereço das casas-abrigos é confidencial e, por isso, há uma série de dificuldades para as mulheres que se encontram nesses refúgios, por exemplo, de se comunicarem com seus outros parentes. Ironicamente a vítima que vai para a casa-abrigo acaba ficando “presa” para se proteger (por conta das circunstâncias, as vítimas que são conduzidas para esse refúgio acabam tendo, na prática, seu direito de ir e vir limitado), enquanto o agressor, muitas vezes, não é preso e acaba tendo mais liberdade de locomoção do que a ofendida.

Além disso, a Lei Maria da Penha determina que o governo deve realizar políticas públicas voltadas para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, assim, proteger os direitos humanos das mulheres, na esfera das relações domésticas e familiares, com o intuito de protegê-las de qualquer forma de negligência, preconceito, abuso, opressão, violência e crueldade.

Sobre a autora
Gabriela dos Santos Barros

Procuradora do Estado do Tocantins, discente do Mestrado Profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense, aluna da Pós-Graduação em Direito Administrativo do Curso Fórum 2020/2021 e Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Gabriela Santos. Análise da violência doméstica e familiar contra a mulher no contexto da aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3913, 19 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27009. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Orientadora: Maria Sueli Rodrigues de Sousa, Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB. Artigo originalmente publicado na Revista Âmbito Jurídico, v. XV, p. 44-56, 2012. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-105/analise-da-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher-no-contexto-da-aplicacao-da-lei-maria-da-penha/

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