5 – COOPERATIVAS DE TRABALHO
Para Martins (2008, p. 36), as cooperativas de trabalho têm o seguinte conceito: "A denominação cooperativas de trabalho engloba as cooperativas de produção ou serviço e as de mão-de-obra", "as cooperativas de trabalho têm por objetivo conseguir trabalho para os associados" (MARTINS, 2008, p. 50). (grifo nosso).
Grifa-se o termo trabalho para destacar que não se trata de emprego, quer dizer, a cooperativa de trabalho presta serviço aos seus associados simplesmente buscando serviços para eles prestarem a um tomador, e não vínculos empregatícios, como faria uma agenciadora de empregos, ou uma empresa de trabalho temporário.
Nessa esteira, o parágrafo único do art. 442 da CLT já dispõe desde 1994 que não existe vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa e seus associados, nem entre esses e os tomadores de serviço daquelas; além dos parágrafos 4º e 5º do art. 30 da Lei 8.212/91 enquadrarem o sócio de cooperativa como contribuinte individual, e não como empregado.
Entretanto, essa preocupação do legislador em inspirar confiança nos negócios entre as cooperativas e outras pessoas ou sociedades - deixando claro a separação existente entre cooperado, cooperativa e tomador de serviço, além de indiretamente estimular o cooperativismo - foi tornada sem efeito por alguns atos estatais que acabaram por desistimular o cooperativismo, como será visto item 8, "REFORMA JURÍDICA", do presente estudo.
Já em relação às cooperativas de produção, conforme Martins (2008), são aquelas nas quais se associam pessoas que já possuem os meios de produção para a fabricação de bens materiais a fim prestarem serviços aos associados pela busca de contratantes que queiram comprar esses produtos.
Portanto, as cooperativas de mão-de-obra prestam serviço aos seus associados no sentido de buscarem tomadores que tenham interesse em contratar a força de trabalho dos cooperativados, enquanto as cooperativas de produção buscam interessados em contratarem os cooperativados para fabricarem bens materiais a partir de equipamentos da cooperativa, o que leva a entender que no primeiro caso se trata da venda de um bem imaterial, e no segundo de produtos corpóreos.
Conforme Martins (2008), existe ainda distinção entre cooperativa de trabalho e cooperativa de mão-de-obra no que concerne ao tipo contratação que os associados fazem com o tomador: a primeira vende serviços, enquanto a segunda vende a força de trabalho.
Em síntese, as cooperativas de trabalho podem ser divididas conforme o bem que elas vendem, material ou imaterial, sendo chamadas de cooperativas de produção as que detém o meio de fabricação de determinados produtos; de serviços as que são formadas por associados que detém o know how do serviço; e de mão-de-obra as que não possuem os meios de produção e vendem a força de trabalho.
Poderia alguém questionar a incoerência da cooperativa de mão-de-obra dentro do sistema cooperativista, uma vez que aquele tipo de cooperativa de fato não dispensa a figura do capitalista. Todavia tal cooperativa elimina a empresa intermediária de trabalho temporário.
Ainda conforme Pereira (2006, p. 119),
"a cooperativa de mão-de-obra não está desvinculada do espírito que informa o cooperativismo, porquanto opera vendendo serviços na qualidade de mandatária de seus cooperados e estes que executam as tarefas o fazem em nome daquela, numa espécie do gênero trabalho autônomo".
Nesse ponto, vale ressaltar a diferença entre cooperativa de trabalho e empresa de trabalho temporário. Essa visa ao lucro. Dessa forma, existe uma fator preponderante para a distinção: o ganho sobre o trabalho exercido pelo operário.
Isso provoca calafrios aos seguidores de Karl Marx, pois se trata da mais-valia sobre a mais-valia, ou seja, além do lucro que o operário dá ao tomador de serviço por meio de seu suor, ele ainda é fonte de lucro para a empresa intermediadora.
Distingue-se ainda a cooperativa de trabalho dos sindicatos, pois estes têm como objetivo a defesa de interesses trabalhistas. Quanto a distinção entre cooperativa e associação, isso já foi explanado no item 2 do presente artigo.
Existe hodiernamente um embate acerca das cooperativas de trabalho, sobretudo no âmbito político-legislativo. É que a legislação brasileira, por ser, aquela cooperativa, uma espécie do gênero sociedade cooperativa e pela natureza jurídica prórpria e definida dessas, trata os cooperados da cooperativa de trabalho como qualquer outro cooperado, ou seja, sem levar em consideração eventuais direitos sociais (trabalhistas) que possam dizer respeito às cooperativas de trabalho.
