Capítulo 3-A EMENDA CONSTITUCIONAL DO DIVÓRCIO
3.1. A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL
A modificação do artigo 226, § 6º da Constituição Federal partiu de iniciativa de juristas do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, sendo adotada em um primeiro momento pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia, através da PEC 413/2005, e posteriormente reapresentada pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro por meio da PEC 33/2007[164].
Extrai-se da obra de Gagliano e Pamplona Filho, trecho da justificativa apresentada pelo legislador Deputado Sérgio Barradas Carneiro, com redação similar a do Deputado Antônio Carlos Biscaia, no momento da apresentação das propostas:
Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosas ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis[165].
Desta forma, da breve análise das argumentações, percebe-se que ambas as propostas tinham por objetivo facilitar o procedimento de dissolução do casamento, bem como tornar mais brando os reflexos de tal ato no seio familiar. Neste ínterim, as duas Propostas possuíam redação idêntica, as quais propunham que a redação do art. 226, § 6º da Constituição Federal fosse de tal forma: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei[166].
Gagliano e Pamplona Filho destacam as duas modificações de impacto constatadas na proposta de nova redação constitucional:
1ª) fim da separação judicial (de forma que a única medida juridicamente possível para o descasamento seria o divórcio);
2º) extinção do prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial (eis que não há mais referência à separação de fato do casal)[167].
Posteriormente, segundo Silva, as propostas de nº 413/2005 e 33/2007 foram apensadas a uma terceira proposta semelhante do ano de 1999, passando, então, a seguirem conjuntas sob o nº 28/2009, entretanto, com a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio[168]”.
Nota-se, desta maneira, que se excluiu a expressão “consensual ou litigioso”, de forma correta na opinião de Sant’Anna, pois “cabe a legislação complementar e ordinária determinar as formas para o atendimento e aplicabilidade do texto constitucional[169]”.
Ademais, também foi retirada a expressão “na forma da lei”, o que ainda na opinião de Sant’Anna “poder-se-á entender que o divórcio puro e simples passa a ser válido no país sem necessidade de qualquer regulamentação[170]”.
Sobre a supressão da expressão “na forma da lei”, prelecionam Gagliano e Pamplona Filho:
Caso fosse aprovada em sua redação original, correríamos o sério risco de minimizar a mudança pretendida ou, o que é pior, torná-la sem efeito, pelo demasiado espaço de liberdade legislativa que a jurisprudência poderia reconhecer estar contida na suprimida expressão.
Vale dizer, aprovar uma Emenda simplificadora do divórcio com o adendo “na forma da lei” poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional, permitindo interpretações equivocadas e retrógradas, justamente o que a Emenda quer impedir[171].
Assim, nestes exatos termos, a Proposta de Emenda Constitucional 28/2009 foi submetida à Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, ocasião em que recebeu parecer favorável em pronunciamento do Senador Demóstenes Torres[172].
Entretanto, em que pese o reclamo da sociedade brasileira pela desburocratização do divórcio e do parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, diversas foram as críticas feitas em desfavor da Emenda, merecendo destaque a manifestação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que se pronunciou em nome da Igreja Católica e de seus seguidores por meio do presidente da entidade Dom Geraldo Lyrio Rocha:
É fundamental que se considere que o divórcio que demora entre quatro e vinte minutos, banaliza a família, fomenta a irresponsabilidade, promove a facilidade e não deixa espaço à ponderação.
Cabe ao Estado proteger a família estável fundada no matrimônio, não por razões religiosas, mas porque ela gera relações decisivas de amor gratuito, cooperação, solidariedade, serviço recíproco e é fonte de virtudes para uma convivência honesta e justa.
Por fim, diante da Proposta de Emenda à Constituição, número 28 de 2009, a CNBB reafirma sua inabalável posição a favor da indissolubilidade do matrimônio e da família e a necessidade incondicional da proteção à família que a Constituição Federal promete no caput do mesmo artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Desta forma, a CNBB expressa sua preocupação em favor da família e reafirma sua posição contrária à essa Proposta de Emenda à Constituição[173].
Superadas as críticas e obstáculos impostos, foi aprovada em 14 de julho de 2010 a Emenda Constitucional nº 66, que deu nova redação ao art. 226, § 6º da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 anos.
3.2. OBJETIVO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66
O objetivo precípuo do legislador brasileiro ao aprovar a Emenda Constitucional do Divórcio foi desburocratizar o procedimento de dissolução do casamento, excluindo irrelevantes distinções entre vínculo e sociedade conjugal.
Para tanto, tomou duas medidas: a extinção da separação judicial e a extinção da exigência de prazo de separação de fato, pontos a serem analisados a seguir separadamente.
