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Terceirização na administração pública e o princípio constitucional da eficiência

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11/05/2014 às 16:41
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5 TERCEIRIZAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA EFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Inicialmente, convém rememorar que o Estado é uma ficção sócio-jurídica, cuja finalidade é a busca do bem comum. Assim, tem-se que mesmo de modo ínfimo e simples, o ser humano a fim de organizar-se em sociedade cria instrumentos e instituições destinadas a gerir os conflitos de interesses intrínsecos à vida em grupo.

Nesse sentido, por ser oriundo das relações de poder de uma determinada sociedade o Estado acompanhou e tornou-se reflexo das modificações sociais. Transformações que atingem o paradigma estatal vigente e advém, sobretudo, das demandas que qualificam e ensejam o sentido de bem comum de um determinado povo, em um determinado território, em um momento histórico específico.

Tem-se como exemplo o ocorrido quando da alteração dos Estados Liberais, onde o indivíduo pugnava pela atuação mínima do Estado, para o Estado Social de Direito, momento em que o cidadão passa a exigir à ação constante do Estado.

No Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que consubstanciou na retomada da democracia restou claramente evidenciado que um dos alicerces no qual se funda Estado Democrático Brasileiro é o bem-estar, conforme dispõe o Preâmbulo da Carta Magna: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar (...)”. Mas não é só isso. A promoção do bem de todos constitui um dos objetivos fundamentais da República, in verbis, “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Nesse desiderato, a atuação da Administração Pública deve ser voltada para a implementação dos objetivos traçados na Constituição Federal. Desse modo, não basta à mera prestação dos serviços públicos, estes devem ser prestados da melhor forma a fim de atender a obrigação de manter o serviço adequado, conforme preleciona o artigo n° 175, inciso IV da Constituição Federal.

Assim, como definição de serviço adequado convém observar a redação do artigo nº 6, § 1º, da Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” (grifos nossos)

Nesse passo, observa-se que o dever da Administração Pública de prestar serviço adequado não se restringe a mera obrigação formal, mas consubstancia um direito fundamental dos cidadãos. Assim, convém avocar o conceito de direito fundamental à boa Administração Pública apresentado pelo festejado Juarez Freitas:

[...] o direito fundamental à boa Administração Pública, que pode ser assim compreendido: trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a convergência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem.( 2009, p. 22). (grifos nossos)

Nesse sentido, observa-se que a implementação do modelo gerencial de Estado no Brasil a reforma administrativa proclamada em meados da década de noventa, cujo balaustre normativo se perfaz com a Emenda Constitucional n° 19, de 04 de junho de 1998, que promoveu alterações nas previsões constitucionais a respeito da estrutura administrativa, dentre elas a inclusão da eficiência como princípio constitucional norteador da conduta da Administração Pública, expresso no artigo 37 caput da Carta Magna.

Assim, a alteração efetuada pela sobredita Emenda Constitucional ratifica a ideia de que a atuação do Poder Público está adstrita a incessante busca pela eficiência, de modo que o gestor público tem a obrigação de pugnar pela solução mais eficiente, não bastando a mera observância dos demais princípios anteriormente expressos na Constituição Federal, quais sejam legalidade, impessoalidade e moralidade, com vista à alcançar o objetivo do Estado de garantir o bem de todos através da tutela dos direitos fundamentais, com ênfase ao direito implícito da boa administração pública.

Nesse passo, a respeito da vinculação do administrador público à observância da eficiência quando do desempenho das suas funções, principalmente, nas escolhas administrativas, ensina Juarez Freitas:

[...] os princípios da eficiência (dever de fazer de modo certo), da eficácia (dever de fazer aquilo que deve ser feito) e da economicidade (dever de otimizar a ação estatal) o administrador público, no exercício das escolhas administrativas, está obrigado a trabalhar tendo como meta a melhor atuação. Em outro diz, tem o compromisso indeclinável de encontrar, uma solução ponderada quanto às consequências do seu agir. (2009, p. 31-32)

Outrossim, nesse desiderato verifica-se que é inadmissível qualquer conduta administrativa que não se atente ao dever de eficiência, posto que a atividade de gestão pública tem como finalidade atender as demandas sociais, consoante salienta Paulo Modesto:

[...] Se entendemos a atividade de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas, temos de admitir como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente (2010, p. 107.).