Dessa forma, o associado de uma cooperativa de trabalho não tem os direitos sociais conquistados à muita luta pela classe dos empregados e trabalhadores avulsos. O que é uma discrepância, haja vista serem as cooperativas de trabalho uma resposta das pessoas aos problemas de emprego, mais-valia, condições de trabalho, ou baixos salários. Tratam-se, pois, de indivíduos que não encontram emprego satisfatório, ou que fugiram de subempregos, e procuram uma alternativa se unindo a outros, e que acabam por perder importantes direitos como FGTS, férias, dentre outros.
Nessa linha, são desvantagens do sistema cooperativista:
"1. perda da carteira assinada e dos direitos de empregado;
2. podem existir fraudes que visam prejudicar os direitos dos trabalhadores;
3. muitas vezes, o trabalhador entra na cooperativa pensando que terá os mesmos direitos que um empregado". (MARTINS, 2008, p. 83).
Vê-se aqui, na verdade, um desistímulo ao cooperativismo que deve ser urgentemente resolvido conforme ordem constitucional do parágrafo 2º, art. 174.
Na opinião de Singer (2004, p. 02), "é preciso garantir ao trabalhador cooperador os direitos humanos do trabalho, que devem ser tão irrenunciáveis para ele quanto para o assalariado".
Isso reforça a ideia de existir um ramo específico no meio jurídico para tratar das cooperativas, o Direito Cooperativo, o qual poderia dar um melhor tratamento ao cooperativismo, inclusive em casos difíceis como esse das cooperativas de trabalho, entendendo-lhes não como uma sociedade civil qualquer, mas respeitando a forte essência social que elas têm.
Reforça-se, ainda, o interesse público que existe nesse sistema que é o cooperativismo.
6 – AS RECOMENDAÇÕES DA OIT
As Recomendações 127 e 193 da OIT tratam sobre as cooperativas (países em desenvolvimento) e a promoção das cooperativas, respectivamente. A primeira é de 1966, da qual se destaca:
"II. Objetivos de una Política sobre Cooperativas
2. En los países en vías de desarrollo, el establecimiento y la expansión de las cooperativas deberían ser considerados como uno de los factores importantes del desarrollo económico, social y cultural, así como de la promoción humana.
3. En particular, deberían establecerse y desarrollarse cooperativas como un medio para:
a) mejorar la situación económica, social y cultural de las personas con recursos y posibilidades limitados, así como fomentar su espíritu de iniciativa;
b) incrementar los recursos personales y el capital nacional mediante el estímulo del ahorro, la supresión de la usura y la sana utilización del crédito;
c) contribuir a la economía con un elemento más amplio de control democrático de la actividad económica y de distribución equitativa de excedentes; [...]"
Percebe-se evidentemente que as cooperativas são mundialmente consideradas como um eficiente meio de desenvolvimento econômico e humano nas mãos de um governo, sendo hábil para melhorar os mais variados fatores nas vidas das pessoas.
Em outro ponto da recomendação é aduzido:
"4. Los gobiernos de los países en vías de desarrollo deberían elaborar y poner en práctica una política bajo la cual las cooperativas reciban, sin que su independencia se vea afectada, ayuda y estímulo económico, financiero, técnico, legislativo y de otro carácter."
Aqui, a OIT deixa claro que o cooperativismo é de interesse público e, portanto, não pode o estado ficar omisso ou deixar o assunto em segundo plano na elaboração de suas políticas.
Em outros pontos da recomendação supra citada, a OIT sugere amplamente a atuação ativa do estado, quer dizer, que esse, sem interferir na autonomia das sociedades cooperativas, intervenha de maneira a ajudar, ou facilitar, a atividade dessas, não deixando-as sozinhas sob o argumento de impossibilidade de intervenção7.
Outra parte muito importante na Recomendação 127 da OIT é a que fala da educação e formação sobre o cooperativismo:
B. Educación y Formación
14. Se deberían tomar medidas para difundir, lo más ampliamente posible, el conocimiento de los principios, métodos, posibilidades y limitaciones de las cooperativas entre las poblaciones de los países en vías de desarrollo.
15. Se debería dar una enseñanza apropiada, no solamente en escuelas y colegios cooperativos y otros centros especializados, sino también en instituciones educativas, tales como:
a) universidades y establecimientos de enseñanza superior;
b) escuelas para personal docente;
c) escuelas de agricultura y otros establecimientos de formación profesional, así como centros de educación obrera;
d) establecimientos de segunda enseñanza;
e) establecimientos de primera enseñanza.