3.2.1. A extinção do requisito temporal
A primeira grande mudança introduzida com a Emenda Constitucional nº 66 foi a supressão dos prazos de dois anos de separação de fato e um ano de separação judicial para a decretação do divórcio. Desta forma, desnecessária a demonstração de qualquer ruptura na vida em comum dos cônjuges.
Assim, Gagliano e Pamplona Filho aduzem que:
O divórcio passa a caracterizar-se, portanto, como um simples direito potestativo a ser exercido por qualquer dos cônjuges, independendo da fluência de prazo de separação de fato ou de qualquer outra circunstância indicativa da falência da vida em comum[174].
Neste ínterim, os cônjuges podem requerer o divórcio a qualquer tempo, seja no dia seguinte ao casamento ou depois de passados anos da união, não sendo necessária a comprovação de causa específica ou prazo determinado. Percebe-se desta forma, que o único requisito levado em consideração neste momento é de caráter subjetivo e sua análise cabe somente aos casados, qual seja: a falta de amor.
Silva, também considera a supressão do lapso temporal como um avanço da legislação brasileira, pois em suas palavras:
Por óbvio, o lapso temporal como requisito essencial do divórcio desaparece, por ser ônus desnecessário e porque já era incoerente com a possibilidade de constituição de união estável na separação de fato, como já dispunha o Código Civil de 2002 em seu art. 1.723, § 1º[175].
No entanto, as opiniões não são unânimes, havendo quem questione a falta de interesse do Estado na manutenção da família, pois não mais impõe um período mínimo de reflexão ao casal, não se poderia amadurecer a ideia do término definitivo.
Neste tocante, também de acerto o ensinamento de Gagliano e Pamplona Filho, que destacam a autonomia privada do casal nas relações pessoais que não dizem respeito ao círculo de intervenção do Estado:
Em nosso sentir, é correta a solução da Emenda, pois, como dito, a decisão do divórcio insere-se em uma seara personalíssima, de penetração vedada por parte do Estado, ao qual não cabe determinar tempo algum de reflexão.
Se o próprio casal resolve, no dizer comum, “dar um tempo”, a opção é deles e deriva da sua autonomia privada[176].
Esta primeira alteração introduzida com a emenda em questão, apesar de severamente criticada pelos defensores fervorosos da família, não resultou em grandes divergências quanto a sua aplicação, pois por óbvio, permitiu a realização do divórcio direto, ou seja, sem a observância dos prazos antes estabelecidos. Ademais, cumpre salientar, que se tornou inútil a denominação “divórcio direto”, pois passou a ser o único admitido, não havendo mais a figura do divórcio indireto.
3.2.2. A extinção da separação no ordenamento jurídico brasileiro
Certamente, a maior dúvida surgida com o advento da Emenda Constitucional nº 66 foi no tocante à suposta extinção da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro. Não são poucos os argumentos proferidos por estudiosos da área que se posicionam de maneiras distintas.
A primeira corrente, que tem como maior defensora a desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias, sustenta que a separação judicial não encontra mais respaldo no texto constitucional e, consequentemente, todas as normas infraconstitucionais a respeito encontram-se revogadas tacitamente, pois:
Agora o sistema jurídico conta com uma única forma de dissolução do casamento: o divórcio. O instituto da separação simplesmente desapareceu. Ao ser excluído da Constituição Federal, foram derrogados todos os dispositivos da legislação infraconstitucional referentes ao tema. Não é necessário sequer expressamente revogá-los. Não é preciso nem regulamentar a mudança levada a efeito, pois não se trata de nenhuma novidade, eis que o divórcio já se encontra disciplinado[177].
No mesmo sentido, é o entendimento de Otoni:
Entretanto, sabemos que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 é suprema, razão pela qual, se encontra no grau mais elevado da hierarquia do ordenamento jurídico, não devendo as demais normas (infraconstitucionais) contradizê-las, Assim, o que constatamos é que se a nova ordem constitucional suprimiu o instituto da separação judicial com o intuito de tornar mais ágil e eficaz um processo de dissolução do matrimônio, não há razão para a sobrevivência da antiga forma de extinção do casamento[178].
Por sua vez, os ilustres doutrinadores Gagliano e Pamplona Filho também sustentam a extinção da separação judicial do ordenamento, entretanto, entendem não haver revogação tácita, mas sim, “inconstitucionalidade superveniente das normas legais ordinárias[179]”, como bem explicado:
Em síntese, com a nova disciplina normativa do divórcio, encetada pela Emenda Constitucional, perdem força jurídica as regras legais sobre separação judicial, instituto que passa a ser extinto do ordenamento brasileiro, seja pela revogação tácita (entendimento consolidado do STF), seja pela inconstitucionalidade superveniente com a perda da norma validante (entendimento que abraçamos, do ponto de vista teórico, embora os efeitos práticos sejam os mesmos) [180].
