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Terceirização na administração pública e o princípio constitucional da eficiência

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11/05/2014 às 16:41
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4. TERCEIRIZAÇÃO E A SUA (IN) APLICABILIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Com vistas a uma melhor compreensão acerca das hipóteses de aplicabilidade da terceirização na Administração Pública brasileira faz-se imperiosa a necessidade de examinar os conceitos trazidos pela ciência da Administração, visto que se trata de uma técnica de gestão; bem como uma análise detida sobre a regulamentação a que o fenômeno da terceirização está submetida no âmbito dos Direitos Privado e Público, respectivamente. A fim de examinar posteriormente a relação entre o uso da terceirização e a aplicabilidade do princípio constitucional da eficiência.

4.1 CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO

A Terceirização é uma prática administrativa decorrente de uma estratégia empresarial, que visa, sobretudo, a diminuição dos custos de produção e a maximização da qualidade com vistas à maior eficiência e competitividade. Assim, convém avocar o ensinamento de Diogo Palau Flores dos Santos:

Trata-se de forma de condução dos negócios empresariais, em que se objetiva definir o que seja mais conveniente à empresa em face da competitividade. Portanto, a ideia de terceirização corresponde à constatação das formas distintas de organização relacionadas ao aspecto estratégico (2010, p.19.).

Desse modo, observa-se que o conceito de Terceirização é muito mais afeto à Ciência da Administração, e às Ciências Econômicas do que ao Direito. Portanto, a este último incumbe examinar a viabilidade jurídica das pretensões de terceirizar diante do direito positivo.

No que tange o escorço histórico da adoção da terceirização como estratégia administrativa, observa-se que esta técnica foi primeiramente adotada na gestão de capitais privados, em razão do emergente processo de globalização. Assim, o fenômeno da globalização impunha às empresas a diminuição dos custos com mão-de-obra e o aumento da qualidade dos bens produzidos em prol de garantir alguma competitividade em um mercado em constante expansão.

Diante do exposto, pode-se afirmar que a terceirização é uma atividade de gestão, um processo de reestruturação competitiva, decorrente dos fenômenos da globalização e flexibilização das relações trabalhistas, não obstante seu conteúdo jurídico. São dois os objetivos precípuos da terceirização, o primeiro consiste na otimização dos serviços prestados, visto que o objeto do contrato é uma empresa capacitada, organizada, especialista na prestação do serviço contratado o último é o barateamento dos custos de produção, principalmente, mão-de-obra.

Nesse passo, terceirizar figurava como modo de obter a prestação de um serviço de qualidade sem os ônus advindos da relação trabalhista. Pois a empresa contratante limita-se ao pagamento de determinada quantia estabelecida pela prestação do serviço enquanto outra empresa especializada na prestação do serviço contratado incumbe-se de todas as obrigações decorrentes da relação trabalhista, que ultrapassam os gastos pela remuneração das horas trabalhadas e incluem a título de exemplo os custos do aperfeiçoamento do trabalho a ser prestado. Nesse sentido, tem-se que a empresa contratada especializada lucra em razão da sua especificidade, enquanto a empresa contratante lucra ao voltar-se apenas para o seu objeto social descrito no seu estatuto.

Impende ressaltar que, a terceirização visa afastar a incidência do vínculo empregatício caracterizado pelos requisitos de onerosidade, subordinação, não-eventualidade e pessoalidade, ambos dispostos no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, Consolidação das Leis Trabalhista, (CLT), in verbis: “Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

No que concerne a aplicação da terceirização no Brasil, verifica-se que mais do que apenas a adoção de uma técnica de gestão a terceirização significou uma forma de sobreviver ao crescente acirramento do mercado. Nesse sentido, discorre Márcio Pochmann ao examinar o fenômeno das terceirizações no Brasil:

O movimento de terceirização dos contratos da mão-de-obra pela empresas no Brasil atendeu ao objetivo maior de assegurar a sua própria sobrevivência num contexto demarcado pela ampliação da competição intercapitalista desregulada e vinculada à inserção subordinada e passiva da economia nacional à globalização (2002, p.52.).

4.1.2 REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO PRIVADO

No concernente à regulamentação das terceirizações pelo Direito Privado observa-se que tal fenômeno apresenta maior repercussão nas matérias afetas ao Direito Trabalhista, posto que a terceirização consolida uma dicotomia entre o fim precípuo da empresa, qual seja o lucro, da força produtiva, sendo esta última o trabalhador.

Nesse sentindo, dentre os contornos doutrinários afetos ao Direito do Trabalho convém observar a definição de terceirização apresentada pelo festejado Mauricio Godinho Delgado:

[...] é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a estes os laços justrabalhistas, que se preservam fixos com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviço, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora deste trabalhador envolvido (2007, p. 430).

