3. O MODELO GERENCIAL DE ESTADO E A BUSCA PELA EFICIÊNCIA
O fenômeno da globalização impôs aos Estados a necessidade de reformular suas estruturas funcionais. Primeiramente pelas alterações da concepção sobre os elementos de sua composição, isto é, povo, território e soberania. Tendo em vista que, no mundo globalizado o povo não se limita aos nacionais, o território ultrapassa as fronteiras físicas e naturais e a soberania é flexibilizada em prol de uma ideia de “comunidade global”. Soma-se a isto, ainda, o fato da concorrência entre os Estados ter se tornado cada vez mais acirrada.
Nesse desiderato, cumpre observar o exame esboçado por José Eduardo Faria acerca do poder que as empresas possuem sobre os Estados e como o exercício deste poder leva ao acirramento da competição entre aqueles, sobretudo, aos países em desenvolvimento:
Essa facilidade de transferir ou “relocalizar” plantas industriais e unidades de trabalho intensivo conforme seus interesses estratégicos e cálculos de retorno financeiro confere, assim, a empresas mundiais e conglomerados transnacionais um extraordinário poder para barganhar – até leiloar – o lugar de sua instalação com os distintos setores e instâncias dos poderes públicos de qualquer Estado, independentemente do continente onde esteja localizado. A economia globalizada flutua livremente em escala planetária, o que lhe permite maximizar o poder empresarial diante dos Estados, estimulando a competição entre eles e os jogando uns contra os outros, principalmente os periféricos e semi-periféricos (2008, p. 26).
Não há uma data consolidada ou um marco histórico definido que estabeleça, indubitavelmente, quando o processo de globalização teve início, entretanto, suas repercussões afetaram com intensidade o paradigma de Estado em meados da década de 80.
Nesse sentido, acerca do fenômeno da globalização convém avocar o conceito construído por José Eduardo Faria:
Globalização é um conceito aberto e multiforme que denota a sobreposição do mundial sobre o nacional e envolve problemas e processos relativos à abertura e liberalização comerciais, à integração funcional de atividades econômicos internacionalmente dispersas, à competição interestadual por captais voláteis e ao advento de um sistema financeiro internacional sobre o qual os governos têm uma decrescente capacidade de comando e controle (2008, p. 3). (grifos do autor)
Nesse passo, com o alargamento das demandas econômicas e sociais advindas das novas relações travadas no mundo globalizado questionava-se qual seria o real papel do Estado. Em busca de soluções para a questão, de um lado uns sustentavam um Estado forte que interviesse e participasse ativamente na economia, outros, por sua vez, pugnavam por um Estado absenteísta.
Nesse contexto, Luiz Carlos Bresser Pereira, apresenta uma análise sistemática e cronológica sobre o processo de transformação do Estado nos idos das décadas de 80 e 90, e informa que a crise dos anos 80 foi uma crise decorrente do crescimento demasiado do Estado, pois este em razão do próprio crescimento perdia sua autonomia, já os 90 significavam o momento propício para a reforma do Estado e sobretudo a reforma administrativa (1998, p.7)
Com efeito, em razão dos prejuízos advindos dos paradigmas estatais que ora pregavam a total abstenção da máquina estatal e ora pugnavam pela maior ingerência e intervenção do Estado, fazia-se necessário à instituição de um novo paradigma que fosse capaz de solucionar os danos causados pelo excesso de cada regime de governo.
Nesse sentido, Bresser Pereira (1998, p.7) expõe que as tendências neoliberais ou neoconservadoras que pleiteavam à omissão do Estado no controle da economia reduzindo o Estado ao mínimo não correspondiam aos anseios sociais, de modo que a reestruturação organizacional do Poder Público tornou-se tema recorrente.
Ademais, na busca pela redefinição da atuação estatal que tivesse mais aptidão para atender as demandas da nova conjuntura econômico-social surge como alternativa o modelo gerencial de Estado, também conhecido como “nova administração”.
A perspectiva gerencial de Estado é oriunda de modelos e estratégias administrativas utilizadas no âmbito empresarial. Na seara da Administração Pública o modelo gerencial para Bresser Pereira (1998, p.7) provém da ideia de que os Estados democráticos são mais do que meros instrumentos de garantia ao direito de propriedade e da autonomia privada, o Estado é, portanto um ente dotado de legitimidade conferida pela vontade popular cujo munus público impõe a formulação e aplicação de política públicas estratégicas com vistas à atuação ágil, eficiente e otimizadas do aparelho estatal.
