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A (dis)função do Ministério Público em meio a ação penal privada: o por( )quê (?!) do parecer pré-sentencial

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Agenda 03/05/2014 às 15:15

É manifesta a atribulação da mecânica processual que o Parquet propicia quando passa a se julgar julgador e a emitir opinião relacionada a critérios valorativos do mérito da ação penal.

1. A AÇÃO PENAL PRIVADA E SUAS CARACTERÍSTICAS EXTRAORDINÁRIAS DE PROCEDIBILIDADE

Ato preambular para o desencadeamento do devido processo penal legal, a ação processual penal é a trivial manifestação pela qual o titular da pretensão de requerer ao Estado a punição de um (suposto) autor do delito propugna de modo formal e inequívoco o exercício desta prerrogativa.

Com efeito, ao longo do decurso histórico da evolução visando a consolidação de uma teoria relacionada a ação penal, a comunidade científico-jurídica estabeleceu inúmeros conceitos para arrematar uma competente explicação sobre o que, de fato, vem a ser esse momento de deflagração do processo em sede de natureza jurídica.

Assim, após inúmeras noções em busca do que realmente é a ação penal – que vão desde a teoria imanentista do direito romano, passando pela teoria civilista de Savigny, a da ação como situação jurídica de James Goldschimidt e a eclética de Liebman – atualmente há um verdadeiro manancial de concepções sobre o tema, o qual, na maior parte das vezes, agrega uma conjugação de partículas de todos os raciocínios propostos no decurso da evolução científica da matéria, havendo assim uma mixagem teórica que não atende a uma resposta pontifícia, estanque, determinada.

Reconhecendo a extensão e complexidade da persecução por estacionar a questão em um conceito pétreo, José Antonio Paganella Boschi (2010, p. 101) se projeta a asseverar o seguinte:

Disso tudo é possível concluir que ação penal (pública ou de iniciativa privada) tem nessa efetivação do dever de não omissão, não a composição de um litígio entre cives incivilizados, mas, isto sim, a finalidade de alcançar, por meio de sentença justa, a restauração da paz social afetada pelo crime, aspecto que a diferencia da ação civil e que demonstra a impossibilidade de sujeitar ambas a uma teoria única do processo.

Para além do mero apego a reducionismos, a fundamentalidade da discussão a respeito da natureza do direito de ação penal resta alocada na necessária sedimentação de um alicerce referente a (i)legitimidade do exercício válido deste requerimento, questão esta que, a seu turno, encontra sustento no fato de que o direito criminal é potencial gerador de mitigações temporárias de direitos e garantias fundamentais , sendo que, portanto, é fundamental que a apuração penal se dê (estritamente) no trilho da mais pura instrumentalidade legal e procedimental.

A Constituição Federal preconiza em seu art. 129, I, que é o Ministério Público  o ente legitimado para propor, de modo privativo, a ação penal pública, de modo que o texto exaltado pela Carta Magna é inequívoco no sentido de realizar que o parquet possui um (metafórico) direito de propriedade sobre a ação penal, ao passo que é deste – e só deste – a incumbência dos direitos e deveres inerentes ao formal exercício do instrumental mecanismo de requerer a punição do particular através do Estado.

A esse respeito, convém atentar para a lição de Felipe Martins de Azevedo (2011, p. 70), no que se refere aos dotes atribuídos ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988:

[…] a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público o tratamento de Instituição essencial à prestação jurisdicional do Estado, outorgando-lhe amplas garantias e funções sociais relevantes. Na esfera penal, além de ter-lhe atribuído de forma inovadora a titularidade privativa da ação penal pública, garantiu-lhe os instrumentos necessários para o seu exercício […]

De tal sorte, no contexto de nossa ordem contemporânea, todo e qualquer processo penal corrente deve contar com a atuação do Ministério Público, inexoravelmente, vez que a existência da ação penal é umbilicalmente dependente da intervenção do parquet, pois qualquer ato do processo penal somente será válido se se vislumbrar a sua (figurada)  presença, ainda que de modo meramente passivo. Aliás, não se estará compondo irresponsabilidade apostar na afirmativa de que a composição do Ministério Público é tão vital para a existência do devido processo penal legal como o oxigênio é essencial para a manutenção da vida humana.

Todavia, a concepção de que o MP possui o domínio do exercício da ação penal em sua raiz, muito embora seja inimpugnável, possui certos meandros sistêmicos, os quais relativizam essa noção, como, por exemplo, o caso da ação penal pública condicionada a representação da (sedizente) vítima ou o da ação penal privada.