Desta forma, normas legais plenamente válidas e comumente aplicáveis, perdem o caráter de constitucionalidade no primeiro momento de vigência de norma alteradora da Constituição que disponha de redação incompatível com tal. Em outras palavras, ensina Pereira que “toda legislação infraconstitucional deve apresentar compatibilidade e nunca conflito com o texto constitucional[181]”.
Ainda, o mesmo autor explica que no caso em discussão, o conflito das normas legais ordinárias com o texto constitucional atua no campo da não recepção, pois “a interpretação das normas secundárias, ou seja, da legislação infraconstitucional, deve ser compatível com o comando da Carta Política[182]”.
Também, sustentando a tese de não recepção, Otoni invoca preceitos constitucionais básicos para fundamentar o desaparecimento da modalidade de dissolução da sociedade conjugal, pois bem:
Além do fenômeno da não recepção de uma norma infraconstitucional incompatível com a Lei Maior, deve-se levar em consideração que a Emenda Constitucional nº 66/2010 é norma de eficácia plena e com aplicabilidade direta, imediata e integral, ou seja, no momento em que a nova ordem constitucional entrou em vigor, passou a estar apta a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa inconstitucional[183].
Contrariamente a esta posição, está a corrente que aduz que a mera supressão de menção à separação judicial na Carta Magna não justifica a extinção do instituto, mas somente, faculta aos cônjuges a adoção do procedimento que melhor se adeque a situação de fato.
Filiada a esta posição minoritária, Silva destaca a necessidade de se atentar ao verbo “pode”, pois numa interpretação restrita não exclui a existência de outras formas de dissolução do casamento:
O sistema dissolutório da legislação ordinária está adaptado àquela mesma anterior de natureza conversiva. Daí surgem as dificuldades interpretativas que, se não forem devidamente superadas, acarretarão a inconstitucionalidade da EC n. 66/2010, porque colocam em risco os direitos fundamentais, baseados na proteção da dignidade da pessoa humana.
Versando sobre tal, Lôbo ensina que “esse entendimento somente poderia prosperar se arrancasse apenas da interpretação literal, desprezando-se as exigências de interpretação histórica, sistemática e teleológica da norma[184]”.
Corroborando esta posição, Tartuce afirma que:
(...) invoca-se o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição, pois no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição. Em conformidade com a CF/1988 não há mais sentido prático na manutenção da separação de direito, perdendo sustento constitucional as normas ordinárias que regulamentam o instituto[185].
Apesar de defender a permanência da separação de direito, Silva admite que a nova redação dada ao § 6º do artigo 226 da Constituição Federal é confusa, e “essas dificuldades poderiam ter sido evitadas se a emenda constitucional do divórcio sem prazo tivesse recebido outra redação, embora com o mesmo objetivo, levando em consideração a legislação vigente ou o direito posto[186]”.
Por sua vez, Barros levanta outra tese que sustenta a existência da separação de fato, notadamente na diferenciação de dissolução de sociedade e vínculo conjugal:
As razões justificadoras dessa linha de pensamento também estão inseridas no fato de que há diferença entre a dissolução da sociedade conjugal e a dissolução do casamento, e, como a Constituição Federal nada fala sobre a dissolução da sociedade conjugal seria possível a separação[187].
No sentido de manutenção da separação judicial, também já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. SUPERVENIÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66, DE 13.07.2010. INTIMAÇÃO DO AUTOR PARA QUE PROVIDENCIASSE A ADAPTAÇÃO DO PEDIDO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO. AUTOR QUE MANIFESTA O DESINTERESSE EM MODIFICAR O PEDIDO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA E DE INTERESSE PROCESSUAL, NOS TERMOS DO ART. 267, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO. MERA FACULDADE. SUBSISTÊNCIA DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. PRECEDENTE DA SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO CIVIL. SENTENÇA CASSADA. REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO PROVIDO[188].
Assim, em que pese o conhecer jurídico dos estudiosos do Direito de Família e do nobre julgador catarinense, percebe-se que a corrente defensora da extinção da separação de fato possui um maior número de argumentos consolidados, enquanto a opinião divergente pauta-se em uma justificativa meramente religiosa e moralista, o que no notório conhecimento de Dias “é para lá de absurda, pois vai de encontro ao significativo avanço levado a efeito: afastou a interferência estatal que, de modo injustificado, impunha que as pessoas se mantivessem casadas[189]”.
Neste ínterim, extrai-se da obra de Pereira que o “sistema dual para romper o vínculo legal do casamento, como já se disse, tem suas raízes e justificativas principalmente em uma moral religiosa[190]”, portanto, “não se justifica mais em um Estado laico manter esta duplicidade de tratamento legal[191]”.