Ocorre que, como a terceirização apresentava-se como uma perspectiva de maximização do desempenho das empresas e não havia qualquer regulamentação legal a este respeito gradativamente deu-se um aumento dos litígios envolvendo terceirizações, sobretudo na seara trabalhista.

As lides tinham como principal fato gerador a discussão quanto à responsabilidade dos passivos trabalhistas decorrentes das terceirizações. Desse modo, o fulcro das demandas era referente à natureza e os limites da responsabilidade da empresa que figurava como contratante dos serviços prestados pela contratada que por negligência, dolo ou insolvência não adimplia com as obrigações advindas das relações trabalhistas existente,apenas, entre a empresa contratada (terceira) e seus funcionários (terceirizados).

Nesse diapasão, em virtude do silêncio do Poder Legislativo em normatizar a matéria e em razão das divergências dos julgados em sede da Justiça do Trabalho o Tribunal Superior do Trabalho (TST) exarou enunciado de Súmula n° 239 em 1985, cujo conteúdo relava que o TST rechaçava qualquer modalidade de terceirização, a fim de preservar os vínculos empregatícios convencionais e assim proteger o trabalhador, in verbis:

SUM-239    BANCÁRIO. Empregado DE EMPRESA DE PROCESSAMENTO DE DADOS (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 64 e 126 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros. (primeira parte - ex-Súmula nº 239 - Res. 15/1985, DJ 09.12.1985; segunda parte - ex-OJs nºs 64 e 126 da SBDI-1 - inseridas, respectivamente, em 13.09.1994 e 20.04.1998)Histórico: Súmula mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003Redação original - Res. 15/1985, DJ 05, 06 e 09.12.1985Nº 239 Bancário. Empregado de empresa de processamento de dadosÉ bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico.

Contudo, logo após constatou-se que as terceirizações por mais que fossem repelidas pelas jurisprudências prelecionadas pelo TST não podiam ser ignoradas, pois consubstanciavam uma realidade cada vez mais presente. Desse modo, posteriormente uma Súmula foi exarada pelo TST com fito de regulamentar e consolidar um posicionamento acerca das terceirizações.

Sobre a conjectura que deu azo à construção doutrinária da sobredita Súmula do TST, discorre Rodrigo de Lacerda Carelli que:

Com o crescimento de casos de terceirização ocorrido em meados dos anos 80, o Tribunal Superior do Trabalho começou, a esta época. A julgar casos a esse respeito, formando já um grande acervo de decisões, todas no sentido de rechaçar qualquer tipo de terceirização. O primeiro enunciado de súmula sobre a matéria a surgir foi o de n° 239, aprovado pela Resolução Administrativa do TST de n° 15/85, publicado no Diário da Justiça da União do dia 09 de dezembro de 1985. [...] Logo após foi aprovado o Enunciado n° 256, pela Resolução Administrativa n° 04/86, publicado no Diário da Justiça da União de 30 de setembro de 1986 (2003, p.105).

Impende ressaltar que, não obstante houvesse na doutrina e na jurisprudência de forma majoritária um posicionamento contrário à terceirização a pressão exercida pelo capital privado compeliu paulatinamente que tal técnica administrativa fosse tão somente limitada e não abolida.

Nesse passo, cumpre observar o posicionamento de José Eduardo Faria a respeito da influência que as empresas exercem nos processos decisórios internos dos Estados no capitalismo globalizado, inclusive no que se refere às legislações trabalhistas:

À medida que o livre comércio se generaliza, as disputas pelo mercado se tornam mais acirradas e as empresas transnacionais passam a atuar como sistemas integrados, os processos decisórios nacionais são submetidos a pressões desregulamentadoras – sob a forma de privatizações de serviços essenciais, alienação de empresas públicas, revogação de monopólios estatais, substituição de estratégias protecionistas pela liberalização comercial, flexibilização da legislação trabalhista, redução de encargos sociais etc. – e acabam sendo reformulados ou redesenhados (2008, p. 31)

Nesse desiderato, o TST em vez de se contrapor completamente às terceirizações objetivou regulamentá-las, para tanto exarou a Súmula n° 256, versando sobre a ilegalidade de terceirização ressalvados os casos referentes a serviços temporários ou de vigilância, in verbis:

SUM-256    CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.Histórico: Revista pela Súmula nº 331 - Res. 23/1993, DJ 21.12.1993 e 04.01.1994Redação original - Res. 4/1986, DJ 30.09.1986, 01 e 02.10.1986

Ocorre que, o supramencionado enunciado não atendeu plenamente aos anseios do capital privado, visto que se fazia necessária a ampliação das hipóteses de terceirização lícita a fim de que os custos fixos de produção fossem minimizados em prol do alargamento da competitividade. Para tanto a Súmula nº 256 do TST fora revisada.

