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Fundamentos das sanções administrativas contratuais

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Agenda 27/03/2014 às 11:11

2. Fundamentos Normativos

Aqui, cumpre analisar o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de identificar os fundamentos normativos da prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares.    

De início, importa afastar da análise considerações a respeito da natureza jurídica e das subespécies dessas sanções, por se tratar de questões cujos pormenores ensejam trabalhos específicos.    

Assim, pois, resta identificar quais são os instrumentos normativos pertinentes, bem como definir os termos de sua eficácia jurídica.

2.1. Instrumentos normativos

Na CF, não há dispositivo que trate especificamente do tema objeto de estudo deste trabalho. A previsão normativa mais próxima diz respeito à obrigatoriedade de as contratações de obras, serviços, compras e alienações, pela Administração Pública, serem precedidas, em regra, por licitações públicas. Trata-se do inciso XXI do art. 37[57].

Um nível abaixo na pirâmide normativa, a Lei 8.666/1993[58] fundamenta todas as contratações decorrentes das modalidades de licitação que estabelece[59], e também as contratações decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios[60].

Já a Lei 10.520/2002 e o Decreto 5.450/2005[61] são instrumentos normativos que estabelecem o procedimento para a realização da específica modalidade de licitação que é o pregão, a primeira, e na forma eletrônica, o segundo. Todavia, enquanto a Lei 10.520/2002 fundamenta as contratações do que considera bens e serviços comuns[62] no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios[63], o Decreto 5.450/2005 o faz apenas no âmbito da União[64].

Desse modo, demonstra-se que existe um vínculo formal entre as subespécies de sanção administrativa contratual e as diversas modalidades de licitação. Assim sendo, na definição do instrumento normativo aplicável ao caso concreto, necessário perquirir qual a sanção cabível dentre as previstas para a modalidade de licitação de que decorre a contratação.   

2.2. Eficácia jurídica

Diante desse quadro, cumpre definir qual a abrangência dada pela legislação brasileira à eficácia do poder administrativo que fundamenta a aplicação das sanções administrativas contratuais.

Inicialmente, cabe referência à força normativa dos fundamentos desse poder administrativo específico. Como visto, a prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares decorre de imposição constitucional e infraconstitucional, e vigora desde o processo de licitação até à execução do contrato administrativo. Com efeito, ao impor observância aos princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, e condicionar as contratações, em regra, à prévia realização de licitações, a CF estabelece que os particulares, ao negociarem com a Administração Pública, participando de licitações e firmando contratos administrativos, submetem-se a condições especiais, inexistentes nos negócios jurídicos estipulados por dois particulares. É dizer, pois, que, no universo dos contratos administrativos, os particulares estão sujeitos à aplicação de determinadas sanções por força de lei, da moral e da eficiência administrativas, e conforme especificado nos instrumentos normativo (lei, decreto etc.), licitatório (edital, termo de referência, projeto básico ou equivalente) e contratual próprios.

Avançando na análise, convém lembrar quais são os limites das normas que fundamentam o poder administrativo em questão. Do ponto de vista temporal, tais limites remontam à edição dos instrumentos normativos pertinentes, isto é: da Lei 8.666/1993, no tocante às contratações decorrentes das modalidades de licitação concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, e também às contratações decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação; do Decreto 3.555/2000[65] e da Lei 10.520/2002, relativamente às contratações decorrentes da modalidade de licitação pregão; do Decreto 5.450/2005, referente às contratações decorrentes de pregão na forma eletrônica; e, a cada ocasião, dos editais, termos de referência, projetos básicos ou equivalentes. Quanto ao aspecto territorial, os limites normativos desse poder administrativo coincidem com os âmbitos de abrangência dos respectivos instrumentos normativos: é nacional, quando fundamentado pela Lei 8.666/1993 ou pela Lei 10.520/2002; federal, quando o é pelo Decreto 3.555/2000 ou pelo Decreto 5.450/2005, ou por instrumento convocatório de entidade ou órgão da União, dentro dos limites territoriais de sua competência, e conforme nele definido; estadual, distrital ou municipal, quando existir legislação própria e de acordo com o instrumento convocatório da respectiva entidade ou órgão estadual, distrital ou municipal.