Também se faz necessário analisar a realidade vivida pela sociedade brasileira, que nas últimas décadas desvinculou-se significativamente dos dogmas instituídos pela Igreja Católica. Assim, comumente encontrar casais seguidores da religião católica, mas que no momento da dissolução do casamento preferem o divórcio e possibilidade de contrair novas núpcias, em detrimento da orientação religiosa.
In casu, até mesmo percebe-se um repúdio a indissolubilidade do casamento, principalmente em uma faixa etária mais nova, que cresceu em uma sociedade moldada na ideia de realização amorosa acima de imposições morais. Neste mesmo sentido é o ensinamento de Rabelo:
Entretanto, a evolução social e do direito demonstrou que esta realidade não mais ocorria. A autonomia da vontade proporcionou ao indivíduo o direito de não mais sustentar um relacionamento afetivo com interesse apenas na moral, religioso ou social, tendo em vista que geravam maiores despesas, desgastes emocionais, bem como contribuía para o abarrotamento do Judiciário com número excessivo de procedimentos desnecessários[192].
Desta maneira, percebe-se a importância de se ressaltar a autonomia dos cônjuges, pois estes conhecem as especificidades inerentes a cada grupo familiar e, mais do que o Estado, sabem aos limites e consequências advindas da forçosa manutenção de vínculos matrimoniais entre um casal que não mais deseja viver junto. Em um conceito mais apurado, Rabelo diz que “a evolução legislativa do ordenamento pátrio baseia-se no princípio da interferência mínima do Estado na autonomia privada, na intimidade e liberdade do indivíduo[193]”.
Assim, também preleciona Dias:
Parece que não atentam ao prevalente interesse das partes: a significativa economia de tempo, dinheiro e desgaste emocional não só dos cônjuges, mas principalmente de sua prole. E mais, não se pode desprezar a significativa redução do volume de processos no âmbito do Poder Judiciário, a permitir que juízes deem mais atenção ao invencível número de demandas que exigem rápidas soluções[194].
Ultrapassada a questão da dinâmica social existente atualmente, passa-se a análise do objetivo pelo qual foi editada a Emenda Constitucional nº 66, pois conforme Pereira “(...) é necessário considerar a pretensão do legislador e o “espírito das leis”, como dizia Monstesquieu[195]”.
Neste tocante, oportuno destacar novamente trechos da justificativa apresentada pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro na ocasião da apresentação da proposta de reforma constitucional:
Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. (...) A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis[196].
Da simples leitura, nota-se nitidamente o objetivo do legislador: extinguir a separação judicial, proporcionar um processo mais célere aos casais, além de desafogar o Poder Judiciário de processos redundantes que podem ser decididos de forma breve.
Por esta razão, conforme Tartuce deve-se entender o fim da separação de fato, pois o contrário não traria a eficácia pretendida no texto constitucional, como se extrai de sua obra:
Pois bem, como primeiro argumento pelo fim da separação de direito pode ser invocado o princípio da máxima efetividade ou da eficiência do texto constitucional, pelo qual, segundo Canotilho "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê[197]”.
Ainda:
É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais). Ora, manter-se a burocracia de exigência da prévia separação de direito, para o fim do casamento, com a concepção de um modelo bifásico (separação + divórcio), não traz a citada eficácia pretendida[198].
Após esta análise, percebe-se que a corrente mais aceita e melhor argumentada é a de que a Emenda Constitucional nº 66 não só excluiu os lapsos temporais, mas também extinguiu o instituto da separação, tornando o procedimento de dissolução do casamento e sem a intervenção inoportuna do Estado.
Resumidamente, Gagliano e Pamplona Filho refletem sobre o tema:
Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos[199].
Assim, não restam dúvidas quanto às consequência advindas com esta reforma, pois ao excluir a parte final do § 6º do artigo 226 da Constituição Federal o legislador tinha a clara intenção de tornar o divórcio, juntamente com a morte de um dos cônjuges, as únicas formas dissolutórias do casamento. A separação judicial é um instituto extinto e sua aplicação não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.
3.2.3. Legislação infraconstitucional revogada
Em que pese os diferentes entendimentos acerca das consequências decorrentes da Emenda Constitucional nº 66, verifica-se que a grande maioria dos estudiosos do assunto aceita a hipótese de extinção da separação judicial, e consequentemente, da revogação das normas infraconstitucionais atinentes.
No tocante à revogação de certos artigos, Gagliano e Pamplona Filho ensinam que:
A partir da promulgação da Emenda, desapareceu de nosso sistema o instituto da separação judicial, e toda legislação que regulava, por consequência, sucumbiu, sem eficácia, por conta de uma não recepção[200].