Para além da função de imperador acusatório, o Ministério Público é a personificação constitucional que atende a um reclamo social invariante, uma vez que reflete a expectativa popular de possuir um representante cativo de seus interesses, interesses estes que se mantiveram prejudicados de modo pivotante desde os tempos do império até a ditadura militar, que por ser fronteiriço ao período atual ainda causa reflexos políticos, sejam eles legislativos, execucionais ou judiciários. 

Sem embargo, malgrado o parquet mantenha-se sempre no (formal) timoneio da ação penal e a este cumpra o permanente dever de auditoria da observância das formas do/no processo, o legislador concebeu, por razões de política criminal , que a luz de certos eventos fáticos apuráveis através de ação penal, o MP não deverá atuar no feito na posição de protagonista do requerimento do exercício da pretensão punitiva do Estado para com acusado, mas sim em uma colocação coadjuvante, da qual deverá proceder no sentido de requerer a perfeita observância do sistema processual penal e sua instrumentalidade garantista.

Acerca das excentricidades havidas em sede de iniciativa do direito de ação, melhor exemplo não há senão o da nominada ação penal de inciativa privada, instituto este no qual o Ministério Público tem sua função acusatória esvaziada de modo mais agudo.

É de sabença que o ato delinquente afeta, de modo geral, não só a vítima imediata e material da infração, mas também toda a órbita social. De tal maneira, o expediente constitucional afixou no Ministério Público a premissa para a legitimação usual ao exercício de acusação criminal, a partir da representação que esta entidade guarda para com a defesa dos direitos sociais. 

Contudo, em uma análise mais detida, é possível denotar que em certas infrações penais o prejuízo derivado da conduta ilícita afeta maximamente a vítima, ao passo que em alguns eventos típicos a ação delinquente violenta, preponderantemente , preceitos internos personalíssimos, como nos casos de crimes contra a honra; Ao mais, ponderemos ainda a questão da exposição que um processo penal gera no âmbito social (strepitus judicii), no tocante a necessidade da contratação de advogados, comparecimento em audiências e suportabilidade psíquica para a razoável tolerância da sucessão das solenidades presenciais da contenda, entre outras ocasiões de igual intensidade (CAPEZ, 2006, p. 134).

Então, na consolidação de um estágio de lógica penal que admite que, em certos casos, o crime atinge diretamente a seara de direitos pessoais da vítima, não se compunha razoável a sustentação da ilimitação do Ministério Público no jus persequendi, bem como a manutenção da obrigatoriedade do início da ação criminal e a tangencial exposição a que esta deflagra ao (provável) ofendido.

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Em níveis processuais, a ação penal de iniciativa privada é responsável por uma caracterização extraordinária do sistema apuratório penal (BOSCHI, 2010, p. 109), porquanto se funda na manifestação formal do particular sedizente vítima do delito, requerendo ao Estado-Juiz que aplique a pretensão punitiva respectiva ao crime imputado ao réu. Com efeito, neste modelo de processo, a função de acusação é cedida ao particular (teoricamente) ofendido, sendo de sua responsabilidade e interesse o cumprimento dos ônus processuais que favorecem a materialização de sua versão no feito e cativam o juiz a crer que ao acusado deve ser implementado certo preceito penal.

O processo penal desencadeado em razão de crime que prevê a ação penal de inciativa privada  possui principiologia peculiar, conquanto se trate de excepcionalidade do sistema punitivo nacional. Cabe, portanto, analisar, de modo epidérmico, cada um dos ícones sustentadores da ação penal privada, para que melhor se compreenda a epistemologia dessa espécie de mecânica processual penal.

Inicialmente, a doutrina proclama como fundamento básico da ação penal privada o princípio da oportunidade , o qual se ilustra na legitimação pré-processual que o particular tem para lançar ao Judiciário determinada questão fática na qual figurou como vítima ou, eventualmente, sub-rogou essa premissa através dos critérios pontificados pelo art. 31 do CPP. Nas palavras de Vicente Greco Filho (2010, p. 114) o princípio da oportunidade significa, em suma, que “A deliberação sobre o oferecimento, ou não, da queixa é de exclusivo foro íntimo do ofendido. Não há qualquer mecanismo de controle, cabendo à vítima, de maneira autônoma e autárquica, decidir a respeito.”.

Em conformação ao que aduz o insigne processualista, a questão da oportunidade da ação penal privada se concentra, basicamente, no fato de que por ser do particular, neste caso, o direito de acusação, a este é também facultado o exercimento ou supressão do reclamo judicial pela punição do suposto agente da infração criminal.