[...]16. 1) Deberían estimularse la creación y el funcionamiento de cooperativas de estudiantes en escuelas y colegios, a fin de proporcionar a los alumnos una experiencia práctica en los principios y métodos de la cooperación.[...]".
É clara a importância dada à divulgação irrestrita sobre o cooperativismo - o que incotestavelmente está longe de acontecer na prática no Brasil, tornando ainda mais difícil a manutenção das cooperativas existentes, uma vez que é imprescindível a consciência solidária e de economia que os cooperados devem ter para resistir às dificuldades que uma cooperativa pode enfrentar – bem como o desenvolvimento de incubadoras para a criação dessas sociedades – algo também raro de se ver8.
A Recomendação 193 do mesmo organismo internacional, a qual data de 2002, já em seu intróito reafirma a importância das sociedades cooperativas para o desenvolvimento amplo e sustentável de uma sociedade, não mais restringindo essa importância aos países em desenvolvimento como o fez na recomendação anterior sobre o mesmo tama.
Considera aquele diploma internacional de 2002, ainda em sua parte introdutória, relevantes fatores, como o princípio contido na Declaração de Filadélfia de que “trabalho não é mercadoria”; o fato de a globalização ter criado novas e diferentes exigências, problemas, desafios e oportunidades para as cooperativas9, e que se impõem modalidades mais sólidas de solidariedade humana em âmbitos nacional e internacional para facilitar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da globalização; e que as cooperativas, em suas várias formas, promovem a mais plena participação no desenvolvimento econômico e social de todos os povos; dentre outros.
Como foi dito, a OIT reconsiderou, com essa última recomendação, seu entendimento quanto à aplicação que deve ser feita em relação ao desenvolvimento do cooperativismo: "Medidas deveriam ser tomadas para promover o potencial de cooperativas em todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento". (grifo nosso).
Outra sugestão interessante e nova em relação à Recomendação 127 é a que se refere às organizações de empregadores e trabalhadores, informando a relevância e responsabilidade que esses institutos devem assumir na promoção do cooperativismo.
No mais, aquele organismo internacional reafirma a necessidade de se dar mais empenho ao reconhecimento e adoção pelas políticas públicas para que se permita alcançar os benefícios que o cooperativismo tem a proporcionar, além de substituir a Recomendação 127.
7 – ÓBICES AO ÓTIMO DESENVOLVIMENTO DAS COOPERATIVAS
Muitas são as dificuldades que encontram as sociedades cooperativas. Algumas são de cunho econômico, como a concorrência, a qual é travada com as empresas capitalistas, tanto pelo maior capital que essas têm - o que inspira maior confiança (crédito) perante terceiros e que permite melhores investimentos, tecnologias e preços - como também pela falta de consciência das pessoas em, muitas vezes, não preferirem contratar com as sociedades cooperativas conquanto por um preço maior, mas com um valor social agregado.
Isso denota a necessária intervenção estatal10 no sentido de conceder privilégios financeiros às cooperativas.
Um outro enfrentamento econômico é a própria falta de estímulo estatal. Percebe-se uma política antagônica ao espírito cooperativista quando atividades empresariais são postas em primeiro plano pelo governo - como o microempreendedor individual, que agora está na moda - em detrimento de ações ligadas à economia solidária ou cooperativista.
Para não se deixar o cooperativismo de lado, políticas como essa deveriam ser tomadas em conjunto e harmonia com outras. À guisa de exemplo, no caso citado acima, poderia ser determinado que as cooperativas estariam isentas de impostos ao contratar empreendedores.
Existem ainda desafios culturais à implementação do cooperativismo, principalmente no que diz respeito ao próprio comportamento humano. É que para a implementação de uma sociedade cooperativa é essencial um comportamento não concorrente11, com o qual as pessoas geralmente não foram educadas e tampouco estão acostumadas.
Na opinião de Oliveira (2006), o que sustenta a cooperativa (a sua alma) é a sensação de confiança e mútua dependência, da pluralidade, alteridade, união de esforços com respeito às divergencias afastando a reiteração de discriminações ou privilégios iníquos. Para ele, há uma dificuldade de conduzir tais valores, uma vez que há contradições, naturalmente humanas, aos princípios do cooperativismo, e afirma: "Não é nada fácil assimilar e rapidamente incorporar novas formas de pensar e de agir, colocando-as em prática, de modo a sempre levar em consideração o outro, a cada instante da vida". (OLIVEIRA, 2006, p. 21).
