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A submissão ao tratamento involuntário na visão das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o embaraço jurisprudencial causado pelo antagonismo judicial

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Agenda 30/04/2014 às 11:30

8 SÉTIMA CÂMARA CÍVEL 

O Des. Oliveira Firmo, em extenso voto no qual expôs as balizas para a apreciação da matéria, negou seguimento ao recurso interposto pelo Município de Ipatinga em demanda assim nominada: “Alvará de internação compulsória combinada com obrigação de fazer.”:

Eis a ementa: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - SAÚDE - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - REQUISITOS LEGAIS: PRESENÇA - MULTA COMINATÓRIA: CABIMENTO. 1. O Sistema Único de Saúde organiza-se em uma rede hierarquizada, mediante distribuição de competências segundo o grau de complexidade dos serviços. 2. A política de assistência à saúde mental, devidamente instituída e regulamentada no âmbito federal e estadual, estabelece condições para o fim de internação compulsória de paciente, entre elas a apresentação de laudo médico circunstanciado que denote a doença de que padece o paciente, sua incapacidade de consentir e o insucesso de tratamentos anteriores. 3. Presentes os requisitos ensejadores da medida e demonstrada a omissão do ente público competente, sobretudo cuidando-se de Município detentor da gestão plena, justifica-se a ordem de internação. 4. A fixação de multa cominatória em patamar razoável e proporcional à relevância do bem jurídico protegido encontra-se sedimentada em "jurisprudência dominante" como instrumento de efetividade à decisão. (MINAS GERAIS, TJMG, 7º C. Cív. Agravo de instrumento nº 1.0313.11.032811-6/001, Rel.: Oliveira Firmo. Jul. 25.02.13. v.u.) 

Em seu voto, conforme mencionado, há criteriosa construção acerca de como proceder na apreciação da matéria: 

não se trata, apenas, de comover o julgador quanto a uma situação de penúria e degradação, que não se cuida neste espaço judicial do conforto espiritual ou de superação das vicissitudes que nos inflige inexoravelmente a vida, pois para tais searas há outros tantos setores mais bem aparatados. 

Entretanto, o ilustre julgador não mencionou a necessidade de interdição prévia do suposto paciente, porém, deixou claro que funda o voto condutor na legislação referente à saúde mental, ou seja, na Lei da Reforma Psiquiátrica. Inclusive, Oliveira Firmo votou no mesmo sentido nos autos do Agravo de instrumento nº 1.521.12.003241-7/001. 

Des. Washigton Ferreira e Des. Wander Marotta acompanharam o relator. 

Em outra ocasião, Oliveira Firmo, acompanhado de Washington Ferreira e Belizário de Lacerda, em Ação Civil Pública ofertada pelo Ministério Público não destoou de sua posição acima noticiada. 

Ocorre que o recurso que originou este acórdão revela a posição sustentada nestes escritos: A curatela provisória do suposto paciente, ou seja, a decisão liminar que afasta a capacidade do indivíduo é condição necessária para o deferimento da internação compulsória, custeada ou não pelo estado. 

Tal posição sustentada pela Parquet é condizente com a realidade jurídica que nos circunda, pois condiciona o tratamento médico involuntário baseado na Lei de Reforma Psiquiátrica apenas a pessoa judicialmente declarada incapaz, embora em decisão precária. 

O Des. Washington Ferreira, por sua vez, associou o simples de fato de ser usuário de drogas à condição de “doente mental” passível, portanto, de sofrer os efeitos da Lei de Reforma Psiquiátrica, norma destinada àqueles que realmente são portadores de sofrimento mental: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEPENDENTE QUÍMICO. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. LEI Nº 10.216/01. RELATÓRIO MÉDICO CIRCUNSTANCIADO. AUSÊNCIA [...] II. Para que seja determinada a internação compulsória de dependente químico, de acordo com a lei nº 10.216/01, é necessário laudo médico circunstanciado, motivado, preciso e seguro prescrevendo a medida em razão da impossibilidade de realização de tratamentos extra-hospitalares ou de seu insucesso, dada a sua excepcionalidade, e, ainda, por interferir diretamente na autonomia do paciente. (MINAS GERAIS, TJMG, 7º C. Cív. Agravo de instrumento nº 1.0431.13.000916-7/001, Rel.: Washington Ferreira. Jul. 02.07.13. v.u.) 

Os Des. Wander Marotta e Belizário de Lacerda acompanharam o relator. 