Desta forma, encontram-se revogados todos os artigos que tratam excepcionalmente do procedimento e das consequências da separação judicial que não contemplam interpretação extensiva.
Assim, extraem-se do artigo de Lôbo os artigos do Código Civil não recepcionados pela Constituição com a posterior emenda:
A nova redação do § 6º do art. 266 da Constituição importa revogação das seguintes normas do Código Civil, com efeitos ex nunc:
I - Caput do art. 1.571 (...), por indicar as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal sem dissolução do vínculo conjugal, única via que a nova redação tutela. Igualmente revogada está a segunda parte do § 2º desse artigo, que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte também não sobrevive.
II - Arts. 1.572 e 1.573, que regula as causas da separação judicial.
III – Arts. 1.574 a 1.576, que dispõem sobre os tipos e efeitos da separação judicial
IV –Art. 1.578, que estabelece a perda do direito cônjuge considerado culpado ao sobrenome do outro.
V – Arts. 1.580, que regulamenta o divórcio por conversão da separação judicial.
VI – Arts 1.702 e 1.704, que dispõem sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro, em razão de culpa pela separação judicial; para o divórcio, a matéria está suficiente e objetivamente regulada no art. 1.694[201].
Apesar de não citado por Lôbo no rol de artigos revogados, denota-se que o artigo 1.577 também não encontra mais respaldo legal, pois autoriza aos cônjuges restabelecer a qualquer tempo a sociedade conjugal, o que não é autorizado de forma alguma no divórcio. Entretanto, Gagliano e Pamplona Filho ressaltam uma exceção a esta regra, pois “as pessoas separadas judicialmente ao tempo da Emenda permanecerão nesses status civil até que pleiteiem o divórcio, independentemente do cômputo do prazo, que deixou de existir[202]”.
Ademais, também se entendem revogadas tacitamente do Código Civil todas as expressões “separação judicial” quando já houver disposição semelhante no tocante ao divórcio, como novamente aduz Lôbo[203].
Neste sentir, é valiosa a análise cuidadosa da legislação infraconstitucional, pois como não foi expressamente revogada ainda encontra-se nos textos de lei, entretanto, seu conteúdo restou prejudicado e não encontra respaldo legal no restante do ordenamento jurídico.
3.2.4. Legislação infraconstitucional recepcionada e recriada
A Emenda Constitucional nº 66 provocou inúmeras mudanças na legislação infraconstitucional, notadamente nos artigos referentes à dissolução do casamento inseridos no Código Civil.
Assim, em um primeiro momento, os defensores da extinção da separação judicial depararam-se com um vazio legislativo, pois escassa a normatização do divórcio. Entretanto, com uma análise mais apurada das leis ordinárias, percebeu-se a possibilidade de recepcionar totalmente ou parcialmente disposições referentes à separação com pontuais alterações. Neste sentido, leciona Dias:
A alusão feita em algumas normas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser atendida como referente à dissolução do vínculo conjugal, abrangendo o divórcio, a morte do cônjuge e a invalidade do casamento. Nessas hipóteses, é apropriada e até necessária a interpretação em conformidade com a Constituição, com a atual redação do § 6º do art. 226[204].
Assim, a título de exemplo, nos artigos 1.572; 1.573; 1.575 e 1.576 todos do Código Civil, onde se lê “separação judicial”, deve-se ler “divórcio”. Sobre a problemática, também é pertinente a lição de Lôbo:
Algumas normas do Código Civil permanecem, apesar de desprovida de sanção jurídica, que era remetida à separação judicial. É a hipótese do art. 1.566, que enuncia os deveres conjugais, ficando contido em sua matriz ética. A alusão feita em algumas normas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser entendida como referente à dissolução do vínculo conjugal, abrangente do divórcio, da morte do cônjuge e da invalidade do casamento. Nestas hipóteses, é apropriada e até necessária a interpretação em conformidade com a Constituição (nova redação do § 6º do art. 266). Exemplifique-se com a presunção legal do art. 1. 597, II, de concepção na constância do casamento do filho nascido nos trezentos dias subseqüente á ‘dissolução da sociedade conjugal’, que deve ser lida e interpretada como dissolução do vínculo conjugal. Do mesmo modo, o art. 1.721 quando estabelece que o bem de família não se extingue com a ‘dissolução da sociedade conjugal’[205].
Desta breve análise, verifica-se que as disposições do Código Civil interpretadas corretamente e combinadas com os artigos da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) são suficientes para a normatização dos procedimentos de dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio, não havendo que se falar em vazio legislativo.
3.3. O DIVÓRCIO SEM CULPA
A questão da culpa nos procedimentos de dissolução do casamento sempre gerou divergência entre os julgadores, pois tênue a linha que separava a vida privada do casal da necessidade de intervenção do Estado.