Por isso mesmo, o autor supracitado ainda defende ser fundamental o treinamento12 dos associados antes de serem admitidos na cooperativa, para que aprendam conceitos sociais, econômicos, empresariais e jurídicos, ressaltando que a "orientação solidaria é desconhecida da quase totalidade dos que almejam se tornar futuros cooperantes. Não foi nesta direção que as orientações predominantes em nossas vidas nos afeiçoaram". (OLIVEIRA, 2006, p. 22). Seguindo o raciocínio, o autor cita uma resposta de entrevista em que a entrevistada cooperante confessa que em sua vida sempre foi educada a competir, dando exemplo das relações familiares, mas que na cooperativa a educação passa a ser diferente, afirmando que é minima, ou perfeitamente administrável (a competição).
Outra característica cultural, no que concerne o comportamento humano e que dificulta ainda mais a sobrevivência dessas sociedades, é a notável aversão política que têm os cidadãos brasileiros. Contudo, o caráter político13 é outro pilar do sistema cooperativista, uma vez que os associados devem entrar em comunhão e resolverem suas questões em conjunto e de forma direta, sem haver privilégios a alguns, tampouco exclusão de qualquer um deles nessa atividade democrática.
Uma forma de resolver esse cenário é reeducando as pessoas que desejam participar ou que já integrem uma cooperativa. Para tanto, apenas exemplificando, poderia o governo divulgar o cooperativismo de forma ampla (não apenas para uma região em potencial ou grupo de trabalhadores), incentivar a iniciativa das pessoas nesse sentido, além de criar uma quantidade maior de incubadoras, e tornar obrigatórias disciplinas que ensinem sobre o cooperativismo nas escolas.
Se não houver esse estímulo "forçado" pela política educacional, fica muito difícil para as cooperativas se desenvolverem. Conforme Andrioli (2004),
"A práxis é o processo em que, a partir da materialidade, a consciência humana reflete a prática e produz uma nova forma de intervenção na realidade, continuando o movimento numa nova abstração da realidade e assim sucessivamente. É isso que conceitualmente foi denominado como Teoria Dialética do Conhecimento. A educação é precisamente o momento teórico de reflexão da prática, embora se converta em prática ao ser desenvolvida. Podemos compreender assim a importância do uso das categorias teóricas para entender uma prática e, conscientemente, transformá-la."
As estatísticas demonstram de fato que o cooperativismo não está se desenvolvendo. É o que confirma o estudo feito pela OCB Sescoop, no qual foram levantados os dados sobre o cooperativismo no Brasil nos últimos anos. Nesse estudo é demonstrado que as cooperativas de trabalho sofreram um decréscimo em sua quantidade de sociedades ativas no Brasil.
Vale frisar que além da significativa queda que tem ocorrido nas cooperativas de trabalho - de 322.735, em 2001, para 260.891, em 2009 (OCB, 2010) - há de ser considerado que muitas dessas sociedades não passam de cooperativas de fachada.
Ocorre ainda um desistímulo provocado pela burocracia que se dá ao tratamento das cooperativas, como se vê, a título de exemplo, na seguinte matéria jornalística:
"Burocracia emperra cooperativismo
Aumento no número de entidades não passará de 3% no ano.
RAQUEL BOCATO
DA REPORTAGEM LOCAL
[...]É o que comprova a Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo). Em 2003, a entidade deu início a um cadastro provisório para acompanhar e orientar o processo de formação das cooperativas. Dos 195 registros emitidos naquele ano, 52 foram cancelados em 2005.
Os dados da entidade mostram que 75% das cooperativas que tiveram o registro cancelado ignoraram exigências legais, como registrar-se na Junta Comercial, promover adequações em livros e atas e encaminhar guias de recolhimento à Previdência Social. As que não fizeram alterações no estatuto social somam 15%. Os 10% restantes não entregaram documentos como ata do conselho e convocação para assembléia.
'As que não foram aprovadas não se interessaram em formar uma cooperativa da forma como deve ser feita. A Ocesp presta assessoria, ministra palestras e dá um ano para que elas se ajustem”, esclarece o presidente da organização, Evaristo Machado Netto[...]'." (Publicado em 11 de dezembro de 2005 por Romildo Gouveia Pinto).
Vê-se, pois, que as questões que envolvem as sociedades cooperativas não são apenas econômicas mas alcançam fatores intrínsecos aos valores e qualidade de vida/dignidade humanos, sendo, portanto, um dever do estado a proteção dessas iniciativas privadas.