Assim, emerge a Súmula nº 331 do TST, dispondo sobre aos critérios distintivos da regularidade e irregularidade da terceirização, abarcando além das hipóteses antes versadas na Súmula nº 256 do TST, os casos em que os serviços especializados se restrinjam as atividade-meio da empresa contratante. Desse modo, a Súmula nº 331 do TST qualifica apriori como ilegal qualquer terceirização que tenha por objeto uma atividade-fim da empresa contratante;

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SUM-331    CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).Histórico: Súmula alterada (Inciso IV)  - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 (grifo nosso)

Cumpre salientar, que a rotulação de terceirização ilícita impõe que a empresa contratante arque com as obrigações decorrentes da relação empregatícia que buscou evitar através da terceirização, tornando inviável a competitividade da empresa frente ao mercado globalizado, ainda que tal responsabilidade seja subsidiária.

4.2.2 REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO PÚBLICO

No âmbito do Direito Público observa-se que não obstante o caput do artigo 37 da Constituição Federal disponha que a Administração Pública pautar-se-á no princípio da legalidade, dentre outros, ou seja, o Poder Público no exercício de suas atribuições deve agir nos moldes e limites prescritos em lei, há muitas matérias carentes de normatização, dentre elas o tema ora versado, a terceirização, não encontra guarida legal que disponha especificada e exaustivamente acerca dos critérios e limites da aplicação desta técnica de gestão na Administração Pública Federal.

Desse modo, ante a ausência de legislação específica que regulamente a aplicação da terceirização na Administração Pública a fim de solucionar as questões atinentes à matéria o Poder Público se apropria das construções jurisprudenciais construídas em sede do Direito Privado, especialmente do Direito do Trabalho.

Assim, observa-se que embora haja uma lacuna no que concerne à regulamentação minuciosa da terceirização empregada na Administração Pública há esparsas previsões à seu respeito. Neste passo, ao analisar o escorço histórico da legislação brasileira no que concerne a terceirização, dispõe Rodrigo de Lacerda Carelli:

A Legislação Brasileira, outrossim, vem, em textos legislativos esparsos, realizado previsões sobre a terceirização. O primeiro texto foi sem dúvida o Decreto-Lei n° 200/67, que dispôs sobre a organização da Administração Pública Federal brasileira (2003, p. 116-117).

Nesse sentido, ressalta-se que muito embora o sobredito Decreto-Lei n° 200 de 1967 não regulamente propriamente a terceirização, eleva a descentralização à princípio fundamental da Administração Pública Federal, como se vê do artigo 6º, inciso III do supramencionado Decreto-Lei, in verbis: “Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: (...) III – Descentralização”.

Ademais, cumpre asseverar que o Decreto-Lei n° 200 de 1967 ao dispor sobre a descentralização informa que, além de ser um meio de desobrigar a Administração Pública da execução direta das tarefas, propiciando a facilitação e o aumento da importância dada aos processos de gestão da coisa pública, é um modo de conter o crescimento da máquina estatal. É o que se infere do artigo 10, § 7º do já referido Decreto-Lei, ipsi literis:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

(...)

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Nesse desiderato, em decorrência das divergências que levaram à má aplicação do Decreto-Lei n° 200 de 1967, foi criado o Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, que dispõe sobre a terceirização no âmbito federal. Desse modo, acerca das circunstâncias que ensejaram a concepção do Decreto Federal n° 2.271/97 discorre Carelli:

Por ter havido várias distorções quanto à aplicação do Dec. Lei n° 200/67, que foi utilizado para colocação de pessoal por meio de contratos de prestação de serviços, e para bem demonstrar a diferenciação entre terceirização de serviços e intermediação de mão-de-obra, foi posto na ordem jurídica nacional o Decreto n° 2.271/97, para disciplinamento da contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, havendo no mesmo claras disposições para evitar o desvirtuamento da contratação de serviços pelo Administração Pública (sic) (2003, p. 117).

No tocante a terceirização realizada no âmbito dos Estados, verifica-se como exemplo, a regulamentação do Estado da Bahia que por meio do Decreto Estadual n° 12.366 de 30 de agosto de 2010, que ao estabelecer normas atinentes à contratação de serviços terceirizados necessários ao funcionamento das atividades básicas de caráter geral dos órgãos e entidades da Administração Pública do Poder Executivo Estadual traça um rol com as atividades consideradas passíveis de serem terceirizadas, in verbis:

Art. 2º - São considerados serviços terceirizados, para efeito deste Decreto:

I - conservação e limpeza;

II - copa e cozinha;

III - suporte administrativo e operacional a prédios públicos;

IV - manutenção predial;

V - vigilância e segurança patrimonial;

VI - transporte;

VII - limpeza e higienização de roupas, tecidos e correlatos.