Muito antes da edição da Emenda Constitucional nº 66, diversos juristas não aplicavam às suas sentenças as consequências advindas da culpa, por entenderem não ser da seara do judiciário a análise das causas que acarretaram o fim do relacionamento.
Neste sentido afirma Otoni:
Antes da Emenda Constitucional nº 66/2010 entrar em vigor, a atribuição de culpa a um ou ambos os cônjuges na separação judicial sempre foi um tema bastante polêmico, devido ao fato da dificuldade de se averiguar quem é considerado culpado ou não diante de uma crise na relação conjugal[206].
Ainda, conforme Sartori citado por Gagliano e Pamplona Filho “Não pode o Estado exigir que os cônjuges discutam sua vida íntima em juízo num processo cujo fim é certo[207]”.
Assim, questiona-se até quando a vida privada do casal é de interesse do Estado, e se realmente em todos os casos de dissolução um dos cônjuges é culpado, pois aceitável, e até mesmo comum, o término do relacionamento pela falta (ou fim) do amor, como aduz Lima:
Imprescindível é apenas a verificação da ruptura do vínculo afetivo, o desamor. Daí decorrem as questões periféricas, mas sem menos importância, quais sejam, fixação dos alimentos a quem deles necessitar, da guarda dos filhos, do direito de visitação, do uso do nome e, finalmente, da partilha de bens (...)[208].
Com o fim da separação judicial decorrente da alteração constitucional, a problemática da decretação da culpa voltou aos fóruns de discussão, notadamente, na hipótese de se aplicar tal institutito nos procedimentos de divórcio.
A doutrina é quase unânime em apontar que a decretação da culpa não mais se aplica, por ser uma prática antiga e que somente atrasa os processos em andamento, devido a sua dificuldade de constatação, com aduz Simão citado por Sant’Anna:
Na realidade, deve-se esclarecer que quando da extinção do casamento por divórcio será inadmissível o debate de culpa. Sim, inadmissível o debate de culpa por ser algo que apenas gera uma injustificada demora processual em se colocar fim ao vínculo. O debate em torno da culpa impede a extinção célere do vínculo e sujeita, desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória mais lenta e sofrida[209].
No mesmo sentido extrai-se da obra de Dias que:
Com o fim da separação toda a teoria da culpa esvaiu-se, e não mais é possível trazer para o âmbito da justiça qualquer controvérsia sobre a postura dos cônjuges durante o casamento. Somente remanesce o instituto no âmbito da anulação do casamento[210].
Desta forma, não resta dúvida: extintos os lapsos temporais antes necessários para a decretação do divórcio, somente cabe ao Estado homologar a vontade do casal, não devendo adentrar nas entrelinhas que acarretaram em tal decisão, como bem lecionam Gagliano e Pamplona Filho:
Afirma-se, porém, desde já, que, como vimos, o único fundamento para a decretação do divórcio no Brasil passou a ser o fim do afeto, não se exigindo mais causa específica alguma ou tempo mínimo de separação de fato para deferimento do pedido[211].
À época da separação judicial, a decretação da culpa acarretava na posição do magistrado quanto a concessão de alimentos e guarda dos filhos ao cônjuge “inocente”, o que não deva mais prosperar, pois incoerente negar assistência básica a parte considerada culpada, conforme afirma Otoni:
Diante da irrelevância da constatação de quem é ou não culpado na relação conjugal, os alimentos se limitam apenas no trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade. Assim, o que constatamos é que não faz mais sentido considerar uma pessoa não merecedora de receber pensão alimentícia, partindo apenas de uma suposta culpabilidade[212].
Ademais, caso o casal persista na ideia de discutir a culpa, com o intuito de influenciar na partilha de bens ou na guarda dos filhos poderá o fazer, mas não no mesmo procedimento do divórcio, pois segundo Simão citado por Santana “(...) discuta-se a culpa, não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges[213]”.
Neste ínterim, percebe-se que a culpa em nada acrescentava nos processos de separação judicial, e da mesma forma seria no divórcio, pois somente cabe ao Estado tutelar os direitos das partes, e não intervir na vida privada, causando inúmeros constrangimentos publicamente.
3.4. ASPECTOS PROCESSUAIS
3.4.1. A ação de conversão
Aos separados judicialmente por mais de um ano e que desejavam se divorciar, o Código Civil previa como procedimento pertinente a ação de conversão, a qual, obviamente, convertia a separação em divórcio. Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 66, grande parte da doutrina de Direito de Família entende não haver mais o instituto da separação, e assim, restou uma incógnita: qual o procedimento correto para os já separados requerem o divórcio?
