Resumo: O valor máximo para aplicação do princípio da insignificância no caso de crimes tributários – posicionamento do STJ e do STF. Palavra-chave: Valor Máximo. Princípio da Insignificância. Posicionamentos.
Sumário: 1. Regra Geral Sobre a Aplicação do Princípio da Insignificância. 2. Limite Máximo Para Aplicação do Princípio da Insignificância. 3. Portaria do Ministério da Fazenda nº 75, de 24.03.2012. 4. Posição do Superior Tribunal de Justiça. 5 – O que decidiu o Supremo Tribunal Federal? 6. Considerações Finais.
1. Regra Geral Sobre a Aplicação do Princípio da Insignificância
A jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme no sentido de que para o reconhecimento do crime de bagatela é necessário cumular quatro requisitos: i) mínima ofensividade da conduta; ii) inexistência de periculosidade social da ação; iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e iv) inexpressividade da lesão jurídica.
O princípio da insignificância também pode ser invocado como decorrência dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade. Nesta senda, impor prisão ou condenação criminal por crimes de diminuta dimensão não se justificaria por sua desproporcionalidade.
Segundo João Mestieri (Manual de direito penal. volume I. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 138):
A ausência de tipicidade pela insignificância do suporte fático (crime de bagatela) é a hipótese mais interessante. Sendo certo que a sanção penal deva ser usada apenas quando a rebeldia individual contra o mandamento normativo geral não possa ser obviada de outro modo (princípio da intervenção mínima), é necessário entender-se que não será qualquer violação formal do tipo que deva ensejar o reconhecimento da tipicidade.
Na hipótese de infrações penais tributárias é cabível a aplicação do princípio da insignificância, nos crimes previstos na lei 8.137/90, bem como no previsto no art. 334 do Código Penal Brasileiro. Não há qualquer vedação legal que impeça a sua incidência.
No entanto, ultrapassados esses requisitos, qual o valor máximo para que se possa aplicar a um crime tributário o princípio da bagatela?
2. Limite Máximo Para Aplicação do Princípio da Insignificância
O Superior Tribunal de Justiça, com fulcro no art. 20 da lei 10.522/2002, reconhece a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, nos casos em que o débito tributário não ultrapasse o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 105, III, A E C DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. I - Segundo jurisprudência firmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas - incide o princípio da insignificância aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02 II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20/08/2009), mas em prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema Corte. Recurso especial desprovido (REsp 1.112.748/TO, Terceira Seção, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 13.10.2009).
3. Portaria do Ministério da Fazenda nº 75 de 24.03.2012
Com o advento da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, segundo a qual, em seu inciso II, do art. 1º, o Ministro da Fazenda determinou o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), passou-se a se argumentar que este seria o novo valor para que fosse possível aplicar o princípio da insignificância na hipótese de crimes tributários.
O tema chegou às instâncias superiores, tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido de uma forma e o Supremo Tribunal Federal de outra.
4. Posição do Superior Tribunal de Justiça
Para o Superior Tribunal de Justiça, o novo valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), fixado mediante portaria ministerial, não tem o condão de produzir efeitos penais, alterando a aplicação do princípio da insignificância.
Um dos fundamentos utilizados pela Corte de Justiça foi o de que a portaria é um veículo introdutório secundário, o qual não pode alterar o disposto em uma lei ordinária, veículo introdutório primário. Outra razão para que não seja possível a utilização do novo patamar monetário estabelecido é o de que por ter sido o mesmo fixado administrativamente, não pode subordinar o exercício da jurisdição penal.
Dessa forma, para o STJ continua a prevalecer o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para fins de aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido:
AgRg no AGRAVO EM Recurso Especial Nº 331.852 - PR (2013/0145794-6) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO PARA FINS DE INSIGNIFICÂNCIA. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O agravante não apresentou argumentos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental. 2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.409.973/SP, firmou entendimento no sentido de não ser possível a aplicação do parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) trazido na Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda para reconhecer a insignificância nos delitos de descaminho, haja vista, num primeiro momento, a impossibilidade de se alterar lei em sentido estrito por meio de portaria. 3. Não foi a lei que definiu ser insignificante, na seara penal, o descaminho de valores até dez 10.000,00 (dez mil reais), foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei, não sendo correto, portanto, fazer referida vinculação de forma absoluta, ou seja, toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar. 4. A alteração dos valores que justificam a instauração de execução fiscal é definida dentro dos critérios da conveniência e oportunidade da administração pública, o que inviabiliza a aplicação do mesmo entendimento no âmbito penal. 5. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível em recurso especial, porquanto a matéria é reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.
Não obstante o entendimento acima esboçado, o Supremo Tribunal Federal assim não decidiu.
5. O que decidiu o Supremo Tribunal Federal?
A Corte Constitucional de Justiça, no recentíssimo julgamento do HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014, assim se manifestou:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art 20 da Lei n.º 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Na espécie, aplica-se o princípio da insignificância, pois o descaminho envolveu elisão de tributos federais que perfazem quantia inferior ao previsto no referido diploma legal. 4. Ordem concedida.
Em seu voto, a Ministra Rosa Weber destacou:
Recentemente, o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o arquivamento de execuções fiscais, estabelecido pela Lei 10.522/2002, foi majorado para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelas Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Desse modo, as execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podem ser arquivadas, aplicando-se o princípio da insignificância.
Oportuno destacar que este Supremo Tribunal Federal já tem considerado o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), fixado pelas mencionadas Portarias do Ministério da Fazenda, como parâmetro de aplicação do princípio da insignificância nesses casos.
Citou a Ministra Relatora o seguinte precedente:
(...) I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. (HC 118.000/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 17.9.2011)
Sendo assim, para o STF, quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da lei 10.522/2002, com as atualizações realizadas pelas Portarias do Ministério da Fazenda, o princípio da insignificância deverá ser aplicado. Atualmente este valor é de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
6. Considerações Finais
Diante de todo o exposto, verifica-se, atualmente, que para o Superior Tribunal de Justiça, o valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância, no caso de crimes tributários, é o previsto no art. 20 da lei 10.522/2002, ou seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Já para o Supremo Tribunal Federal, este valor é de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), considerando-se o teor do inciso III, do art. 1º da Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012, a qual atualizou o limite estabelecido por lei.
O entendimento do STF, possivelmente, deverá prevalecer, considerando-se que as decisões supracitadas demonstram que a tendência é que a jurisprudência dos Tribunais Superiores apliquem o princípio da insignificância jurídica nos crimes fiscais, quando o comprometimento ao erário público, pelo não pagamento de tributos devidos, não ultrapasse os limites estabelecidos pelo próprio Estado.
Referências
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
COÊLHO, Sasha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
LOPES. Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 331.852 - PR (2013/0145794-6)
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HC 118.000/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 17.9.2011.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014.