Outro princípio reitor da ação penal de cunho privado é o da disponibilidade. A partir desse emblema, reputa-se que o processo penal se mantém atrelado a intenção do querelante, ao seu particular arbítrio. Assim, caso o provável ofendido dê início a ação penal de iniciativa privada, poderá a qualquer momento manifestar seu desinteresse no prosseguimento da apuração do suposto delito , pois, uma vez que figura na função de acusador, a sua ausência no processo esfacela a relação do tripleto fundamental (actum trium personarum) e encaminha o feito ao falecimento.

Há ainda o princípio da Iniciativa de parte. No condão desse paradigma fundante, a ação penal privada está resignada, no que tange a vitalidade de seu curso, a intensa reafirmação do querelante em requerer ao Estado a punição do réu, o que deverá ser feito através dos mecanismos formais inerentes ao processo, cabendo ao particular acusador o cumprimento dos ônus decorrentes dessa atividade, tais como a interposição dos recursos nos prazos adequados, o pagamento das custas do preparo, etc. A propósito, o princípio ora em comento, é de suma relevância à manutenção da existência da ação penal privada, uma vez que – diferentemente do caso em que o MP se encarrega de acusar – o requerimento de punição não se presume e se deteriora se for abandonado, sendo que, uma vez recolhendo-se o querelante ao silêncio, ou, ainda, não formulando, este, expresso pedido de condenação do réu em seus memoriais finais ou em debates orais, será declarada extinta a punibilidade por força do instituto da perempção, consoante as diretivas plasmadas no art. 60 e incisos do CPP.

Por fim, compõe ainda a estruturação dos dogmas de viabilidade da ação penal privada o princípio da Indivisibilidade. O conteúdo teórico deste princípio assevera para a inaceitabilidade de uma ação penal ser designada em desfavor de apenas um réu, caso na relação delitiva narrada pela acusação exista orçamento tendente a posicionar outro(s) indivíduo(s) no enredo infracional, como partícipe(s) ou coautor(es). Com efeito, tal qual a sustentação capital da manutenção do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, o princípio da indivisibilidade da ação penal privada visa evitar a (re)tomada da vingança privada e a provável (de)formação de um direito criminal cambial, movido através de negociatas como, por exemplo, a extorsão exigida pelo querelante aos  acusados (GRECO FILHO, 2010, p. 115).

Recapitulando o que já se explanou, a ação penal privada possui um elemento diferencial em relação aos demais processos penais previstos por nosso ordenamento jurídico, mormente a imposição desta espécie de apuração criminal determine a dicotomização do exercício do polo ativo da ação penal, de modo que destitui o Ministério Público do caráter binário de acusação e custos legis, mantendo-o apenas na figura do último, no tocante a velar pela observância das formas e garantias do processo penal (art. 257, II do CPP).

Nesse jaez, em sede de ação penal privada, é cabível a noção de que, inobstante o Ministério Público mantenha-se sempre no auge da propriedade do exercimento do pleito da ação penal (no que se refere a questão das formalidades), o parquet não dispõe de prerrogativas legais para requerer ao Estado-Juiz que aplique a punição em desfavor do acusado. Ou seja: em tais situações o MP não figura como acusador, mas sim como custos legis.


2. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FIGURA LEGALMENTE RESPONSÁVEL PELA PERMANENTE ZELADORIA DA(S) FORMA(S) DO PROCESSO PENAL

Na conformação do que prescreve a Constituição Federal, o Parquet é o ente legitimado a exercer, privativamente, a ação penal pública, sendo, via de regra, de sua titularidade a premissa de desmorecer o Estado-Juiz do princípio da inércia e requerer deste a punição do indivíduo acusado.

Com efeito, mais do que uma simples formalidade, a figura do MP em meio ao processo criminal compõe, no atual momento histórico, verdadeiro elemento de validade da ação, ao passo que é inadmissível sua ausência em toda e qualquer lide criminal, independentemente da espécie.

Em sede de ação penal privada, o Ministério Público não está legitimado a pretender a condenação ou absolvição do acusado, doravante o interesse dos tais crimes de afetação singular seja limitado ao plano jurídico do ofendido, sendo exclusiva a legitimação deste para o (não) exercício da função acusatória.