Ante o exposto, ressalta-se que no atual paradigma de Estado, cuja atuação na prestação de serviços tem que ser eficiente, a terceirização se mostra como um dos meios hábeis à conformação da técnica de gestão que tem por finalidade a maximização do bem comum. Nesse sentindo assevera, Santos:

Assim, a terceirização é utilizada como instrumento de emprego dos recursos de forma eficiente. Perceba-se que não se está a afirma que a terceirização não possui um custo para o Estado (pois toda transação possui um custo), mas que essa forma de estrutura estratégica corresponde a uma tentativa de se alocar eficientemente os recursos públicos (2010, p. 46.).

Observada a importância e contribuição da terceirização para o atendimento das finalidades precípuas do Estado e a sua capacidade de auxiliar a otimização dos serviços públicos, questiona-se a legitimidade de distinção e limitação das terceirizações entre regulares e irregulares sob o critério que distingue atividade fim e atividade meio.

Importa ressaltar que, quando se efetua a opção pela terceirização não se exime a Administração do dever de fiscalizar e controlar os seus contratos. Conquanto o Estado deve manter-se vigilante às questões referentes à adimplência pelos contratados dos encargos que decorrem da prestação dos serviços objeto dos acordos firmados, conforme determina o artigo 58, inciso III da Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666 de 1993).

No que concerne a motivação para adoção da técnica da terceirização, verifica-se que esta decorre da estratégia governamental e da ideologia empregada. Nesse sentido, impõe-se que em razão da necessidade de eficiência o impedimento absoluto de terceirizar significaria, notadamente um engessamento da máquina administrativa, pois a terceirização é uma estratégia de gestão que visa empregar economicidade à administração dos recursos que são escassos frente às demandas ilimitadas. Nesse sentindo, assevera Santos:

Assim, de acordo com a conformação teórica de estado, pode-se dar uma ou outra definição da expressão “manifestação da vontade do Estado”, o que pode ser recomendável, a depender da estratégia governamental a ser empregada. Por outro lado, eventual entendimento que possa ser considerado definitivo a respeito da referida expressão pode conduzir a um “engessamento” da atividade administrativa, indo de encontro ao que se afirmou a respeito da necessidade de eficiência com os recursos públicos. [...] não se pode impedir a terceirização, tendo em vista que se trata apenas de uma forma de a Administração se posicionar estrategicamente diante da escassez de recursos na sociedade. Assim, não se pode proibir que determinadas atividade possam ser terceirizadas, conquanto a terceirização não se relaciona com eventual redução de direito. A investigação a respeito das possibilidades desse tipo de contratação deve ser feita considerando os custos dessa transação e, a depender do posicionamento político que se adote, da competência essencial (2010, p. 53).

Ademais, no que tange a atual regulamentação das terceirizações no Direito Público brasileiro observa-se que a limitação do uso das terceirizações não decorre do exame entre critérios que estejam relacionados à respectiva natureza dos serviços públicos prestados e as respectivas demandas sociais, deixando a aferição da legalidade à mera verificação a priori se se trata de atividade-fim ou atividade –meio, desconsiderando qualquer aspecto relativo ao principio constitucional da eficiência. Nesse sentido, sobre o critério condicionante da legalidade das terceirizações no âmbito do Direito Público discorre Santos:

Assim, pode-se afirmar que, a depender da especificidade do ativo, a terceirização pode-se tornar eficiente para a Administração Pública, cabendo analisar cada caso, não se podendo estabelecer, a priori, quando se pode terceirizar ou não (2010, p. 50.). (grifo nosso)

Há, com efeito, que ressaltar que o critério condicionante da legalidade das terceirizações estabelecido pela Súmula nº 331 do TST não é suficiente, para atestar, indubitavelmente, a licitude ou ilicitude de uma terceirização, mesmo em sede do Direito Privado. Desse modo, o requisito a ser utilizado para verificar a regularidade da terceirização não reside simplesmente no objeto da contratação e sim nos demais requisitos essências à configuração do vínculo empregatício conforme explana Rodrigo de Lacerda Carelli:

[...] Mesmo em sendo atividade-meio do empregador, havendo fornecimento de trabalhadores para executarem suas tarefas com pessoalidade e subordinação direta ao tomador, formar-se-á o vínculo direto com a tomadora. Note-se que não se trata de declaração de ilegalidade da terceirização, e sim a constatação do vínculo, que preexiste à constatação, pois impossível a atividade de fornecimento de mão-de-obra no regramento jurídico brasileiro, com exceção do fornecimento de trabalho temporário por empresas especializadas, desde que respeitados os requisitos da lei própria. [...] Saliente-se, no entanto, que a discussão sobre atividade-fim e meio é secundária para a resolução do problema enfrentado. Novamente repetimos que a viga mestra, limite da legalidade em termos de terceirização, é a diferença entre terceirização verdadeira e mera intermediação de mão-de-obra [...]. (2003, p.112-113). (grifos nossos)

Nesse passo, cumpre asseverar que a limitação às terceirizações pela Administração Pública decorre da natureza dos seus serviços, sendo imprescindível examinar o caso concreto para aferir a possibilidade de terceirizar ou não determinado serviço. Assim, deve-se vislumbrar os ditames constitucionais, a demanda, os custos e a respectiva eficiência alcançada com a adoção da terceirização.

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Desse modo, nas atuações que por sua natureza requerem uma vinculação especial entre o funcionário e o Estado deve ser preservado os seus deveres e prerrogativas, a fim de igualmente garantirem a sua eficiência. Como exemplo, têm-se as funções atinentes à execução do poder de polícia inerente à Administração Pública, outras funções, por sua vez, podem e devem ser descentralizadas, conforme explana Juarez Freitas:

[...] os administradores que exercem funções típicas e finalísticas de Estado (funções essenciais), além de terem a garantia de acesso impessoal do concurso público, merecem a proteção adicional de anteparos formais e substanciais contra voluntarismos residuais do coronelismo mandonista e enxugamentos lineares e destituídos de motivação razoável . [...] Tais anteparos não deve servir – está claro – para a acomodação dos agentes públicos, mas para que tenham uma espécie de couraça no exercício de atividades indelegáveis, como é o caso do “poder de polícia administrativa” . Essa segurança mínima, em vez de estimular a indolência, mostra-se tendencialmente prestimosa ao cumprimento fiel dos princípios constitucionais, em lugar da obediência acrítica aos ditames ou influências de chefes e poderosos da hora. (2009, p. 124)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como principal finalidade analisar os aspectos da Terceirização bem como a sua atual regulamentação no Direito brasileiro e a sua relação com a aplicabilidade do princípio constitucional da eficiência.

Viu-se que a substância jurídica da Terceirização é de um contrato de prestação de serviços, cuja característica mais marcante encontra-se na transferência dos encargos de atuação de uma atividade que o sujeito está compelido a realizar.

Nesse desiderato, verificou-se que em sede da Administração Pública, a Terceirização é um dos modos de atuar descentralizado do Estado, cuja previsão constitucional se faz presente no artigo 175 da Carta Magna, o qual prevê a prestação indireta dos serviços públicos. Ademais, a terceirização decorre da tendência oriunda do processo de globalização, e consiste na convergência de esforços e recursos entre as entidades estatais e a iniciativa privada, com desígnio de ampliar a eficiência no emprego dos recursos econômicos, a fim de gerar serviços públicos de maior qualidade com respectiva diminuição de custo.

Nesse sentido, observou-se que a terceirização é uma estratégia de gestão cada vez mais adotada pelo Poder Público, em razão do dever do Estado de assegurar o direito fundamental à boa administração pública aos cidadão que somente se perfefaz no momento em que os serviços públicos são eficiêntes, de modo que atigem aos fins a que se propõem, levando o Estado à alcançar seu objetivo precípuo traçado pela Constituição Federal, qual seja a promoção do bem de todos.

Ante ao todo exposto entendemos que a pré-determinação da regularidade das terceirizações pela Administração Pública com base, apenas, no critério de tipo de atividade prestada constitui um óbice à aplicabilidade plena do princípio constitucional da eficiência. Portanto faz-se necessária uma análise que abarque as peculiaridades dos casos concretos e utilize de critérios outros; mais atentos aos ditames constitucionais, à realidade dos serviços públicos brasileiros e, principalmente, às demandas da sociedade.

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Sobre a autora
Carolina Lima Gonçalves

Advogada. Conciliadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário – IBET.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Carolina Lima. Terceirização na administração pública e o princípio constitucional da eficiência . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3966, 11 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28140. Acesso em: 19 abr. 2024.

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