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Marotta, relator do acórdão abaixo transcrito, não divergiu da malfadada associação entre internação compulsória de dependente químico e a Lei de Reforma Psiquiátrica sem contextualizar a supressão da vontade e o direito à liberdade do cidadão: 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. PACIENTE COM QUADRO PSICÓTICO AGRAVADO PELO USO DE DROGAS ILÍCITAS. EXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO À SAÚDE. - O assunto é polêmico (até entre os médicos), mas a questão do uso de drogas e álcool é atualmente de inadiável relevância e importância social, que requer permanente e cada vez mais aguda atenção das entidades federadas, em todos os níveis de governo, estas que não se podem esquivar das obrigações que lhes são constitucionalmente traçadas, sob o argumento (sempre invocado) da ausência de estrutura física, de pessoal ou de projetos e/ou ações de implementação de uma política de prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos. - É verdade que há dificuldades orçamentárias. Todos os sabem. Mas todos sabem também que os recursos existem. O que não existe é a aplicação destes recursos, que se evaporam como água. Dos mais de 400 milhões de reais disponibilizados pela SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) apenas cerca de 20% foram aplicados. O Brasil disponibiliza menos de 1/2 (meio) leito para cada Município (2 mil e quinhentos leitos para todo o País) (Fonte: "Estado de Minas" de 11.7.2011 - pag. 7). Ora, num quadro assim caótico falar-se em reserva do possível é quase um abuso. - Como bem anotou o Exmo. Ministro Celso Mello, quando do julgamento do AgRg no RE 271.286-8/RS: "O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...)". - Concede-se a segurança se comprovada a necessidade de internação do paciente segurado do SUS, em estabelecimentos especializados para tratamento de toxicômanos. (MINAS GERAIS, TJMG, 7º C. Cív. Agravo de instrumento nº 1.0408.12.000986-0/001, Rel.: Wander Marotta. Jul. 16.07.13. v.u.) 


9 OITAVA CÂMARA CÍVEL 

O Des. Epídio Donizetti, acompanhado de Bitencourt Marcondes e Alyrio Ramos, proferiu voto-condutor que merece aplauso por conjugar a declaração de incapacidade incidental com a medida de internação compulsória: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO C/C INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - ESTUDO MÉDICO PRÉVIO - PRESENÇA - REQUISITOS OBSERVADOS - INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA COMPULSÓRIA (IPC) - CABIMENTO - RECURSO IMPROVIDO.

1. O direito à saúde insere-se no rol dos direitos sociais - direitos fundamentais de segunda geração - apresentando uma dupla vertente: de um lado, consubstanciam-se em mandamentos de natureza negativa, impondo à coletividade o dever de abstenção de atos que frustrem sua efetivação; por outro, apresentam-se como exortação a um Estado prestacionista para fomentar a implementação de prestações positivas.  2. A Internação Psiquiátrica Compulsória (IPC), como medida passível de determinação judicial, está positivada há muito no ordenamento jurídico pátrio, tendo recentemente sofrido alterações de tratamento legislativo e regulamentar a fim de se adequar à necessidade de proteção aos direitos das pessoas portadoras de sofrimento psíquico - atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana -, bem como ao redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental e à regulação do Sistema Único de Saúde.  3. A internação compulsória, qualquer que seja o estabelecimento escolhido ou indicado, deve ser, sempre que possível, evitada e somente empregada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem esgotados, insuficientes ou inadequados face ao quadro clínico do paciente. 4. Diante do caso concreto, no cotejo entre os direitos constitucionais do cidadão e a imperiosa necessidade de tratamento, é que o julgador, ponderando princípios, em análise firmada com base na assessoria médico-pericial, poderá impor a internação. É o que alguns denominam "justiça terapêutica".5. Restando devidamente observada a exigência de estudo médico prévio à internação, o qual, inclusive mostra-se favorável à internação, afiguram-se presentes os requisitos ensejadores da antecipação da tutela pelo magistrado de primeiro grau. (MINAS GERAIS, TJMG, 8º C. Cív. Agravo de instrumento nº 1.0245.12.013880-6/001 , Rel.: Elpídio Donizetti. Jul. 07.03.13. v.u.) 

Como se observa, houve afastamento da capacidade do indivíduo para permitir o tratamento terapêutico involuntário. 