Todavia, é fundamental ter em mente que a titulação do MP para com a propriedade da ação penal não se justifica em razão de uma proposta de Estado eminentemente punitivista e eficientemente acusador. A fonte primária da outorga do domínio da ação penal ao Ministério Público está amalgamada na indispensabilidade da observância das formas do processo penal e, sobretudo, acerca da permanente incidência dos Direitos e Garantias Fundamentais no enredo da apuração criminal. 

A concessão que o poder constituinte deferiu ao parquet acerca da privatividade da ação penal diz respeito, primordialmente, então, a necessidade de que o processo penal seja produzido a partir de uma instrumentalidade garantista, ao passo que no enredo do que prescreve o art. 5º, LIV da CF, é inaceitável a promoção de um procedimento processual desagregado das formas legais. Segundo o art. 257 do Código de Proceso Penal, ao Ministério Público cabe I) promover, privativamente, a ação penal pública  e II) fiscalizar a execução da lei.

De se ver, que a legislação é taxativa ao assertar para a singularidade do MP perante a ação penal pública, asserção esta que disponibiliza a racionalidade do conceito de que, em sede de ação penal privada, o Parquet não opera no tablado acusatório. Em tal caso, cumpre ao Ministério Público velar pela indivisibilidade da ação penal privada (art. 48), sendo que a legislação fornece ao parquet, ainda, a possibilidade de aditar a queixa-crime  caso se vislumbre na peça incoatora qualquer lesão aos princípios constitucionais e/ou processuais penais (gerais e específicos). Aliás, Vicente Greco Filho (2010, p. 121) fornece satisfatório referencial doutrinário em relação ao tema:

O Ministério Público velará pela indivisibilidade propondo que o querelante adite a denúncia para a inclusão de corréu, se ainda não ocorreu a decadência, sob pena de se considerar renúncia tácita que se estende a todos. Se o juiz, ainda assim, receber a queixa, faltando um querelado que deveria constar, o Ministério Público pode impetrar habeas corpus perante o tribunal para trancamento da ação penal em virtude da extinção da punibilidade.

Com efeito, não é equivocada a ilação de que o caráter funcional primário do MP no processo penal é relacionado a um emblema acautelatório das formas legais da contenda, no sentido da realização do instrumental formato da ação, essencialmente. Assim, nos termos de principiologia constitucional que apregoa como um de seus principais baluartes o direito a liberdade, resta evidente que ao Ministério Público e sua permanente noção constitucional de procuradoria dos interesses sociais (art. 127 da CF), cumpre de modo inexorável e incessível, anteriormente ao ato de acusar, o encargo de diligenciar através de todas as medidas necessárias para o regular prosseguimento do devido processo penal através dos ícones legais.

Colateralmente, em um caráter secundário e flexível, aparece o MP como expediente acusador, funcionalidade esta que, ao contrário do exercício acautelatório das formas, é passível de mitigações e exceções – como é o caso da ação penal privada –, onde o elenco do polo ativo da ação penal tem de ser integrado por um particular, fundamentalmente.

Assim concebemos, ou seja, compreendemos ser a função acusatória do Ministério Público estar situada em um plano subalterno ao da função acautelatória das formas, em razão de que a cogência da forma processual penal é imperativa e indisponível, sendo que a eventual inobservância destes preceitos torna a ação penal contaminada e, por certo, incapaz de produzir legítimos efeitos.

Ao mais, inclusive, justifica ser primária a função do Parquet pela zeladoria das formas, pois o próprio exercício de acusação é dependente da efetivação dos caracteres instrumentais do processo. Pensemos, ora, no exemplo de uma ação penal em que ao réu não fora disponibilizado o eficiente direito a defesa técnica, suportando este um processo autonomamente, sem que fosse auxiliado por profissional devidamente habilitado na advocacia. Em tal caso, é imprescindível que o promotor alegue, urgentemente, esta questão ao juízo, sob pena de estar de estar arcando com uma dúplice falha, pois, além da ululante negligência para com sua posição de diuturno custos legis, por via reflexa, haverá a fulminação de toda a possibilidade acusatória deste em razão da ocorrência de nulidade absoluta, o que redundaria na extinção de todos os atos produzidos no processo enquanto se mantinha a precariedade formal, aniquilando, inclusive, a integralidade do (pseudo) exercício incriminatório proposto pelo MP.


3. O PARECER PRÉ-SENTENCIAL DO MP QUE OPINA PELA DECISÃO DE MÉRITO DA AÇÃO PENAL PRIVADA: CUSTOS LEGIS, CONSELHEIRO OU (CO)JULGADOR?!