Com efeito, o supramencionado Decreto Estadual, além de pormenorizar as atividades objeto de terceirização, finca um marco legislativo que traça diretrizes lógicas para a aferição da legalidade das terceirizações promovidas pelo Poder Público não se limitando a verificação de se tratar de atividade-meio ou atividade-fim:

Art. 3º - Não será admitido o trespasse à execução indireta das atividades próprias, típicas e fundamentais do Estado, sobretudo àquelas inerentes ao poder de polícia, tampouco as que decorram do exercício de atribuições legalmente estabelecidas para os cargos e empregos dos órgãos ou entidades interessados na contratação, exceto, nesta última hipótese, quando se tratar de cargo cuja desnecessidade tenha sido declarada por Lei. (grifo nosso)

Neste diapasão, verifica-se que no Estado da Bahia qualquer terceirização cujo objeto seja a execução de atividades típicas e fundamentais do Estado, sendo estas as que são ínsitas ao exercício do poder de polícia ou decorram do exercício de atribuições advindas de lei serão consideradas ilícitas.

Ademais, importa ressaltar que embora a Súmula nº 331 do TST se proponha inicialmente à regulamentar os limites e consequências das terceirizações no âmbito do Direito trabalhista traz consigo disposições que repercutem na seara da Administração Pública, no momento em dispõe que embora não gere vínculo de emprego a contratação irregular de trabalhador, decorrente de terceirização, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, inclusive quando se trata de entidades ou órgãos públicos. É o que se infere dos itens II e IV da Súmula nº 331 do TST, in verbis:

SUM-331    CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003(...)

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).(...)

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).Histórico: Súmula alterada (Inciso IV)  - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 (grifos nossos)

Contudo, verifica-se que o inciso IV da sobredita Súmula se contrapõe frontalmente ao disposto no artigo 71, § 1º da Lei n° 8.666 de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, ipsi literis:

Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (grifo nosso)

Em face do exposto, foi ajuizada pelo Governador do Distrito Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 16 (ADC-16), no Supremo Tribunal Federal, em razão do item IV, do enunciado de súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho contrariar o dispositivo legal supramencionado por imputar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública em relação aos créditos trabalhistas quando figurar como tomadora dos serviços terceirizados.

Nesse passo, foi julgada, no dia 24 de novembro de 2010, procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, declarou a constitucionalidade do art. 71, parágrafo 1º da Lei 8.666/1993 onde prevê, como visto acima, que inadimplência da empresa contratada em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo seu adimplemento.

Há, com efeito, que ressaltar a observação apresentada por Alice Monteiro de Barros (2009, p. 539) que sustenta que embora a previsão do art. 71 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, tenha o fim de eximir a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos encargos assumidos pela empresa contratada para a prestação de serviços, tal fundamentação não merece prosperar no sentido de que, se for admitida a isenção legal, esta implicaria em conceder ao Poder Público que se beneficiou da atividade dos empregados.

Nesse passo, observa-se que com a aplicação do item IV do enunciado de súmula 331 do TST, havia uma incidência imediata da responsabilidade subsidiária das tomadoras dos serviços prestados, sob a fundamentação da culpa in vigilando e in elegendo.

Impende ressaltar que, não obstante a decisão em comento, proferida em sede da ADC-16, obste a responsabilidade subsidiária imediata do Poder Público, tem-se que em razão do direito/dever da Administração Pública de fiscalizar e gerir os contratos firmados - consoante dispõe o artigo 58, inciso III da Lei n° 8.666 de 1993, in verbis, “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: (...)III - fiscalizar-lhes a execução;” - confirmada a ineficiência do órgão público contratante em fiscalizar o adimplemento dos créditos trabalhistas dos prestadores dos serviços nos autos do processo judicial, resta à possibilidade de ser discutida a responsabilidade dos servidores públicos, nos termos do art. 37, § 6º da Carta Magna, além das sanções administrativas e penais cabíveis, sem prejuízo dos ditames legais previstos na Lei 8.429, de 02 de junho de 1992, que versa sobre a improbidade administrativa.

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Sobre a autora
Carolina Lima Gonçalves

Advogada. Conciliadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário – IBET.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Carolina Lima. Terceirização na administração pública e o princípio constitucional da eficiência . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3966, 11 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28140. Acesso em: 23 abr. 2024.

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