No tocante as características do modelo gerencial sob o enfoque de melhorias que aquele representa quanto ao paradigma burocrático de Estado Bresser Pereira elenca os traços básicos do modelo gerencial:
É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos. (1998, p. 28)
No que diz respeito à superioridade do modelo gerencial frente ao modelo burocrático verifica-se que enquanto a Administração Pública burocrática preocupa-se demasiadamente com o controle preventivo à corrupção e ao nepotismo, fazendo-o através do controle dos procedimentos o modelo gerencial, por sua vez, pugna pela responsabilização do gestor, realizada mediante controle de desempenho traçado por critérios e metas de desempenho antecipadamente determinadas.
Já no que concerne a redefinição do papel do Estado brasileiro, denominada reforma administrativa, pontualmente, Santos (2006, p.3) identifica a decisão política que norteava o paradigma de Estado a ser adotado, qual seja a abertura da participação do capital privado na infraestrutura do país ocorrida no decurso do governo de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo, durante seu primeiro mandato (1995-1998).
Nesse passo, sobre o real significado da reforma do Estado e sobre os pontos imprescindíveis à sua reestruturação Bresser Pereira explica que:
A reforma provavelmente significaria reduzir o Estado, limitar suas funções como produtor de bens e serviços e, em menor extensão, como regulador, mas implicará também ampliar suas funções no financiamento de atividades que envolvam externalidades ou direitos humanos básicos e na promoção da competitividade internacional das indústrias locais. (1998, p.23)
Ao discorrer sobre a intensidade da intervenção estatal brasileira e seus reflexos no desenvolvimento da economia, em contraponto a tendência de maximização da participação do setor privado em áreas antes restritas a atuação estatal, atrelada, ainda, a constante inquietação com a qualidade, satisfação da população, bem como, com o controle de gastos da administração, Santos expõe:
[...] a noção de que a intervenção estatal deveria ser reduzida, em prol do desenvolvimento da economia de mercado, resultou na imposição, independentemente de seus custos sociais, de políticas de ajustamento ou de reformas estruturais voltadas a reduzir o déficit público e a abrir caminho para a participação do setor privado em várias áreas cuja atuação era, tradicionalmente, reservada ao governo. No entanto, a grande questão consistia em saber se o setor privado iria garantir um patamar qualitativo de produto – e de universalização satisfatória – em relação a toda população brasileira (2006, p.3).
Ocorre que, não bastava “reduzir o déficit” do Estado era preciso buscar a qualidade e controlar gastos. No tocante à busca pela eficiência do Estado - que em linhas gerais se resume em diminuição dos custos e aumento da qualidade através da aplicação de métodos e estratégias racionalmente definidas e planejadas com fito da maior satisfação dos cidadãos e do desenvolvimento - Bresser Pereira (1998, p. 11) elenca como razão precípua o processo de globalização que acirrou a competição entre os países. O que tornou a administração pública burocrática obsoleta, consolidando a adoção do modelo gerencial baseado na descentralização e desconcentração do Estado, ou seja, voltada para o controle dos resultados e não mais do controle dos procedimentos.
Ademais, ressalta Bresser Pereira (1998, p.12) que a reforma administrativa requer a profissionalização da administração pública, ou seja, a criação de burocracias capacitadas e com autonomia contraria, portanto, ao modelo racional legal baseado na centralização e no controle formal de procedimentos.
Outrossim, salienta Bresser Pereira que a proteção dos direitos públicos carecia da democratização, ou seja, a efetividade do controle social do Poder Público dependia da real democracia participativa. Desse modo o sobredito autor, pontualmente, ao discorrer sobre a importância da democracia como instrumento hábil ao controle do Estado preleciona que “a democracia devia ser aprimorada para se tornar mais participativa ou mais direta, e a administração pública burocrática devia ser substituída por uma administração pública gerencial”. (1998, p. 2).
Nesse diapasão, cumpre ressaltar que, a reforma administrativa requer produção normativa para sua efetividade e legitimidade no Estado democrático de direto, qual seja a adequação das atribuições e competências dos entes e órgão que compõem a Administração Pública às reais necessidades sociais, política e econômicas. Posto que no Estado cujo regime de governo seja a democracia o seu atuar pauta-se na lei. É o que se infere do comando constitucional determina que a Administração Pública reger-se-á pelo princípio da legalidade disposto no caput do artigo 37 da Carta Magna de 1998.
Quanto à adoção do modelo gerencial no Brasil, o agente político precursor da sua implementação, Fernando Henrique Cardoso (1998, p.15), informa que reformar o Estado não equivale a desmantelá-lo, motivo pelo qual a reforma não equivale à desorganização, tampouco a diminuição da capacidade regulatória ou de liderança do processo de mudanças, definidor de seu rumo.
Neste passo, Fernando Henrique Cardoso discorre que modificar o Estado é, preliminarmente, abandonar visões do passado assistencialista e paternalista, que se concentravam em ações diretas para produção de bens e serviços. Por fim, salienta “que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor.” (1998, p.15).