A noção acima expressada retrata bem a dicotomização das funções que o Ministério Público concentra no enredo da situação do atual processo penal, afixado a partir do advento da Constituição Federal de 1988, sendo que a finalidade acautelatória é a atuação fundamental e inderrogável do MP, ao passo que a acusatória se aloca em um plano secundário, ante a sua regular possibilidade de trasladação do parquet ao particular.

Conforme dissemos, a ação penal privada é caracterizada pelo protagonismo do particular na bancada acusatória, situação que assim se consolidou em virtude da noção de que determinados fatos que afetam a alçada de direitos do particular merecem ser criminalmente apurados apenas se a sedizente vítima compreender que isso é oportuno, estando tal juízo alojado em um caráter genuinamente disponível do ofendido, sendo que, ainda, caso este vise deduzir judicialmente sua pretensão de ver o(s) agente(s) do delito punido(s) pelo Estado, deve direcionar o feito a toda e qualquer pessoa que lhe tenha ofendido, indivisivelmente, e, ademais, ser frequente atuante na ação para reforçar seu interesse e iniciativa de ver o (suposto) agressor acusado.

Portanto, situam-se na atmosfera de cargas processuais  do querelante de ação penal privada, todos os atos necessários para fazer o juiz fixar-se em crença de que o réu, de fato, cometeu o fato típico narrado na queixa-crime e merece, portanto, ser enquadrado no padrão punitivo do respectivo tipo penal. 

Com efeito, é tranquila a noção de que ao particular querelante cumpre o exercício das faculdades processuais da ação penal privada em sede acusatória, tais como a formulação da peça incoatora (queixa-crime), o ônus de demonstrar serem reais os fatos alegados na queixa, bem como o capitaneio dos meios de prova que julga serem convenientes para encaminhar os critérios psíquicos do julgador a visualizar a existência da materialidade e da autoria da infração penal apostada na queixa-crime. 

De tal sorte, ao Ministério Público não se vislumbra nenhum poder legal ou principiológico de atuação acusatória no enredo da ação penal privada. Sem embargo, a atuação deste é enxugada, pois, uma vez que não lhe compete o exercício da proposta de uma sentença condenatória do processo, resta-lhe (sempre) a função de acautelar a forma legal da ação penal.

Perante a ação penal privada as operações do Parquet em prol da observância da forma processual legal se dão através de petições que vêm a integrar o corpo dos autos, as quais são tituladas de pareceres, sendo estas a via pela qual o MP leva a efeito suas ponderações acerca da temática relacionada com os (des)cumprimentos das formalidades processuais, como, por exemplo, a inobservância da queixa-crime aos critérios básicos da denúncia (art. 41 do CPP) ou a promoção de acusação através de procurador especial sem que tenha havido a menção do fato criminoso na procuração (art. 44 do CPP).

Os chamados pareceres são usualmente utilizados pelo Ministério Público em meio ao processo, não sendo estes restritos a área criminal. Efetivamente, em todo o feito em que o Ministério Público figurar em posição transversal , suas manifestações dar-se-ão através de pareceres dirigidos ao juiz da causa, nos quais o promotor emite sua opinião perante o (não) preenchimento dos requisitos legais do processo. 

Aliás, encontra-se no sítio eletrônico do Ministério Público do estado do Rio Grande do Sul (2011)  uma definição semântica do que vem a ser o parecer ministerial no contexto da ação criminal. Nestes termos:

ÁREA CRIMINAL

Na ação penal privada, vem a ser a manifestação de caráter meramente opinativo, lançada pelo MP sobre questão incidental ou pedido de alguma das partes. Na ação penal pública, de iniciativa do MP, é a manifestação pela qual o Promotor opina sobre questão ou pedido alheio à persecução criminal em si, como nos pedidos de restituição ou devolução de bem apreendido. Também é parecer, na ação penal pública, a manifestação do Procurador de Justiça, em segunda instância. (DESTQUE NOSSO)

A proposta de conceituação afirmada pelo MP gaúcho favorece a compreensão de que, sobretudo na ação penal privada, o parecer do Parquet possui caráter eminentemente fundado na manutenção do processo nas formas legais, de acordo com o que já manifestamentos.

Entretanto, inobstante se tenha afixado que na ação penal privada a atuação do Ministério Público é cerceada na mera acautelação dos princípios legais do processo penal, na prática, os pareceres do Parquet têm avançado a uma análise do mérito da lide, ao passo que os promotores consignam em seus memoriais assertivas relacionadas a ausência ou a existência de, por exemplo, a materialidade e a autoria do delito bem como se o juiz da deve ou não causa condenar ou absolver o querelado da imputação que lhe fora atribuída na queixa-crime.