Na opinião de Sant’Anna “O pedido de divórcio por conversão deixou de existir[214]”, e para tanto “dever-se-á apenas requerer o divórcio (judicial ou extrajudicialmente), fazendo reproduzir, se assim o desejarem, todas as condições estipuladas na separação judicial[215]”.
Corroborando este entendimento aduz Rabelo “(...) teriam os mesmo que ajuizar ação de divórcio direito para conseguir o divórcio, uma vez que a conversão não mais recebe a tutela constitucional[216]”.
Assim, não mais se faz necessária a figura da ação de conversão, uma vez que perdeu seu objeto – a averiguação do lapso temporal de um ano -, de forma que um mero pedido de divórcio atende a finalidade do casal, como bem leciona Pereira:
Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda Constitucional nº 66/10, não poderá transformar mais tal separação em divórcio; se o quiser, terá que propor o divórcio direto. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do art. 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência. O sentido jurídico da manutenção da separação judicial era convertê-la em divórcio, repita-se[217].
Importante, ainda, destacar trecho da obra de Dias, em razão de seu vasto conhecimento da matéria:
Com o fim da separação, a ação de conversão em divórcio desapareceu, e, com ela, a exigência temporal de um ano para tal ocorrer (CC 1.580). Os separados judicialmente ou separados de corpos, por decisão judicial, podem pedir o divórcio sem aguardar o decurso de qualquer prazo[218].
Por fim, Pereira ressalta a ineficácia de se distinguir qual a medida mais adequada, pois “Caso queiram transformá-lo em estado civil de divorciado, poderão, excepcionalmente, converter tal separação em divórcio ou simplesmente propor ação de divórcio, o que na prática tem o mesmo resultado[219]”.
Todavia, em que pese o mesmo resultado prático dos dois procedimentos, entende-se mais adequada a propositura da ação de divórcio “direito” para aqueles já separados ao tempo da reforma da carta constitucional, pois o objetivo precípuo da ação de conversão era a constatação do lapso temporal de um ano, o que não mais se justifica com a extinção da separação de direito do ordenamento jurídico brasileiro.
3.4.2. Processos em tramitação
A nova redação dada ao § 6º do art. 226 da carta constitucional acarretou na existência de situações jurídicas transitória àqueles que já haviam ingressado com a ação de separação judicial ao tempo da Emenda Constitucional nº 66. A grande dúvida paira sobre a possibilidade de se continuar a tramitação do processo judicial nos próprios termos ou se o correto seria decretar automaticamente o divórcio.
Como defensora da conversão automática do pedido para divórcio, aduz Dias que:
Como o pedido de separação tornou-se juridicamente impossível, ocorreu a superveniência de fato extintivo ao direito objeto da ação, o que precisa ser reconhecido de ofício pelo juiz (CPC 462). Deste modo seque há a necessidade de a alteração ser requerida pelas partes. Somente na hipótese de haver expressa oposição de ambos os separandos à concessão divórcio deve o juiz decretar a extinção do processo[220].
De acordo com este entendimento, de maneira alguma há a possibilidade de se decretar ou homologar a separação judicial, devendo o magistrado converter de ofício o objeto da ação, e consequentemente, determinar a dissolução do vínculo conjugal de imediato, exceto em casos de manifesta oposição dos interessados/litigantes.
Entretanto, em que pese o saber jurídico de Dias, Sant’Anna não divide a mesma opinião, pois “não é possível ‘dar por adaptado’ o pedido, automaticamente, porque quem formula o pedido é parte, cabendo ao Juiz, apenas, aferir a relação de compatibilidade entre o pedido formulado e o ordenamento jurídico[221]”.
Assim, a doutrina majoritária buscou procedimento menos radical para a solução dos conflitos em trâmite, entendendo necessária a concessão de prazo para os cônjuges se manifestarem acerca do rumo que desejam ao processo.
Neste sentido é a lição de Otoni:
No que se refere aos processos de separação judicial ou extrajudicial que ainda estão em andamento, a solução é readaptar o objeto da ação à Emenda Constitucional vigente. Na prática, o juiz da vara da família irá conceder um prazo para que as partes modifiquem o pedido anterior, qual seja o de separação judicial em divórcio, ou conversão em divórcio[222].
Corroborando este entendimento, extrai-se também da obra de Gagliano e Pamplona Filho que:
Deverá o juiz oportunizar á parte autoria (no procedimento contencioso) ou aos interessados (no procedimento de jurisdição voluntária), mediante concessão de prazo, a adaptação do seu pedido ao novo sistema constitucional, convertendo-o em requerimento de divórcio[223].
A readequação do pedido decorre do fato de não mais existir o instituto da separação judicial no ordenamento jurídico, pois, segundo os mesmos autores, ocorreu “uma alteração da base normativa do direito material discutido, por força de modificação constitucional, exigindo-se, com isso, adaptação ao novo sistema sob pena de afronta ao próprio princípio do devido processo civil constitucional[224].