Teresa Cristina da Cunha Peixoto, acompanhada de Bitencourt Marcondes e Alyrio Ramos, proferiu voto no sentido do Des. Donizetti, decisões que sintetizam o pensamento da oitava Câmara Cível: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO C/C PEDIDO DE MEDIDA PROTETIVA DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - TUTELA ANTECIPADA - DEFERIMENTO - VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO E FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO - REQUISITOS DEMONSTRADOS PARCIALMENTE - RESTRIÇÃO INDEVIDA - DILAÇÃO DO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Para o deferimento do pedido de antecipação de tutela devem estar reunidos nos autos elementos probatórios que evidenciem a veracidade do direito alegado, formando um juízo máximo e seguro de probabilidade à aceitação do requerimento, evidenciando-se também a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, o que se verifica quando os documentos acostados demonstram a alta dependência alcoólica sofrida pelo filho da requerente, demandando internação compulsória. 2. Mostra-se necessário que seja razoável o prazo concedido para o cumprimento da obrigação de fazer atinente à internação de alcoólatra , não se aferindo, ademais, motivos para a restrição à instituições públicas credenciadas para o tratamento psiquiátrico especializado sob regime hospitalar, o que impõe a reforma parcial da decisão. (MINAS GERAIS, TJMG, 8º C. Cív. Agravo de instrumento nº 1.0521.12.015229-8/001, Rel.: Elpídio Donizetti. Jul. 11.07.13. v.u.)


 10 DEMAIS CÂMARAS CÍVEIS 

A partir da 9º até a 18º Câmara Cível não houve qualquer julgamento acerca do tema, fato que revela o incipiente ingresso da matéria no Tribunal de Justiça. 

Há motivo que pode explicar tal situação, pois na maioria dos casos os municípios figuram no polo passivo e apenas alguns recorrem das decisões antecipatórias ou sentenças proferidas na primeira instância. 

Quando há interposição dos recursos, questionam as decisões precárias, liminar ou antecipação dos efeitos da tutela, e as sentenças, ambas proferidas no juízo a quo, não havendo notícias se tais demandas foram levadas ao conhecimento dos Tribunais Superiores. 

Outrossim, por se tratar de demanda que possui célere efeito fático em razão da suposta urgência da medida, acaso o município envolvido ou o Estado de Minas deixe de recorrer da decisão precária deferida, é possível que antes da prolação da sentença haja a cessação da terapia médica, fato que resultaria na perda do objeto da demanda.


11 CONCLUSÃO 

Apesar da diversidade de pensamentos, idéias, teses e fundamentos, é possível construir uma síntese do pensamento da corte mineira, contudo, sem esgotar as nuances do tema, eis que em contínua construção. 

Constatou-se, segundo análise, que há variedade de fundamentos a permitir a supressão da liberdade, bem como a submissão à terapia médica: 

1 - Imputar ao dependente químico (de drogas lícitas ou ilícitas) a condição de portador de deficiência mental e, portanto, passível que sofrer os influxos da Lei de Reforma Psiquiátrica. 

2 - Submeter a tratamento terapêutico o usuário de drogas com fundamento no Decreto nº 891/38, de duvidosa constitucionalidade. 

3 - Declarar incidentalmente a incapacidade do cidadão para então submetê-lo à terapia médica, posição que se reputa mais coerente com legislação civil-constitucional, uma vez que a incapacidade não se presume e requer declaração judicial para sua existência. 

Outrossim, é verdade que a celeuma jurisprudencial é recentíssima, tanto é que algumas câmaras ainda não tiveram a oportunidade de manifestar sobre o tema, considerando o primeiro semestre do ano de 2.013. 

Por fim, quando se deixa de esmiuçar os julgados isoladamente ou quando se ignora o pensamento das Câmaras Cíveis e se constitui o pensamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, constata-se que o valor liberdade individual não é parte integrante da equação cujo produto é a decisão judicial que submete o cidadão ao tratamento involuntário. Ora a internação é fundada na lei que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, ora no direito à saúde, não havendo qualquer critério jurídico linear que privilegie uma leitura civil-constitucional dos fatos apresentados para julgamento.

Sobre o autor
Daniel Vieira Bueno

Analista do Ministério Público de Minas Gerais, ex-Oficial do Ministério Público de Minas Gerais, ex-advogado, ex-Oficial de Apoio Judicial do TJMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Daniel Vieira. A submissão ao tratamento involuntário na visão das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o embaraço jurisprudencial causado pelo antagonismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3955, 30 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27906. Acesso em: 25 nov. 2024.

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