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Observação importante a fazer diz respeito ao âmbito subjetivo dessas normas. Quanto à extensão, por fundamentar negócios jurídicos, tem abrangência inter partes: Administração Pública (entidade ou órgão de per se) e particular (empresa ou profissional). No que se refere à legitimidade, são titulares da relação, de um lado, a autoridade máxima da entidade ou órgão, não na qualidade de seu representante, mas na de presentante da Administração Pública como um todo; do outro lado, a empresa[66] ou o profissional.

Neste passo, oportuno fazer referência aos possíveis efeitos jurídicos dos instrumentos normativos mencionados. São proibitivos, na medida em que tais instrumentos, a título de hipótese normativa, proíbem certos comportamentos dos particulares contratados, e, como consequência jurídica, preveem a aplicação de penalidades pela Administração Pública. São, também, não-retroativos, uma vez que incidem apenas sobre a relação negocial, desde o início da licitação até a execução do contrato administrativo. São, ainda, parciais, quando se restringirem ao âmbito de incidência estadual, distrital ou municipal, ou total, quando tiverem abrangência nacional. São, por fim, concretos, ou inter partes, visto que se impõem em face de indivíduos determinados, e não podem incidir sobre situações subjetivas que extrapolem a relação existente entre eles; e constitutivos, uma vez que estabelecem uma nova relação jurídica, na qual o particular contratado figura como devedor de uma obrigação de dar (pagar determinado valor a título de multa) e/ou resta obrigado a não-fazer (não participar de licitações e não celebrar contratos administrativos, por exemplo), enquanto a Administração Pública figura como credor (do valor da multa) e/ou fica autorizada a não permitir (a participação em licitações e a celebração de contratos administrativos).


Considerações Finais

Ao final deste trabalho, em que se procurou verificar evidências acerca do fundamento jurídico das sanções administrativas contratuais, conclui-se o seguinte:

  1. O poder sancionador assemelha-se tanto ao poder disciplinar, quanto ao poder de polícia administrativa, mas a eles não se confunde, e sim constitui um tertium genus.
  2. Os poderes disciplinar, de polícia administrativa e sancionador compartilham as características gerais, porém algumas características são específicas, isto é, esses poderes administrativos têm em comum as características da discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, quanto ao objeto e aos limites; no entanto, cada um em sua esfera específica.
  3. Tanto o poder disciplinar quanto o poder de polícia administrativa, na qualidade de fundamentos jurídicos teóricos de determinadas sanções administrativas, podem ser designados, em certa medida, como poderes sancionadores; como os dois primeiros não possuem apenas esse aspecto, e o último sim, justifica-se denominar a este de poder sancionador por excelência, uma vez que fundamentar a aplicação de sanções é seu único aspecto.
  4. É possível utilizar a expressão poder sancionador para designar o aspecto dos poderes administrativos que tem a ver, diretamente, com a técnica de ordenação sancionatória, cabendo falar, então, num poder sancionador disciplinar, de polícia administrativa, contratual etc., de modo que o que aqui se chama de poder sancionador não seria um poder administrativo autônomo, mas um atributo dos diversos poderes administrativos, como o é a discricionariedade.
  5. São duas as características específicas do chamado poder sancionador: manifesta-se em cláusula exorbitante específica, necessária em todo contrato administrativo, e em consequência de inexecução contratual, parcial ou total, culposa ou não; tais características podem ser assim enunciadas: a) a Administração Pública, enquanto contratante, tem o poder de estabelecer, em instrumentos convocatórios e contratuais, cláusula em que constem penalidades aplicáveis ao particular contratado, a fim de coibir ou repreender o comportamento anticontratual por parte deste, expresso em condutas que representem a execução intempestiva, a inexecução parcial ou total de suas obrigações; b) a execução intempestiva ou a inexecução, parcial ou total, culposa ou não, enseja a aplicação de determinadas sanções administrativas, previstas nos arts. 86 a 88 da Lei 8.666/1993, 7º da Lei 10.520/2002 e 28 do Decreto 5.450/2005, as quais devem ser devidamente tipificadas nos instrumentos convocatório e/ou contratual pertinentes, no sentido de que, para cada hipótese de descumprimento de obrigação contratual corresponda a devida penalidade, de natureza pecuniária ou restritiva de direito.
  6. No ordenamento jurídico brasileiro, existe um vínculo formal entre as subespécies de sanção administrativa contratual e as diversas modalidades de licitação, de modo que, na definição do instrumento normativo aplicável ao caso concreto, necessário perquirir qual a sanção cabível dentre as previstas para a modalidade de licitação de que decorre a contratação.
  7. A prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais decorre de imposição constitucional e infraconstitucional, e vigora desde o processo de licitação até a execução do contrato administrativo, o que significa que os particulares contratados estão sujeitos à aplicação de determinadas sanções por força de lei, da moral e da eficiência administrativas, e conforme especificado nos instrumentos normativo (lei, decreto etc.), licitatório (edital, termo de referência, projeto básico ou equivalente) e contratual próprios.
  8. A eficácia jurídica dos instrumentos normativos que fundamentam a prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares contratados pode ser assim definida: a) quanto ao limite temporal, remonta à edição (publicação); b) quanto ao limite territorial, pode ser nacional (Leis 8.666/1993 e 10.520/2002), federal (Decretos 3.555/2000 e 5.450/2005 e instrumento convocatório de entidade ou órgão da União, dentro dos limites territoriais de sua competência, e conforme nele definido), estadual, distrital ou municipal (quando existir legislação própria e de acordo com o instrumento convocatório da respectiva entidade ou órgão estadual, distrital ou municipal); c) quanto à extensão subjetiva, tem abrangência inter partes: Administração Pública (entidade ou órgão de per se) e particular (empresa ou profissional); d) quanto à legitimidade, estabelece a relação entre a autoridade máxima da entidade ou órgão, na qualidade de presentante da Administração Pública como um todo, e a empresa ou o profissional; e e) quanto aos efeitos jurídicos, podem ser: e.1) proibitivos, por proibirem certos comportamentos, e, consequentemente, preverem a aplicação de penalidades; e.2) não-retroativos, pois incidem apenas sobre a relação negocial; e.3) parciais, quando se restringirem ao âmbito de incidência federal (apenas), estadual, distrital ou municipal, ou e.4) total, quando tiverem abrangência nacional; e.5) concretos, ou inter partes, porque se impõem em face de indivíduos determinados, e não podem incidir sobre situações subjetivas que extrapolem a relação existente entre eles; e e.6) constitutivos, por estabelecerem uma nova relação jurídica, na qual o particular contratado figura como devedor de uma obrigação de dar (pagar determinado valor a título de multa) e/ou resta obrigado a não-fazer (não participar de licitações e não celebrar contratos administrativos, por exemplo), enquanto a Administração Pública figura como credor (do valor da multa) e/ou fica autorizada a não permitir (a participação em licitações e a celebração de contratos administrativos).

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Sobre o autor
Hermano de Oliveira Santos

Doutor em Direito, Professor de Direito, Servidor da Justiça Eleitoral, tem experiência em Direito Administrativo, Constitucional e Eleitoral e Administração Pública e interesse nas relações entre Direito e Política, com ênfase em análise de discurso crítica de situações de abuso de poder. Currículo: http://lattes.cnpq.br/8900052310138642. E-mail: hermanodeoliveirasantos@gmail.com.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Hermano Oliveira. Fundamentos das sanções administrativas contratuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3921, 27 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27116. Acesso em: 22 dez. 2024.

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