Neste ínterim, caso as partes optem pela adequação do pedido para divórcio, assim decidirá o magistrado. Por outro lado, caso as partes permaneçam inertes ou se manifestem pela separação judicial, o magistrado deverá “extinguir o processo, sem enfrentamento do mérito, por perda do interesse processual superveniente (art. 267, VI, do CPC) [225]”.
Assim também preleciona Azevedo:
Entendo que, sendo ouvidos ambos os cônjuges, e se favoráveis a manterem o pedido de separação judicial, este deve ser extinto pelo Judiciário, já que não é mais admitida a separação judicial com a edição da Emenda nº 66/10[226].
No tocante a presunção de concordância pelo silêncio, decidiu de forma contrária o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina em decisão proferida pelo Doutor Desembargador Relator Marcus Túlio Sartorato em 15 de março de 2011.
CIVIL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL. EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66 DE 13/07/2010 DURANTE O TRÂMITE DA DEMANDA. ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO À NOVA REGRA. DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DA SENTENÇA. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL E DE MANIFESTAÇÃO EXPLÍCITA DE VONTADE. DESPACHO QUE DETERMINOU A INTIMAÇÃO DAS PARTES E SALIENTOU QUE O SILÊNCIO DESTAS IMPLICARIA NA CONCORDÂNCIA TÁCITA. INTIMAÇÃO DO PROCURADOR. CONTRARRAZÕES DAS PARTES INTERESSADAS PUGNANDO PELA MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PRIMAZIA DOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO[227].
Do corpo do acórdão, extrai-se a fundamentação no sentido de:
Como bem colocou o Magistrado, "Se o processo é meio para atingir finalidade maior, que é dizer o direito (juris dicere), não se pode obstar ou retardar a entrega da prestação jurisdicional aos jurisdicionados, por questões formais. Afinal, o direito material deve ser dito no caso concreto, com o desiderato de solucionar a lide, alcançando a pacificação social, fim último do direito". (fl. 46).
Em julgado mais recente, permaneceu o mesmo entendimento desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. SENTENÇA CONVERSIVA PARA DIVÓRCIO EM RAZÃO DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 66. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA ANULAÇÃO DA SENTENÇA ANTE A FALTA DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DAS PARTES ACERCA DA INTENÇÃO DE CONVOLAR A SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO. DESNECESSIDADE. SILÊNCIO QUE CORRESPONDE À CONCORDÂNCIA TÁCITA DAS PARTES. RECURSO DESPROVIDO[228].
Desta maneira, verifica-se que os julgadores catarinenses adotam em parte o procedimento judicial defendido por doutrinadores, eis que concedem prazo ás partes para se manifestarem, entretanto, entendem que o silêncio destes anui a adaptação do pedido em divórcio, entendendo, assim, pertinente a aplicação dos princípios da celeridade e economia processual.
3.4.3. Estado civil do separado judicialmente
Por fim, importante destacar que, apesar da extinção da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio, o estado civil daqueles já separados à época da modificação da Carta Magna permanece inalterado, ante o direito adquirido pelas partes.
Para fundamentar este entendimento, Sant’Anna recorre ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, que aduz que “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada[229]”, assim, “os separados (judicial ou extrajudicialmente) continuam nessa condição até que promovam o divórcio, ficando mantidas as condições acordadas ou decididas”[230].
Assim, os separados serão assim considerados até promoverem a devida ação de divórcio, visto que esta modificação de estado civil não ocorrerá de forma automática, o que poderia gerar uma grande insegurança jurídica.
Neste ínterim, também ensinam Gagliano e Pamplona Filho que:
(...) a alteração da norma constitucional não teria o condão de modificar uma situação jurídica perfeitamente consolidada segundo as regras vigentes ao tempo de sua constituição, sob pena de gerar, como dito, perigosa e indesejável insegurança jurídica[231].
Entretanto, o estado civil de “separado judicialmente/administrativamente” encontra-se em extinção, pois desde 14 de julho de 2010, ninguém mais o pode requerer, sendo disponibilizadas as partes somente o status de “divorciado”.
Também entende desta forma Pereira:
O estado civil daqueles que já eram separados judicialmente continua sendo o mesmo. Portanto, o estado civil “separado judicialmente/administrativamente” continua existindo para aqueles que já o detinham quando o novo texto constitucional entrou em vigor. É uma situação transitória, pois, com o passar do tempo, naturalmente, deixará de existir[232].
Desta forma não resta dúvidas de que, o assim separado á época da emenda, continuará com esse status, até que uma das partes requeira a modificação, sendo vedada em qualquer hipótese de conversão automática.