Não obstante, a estruturação e planejamento da reforma administrativa requeiram intensa produção legislativa, sendo esta atividade indispensável, posto que o Estado Democrático de Direito requeira condutas lastreadas nas normas, ora na alteração ou ratificação dos diplomas existente, ora na criação de novos institutos. A mera elaboração de atos normativos que desenhem um Estado mais atuante e competente, por si só não finda as mudanças proclamadas.
No tocante as alterações na administração, sobretudo, quanto à ideia de qualidade e eficiência dos serviços públicos, Bresser Pereira salienta que:
Isto significa que nós temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas gerenciais que introduzam na cultura do trabalho público as noções indispensáveis de qualidade, produtividade resultados, responsabilidade dos funcionários, entre outras. (1998, p.17).
No concernente às alterações e inovações legislativas destaca-se a Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, que foi responsável por grandes modificações no regime sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas.
No tocante a relevância que a inovação normativa que a EC n° 19 de 1998 significou para o Estado brasileiro, sobretudo sob aspecto administrativo e político Bresser Pereira revela que:
Depois de amplamente debatida, a emenda constitucional da reforma administrativa foi remetida ao Congresso Nacional em agosto de 1995. À emenda seguiu-se a publicação de um documento ( Presidência da República do Brasil, 1995) sobre a reforma administrativa – o Plano diretor da reforma do aparelho do Estado -, cuja proposta básica é transformar a administração pública brasileira, de burocrática, em gerencial. Essa transformação passou a ser uma questão nacional. (1998, p. 22)
A sobredita Emenda Constitucional, dentre outras alterações ratificou o fulcro do Estado traçado sob o modelo gerencial ao inserir na cabeça do artigo 37 da Constituição brasileira o princípio da eficiência, exigindo que toda a performance da Administração Pública tenha espeque naquele princípio.
Deste modo, convém retomar com a devida minúcia ao conceito de eficiência, importa ratificar, ainda, que a função administrativa é sempre finalista, pois é exercida em nome e em favor de terceiro, razão pela qual não pode se escusar do agir com eficiência, sendo esta um conceito jurídico delineado que condiciona a validade e legitimidade do agir estatal, transcendendo, portanto a relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados. Sobre o sentido do termo eficiência ensina Paulo Modesto que:
O termo eficiência não é privativo de nenhuma ciência; é um termo da língua natural, apropriado pelo legislador em sua acepção comum ou com sentido técnico próprio. São os juristas, como agentes ativos no processo de construção do sentido dos signos jurídicos, os responsáveis diretos pela exploração do conteúdo jurídico desse princípio no contexto do ordenamento normativo nacional. [...] Se entendemos a atividade de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas, temos de admitir como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente (2010, p. 107).
Ao desempenhar suas funções sob a égide do princípio constitucional da eficiência à Administração Pública é compelida à adotar uma estrutura nova, marcada pelos processos denominados como desconcentração e descentralização.
Nesse passo, sobre a reforma da estrutura do Estado e sua relação com a nova estratégia de gerencia da administração que deixa de ser burocrática e patrimonialista e passa a ser gerencial, Bresser Pereira discorre:
A administração pública gerencial envolve, [...], uma mudança na estratégia de gerência, mas essa nova estratégia deve ser posta em prática em uma estrutura administrativa reformada. A ideia geral é descentralizar, delegar autoridade. Mas é preciso ser mais específico, definir claramente os setores que o Estado opera, as competência e as modalidades de administração mais adequada a cada setor. (1998, p. 33)
Com efeito, a desconcentração é a fragmentação oriunda da criação de órgãos dentro de um mesmo ente, marcada pela repartição de funções. De modo que para Santos (2006, p.46) via de regra essa distribuição ocorre com vistas à aproximação entre o serviço e o cidadão, posto que geralmente incide no âmbito geográfico. Na desconcentração a administração central fica encarregada do planejamento, coordenação, controle e supervisão da atividade estabelecendo diretrizes e princípios que alicerça o desempenho da atividade.
Por outro lado, a descentralização é um fenômeno mais complexo e profundo e funda-se na transferência de atribuição e, para tanto pressupõe a existência de pessoa distinta do Estado investida de poderes de administração, com vista ao exercício de atividades públicas ou desempenho de funções de utilidade pública.
Nesse diapasão, verifica-se que o modelo gerencial de Estado, surge da ampliação da concorrência dos Estados Nacionais frente às crescentes demandas do mundo globalizado, é marcado pela vinculação da atividade estatal à eficiência o que impõe o controle dos fins e não dos meios, por ser este afeto ao modelo burocrático. Outrossim, o modelo gerencial preza pela flexibilização e distanciamento do Estado da economia, restando a este as funções essenciais, a exemplo dos serviços vinculados ao exercício dos poderes de polícia. Por fim, tem-se que no modelo gerencial o provimento de produtos e serviço é designado à iniciativa privada, desde que observados a qualidade e os preços justos.