Buscando dar a essa “tendência” um caráter de “necessidade”, o Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, editou o provimento nº. 004 , onde no artigo 1º determina imprescindível intervenção do Parquet na análise da ação penal privada:

Art. 1º Quando funcionarem na qualidade de “custos legis” em ações penais privadas ou em processos cíveis, ao término da instrução e após as manifestações das partes, os Senhores Promotores de Justiça e Promotores de Justiça Adjuntos ficam obrigados a apresentar parecer contendo relatório completo do fato e do processo, detida análise da prova dos autos e a conclusão, onde o oficiante indicará o direito aplicável à espécie. (DESTACAMOS)

Sem embargo, esse tipo de procedimento levado a efeito por parte do Ministério Público embaralha o esquema processual pontificado não só da ação penal privada, mas do processo penal em si, ao passo que o exercício da interpretação da causa é prerrogativa inabalável do juiz, e é deste – e tão só deste – a legitimação da edificação cognoscitiva do processo.

Ocorre que a formulação de um parecer ministerial que pretenda projetar uma (opinião de) sentença dista em potencial do caráter de custos legis no qual se funda a presença do MP em meio a ação penal de iniciativa privada, o colocando em um informal posto híbrido, que se situa entre um (indevido) aconselhamento ao juízo e vai até uma (intrusiva) cooperação no julgamento da lide, em casos mais extremos.

Notemos que em inúmeros casos o parecer do Ministério Público voltado a uma sugestão decisória se firma de modo análogo a narrativa dos relatores de acórdãos prolatados por órgãos colegiados, onde há a produção de uma peça sentencial que define o relatório e o posicionamento da condenação ou absolvição, e o(s) julgador(es) apenas lança(m) um singelo “de acordo” –  geralmente  carenando o discurso por via de um redação performática, lógico. Aqui, sem maiores receios, o Parquet funciona como um verdadeiro co-julgador, dado o fato de que a sua relação para com o processo se desenreda da legítima atuação de custos legis e passa a se alojar na atmosfera decisória; já em outras situações, o parecer do promotor que manifesta valorações meritórias se agrega numa seara de (super)induzimento do julgador, passando o Ministério Público a ser uma espécie conselheiro do juízo, pois, vez que, ali, sentado a direita de modo limítrofe à “Sua Excelência”, e muitas vezes se mantendo como fiel coabitante do julgador na sala de audiências por dias, meses e até anos, os fundamentos alardeados na opinião do Parquet ecoam de maneira angular – e singular – na decisão do juízo.

Não se pode conceber que o promotor adentre na (personalíssima) seara da análise do mérito da (im)procedência do pedido condenatório da ação criminal na qual figura como fiscal da lei, doravante essa premissa seja unicamente do juiz, de modo intangível e devidamente garantido pela Constituição Federal.

Ademais, sobretudo em um momento histórico em que o processo penal passa por uma insofismável transição, a qual gradativamente busca estabelecer um senso de justiça criminal de acordo com os trilhos constitucionais, admitir a infração das atribuições fundamentais do juiz, ainda que de modo tímido e subliminar como é feito pelo Ministério Público, é como retroceder – ou, no mínimo, retardar – toda a (positiva) evolução já perpetrada e retornar ao nivelamento de um processo penal em que o Magistrado não detinha autonomia para decidir conforme os seus conceitos acerca do mérito do processo.

É fundamental manter o julgador blindado – o máximo possível – de intervenções externas que não as das partes manifestamente interessadas em um resultado processual. Considerando o fato de que o Magistrado se contém em uma árdua missão de formar sua fé em determinados elementos do processo, admitir uma opinião relacionada a uma decisão de mérito ao lado de sua cadeira é, indo mais além da mera sonegação das posições processuais, a intromissão de sua prerrogativa de julgar de acordo com as provas que lhe motivaram e ao novelo de elementos que lhe palpitou formar a síntese de sua decisão.

Sobre o autor
Affonso Celso Pupe da Silveira Neto

Advogado. Especialista em Direito e Gestão Empresarial com ênfase nas áreas de Contratos e Consultoria Corporativa. Master of Business Administration em Gestão Jurídica Aduaneira e Internacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUPE NETO, Affonso Celso Pupe Silveira Neto. A (dis)função do Ministério Público em meio a ação penal privada: o por( )quê (?!) do parecer pré-sentencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3958, 3 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27809. Acesso em: 27 dez. 2024.

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